• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

MAPA GEOMORFOLÓGICO DE MATO GROSSO: PERSPECTIVAS PRELIMINARES A PARTIR DOS CONCEITOS DO SISTEMA BRASILEIRO DE CLASSIFICAÇÃO DE RELEVO

Autores

  • RICARDO MICHAEL PINHEIRO SILVEIRAUNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDONÓPOLISEmail: ricardomichaelps@gmail.com

Resumo

O trabalho apresenta a concepção e os resultados do mapeamento geomorfológico de Mato Grosso, em desenvolvimento, contemplando três níveis hierárquicos: 1º táxon (formas de relevo): planícies, superfícies rebaixadas, planaltos e montanhas; 2º táxon (unidades morfoestruturais): crátons, bacias sedimentares e sistemas orogênicos; 3º táxon (unidades de relevo), individualizadas a partir de padrões regionais morfográficos (homogeneidade morfológica) e/ou padrões regionais morfogenéticos (homogeneidade de processos). Objetiva-se, a partir da apresentação dos resultados preliminares, enfatizar as discussões acerca das contribuições de publicações prévias, dos conceitos e hierarquias/classes taxonômicas debatidas no Sistema Brasileiro de Classificação de Relevo e do potencial de utilização de atributos geomorfométricos para a cartografia geomorfológica em escala regional.

Palavras chaves

Cartografia geomorfológica; Morfoestrutura; Modelo Digital de Elevação; Bacia sedimentar; Planalto

Introdução

Desde as publicações pioneiras sobre o relevo do estado de Mato Grosso (RONDON, 1933; LÖFGREN, 1946; AB’SABER, 1954; BRITO JUNIOR, 1955), perpassando as contribuições derivadas do Projeto RadamBrasil (1980; 1982) até os mapeamentos geomorfológicos mais recentes (ROSS, 1991; WERLE e SILVA, 1996; SANTOS, 2000; MORAES, 2010; IBGE, 2019), denota-se a diversidade conceitual empregada nas representações. A ênfase dos mapeamentos mato-grossenses, no entanto, se atém às formas – o que converge com o contexto nacional, já que a escola brasileira de cartografia geomorfológica é essencialmente morfográfica (SILVEIRA e SILVEIRA, 2021). No contexto recente, o estabelecimento do Sistema Brasileiro de Classificação de Relevo (SBCR) vem reunindo a comunidade geomorfológica em prol de avanços na estruturação da cartografia geomorfológica brasileira (BOTELHO e PELECH, 2020; IBGE, 2020), cujas discussões resultaram em conceitos vinculados ao 1º táxon (grandes formas de relevo) e 2º táxon (unidades morfoestruturais), conforme CEN/SBCR (2022). Em paralelo, no âmbito operacional, os recursos e procedimentos metodológicos vinculados à geomorfometria (HENGL e REUTER, 2009) subsidiam aplicações para a modelagem e classificação do relevo, favorecendo, assim, processamentos parametrizados outrora restritos a critérios imprecisos de delimitação. O relevo de Mato Grosso, segundo Silveira (2023), foi modelado em consonância à variabilidade litológica e os efeitos da erosão diferencial; à tectônica/neotectônica e os processos isostáticos decorrentes que, favorecidos pelos lineamentos e falhamentos, derivaram grabens, horsts e níveis de base regionais; às flutuações climáticas; ao processo de ocupação do território, em perspectiva geomorfológica atual. Mato Grosso é contemplado por porções cratônicas, antigos orógenos e bacias sedimentares, submetidas a paleoclimas que resultaram em paleosuperfícies poligenéticas, além das extensas planícies e megaleques fluviais, relevos residuais, planaltos dissecados e cimeiras preservadas na forma de chapadas. Este trabalho apresenta os resultados parciais do projeto “Mapeamento geomorfológico do estado de Mato Grosso”, desenvolvido na Universidade Federal de Rondonópolis. Embora o projeto objetive o mapeamento geomorfológico até o 5º nível taxonômico (padrões de vertentes), são apresentados, neste trabalho, os resultados do mapeamento até o 3º táxon (condizente às unidades de relevo). Busca-se trazer uma discussão acerca das contribuições de publicações prévias, dos conceitos e hierarquias/classes taxonômicas debatidas no Sistema Brasileiro de Classificação de Relevo e do potencial de utilização de atributos geomorfométricos para o mapeamento geomorfológico em escala regional.

Material e métodos

A elaboração do mapeamento se ateve, inicialmente, às questões semânticas usadas para expressar os modelos conceituais sobre o relevo e, posteriormente, aos parâmetros de classificação vinculados sobretudo à geometria dos objetos a serem identificados. Em suma, o mapa geomorfológico buscou conciliar o histórico da produção da cartografia geomorfológica mato-grossense, os frutíferos debates recentes da comunidade geomorfológica nacional e as perspectivas teórico- metodológicas da modelagem digital do relevo e da geomorfometria. Conceitualmente, a atribuição das classes pertencentes ao 1º nível taxonômico (grandes formas de relevo) e ao 2º nível taxonômico (unidades morfoestruturais) seguiram as discussões que vêm sendo tratadas no âmbito do Sistema Brasileiro de Classificação de Relevo (IBGE, 2020; CEN/SBCR, 2022). Para o 1º táxon, com exceção dos tabuleiros, o estado de Mato Grosso contempla todas as formas presentes em território nacional: planaltos, planícies, superfícies rebaixadas e montanhas. No 2º táxon constam bacias sedimentares, sistemas orogênicos e crátons. Quanto ao 3º táxon, embora os debates no SBCR ainda não tenham avançado para a formulação de diretrizes, entende-se que tal nível categórico pode representar a subdivisão morfológica. No presente trabalho, o 3º táxon foi definido como unidades de relevo, individualizadas a partir de padrões regionais morfográficos (homogeneidade morfológica) e/ou padrões regionais morfogenéticos (homogeneidade de processos). Operacionalmente, após a definição dos objetos a serem mapeados, foram definidos os parâmetros de classificação geomorfológica. O 1º táxon foi cartografado por critérios morfométricos, utilizando-se como dado de entrada o Modelo Digital de Elevação (MDE) Copernicus (resolução espacial de ~30 metros) para o cálculo dos atributos geomorfométricos derivados. As planícies foram mapeadas pelo atributo denominado White Top Hat, calculado com raio de 1 km e tendo como limiar de representação os valores inferiores a 10, cujo resultado se sobrepôs às demais classes no produto final. As montanhas foram modeladas tendo como referência o valor de amplitude altimétrica superior a 300 metros (raio de 1 km), alta declividade no terço superior das vertentes (>15%) e presença de topos aguçados (excluindo-se, assim, as escarpas dos planaltos sedimentares com topos planos no reverso), além de ter continuidade espacial. Para as superfícies rebaixadas (SR) foi considerada a análise regional dos valores de altimetria a partir do seguinte critério: SR < (MédiaMDE_5km – 0,5 DesvPadMDE_5km). Ou seja, considerou-se como limiar a média da elevação (raio de 5 km) subtraída por meio (0,5) desvio padrão do valor de elevação (raio de 5 km). Os planaltos, por fim, foram representados pelos parâmetros inversos das demais formas de relevo citadas. O 2º táxon, relacionado aos condicionantes estruturais, foi mapeado a partir de uma adaptação das unidades propostas pelo IBGE (2019) e CPRM (LACERDA FILHO et al., 2004; MORAES, 2010). O 3º táxon, por fim, manteve a identidade de algumas unidades morfológicas de mapeamentos prévios (cujas toponímias são consagradas na literatura geomorfológica local), enquanto outras foram subdivididas a fim de manter a padronização conceitual. Todas, no entanto, foram delimitadas a partir de padrões dos atributos geomorfométricos, principalmente a declividade e o relevo sombreado. As classes contemplaram chapadas, patamares, serras, depressões, sistemas de leques fluviais, planícies alagadas, planícies interplanálticas, planaltos em distintos níveis de dissecação e superfícies pediplanadas, por exemplo.

Resultado e discussão

Referente ao 1º nível taxonômico (Figura 1), salienta-se, inicialmente, que o mapeamento semiautomatizado a partir de atributos geomorfométricos teve correlação com as principais formas de relevo características do estado de Mato Grosso presentes em publicações prévias em escala semelhante – principalmente as planícies, que têm limites mais perceptíveis e, portanto, menor subjetividade. As três maiores planícies do estado (Pantanal, a sul, Guaporé, a sudoeste e Bananal, a leste) foram identificadas com precisão, além das demais planícies que acompanham os principais rios das bacias hidrográficas do estado. A presença de montanhas no estado de Mato Grosso é amparada pela literatura, uma vez que trabalhos como o de Ross (2014, p. 181) e da CPRM (MORAES, 2010), por exemplo, caracterizem o relevo da Faixa Paraguai como domínio montanhoso. Os demais trabalhos citam a região como “Província Serrana” ou terminologias afins. Trata-se da forma de relevo com menor representatividade espacial no 1º táxon, mas que resguarda aspectos morfológicos e estruturais imprescindíveis à compreensão da evolução e dinâmica do relevo mato-grossense. O antigo sistema orogênico (~540 Ma.) representa uma faixa que cruza o estado de sudoeste a nordeste. Apenas o núcleo no entorno da Estação Ecológica da Serra das Araras, no entanto, foi considerado como relevo montanhoso. Essa é a porção que sustenta as maiores elevações e amplitudes altimétricas que superam 400 metros. No 3º táxon consta o mapeamento das serras montanhosas paralelas entre si, com centenas de quilômetros, sustentadas por estruturas rochosas de arenitos altamente silicificados. O referido sistema orogênico contém rochas sedimentares depositadas sobre uma margem passiva durante o Neoproterozóico que foram submetidas a dobramentos do Ciclo Brasiliano. As superfícies rebaixadas, do 1º táxon, foram subdivididas no 3º táxon em unidades como: depressão cuiabana (Figura 2), depressão do Alto Paraguai, depressão cratônica do noroeste de Mato Grosso, além de superfícies rebaixadas associadas às transições entre planaltos e planícies. O mapeamento se adequou ao conceito proposto, considerando que tais formas indicam os “relevos mais baixos do que as áreas adjacentes, resultantes de processos denudacionais [...], podendo estar em regiões interplanálticas, intermontanas ou marginais e conter relevos residuais” (CEN/SBCR, 2022). Os planaltos representam a forma de relevo com maior abrangência espacial e também de diversidade de classes nas subdivisões em níveis taxonômicos mais detalhados. Paisagens com toponímias marcantes de Mato Grosso, como a Chapada dos Guimarães (Figura 2), Serra da Petrovina e Serra do Roncador, são unidades individualizadas no 3º táxon. A Serra Santa Bárbara, que culmina com o ponto mais alto do estado (1118 metros), é um relevo de planalto (1º táxon) em cráton (2º táxon) residual com alta dissecação (3º táxon). No 2º táxon (Figura 2), as unidades morfoestruturais se relacionam às províncias geotectônicas que se individualizam por características litológicas e estruturais. As áreas de bacia sedimentar, no estado de Mato Grosso, contemplam duas grandes unidades: a Bacia dos Parecis, a norte, e a Bacia do Paraná, a sul. Ambas se caracterizam como bacias sedimentares do Fanerozóico, cujos processos de acumulação se iniciaram com idade inferior a 540 Ma. As porções cratônicas são associadas ao Cráton Amazonas, que representa as morfoestruturas mais antigas do estado, datadas do pré-Brasiliano (superior a 960 Ma.). O sistema orogênico, conforme contextualizado anteriormente, vincula-se à Província Tocantins (Faixa Paraguai-Araguaia). Embora admita-se que o estado de Mato Grosso possua coberturas residuais endurecidas (cuja classe foi proposta pelo SBCR para compor o 2º nível taxonômico), a maior parte dessas áreas foi agrupada na categoria de bacia sedimentar, visto que a imprecisão para a delimitação dessa morfoestrutura dificulta a sistematização para todo o estado. No 3º táxon, todavia, os planaltos residuais sustentados por coberturas detrítico-lateríticas (atestados pela literatura) foram individualizados. A figura 3 exemplifica os resultados do mapeamento para os três níveis hierárquicos atingidos. O segundo recorte ilustra uma complexa área de transição, no município de Rondonópolis. A unidade identificada no presente trabalho como superfície rebaixada em bacia sedimentar consta, em mapeamentos prévios, como depressão (WERLE e SILVA, 1996) e planalto (IBGE, 2019); o que foi mapeado como planalto em bacia sedimentar é indicado, em publicações antecedentes, como superfícies de aplanamento (SANTOS, 2000), platôs (MORAES, 2010) e planaltos (IBGE, 2019). Há, portanto, significativas divergências conceituais.

Figura 1

Resultados do mapeamento no primeiro táxon

Figura 2

Resultados do mapeamento no segundo táxon

Figura 3

Exemplos do mapeamento até o terceiro táxon

Considerações Finais

O relevo do estado de Mato Grosso expõe uma complexidade geomorfológica que exemplifica os desafios da sistematização hierárquica e conceitual da cartografia geomorfológica. A proposta apresentada demonstrou as aplicações da modelagem do relevo vinculada aos pressupostos teóricos em discussão pelo Sistema Brasileiro de Classificação de Relevo e ao estado da arte da cartografia geomorfológica mato- grossense com base nas publicações pretéritas de relevância. No contexto atual, a consistência de um mapa geomorfológico é dependente da união entre o significado e o significante, entre as atribuições qualitativas (semânticas e ontológicas) a expressão quantitativa das formas de relevo. Na modelagem, essa característica é evidenciada pela geomorfometria geral (extração de parâmetros) e geomorfometria específica (extração de objetos), cujos critérios podem mediar a elaboração de produtos cartográficos de síntese. Nesse sentido, a cartografia geomorfológica encontra na modelagem digital do relevo um importante referencial metodológico para as descrições, análises, quantificações e interpretações geomorfológicas – desde a identificação de unidades de relevo em escala regional até as formas e processos em escala de detalhe, permitindo uma padronização multiescalar e hierárquica.

Agradecimentos



Referências

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