• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

ASPECTOS HIDROMORFOLÓGICO DA BACIA HIDROGRAFICA DO RIACHO BAIXA DO LIMAO BRAVO – SUBMEDIO SÃO FRANCISCO (PE)

Autores

  • ADRIA ANGELO DA SILVAUNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - CAMPUS GARANHUNSEmail: adria.angelo@upe.br
  • SIDNEY WALISON SANTOS DA SILVAUNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - CAMPUS GARANHUNSEmail: sidneycontacton@gmail.com
  • MARIA RITA MONTEIRO DE LIMAUNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - CAMPUS GARANHUNSEmail: mariarita.08lima@gmail.com
  • KLEBER CARVALHO LIMAUNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - CAMPUS GARANHUNSEmail: kleber.carvalho@upe.br

Resumo

No semiárido brasileiro, as demandas sociais e econômicas por água são crescentes. O desenvolvimento de práticas que não levam em consideração o comportamento hidrológico natural e suas relações com os demais componentes do ambiente tem causado forte pressão sobre os recursos hídricos disponíveis. Nesse trabalho, buscou-se analisar os aspectos hidromorfológicos de uma bacia hidrográfica situada no trecho submédio do Rio São Francisco (PE). Foi elaborada a carta hidromorfológica, contemplando aspectos hídricos subsuperficiais, superficiais, naturais e antrópicos, e aspectos do relevo. Verificou-se que os recursos hídricos subsuperficiais são impróprios para a agricultura e consumo direto, e os superficiais são escassos. Contudo, a agricultura irrigada desenvolvida na área é mantida com águas oriundas do Lago de Itaparica – Rio São Francisco. A água excedente da irrigação tem provocado erosão em setores de média e baixa vertente, assim como o assoreamento dos cursos de água.

Palavras chaves

Agricultura irrigada; Carta hidromorfológica; Geomorfologia; Recursos hídricos; Semiárido

Introdução

O semiárido brasileiro é considerado uma das áreas secas mais populosas do mundo, cuja variabilidade espacial e temporal na ocorrência de chuvas corrobora com o estresse e escassez dos recursos hídricos (SOUZA FILHO, 2011). Em decorrência disso, as demandas sociais e econômicas por água são crescentes e exercem forte pressão sobre os recursos hídricos disponíveis. Somadas a isso, diversas formas de apropriação desse recurso são realizadas de modo inadequado, por meio de práticas que não consideram o comportamento hidrológico e suas relações com os demais componentes do ambiente (SILVA et al., 2021). Dentre as práticas mais desenvolvidas na região, podem ser apontadas a construção de barragens, de grande e pequeno porte, cacimbas nos leitos fluviais, barreiros para provimento de água aos animais e a retirada da vegetação às margens dos cursos de água para o desenvolvimento de pequenas culturas agrícolas (ARAUJO et al., 2021). Podem ser destacadas ainda, as áreas de agricultura irrigada, pois consomem grandes volumes de água e podem desencadear desequilíbrios no sistema (SARAIVA FILHO E BONILLA, 2022). Essas práticas podem comprometer a quantidade e a qualidade da água disponível, além de outros recursos naturais. Suassuna (2002), destacou que o comprometimento dos poucos recursos hídricos disponíveis no semiárido brasileiro decorria do planejamento inadequado, ou mesmo da ausência deste, por parte do poder público. Posteriormente, Pereira (2019) pontuou que a gestão inadequada da água tem comprometido o acesso e o uso dos recursos hídricos pela população, não garantindo o abastecimento e a promoção do desenvolvimento social. Na maior parte dos casos, o planejamento e gestão ineficientes da água, decorre, dentre outros fatores, da falta de instrumentos técnicos capazes de dar suporte a essas questões (PRUSKI; PRUSKI, 2011). Assim, torna-se necessária a aplicação de metodologias e instrumentos de análise capazes de fornecer conhecimento sobre os recursos hídricos, sua distribuição espacial e suas relações com variáveis ambientais que favorecem a sua ocorrência e armazenamento. Uma das metodologias que podem contribuir com ações de planejamento e gestão de recursos hídricos é a cartografia geomorfológica. Para Verstappen e Zuidam (1975), uma das categorias de mapas geomorfológicos que cumprem esse objetivo são as cartas hidromorfológicas. Nesse tipo de documento cartográfico, a ênfase é dada aos sistemas fluviais e aos recursos hídricos como um todo. Quando representados em um único mapa, permite a compreensão integrada das variáveis do relevo e os elementos hidrográficos (MARINI E PICCOLO, 2005), além de facilitar a identificação dos recursos hídricos existentes, a análise da sua variabilidade escalar e temporal, a compreensão dos usos múltiplos dos recursos, bem como do seu manejo (SILVA et al., 2021). Diante disso, o objetivo desse trabalho é analisar os aspectos hidromorfológicos da bacia hidrográfica do riacho Baixa do Limão Bravo, situada no município de Petrolândia, Pernambuco, por meio da cartografia geomorfológica de detalhe. Trata-se de uma bacia situada no semiárido, integrante do trecho submédio do Rio São Francisco, cujos terrenos são utilizados predominantemente pela agricultura irrigada.

Material e métodos

A bacia hidrográfica do riacho da Baixa do Limão Bravo, apresenta área de 146,41 km², sendo que, no ano de 2016, 17,31% dos terrenos eram ocupados por cultivos agrícolas irrigados e demais áreas ocupadas por vegetação de Caatinga (LIMA et al., 2022). Geologicamente, a área de estudo está inserida na bacia sedimentar do Jatobá, localmente composta pela Formação Aliança, Formação Sergi, Formação São Sebastião, Formação Tacaratu, Depósitos colúvio-eluviais e Depósitos Aluvionares (CPRM, 2018). O sistema de aquífero Tacaratu-jatoba apresenta, localmente, água de boa qualidade a ligeiramente salobra (COSTA et al., 2008). O clima é semiárido, com pluviosidade média anual inferior a 400mm e temperatura média anual de 25o C. O relevo é composto por superfícies planas, inseridas no Planalto do Jatobá, localmente cortado pelo vale do riacho Baixa do Limão Bravo. Em função da interação entre o clima, a geologia e o relevo, se desenvolveram Neossolos Quartzarenicos nos topos e vertentes da bacia de drenagem, e no vale, ocorrem Vertissolos Háplicos. A vegetação é a Caatinga Hiperxerofila, relativamente conservada, cujas áreas onde houve remoção correspondem aos setores ocupados pelo perímetro irrigado. Foram elaborados mapas temáticos, como o geológico, geomorfológico, pedológico e uso da terra, todos em escala 1:100.000, de modo a se compreender as variáveis ambientais que compõem a bacia hidrográfica. Foi elaborado também o mapa hidrogeológico, a partir de bases cartográficas do Serviço Geológico do Brasil (CPRM, 2008), em escala 1:100.000, com o intuito de estabelecer possíveis correlações entre as atividades agrícolas desenvolvidas no perímetro irrigado e a disponibilidade e características da água subsuperficial dos aquíferos regionais. Esses dados foram refinados a partir dos limites das formações geológicas, utilizando como referência de ajuste do mapeamento o relevo sombreado. Para o desenvolvimento da carta hidromorfológica, foram utilizados modelo digital do terreno (MDT) e ortomosaico do Projeto Pernambuco Tridimensional (PE3D), com resolução de 1m e 0,5m, respectivamente. Com base no MDT, foram o gerados o relevo sombreado, as curvas de nível e a declividade, por processamentos automáticos no software ArcGIS 10.6. A carta foi elaborada de maneira semiautomática a partir da proposta do International Institute for Aerial Survey and Earth Science – ITC (VERSTAPPEN e ZUIDAM, 1975), em escala 1:5.000, cujos temas representados incluíram aspectos topográficos, água superficial natural, água superficial artificial, e água subterrânea. Sequencialmente, foram analisadas as simbologias de representação das feições presentes no manual do ITC, de modo a se realizar as adaptações necessárias. Nos trabalhos de campo, foram visitadas áreas com o objetivo de levantar dados complementares aos levantados no mapeamento preliminar, de forma a possibilitar a classificação dos canais de drenagem por tipo de leito. Assim, os canais fluviais foram classificados em função das características do leito, considerando-se os leitos com características naturais e os leitos alterados diretamente por ação antrópica. Desse modo, as classes elaboradas foram: leito natural definido - aqueles que apresentaram margens bem definidas, passiveis de serem identificadas em produtos orbitais e em campo; [ii] leito indefinido - considerou-se os trechos com fraca ou nenhuma incisão, cuja identificação em produtos orbitais e em campo é imprecisa; [iii] leito retificado - são aqueles que, no contexto local, sofreram retilinização, completamente ou parcialmente, e foram integrados aos canais artificiais de irrigação; [iv] leitos obstruídos por cultivos agrícolas – aqueles cujos processos mecanizados de nivelamento do terreno foram obstruídos para o plantio de culturas agrícolas.

Resultado e discussão

Atualmente, o Perímetro de Irrigação Icó-Mandantes ocupa predominantemente o fundo de vale do riacho Baixa do Limão-Bravo, além de pequenos setores de vertentes no trecho médio da bacia de drenagem. São setores com declividade do terreno entre 0-2%, favoráveis ao desenvolvimento dos cultivos irrigados. Essas vertentes, assim como o vale, se desenvolveram sobre aquífero com média a baixa permeabilidade, cujas águas são classificadas como ligeiramente salobra a salgada (figura 1). A partir dos dados hidrogeológicos, correlacionados com a área agrícola e os recursos hídricos superficiais, afirma-se que o estabelecimento do perímetro irrigado nessa posição do terreno, não apresentou relações com a disponibilidade de água subsuperficial, mas sim, pela proximidade com o Lago de Itaparica, trecho represado do Rio São Francisco. Os recursos hídricos superficiais naturais são escassos na bacia de drenagem, havendo acúmulo durante os períodos chuvosos mais significativos. Fluxos fluviais ocorrem de modo efêmero, cuja rede de drenagem é composta por canais alongados, em função da litologia e solos, nos setores de topo e vertente. Ainda assim, as interferências antrópicas foram significativas nos canais de drenagem, causando a sua descaracterização natural em diversos trechos (figura 2). Em alguns trechos dos canais fluviais, ocorrem trechos retilinizados, integrados aos canais de irrigação, que por sua vez, são ocupados por água do Rio São Francisco, por meio de infraestrutura de bombeamento. As classes de leito fluvial reconhecidas na área de estudo, apresentaram relação direta com a atuação antrópica nos canais de drenagens, sobretudo os retilinizados, em função do adequamento dos cursos naturais as atividades agrícolas desenvolvidas na área, além da própria infraestrutura de irrigação. De acordo com Assumpção e Marçal (2012), o processo de retificação dos canais fluviais ocorre pela modificação da sua forma original através do aprofundamento e alargamento do seu trecho como também a retirada de meandros, desta maneira, alterasse o curso natural da drenagem, que por sua vez, resultará na interferência direta ou indiretamente em todo o sistema fluvial da bacia. Prática bastante utilizada, muitas vezes para fins de produção agrícola. Foram identificados nos setores de transição topo-vertente, cultivos de porte herbáceo, os quais são irrigados por meio de bombeamento da água do São Francisco e, eventualmente, por água subsuperficial, extraídas em poços. Nestes setores do terreno, os processos de escoamento superficial da água são maiores do que os processos de infiltração da água no solo. Sabendo disso, o processo de erosão ocasionado pelo maior escoamento superficial, tende a ser maior contribuindo negativamente para poluição e o assoreamento dos recursos hídricos locais. Também, a perda de solos se intensifica, em função da ocupação pela agricultura, já que esta atividade na bacia não controla o escoamento superficial. Dessa forma, faz-se necessário buscar soluções que venham a contribuir para o aumento da infiltração, pois, as condições que envolvem o escoamento da água são diretamente influenciadas pelas atividades antrópicas desenvolvidas na bacia (PRUSKI e PRUSKI, 2011). Nos setores mapeados foram observadas feições com características que denotaram derivar do escoamento difuso, indicando a ocorrência de erosão laminar em áreas de recarga aquífero. Tendo em vista que as erosões consistem em sérios problemas de degradação do solo deteriorando as suas propriedades físico-químicas e biológicas, podem ocasionar prejuízos econômicos e sociais. Como dito por Santos (2021), a erosão laminar ocorre de forma silenciosa ocasionada através do escoamento difuso das águas da chuva, levando finas camadas de sedimentos sendo quase imperceptível a sua ação. No entanto, esse tipo de erosão já se encontra perceptível em setores da bacia hidrográfica Baixa do Limão-Bravo, assim como as erosões lineares. A partir dos mapeamentos realizados também foram identificadas nos trechos com declividade acima de 2%, associados a solo exposto, erosões lineares conectadas aos canais fluviais, que corroboram para o aumento da sedimentação dos vales e comprometimento dos recursos hídricos superficiais.

Figura 1

Mapa hidrogeológico da bacia do riacho Baixa do Limão-Bravo, com sobreposição do Perímetro Irrigado Icó-Mandantes.

Figura 2

Trechos representativos com as tipologias de leitos fluviais da bacia do riacho Baixa do Limão-Bravo, na carta e nas ortoimagens do PE3D.

Considerações Finais

Atualmente, poucos estudos geomorfológicos com abordagem na interação do relevo, recursos hídricos e uso da terra, têm sido realizados, principalmente voltados para aspectos ambientais como um todo. Produtos técnicos dessa natureza podem auxiliar na tomada de decisões, considerando-se as áreas potencialmente favoráveis ao armazenamento de água e a exploração dos recursos hídricos por diversas atividades econômicas, assim como, pode auxiliar na regulamentação de outorgas de exploração, considerando-se as limitações dos recursos disponíveis em setores específicos das bacias hidrográficas. Aponta-se também que a carta hidromorfológica pode contribuir com ações de gestores públicos e privados voltadas ao planejamento local, de forma a retardar a degradação dos recursos hídricos existentes. Ainda, considera-se que pode ser utilizada como instrumento que subsidie ações de fiscalização de atividades que utilizem os recursos hídricos e que se encontram incompatíveis com as legislações ambientais.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco – FACEPE, pela concessão de bolsa de iniciação cientifica (processo no BIC-0221-1.07/21) ao primeiro autor.

Referências

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