• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

CARACTERIZAÇÃO DE NASCENTES SOBRE O PLANALTO DAS ARAUCÁRIAS.

Autores

  • MATHEUS BOLZAN SANGOIUNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIAEmail: matheusbolzan26@gmail.com
  • ANDREA VALLI NUMMERUNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIAEmail: a.nummer@gmail.com
  • VINÍCIUS DUARTE GUARESCHICOLÉGIO MILITAR DE SANTA MARIAEmail: vdguareschi@yahoo.com.br

Resumo

Este trabalho tem como objetivo caracterizar as nascentes encontradas na bacia hidrográfica do Rio Guassupi, localizada no Planalto das Araucárias no estado do Rio Grande do Sul, bem como verificar o seu comportamento no relevo. Verificou-se que as nascentes são do tipo intermitentes, e apresentam água apenas em alguns períodos do ano quando há períodos de pluviosidade mais intensas e constantes. Sua exfiltração ocorre em diversos pontos, e estão diretamente ligadas as zonas que apresentam um maior número de falhas e fraturas que se cruzam e dão origem principalmente aos canais de primeira ordem. As nascentes ocorrem no topo do Planalto, nas porções de relevo mais plano, associado a presença de brechas vulcânicas preferencialmente.

Palavras chaves

Nascentes; Planalto; Relevo; Falhas; Fraturas

Introdução

No Planalto das Araucárias no Rio Grande do Sul, sobre a Formação Serra Geral é notória a presença de um número considerável de nascentes intermitentes ou periódica, que, segundo o glossário hidrológico da UNESCO (2011) “ são nascentes cuja vazão se produz apenas em certos períodos cessando em outros”. Geomorfologicamente, essas nascentes tem a forma de pequenas e médias depressões topográficas que exfiltram a água por vários pontos mantendo essas áreas úmidas em alguns períodos do ano. Algumas concavidades são rasas, quase fechadas com formato arredondado, outras são rasas e alongadas com diversas ramificações, algumas são mais amplas e entalhadas exibindo forma circular em anfiteatro contendo o fundo coberto por solos hidromórficos e banhados. Uma característica em comum destas nascentes é que algumas se encontram próximas aos divisores de água formando o Guerra & Guerra (2009) e Guareschi (2018) em suas pesquisas chamam de cabeceiras de drenagem. Essas nascentes exfiltram a água através do afloramento do lençol freático e abastecem por um determinado tempo os canais a jusante, constituindo- se nas cabeceiras de drenagem. Também é frequente a ocorrência nascentes em depressões circulares fechadas localizadas nos divisores sem um canal hidrográfico aparente, com acúmulo de água no interior formando pequenas lagoas. Essas nascentes estão localizadas no topo do Planalto das Araucárias com altitudes superiores a 440 metros, no topo dos derrames vulcânicos, associadas a zona de falhas e fraturas. A água que abastece as nascentes nas épocas de maior pluviosidade advém da elevação do nível de água subterrâneo em aquiferos do tipo fraturado. Essas nascentes constituem-se em um elemento natural característico do quadro paisagístico da região e podem ser encontradas desde a zona de transição do Planalto com a Depressão Periférica na parte central do Rio Grande do Sul até a fronteira com Argentina e Santa Catarina. Este artigo tem como proposta apresentar uma caracterização dessas nascentes na paisagem e descrever a sua sua gênese sobre as rochas vulcânicas do Planalto das Araucárias.

Material e métodos

A área da pesquisa é a bacia hidrográfica do Rio Guassupi, que possui área de 412 km², está localizada nos municípios de São Martinho da Serra e Júlio de Castilhos na região central do Rio Grande do Sul. Os municípios apresentam como seu expoente econômico as culturas da soja e a pecuária. São Martinho da Serra tem 39% do seu território com cultivo da soja e 60% com pecuária em virtude de ser uma área de transição entre o planalto e a depressão. O município de Júlio de Castilhos tem 65% destinado a soja e 27 % para a pecuária, em virtude de estar localizado em uma porção plana do planalto (CENSO AGROPECUÁRIO, 2017). De acordo com a CPRM (2003) em escala 1:750.000 e mapeamento geológico de detalhe realizado nos trabalhos de campo, na bacia hidrográfica do Rio Guassupi são encontradas rochas ígneas vulcânicas da Formação Serra Geral. As rochas vulcânicas do topo do Planalto pertencem ao Fácies Caxias, caracterizado por derrames de composição intermediária a ácida, com rochas do tipo riodacitos a riolitos, com forte disjunção tabular no topo dos derrames e maciço na porção central, dobras de fluxos e autobrechas freqüentes, vesículas preenchidas dominantemente por calcedônias e ágata, fonte de mineralização da região (Wildner, 2008). As rochas ígneas vulcânicas básicas do Fácies Gramado encontram-se abaixo das rochas ácidas e são compostas predominantemente por basaltos com granulares finos a médio, melanocráticos cinza, horizontes vesiculares preenchidos por zeolitas, carbonatos, apofilitas e saponita, estruturas de fluxo e pahoehoe sendo comuns, intercalações com os arenitos Botucatu. A grande densidade de drenagem é reflexo da intensa presença de cabeceiras de drenagem e cursos d’água de primeira ordem. As nascentes do tipo cabeceiras de drenagem e depressões fechadas apresentam exfiltração difusa, onde há surgência de água em vários pontos. São melhor preservadas na paisagem por estarem presentes porções as rochas ácidas que são mais resistentes ao intemperismo. Os procedimento metotologicos que deram inicio a caracterização destas nascentes contaram com as seguintes atividades: Mapeamento das nascentes no Google Earth Pro, elaboração de mapas de declividade, hipsometria, extração dos lineamentos através do Google Earth Pro, fotografias aéreas oblíquas tiradas do VANT Mavic Air 2S da DJI. O mapeamento das nascentes foi realizado com base em imagens orbitais Ikonos disponíveis no software Google Earth Pro e posteriormente transformadas em arquivo shapefile no ArcGis 10.3. O mapa de declividade foi desenvolvido relacionando ao uso da terra segundo as normas da (EMBRAPA, 2009). As classes de declividade estão representadas como: 0 – 3 % - Áreas com relevo considerado plano; 3 – 8 % - Áreas com relevo suavemente ondulado; 8 - 20 % - Áreas com relevo ondulado; 20 – 45 % - Áreas com relevo fortemente ondulado; 45 – 75% - Áreas com relevo montanhoso. Os lineamentos morfoestruturais (falhas e fraturas) foram vetorizados diretamente no Google Earth Pro, em escala detalhada, a fim deixar o procedimento de extração mais completo. Posteriormente, o arquivo digital foi importado para o ArcGis 10.3 e integrado ao banco de dados. O modelo hidrológico MFD (Quinn, 1991) privilegia a definição dos caminhos preferenciais correspondentes do escoamento interno ao longo do conjunto das vertentes. O MFD, tem relação direta com a existência das nascentes devido ao fato que são porções em que se encontram úmidas por um período de tempo maior. O Multiple Flow Direction é uma variável que demonstra as principais direções do fluxo subterrâneo da água no relevo. A lógica em algoritmos Multiple Flow Direction é que em função da sua inclinação desvia o fluxo da água para várias células descendentes em proporção à inclinação entre elas. Para captação das fotografias aéreas foi elaborado um plano de vôo. Foi utilizado o VANT Mavic Air 2S da DJI, com altura de vôo de 120 metros para captação das imagens.

Resultado e discussão

O perfil topográfico leste - oeste da bacia hidrográfica do Rio Guassupi, representa a disposição dos derrames vulcânicos. É possível identificar dois níveis de derrames vulcânicos ácidos pertencentes a Fácies Caxias, separados por um pacote denominado Zona Amigdalar Brechada. Entre 340 e 390 metros foi identificado um derrame básico da Fácies Gramado sobreposto a uma camada de arenito na base da sequência. A porção da bacia que representa o maior número de nascentes e lineamentos (falhas e fraturas) está localizadas no topo do planalto onde encontra-se o 3° derrame vulcânico somados a zonas de brecha, onde apresentam as maiores altitudes a partir de 440 m, localizada na Fácies Caxias. Os sentidos da orientação dos lineamentos são NS, NE3, NE4, NE5, NNE, SE, SSE. O grupo SE apresenta o maior número de lineamentos e suas estruturas condicionam os cursos d’água de primeira ordem da bacia. Já o grupo NE possuí as estruturas mais longas e associadas aos tributários da bacia. A grande parte da malha hidrográfica da bacia se dá em ocorrência da ligação dos lineamentos os quais vão se unindo um no outro se interligando formando a rede de drenagem. O origem do fluxo começa nas nascentes intermitentes em formas de cabeceiras de drenagem que formam o canal de primeira ordem e vai seguindo o seu caminho pelas fissuras até encontrar um canal de ordem maior a jusante. Observando a espacialização das nascentes na topografia somadas a distribuição da declividade, podemos dizer que as nascentes do Planalto se encontram nas áreas planas e suave onduladas do relevo entre percentagens de 0 até 8% de declividade. Nestas zonas encontra-se um número maior de falhas e fraturas que promovem uma densidade maior de drenagem, principalmente de canais de primeira ordem que tem origem na exfiltração das nascentes. Nas áreas com declives mais acentuados com as percentagens de 8% á 20% classificadas como suave onduladas e onduladas e algumas porções com declividades acima de 20% classificadas como fortemente onduladas, apresentam um número menor de nascentes, densidade de drenagem e canais de primeira ordem quando comparado as declividades menores (localizadas nas rochas ácidas) A menos quantidade de nascentes em áreas de aior declividade pode ter relação com a geologia presente nessas porções (rochas básicas) que são mais intemperizáveis e, em sua maioria, já evoluiram para canais de primeira ordem. Observando o MDE com as cotas de elevação do terreno e o comportamento do relevo análisado em conjunto com a ferramenta do MFD sobreposto ao arquivo shapefile das nascentes, é possível identificar os caminhos de concentração subterrâneos que a água utiliza para percorrer o relevo. A água começa no terço superior da vertente e desce concentrando o os caminhos até a base da vertente, onde ocorre a exfiltração da água na cabeceira de drenagem, ponto esse denominado de nascente intermitente e difusa onde a exfiltração acontece em mais de um ponto. Segundo a análise em questão, a água percorre diversos caminhos condicionada pela intersecção de falhas e fraturas e até mesmo nas zonas de brecha vulcânica que marcam os contatos entre os derrames . A preservação e qualidade da água subterrânea, esses locais onde há a concentração do fluxo são de extrema importância. A recarga do aquífero nesta área se dá também por meio destas nascentes e a contaminação da água superficial e do solo nessas áreas culmina com a contaminação direta na da água das nascentes e consequentemente do aquífero. As imagens aéreas capturadas pelo drone (Figuras 1 e 2), foi possível observar como as nascentes estão dispostas na paisagem representadas no topo do Planalto com altitudes superiores a 440 m e sobre vertentes planas e suave onduladas. Grande parte das nascentes encontradas sobre as rochas ácidas, porção centro- leste da bacia hidrográfica estão dentro de áreas agrícolas com a presença de lavouras de soja e em determinadas épocas do ano contam com a presença de outras culturas como a aveia-preta “Avena strigosa Schreb” que tem grande capacidade de produção de matéria seca, resultando em uma cobertura adequada do solo sob o plantio direto, com alta ciclagem de nutrientes. Também foi possível observar nascentes próxima aos divisores de água contornando as estradas rurais. Algumas nascentes se encontram antropizadas com a presença de barramento e algumas delas drenadas ou suprimidas para utilização na na expansão área plantada de soja. As nascentess estão relacionadas com a morfologia natural do relevo, algumas nascentes são modificadas a partir das atividades antrópicas ocorrendo a supressão de algumas para avanço da atividade agrícola da soja ou servindo como fonte para irrigação e dessedentação animal quando há o barramento e alteração do fluxo natural dos seus canais. Na porção centro-oeste da bacia, localizada grande parte sobre as rochas básicas, a presença de nascentes é menor e estão localizadas nos dividores de água próximos as estradas rurais e nas áreas campestres com a presença de pecuária e uma parte menor sobre áreas agricolas. Grande parte das nascentes intermitentes estão conectadas a um canal de primeira ordem que possuem vários metros de extensão e acabam se conectando a outros canais até chegar no canal principal. Durante a conexão desses canais há trechos com fragmentos de mata ciliar e algumas delas apresentam barramentos para utilização na irrigação ou dessedentação animal. Figura 1 – Nascente intermitente com barramento no interior de águas agrícolas, conectada ao canal principal com fragmentos de mata ciliar, localizada próxima ao divisor de águas. Fonte: Autor (Drone DJI Mavic) Data: 02/02/2023. Figura 2 - Nascente intermitente no interior de águas agrícolas, conectada ao canal principal com fragmento de mata ciliar, localizada próxima ao divisor de águas. Fonte: Autor (Drone DJI Mavic) Data: 02/02/2023. As nascentes intermitentes existentes na área estão mais vulneráveis à impactos ambientais como degradação e poluição tanto da água quanto do solo, pelo fato de não estarem devidamente caracterizadas como tal (devido as suas particularidades) , estarem localizadas no interior de áreas agrícolas e sobre zonas de falhas e fraturas onde o lençol freático acaba ficando exposto ocorrendo a troca de águas superficial e subterrânea. O descarte irregular de recipientes de agotóxico e óleos utilizado nas lavouras e maquinários, assim como o vazamento dos mesmos e outros aditivos no solo e nos caminhos que percorrem as águas superficiais acabam contaminando direta ou indiretamente as nascentes pelo fato que essa água acaba percorrendo os caminhos de falhas e fraturas até parar no aquífero fraturado.

Figura 1 - Nascente intermitente

Nascente intermitente no interior de águas agrícolas, conectada ao canal principal com fragmento de mata ciliar, próxima ao divisor de águas

Figura 2 - Nascente intermitente

Nascente intermitente no interior de águas agrícolas, conectada ao canal principal com fragmento de mata ciliar, próxima ao divisor de águas.

Considerações Finais

As nascentes do tipo intermitentes distribuem-se no topo do Planalto das Araucárias em sua maioria sob rochas ácidas da formação Serra Geral. As nascentes do planalto encontram-se nas áreas planas e suave onduladas do relevo sobre as percentagens de 0 até 8%. As nascentes estão localizadas preferencialmente nos divisores ocupando as porções mais planas do terreno e no interior de áreas agrícolas e distribuem-se por toda a bacia em diferentes faixas altimétricas começando em 440 m. Por meio da análise do MFD, é possível identificar os caminhos de concentração subterrânea da água na vertente e localizar os pontos que ocorrem a exfiltração e origem das nascentes. Os lineamentos, falhas e fraturas, originam um padrão de drenagem paralelo e controlam os cursos d’água da bacia. Através do sobrevôo de drone é possível ter a confirmação que as nascentes ocorrem no interior de áreas agrícolas e próximo aos divisores de água. Essas áreas de nascente necessitam de uma proteção quanto a sua vulnerabilidade à impactos ambientais promovidos pelos usos agrícolas do seu entorno que possam vir a contaminar a água e o solo.

Agradecimentos



Referências

EMBRAPA – EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. Sistema brasileiro de classificação de solos. 2 ed., Brasilia: Embrapa, 2009. 306 p
GUARESCHI, V. Feições de carste sobre a Formação Serra Geral no município de São Martinho da Serra – RS. 97f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2012.
GUARESCHI, V. D., NUMMER, A. V., Cabeceiras de Drenagem e Controle Estrutural na Bacia Hidrográfica do Arroio Lajeado Taquarembó – RS. XIX Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada. Campinas – SP. p.(6343-6351) Julho, 2017.
GUARESCHI, V. Cabeceiras de Drenagem no Planalto das Araucárias, Bacia Hidrográfica do Rio Guassupi – RS: Distribuição Espacial das Depressões Fechadas, Controle Estrutural e Evolução Geomorfológica. 205f. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2018.
GUERRA, A. T; GUERRA, A.J.T. 2009. Novo Dicionário Geológico-Geomorfológico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 648 p.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo Agropecuário2017.Disponível: <https://censoagro2017.ibge.gov.br/templates/censo_agro/resultadosagro/ Acesso em: 22 janeiro de 2022.
QUINN, P., BEVEN,K., CHEVALLIER,P., PLANCHON, O.1991,The prediction of hillslope flow paths for distributed hydrological modeling using digital terrain models, Hydrol. Processes, no 5, p. 59-79.
UNESCO. Glossário Internacional de Hidrogeologia. Disponível em: (http://webworld.unesco.org/water/ihp/db/ glossary/glu/PT/GF1166PT.HTM. Acesso em 22 de agosto de 2022).
WILDNER, W. Mapa Geológico do Estado do Rio Grande do Sul. CPRM . Escala 1:750.000. 2008.

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