Autores
- ADRIA ANGELO DA SILVAUNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - CAMPUS GARANHUNSEmail: adria.angelo@upe.br
- SIDNEY WALISON SANTOS DA SILVAUNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - CAMPUS GARANHUNSEmail: sidneycontacton@gmail.com
- MARIA RITA MONTEIRO DE LIMAUNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - CAMPUS GARANHUNSEmail: mariarita.08lima@gmail.com
- KLEBER CARVALHO LIMAUNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - CAMPUS GARANHUNSEmail: kleber.carvalho@upe.br
Resumo
No semiárido brasileiro, as demandas sociais e econômicas por água são
crescentes. O desenvolvimento de práticas que não levam em consideração o
comportamento hidrológico natural e suas relações com os demais componentes do
ambiente tem causado forte pressão sobre os recursos hídricos disponíveis. Nesse
trabalho, buscou-se analisar os aspectos hidromorfológicos de uma bacia
hidrográfica situada no trecho submédio do Rio São Francisco (PE). Foi elaborada
a carta hidromorfológica, contemplando aspectos hídricos subsuperficiais,
superficiais, naturais e antrópicos, e aspectos do relevo. Verificou-se que os
recursos hídricos subsuperficiais são impróprios para a agricultura e consumo
direto, e os superficiais são escassos. Contudo, a agricultura irrigada
desenvolvida na área é mantida com águas oriundas do Lago de Itaparica – Rio São
Francisco. A água excedente da irrigação tem provocado erosão em setores de
média e baixa vertente, assim como o assoreamento dos cursos de água.
Palavras chaves
Agricultura irrigada; Carta hidromorfológica; Geomorfologia; Recursos hídricos; Semiárido
Introdução
O semiárido brasileiro é considerado uma das áreas secas mais populosas do
mundo,
cuja variabilidade espacial e temporal na ocorrência de chuvas corrobora com o
estresse e escassez dos recursos hídricos (SOUZA FILHO, 2011). Em decorrência
disso, as demandas sociais e econômicas por água são crescentes e exercem forte
pressão sobre os recursos hídricos disponíveis. Somadas a isso, diversas formas
de apropriação desse recurso são realizadas de modo inadequado, por meio de
práticas que não consideram o comportamento hidrológico e suas relações com os
demais componentes do ambiente (SILVA et al., 2021).
Dentre as práticas mais desenvolvidas na região, podem ser apontadas a
construção
de barragens, de grande e pequeno porte, cacimbas nos leitos fluviais, barreiros
para provimento de água aos animais e a retirada da vegetação às margens dos
cursos de água para o desenvolvimento de pequenas culturas agrícolas (ARAUJO et
al., 2021). Podem ser destacadas ainda, as áreas de agricultura irrigada, pois
consomem grandes volumes de água e podem desencadear desequilíbrios no sistema
(SARAIVA FILHO E BONILLA, 2022). Essas práticas podem comprometer a quantidade e
a qualidade da água disponível, além de outros recursos naturais.
Suassuna (2002), destacou que o comprometimento dos poucos recursos hídricos
disponíveis no semiárido brasileiro decorria do planejamento inadequado, ou
mesmo
da ausência deste, por parte do poder público. Posteriormente, Pereira (2019)
pontuou que a gestão inadequada da água tem comprometido o acesso e o uso dos
recursos hídricos pela população, não garantindo o abastecimento e a promoção do
desenvolvimento social. Na maior parte dos casos, o planejamento e gestão
ineficientes da água, decorre, dentre outros fatores, da falta de instrumentos
técnicos capazes de dar suporte a essas questões (PRUSKI; PRUSKI, 2011).
Assim, torna-se necessária a aplicação de metodologias e instrumentos de análise
capazes de fornecer conhecimento sobre os recursos hídricos, sua distribuição
espacial e suas relações com variáveis ambientais que favorecem a sua ocorrência
e armazenamento. Uma das metodologias que podem contribuir com ações de
planejamento e gestão de recursos hídricos é a cartografia geomorfológica. Para
Verstappen e Zuidam (1975), uma das categorias de mapas geomorfológicos que
cumprem esse objetivo são as cartas hidromorfológicas. Nesse tipo de documento
cartográfico, a ênfase é dada aos sistemas fluviais e aos recursos hídricos como
um todo. Quando representados em um único mapa, permite a compreensão integrada
das variáveis do relevo e os elementos hidrográficos (MARINI E PICCOLO, 2005),
além de facilitar a identificação dos recursos hídricos existentes, a análise da
sua variabilidade escalar e temporal, a compreensão dos usos múltiplos dos
recursos, bem como do seu manejo (SILVA et al., 2021).
Diante disso, o objetivo desse trabalho é analisar os aspectos hidromorfológicos
da bacia hidrográfica do riacho Baixa do Limão Bravo, situada no município de
Petrolândia, Pernambuco, por meio da cartografia geomorfológica de detalhe.
Trata-se de uma bacia situada no semiárido, integrante do trecho submédio do Rio
São Francisco, cujos terrenos são utilizados predominantemente pela agricultura
irrigada.
Material e métodos
A bacia hidrográfica do riacho da Baixa do Limão Bravo, apresenta área de 146,41
km², sendo que, no ano de 2016, 17,31% dos terrenos eram ocupados por cultivos
agrícolas irrigados e demais áreas ocupadas por vegetação de Caatinga (LIMA et
al., 2022).
Geologicamente, a área de estudo está inserida na bacia sedimentar do Jatobá,
localmente composta pela Formação Aliança, Formação Sergi, Formação São
Sebastião, Formação Tacaratu, Depósitos colúvio-eluviais e Depósitos Aluvionares
(CPRM, 2018). O sistema de aquífero Tacaratu-jatoba apresenta, localmente, água
de boa qualidade a ligeiramente salobra (COSTA et al., 2008). O clima é
semiárido, com pluviosidade média anual inferior a 400mm e temperatura média
anual de 25o C.
O relevo é composto por superfícies planas, inseridas no Planalto do Jatobá,
localmente cortado pelo vale do riacho Baixa do Limão Bravo. Em função da
interação entre o clima, a geologia e o relevo, se desenvolveram Neossolos
Quartzarenicos nos topos e vertentes da bacia de drenagem, e no vale, ocorrem
Vertissolos Háplicos. A vegetação é a Caatinga Hiperxerofila, relativamente
conservada, cujas áreas onde houve remoção correspondem aos setores ocupados
pelo
perímetro irrigado.
Foram elaborados mapas temáticos, como o geológico, geomorfológico, pedológico e
uso da terra, todos em escala 1:100.000, de modo a se compreender as variáveis
ambientais que compõem a bacia hidrográfica. Foi elaborado também o mapa
hidrogeológico, a partir de bases cartográficas do Serviço Geológico do Brasil
(CPRM, 2008), em escala 1:100.000, com o intuito de estabelecer possíveis
correlações entre as
atividades agrícolas desenvolvidas no perímetro irrigado e a disponibilidade e
características da água subsuperficial dos aquíferos regionais. Esses dados
foram refinados a partir dos limites das formações geológicas, utilizando como
referência de ajuste do mapeamento o relevo sombreado.
Para o desenvolvimento da carta hidromorfológica, foram utilizados modelo
digital
do terreno (MDT) e ortomosaico do Projeto Pernambuco Tridimensional (PE3D), com
resolução de 1m e 0,5m, respectivamente. Com base no MDT, foram o gerados o
relevo sombreado, as curvas de nível e a declividade, por processamentos
automáticos no software ArcGIS 10.6.
A carta foi elaborada de maneira semiautomática a partir da proposta do
International Institute for Aerial
Survey and Earth Science – ITC (VERSTAPPEN e ZUIDAM, 1975), em escala 1:5.000,
cujos temas representados incluíram aspectos topográficos, água superficial
natural, água superficial artificial, e água subterrânea. Sequencialmente, foram
analisadas as simbologias de representação das feições presentes no manual do
ITC, de modo a se realizar as adaptações necessárias.
Nos trabalhos de campo, foram visitadas áreas com o objetivo de levantar dados
complementares aos levantados no mapeamento preliminar, de forma a possibilitar
a
classificação dos canais de drenagem por tipo de leito. Assim, os canais
fluviais
foram classificados em função das características do leito, considerando-se os
leitos com características naturais e os leitos alterados diretamente por ação
antrópica.
Desse modo, as classes elaboradas foram: leito natural definido - aqueles
que
apresentaram margens bem definidas, passiveis de serem identificadas em produtos
orbitais e em campo; [ii] leito indefinido - considerou-se os trechos com fraca
ou nenhuma incisão, cuja identificação em produtos orbitais e em campo é
imprecisa; [iii] leito retificado - são aqueles que, no contexto local, sofreram
retilinização, completamente ou parcialmente, e foram integrados aos canais
artificiais de irrigação; [iv] leitos obstruídos por cultivos agrícolas –
aqueles
cujos processos mecanizados de nivelamento do terreno foram obstruídos para o
plantio de culturas agrícolas.
Resultado e discussão
Atualmente, o Perímetro de Irrigação Icó-Mandantes ocupa predominantemente o
fundo de vale do riacho Baixa do Limão-Bravo, além de pequenos setores de
vertentes no trecho médio da bacia de drenagem. São setores com declividade do
terreno entre 0-2%, favoráveis ao desenvolvimento dos cultivos irrigados. Essas
vertentes, assim como o vale, se desenvolveram sobre aquífero com média a baixa
permeabilidade, cujas águas são classificadas como ligeiramente salobra a
salgada
(figura 1). A partir dos dados hidrogeológicos, correlacionados com a área
agrícola e os recursos hídricos superficiais, afirma-se que o estabelecimento do
perímetro irrigado nessa posição do terreno, não apresentou relações com a
disponibilidade de água subsuperficial, mas sim, pela proximidade com o Lago de
Itaparica, trecho represado do Rio São Francisco.
Os recursos hídricos superficiais naturais são escassos na bacia de drenagem,
havendo acúmulo durante os períodos chuvosos mais significativos. Fluxos
fluviais
ocorrem de modo efêmero, cuja rede de drenagem é composta por canais alongados,
em função da litologia e solos, nos setores de topo e vertente. Ainda assim, as
interferências antrópicas foram significativas nos canais de drenagem, causando
a
sua descaracterização natural em diversos trechos (figura 2). Em alguns trechos
dos canais fluviais, ocorrem trechos retilinizados, integrados aos canais de
irrigação, que por sua vez, são ocupados por água do Rio São Francisco, por meio
de infraestrutura de bombeamento. As classes de leito fluvial reconhecidas na
área de estudo, apresentaram relação direta com a atuação antrópica nos canais
de
drenagens, sobretudo os retilinizados, em função do adequamento dos cursos
naturais as atividades agrícolas desenvolvidas na área, além da própria
infraestrutura de irrigação.
De acordo com Assumpção e Marçal (2012), o processo de retificação dos canais
fluviais ocorre pela modificação da sua forma original através do aprofundamento
e alargamento do seu trecho como também a retirada de meandros, desta maneira,
alterasse o curso natural da drenagem, que por sua vez, resultará na
interferência direta ou indiretamente em todo o sistema fluvial da bacia.
Prática
bastante utilizada, muitas vezes para fins de produção agrícola.
Foram identificados nos setores de transição topo-vertente, cultivos de porte
herbáceo, os quais são irrigados por meio de bombeamento da água do São
Francisco
e, eventualmente, por água subsuperficial, extraídas em poços. Nestes setores do
terreno, os processos de escoamento superficial da água são maiores do que os
processos de infiltração da água no solo. Sabendo disso, o processo de erosão
ocasionado pelo maior escoamento superficial, tende a ser maior contribuindo
negativamente para poluição e o assoreamento dos recursos hídricos locais.
Também, a perda de solos se intensifica, em função da ocupação pela agricultura,
já que esta atividade na bacia não controla o escoamento superficial. Dessa
forma, faz-se necessário buscar soluções que venham a contribuir para o aumento
da infiltração, pois, as condições que envolvem o escoamento da água são
diretamente influenciadas pelas atividades antrópicas desenvolvidas na bacia
(PRUSKI e PRUSKI, 2011).
Nos setores mapeados foram observadas feições com características que denotaram
derivar do escoamento difuso, indicando a ocorrência de erosão laminar em áreas
de recarga aquífero. Tendo em vista que as erosões consistem em sérios problemas
de degradação do solo deteriorando as suas propriedades físico-químicas e
biológicas, podem ocasionar prejuízos econômicos e sociais. Como dito por Santos
(2021), a erosão laminar ocorre de forma silenciosa ocasionada através do
escoamento difuso das águas da chuva, levando finas camadas de sedimentos sendo
quase imperceptível a sua ação.
No entanto, esse tipo de erosão já se encontra perceptível em setores da bacia
hidrográfica Baixa do Limão-Bravo, assim como as erosões lineares. A partir dos
mapeamentos realizados também foram identificadas nos trechos com declividade
acima de 2%, associados a solo exposto, erosões lineares conectadas aos canais
fluviais, que corroboram para o aumento da sedimentação dos vales e
comprometimento dos recursos hídricos superficiais.
Mapa hidrogeológico da bacia do riacho Baixa do Limão-Bravo, com sobreposição do Perímetro Irrigado Icó-Mandantes.
Trechos representativos com as tipologias de leitos fluviais da bacia do riacho Baixa do Limão-Bravo, na carta e nas ortoimagens do PE3D.
Considerações Finais
Atualmente, poucos estudos geomorfológicos com abordagem na interação do relevo,
recursos hídricos e uso da terra, têm sido realizados, principalmente voltados
para
aspectos ambientais como um todo. Produtos técnicos dessa natureza podem auxiliar
na tomada de decisões, considerando-se as áreas potencialmente favoráveis ao
armazenamento de água e a exploração dos recursos hídricos por diversas atividades
econômicas, assim como, pode auxiliar na regulamentação de outorgas de exploração,
considerando-se as limitações dos recursos disponíveis em setores específicos das
bacias hidrográficas.
Aponta-se também que a carta hidromorfológica pode contribuir com ações de
gestores públicos e privados voltadas ao planejamento local, de forma a retardar a
degradação dos recursos hídricos existentes. Ainda, considera-se que pode ser
utilizada como instrumento que subsidie ações de fiscalização de atividades que
utilizem os recursos hídricos e que se encontram incompatíveis com as legislações
ambientais.
Agradecimentos
À Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco – FACEPE, pela
concessão de bolsa de iniciação cientifica (processo no BIC-0221-1.07/21) ao
primeiro autor.
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