Autores
- RICARDO MICHAEL PINHEIRO SILVEIRAUNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDONÓPOLISEmail: ricardomichaelps@gmail.com
Resumo
O trabalho apresenta a concepção e os resultados do mapeamento geomorfológico de
Mato Grosso, em desenvolvimento, contemplando três níveis hierárquicos: 1º táxon
(formas de relevo): planícies, superfícies rebaixadas, planaltos e montanhas; 2º
táxon (unidades morfoestruturais): crátons, bacias sedimentares e sistemas
orogênicos; 3º táxon (unidades de relevo), individualizadas a partir de padrões
regionais morfográficos (homogeneidade morfológica) e/ou padrões regionais
morfogenéticos (homogeneidade de processos). Objetiva-se, a partir da
apresentação dos resultados preliminares, enfatizar as discussões acerca das
contribuições de publicações prévias, dos conceitos e hierarquias/classes
taxonômicas debatidas no Sistema Brasileiro de Classificação de Relevo e do
potencial de utilização de atributos geomorfométricos para a cartografia
geomorfológica em escala regional.
Palavras chaves
Cartografia geomorfológica; Morfoestrutura; Modelo Digital de Elevação; Bacia sedimentar; Planalto
Introdução
Desde as publicações pioneiras sobre o relevo do estado de Mato Grosso (RONDON,
1933; LÖFGREN, 1946; AB’SABER, 1954; BRITO JUNIOR, 1955), perpassando as
contribuições derivadas do Projeto RadamBrasil (1980; 1982) até os mapeamentos
geomorfológicos mais recentes (ROSS, 1991; WERLE e SILVA, 1996; SANTOS, 2000;
MORAES, 2010; IBGE, 2019), denota-se a diversidade conceitual empregada nas
representações. A ênfase dos mapeamentos mato-grossenses, no entanto, se atém às
formas – o que converge com o contexto nacional, já que a escola brasileira de
cartografia geomorfológica é essencialmente morfográfica (SILVEIRA e SILVEIRA,
2021).
No contexto recente, o estabelecimento do Sistema Brasileiro de Classificação de
Relevo (SBCR) vem reunindo a comunidade geomorfológica em prol de avanços na
estruturação da cartografia geomorfológica brasileira (BOTELHO e PELECH, 2020;
IBGE, 2020), cujas discussões resultaram em conceitos vinculados ao 1º táxon
(grandes formas de relevo) e 2º táxon (unidades morfoestruturais), conforme
CEN/SBCR (2022). Em paralelo, no âmbito operacional, os recursos e procedimentos
metodológicos vinculados à geomorfometria (HENGL e REUTER, 2009) subsidiam
aplicações para a modelagem e classificação do relevo, favorecendo, assim,
processamentos parametrizados outrora restritos a critérios imprecisos de
delimitação.
O relevo de Mato Grosso, segundo Silveira (2023), foi modelado em consonância à
variabilidade litológica e os efeitos da erosão diferencial; à
tectônica/neotectônica e os processos isostáticos decorrentes que, favorecidos
pelos lineamentos e falhamentos, derivaram grabens, horsts e níveis de base
regionais; às flutuações climáticas; ao processo de ocupação do território, em
perspectiva geomorfológica atual. Mato Grosso é contemplado por porções
cratônicas, antigos orógenos e bacias sedimentares, submetidas a paleoclimas que
resultaram em paleosuperfícies poligenéticas, além das extensas planícies e
megaleques fluviais, relevos residuais, planaltos dissecados e cimeiras
preservadas na forma de chapadas.
Este trabalho apresenta os resultados parciais do projeto “Mapeamento
geomorfológico do estado de Mato Grosso”, desenvolvido na Universidade Federal
de Rondonópolis. Embora o projeto objetive o mapeamento geomorfológico até o 5º
nível taxonômico (padrões de vertentes), são apresentados, neste trabalho, os
resultados do mapeamento até o 3º táxon (condizente às unidades de relevo).
Busca-se trazer uma discussão acerca das contribuições de publicações prévias,
dos conceitos e hierarquias/classes taxonômicas debatidas no Sistema Brasileiro
de Classificação de Relevo e do potencial de utilização de atributos
geomorfométricos para o mapeamento geomorfológico em escala regional.
Material e métodos
A elaboração do mapeamento se ateve, inicialmente, às questões semânticas usadas
para expressar os modelos conceituais sobre o relevo e, posteriormente, aos
parâmetros de classificação vinculados sobretudo à geometria dos objetos a serem
identificados. Em suma, o mapa geomorfológico buscou conciliar o histórico da
produção da cartografia geomorfológica mato-grossense, os frutíferos debates
recentes da comunidade geomorfológica nacional e as perspectivas teórico-
metodológicas da modelagem digital do relevo e da geomorfometria.
Conceitualmente, a atribuição das classes pertencentes ao 1º nível taxonômico
(grandes formas de relevo) e ao 2º nível taxonômico (unidades morfoestruturais)
seguiram as discussões que vêm sendo tratadas no âmbito do Sistema Brasileiro de
Classificação de Relevo (IBGE, 2020; CEN/SBCR, 2022). Para o 1º táxon, com
exceção dos tabuleiros, o estado de Mato Grosso contempla todas as formas
presentes em território nacional: planaltos, planícies, superfícies rebaixadas e
montanhas. No 2º táxon constam bacias sedimentares, sistemas orogênicos e
crátons. Quanto ao 3º táxon, embora os debates no SBCR ainda não tenham avançado
para a formulação de diretrizes, entende-se que tal nível categórico pode
representar a subdivisão morfológica. No presente trabalho, o 3º táxon foi
definido como unidades de relevo, individualizadas a partir de padrões regionais
morfográficos (homogeneidade morfológica) e/ou padrões regionais morfogenéticos
(homogeneidade de processos).
Operacionalmente, após a definição dos objetos a serem mapeados, foram
definidos os parâmetros de classificação geomorfológica. O 1º táxon foi
cartografado por critérios morfométricos, utilizando-se como dado de entrada o
Modelo Digital de Elevação (MDE) Copernicus (resolução espacial de ~30 metros)
para o cálculo dos atributos geomorfométricos derivados.
As planícies foram mapeadas pelo atributo denominado White Top Hat, calculado
com raio de 1 km e tendo como limiar de representação os valores inferiores a
10, cujo resultado se sobrepôs às demais classes no produto final. As montanhas
foram modeladas tendo como referência o valor de amplitude altimétrica superior
a 300 metros (raio de 1 km), alta declividade no terço superior das vertentes
(>15%) e presença de topos aguçados (excluindo-se, assim, as escarpas dos
planaltos sedimentares com topos planos no reverso), além de ter continuidade
espacial. Para as superfícies rebaixadas (SR) foi considerada a análise regional
dos valores de altimetria a partir do seguinte critério: SR < (MédiaMDE_5km –
0,5 DesvPadMDE_5km). Ou seja, considerou-se como limiar a média da elevação
(raio de 5 km) subtraída por meio (0,5) desvio padrão do valor de elevação (raio
de 5 km). Os planaltos, por fim, foram representados pelos parâmetros inversos
das demais formas de relevo citadas.
O 2º táxon, relacionado aos condicionantes estruturais, foi mapeado a partir de
uma adaptação das unidades propostas pelo IBGE (2019) e CPRM (LACERDA FILHO et
al., 2004; MORAES, 2010). O 3º táxon, por fim, manteve a identidade de algumas
unidades morfológicas de mapeamentos prévios (cujas toponímias são consagradas
na literatura geomorfológica local), enquanto outras foram subdivididas a fim de
manter a padronização conceitual. Todas, no entanto, foram delimitadas a partir
de padrões dos atributos geomorfométricos, principalmente a declividade e o
relevo sombreado. As classes contemplaram chapadas, patamares, serras,
depressões, sistemas de leques fluviais, planícies alagadas, planícies
interplanálticas, planaltos em distintos níveis de dissecação e superfícies
pediplanadas, por exemplo.
Resultado e discussão
Referente ao 1º nível taxonômico (Figura 1), salienta-se, inicialmente, que o
mapeamento semiautomatizado a partir de atributos geomorfométricos teve
correlação com as principais formas de relevo características do estado de Mato
Grosso presentes em publicações prévias em escala semelhante – principalmente as
planícies, que têm limites mais perceptíveis e, portanto, menor subjetividade.
As três maiores planícies do estado (Pantanal, a sul, Guaporé, a sudoeste e
Bananal, a leste) foram identificadas com precisão, além das demais planícies
que acompanham os principais rios das bacias hidrográficas do estado.
A presença de montanhas no estado de Mato Grosso é amparada pela literatura, uma
vez que trabalhos como o de Ross (2014, p. 181) e da CPRM (MORAES, 2010), por
exemplo, caracterizem o relevo da Faixa Paraguai como domínio montanhoso. Os
demais trabalhos citam a região como “Província Serrana” ou terminologias afins.
Trata-se da forma de relevo com menor representatividade espacial no 1º táxon,
mas que resguarda aspectos morfológicos e estruturais imprescindíveis à
compreensão da evolução e dinâmica do relevo mato-grossense. O antigo sistema
orogênico (~540 Ma.) representa uma faixa que cruza o estado de sudoeste a
nordeste. Apenas o núcleo no entorno da Estação Ecológica da Serra das Araras,
no entanto, foi considerado como relevo montanhoso. Essa é a porção que sustenta
as maiores elevações e amplitudes altimétricas que superam 400 metros.
No 3º táxon consta o mapeamento das serras montanhosas paralelas entre si, com
centenas de quilômetros, sustentadas por estruturas rochosas de arenitos
altamente silicificados. O referido sistema orogênico contém rochas sedimentares
depositadas sobre uma margem passiva durante o Neoproterozóico que foram
submetidas a dobramentos do Ciclo Brasiliano.
As superfícies rebaixadas, do 1º táxon, foram subdivididas no 3º táxon em
unidades como: depressão cuiabana (Figura 2), depressão do Alto Paraguai,
depressão cratônica do noroeste de Mato Grosso, além de superfícies rebaixadas
associadas às transições entre planaltos e planícies. O mapeamento se adequou
ao conceito proposto, considerando que tais formas indicam os “relevos mais
baixos do que as áreas adjacentes, resultantes de processos denudacionais [...],
podendo estar em regiões interplanálticas, intermontanas ou marginais e conter
relevos residuais” (CEN/SBCR, 2022).
Os planaltos representam a forma de relevo com maior abrangência espacial e
também de diversidade de classes nas subdivisões em níveis taxonômicos mais
detalhados. Paisagens com toponímias marcantes de Mato Grosso, como a Chapada
dos Guimarães (Figura 2), Serra da Petrovina e Serra do Roncador, são unidades
individualizadas no 3º táxon. A Serra Santa Bárbara, que culmina com o ponto
mais alto do estado (1118 metros), é um relevo de planalto (1º táxon) em cráton
(2º táxon) residual com alta dissecação (3º táxon).
No 2º táxon (Figura 2), as unidades morfoestruturais se relacionam às províncias
geotectônicas que se individualizam por características litológicas e
estruturais. As áreas de bacia sedimentar, no estado de Mato Grosso, contemplam
duas grandes unidades: a Bacia dos Parecis, a norte, e a Bacia do Paraná, a sul.
Ambas se caracterizam como bacias sedimentares do Fanerozóico, cujos processos
de acumulação se iniciaram com idade inferior a 540 Ma. As porções cratônicas
são associadas ao Cráton Amazonas, que representa as morfoestruturas mais
antigas do estado, datadas do pré-Brasiliano (superior a 960 Ma.). O sistema
orogênico, conforme contextualizado anteriormente, vincula-se à Província
Tocantins (Faixa Paraguai-Araguaia).
Embora admita-se que o estado de Mato Grosso possua coberturas residuais
endurecidas (cuja classe foi proposta pelo SBCR para compor o 2º nível
taxonômico), a maior parte dessas áreas foi agrupada na categoria de bacia
sedimentar, visto que a imprecisão para a delimitação dessa morfoestrutura
dificulta a sistematização para todo o estado. No 3º táxon, todavia, os
planaltos residuais sustentados por coberturas detrítico-lateríticas (atestados
pela literatura) foram individualizados.
A figura 3 exemplifica os resultados do mapeamento para os três níveis
hierárquicos atingidos. O segundo recorte ilustra uma complexa área de
transição, no município de Rondonópolis. A unidade identificada no presente
trabalho como superfície rebaixada em bacia sedimentar consta, em mapeamentos
prévios, como depressão (WERLE e SILVA, 1996) e planalto (IBGE, 2019); o que foi
mapeado como planalto em bacia sedimentar é indicado, em publicações
antecedentes, como superfícies de aplanamento (SANTOS, 2000), platôs (MORAES,
2010) e planaltos (IBGE, 2019). Há, portanto, significativas divergências
conceituais.
Resultados do mapeamento no primeiro táxon
Resultados do mapeamento no segundo táxon
Exemplos do mapeamento até o terceiro táxon
Considerações Finais
O relevo do estado de Mato Grosso expõe uma complexidade geomorfológica que
exemplifica os desafios da sistematização hierárquica e conceitual da cartografia
geomorfológica. A proposta apresentada demonstrou as aplicações da modelagem do
relevo vinculada aos pressupostos teóricos em discussão pelo Sistema Brasileiro de
Classificação de Relevo e ao estado da arte da cartografia geomorfológica mato-
grossense com base nas publicações pretéritas de relevância.
No contexto atual, a consistência de um mapa geomorfológico é dependente da união
entre o significado e o significante, entre as atribuições qualitativas
(semânticas e ontológicas) a expressão quantitativa das formas de relevo. Na
modelagem, essa característica é evidenciada pela geomorfometria geral (extração
de parâmetros) e geomorfometria específica (extração de objetos), cujos critérios
podem mediar a elaboração de produtos cartográficos de síntese. Nesse sentido, a
cartografia geomorfológica encontra na modelagem digital do relevo um importante
referencial metodológico para as descrições, análises, quantificações e
interpretações geomorfológicas – desde a identificação de unidades de relevo em
escala regional até as formas e processos em escala de detalhe, permitindo uma
padronização multiescalar e hierárquica.
Agradecimentos
Referências
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