Autores
- MATHEUS BOLZAN SANGOIUNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIAEmail: matheusbolzan26@gmail.com
- ANDREA VALLI NUMMERUNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIAEmail: a.nummer@gmail.com
- VINÍCIUS DUARTE GUARESCHICOLÉGIO MILITAR DE SANTA MARIAEmail: vdguareschi@yahoo.com.br
Resumo
Este trabalho tem como objetivo caracterizar as nascentes encontradas na bacia
hidrográfica do Rio Guassupi, localizada no Planalto das Araucárias no estado do
Rio Grande do Sul, bem como verificar o seu comportamento no relevo. Verificou-se
que as nascentes são do tipo intermitentes, e apresentam água apenas em alguns
períodos do ano quando há períodos de pluviosidade mais intensas e constantes. Sua
exfiltração ocorre em diversos pontos, e estão diretamente ligadas as zonas que
apresentam um maior número de falhas e fraturas que se cruzam e dão origem
principalmente aos canais de primeira ordem. As nascentes ocorrem no topo do
Planalto, nas porções de relevo mais plano, associado a presença de brechas
vulcânicas preferencialmente.
Palavras chaves
Nascentes; Planalto; Relevo; Falhas; Fraturas
Introdução
No Planalto das Araucárias no Rio Grande do Sul, sobre a Formação Serra Geral é
notória a presença de um número considerável de nascentes intermitentes ou
periódica, que, segundo o glossário hidrológico da UNESCO (2011) “ são nascentes
cuja vazão se produz apenas em certos períodos cessando em outros”.
Geomorfologicamente, essas nascentes tem a forma de pequenas e médias depressões
topográficas que exfiltram a água por vários pontos mantendo essas áreas úmidas
em alguns períodos do ano.
Algumas concavidades são rasas, quase fechadas com formato arredondado, outras
são rasas e alongadas com diversas ramificações, algumas são mais amplas e
entalhadas exibindo forma circular em anfiteatro contendo o fundo coberto por
solos hidromórficos e banhados. Uma característica em comum destas nascentes é
que algumas se encontram próximas aos divisores de água formando o Guerra &
Guerra (2009) e Guareschi (2018) em suas pesquisas chamam de cabeceiras de
drenagem. Essas nascentes exfiltram a água através do afloramento do lençol
freático e abastecem por um determinado tempo os canais a jusante, constituindo-
se nas cabeceiras de drenagem. Também é frequente a ocorrência nascentes em
depressões circulares fechadas localizadas nos divisores sem um canal
hidrográfico aparente, com acúmulo de água no interior formando pequenas lagoas.
Essas nascentes estão localizadas no topo do Planalto das Araucárias com
altitudes superiores a 440 metros, no topo dos derrames vulcânicos, associadas a
zona de falhas e fraturas. A água que abastece as nascentes nas épocas de maior
pluviosidade advém da elevação do nível de água subterrâneo em aquiferos do
tipo fraturado.
Essas nascentes constituem-se em um elemento natural característico do quadro
paisagístico da região e podem ser encontradas desde a zona de transição do
Planalto com a Depressão Periférica na parte central do Rio Grande do Sul até a
fronteira com Argentina e Santa Catarina.
Este artigo tem como proposta apresentar uma caracterização dessas nascentes na
paisagem e descrever a sua sua gênese sobre as rochas vulcânicas do Planalto das
Araucárias.
Material e métodos
A área da pesquisa é a bacia hidrográfica do Rio Guassupi, que possui área de
412 km², está localizada nos municípios de São Martinho da Serra e Júlio de
Castilhos na região central do Rio Grande do Sul. Os municípios apresentam como
seu expoente econômico as culturas da soja e a pecuária. São Martinho da Serra
tem 39% do seu território com cultivo da soja e 60% com pecuária em virtude de
ser uma área de transição entre o planalto e a depressão. O município de Júlio
de Castilhos tem 65% destinado a soja e 27 % para a pecuária, em virtude de
estar localizado em uma porção plana do planalto (CENSO AGROPECUÁRIO, 2017).
De acordo com a CPRM (2003) em escala 1:750.000 e mapeamento geológico de
detalhe realizado nos trabalhos de campo, na bacia hidrográfica do Rio Guassupi
são encontradas rochas ígneas vulcânicas da Formação Serra Geral. As rochas
vulcânicas do topo do Planalto pertencem ao Fácies Caxias, caracterizado por
derrames de composição intermediária a ácida, com rochas do tipo riodacitos a
riolitos, com forte disjunção tabular no topo dos derrames e maciço na porção
central, dobras de fluxos e autobrechas freqüentes, vesículas preenchidas
dominantemente por calcedônias e ágata, fonte de mineralização da região
(Wildner, 2008). As rochas ígneas vulcânicas básicas do Fácies Gramado
encontram-se abaixo das rochas ácidas e são compostas predominantemente por
basaltos com granulares finos a médio, melanocráticos cinza, horizontes
vesiculares preenchidos por zeolitas, carbonatos, apofilitas e saponita,
estruturas de fluxo e pahoehoe sendo comuns, intercalações com os arenitos
Botucatu.
A grande densidade de drenagem é reflexo da intensa presença de cabeceiras de
drenagem e cursos d’água de primeira ordem. As nascentes do tipo cabeceiras de
drenagem e depressões fechadas apresentam exfiltração difusa, onde há surgência
de água em vários pontos. São melhor preservadas na paisagem por estarem
presentes porções as rochas ácidas que são mais resistentes ao intemperismo.
Os procedimento metotologicos que deram inicio a caracterização destas nascentes
contaram com as seguintes atividades: Mapeamento das nascentes no Google Earth
Pro, elaboração de mapas de declividade, hipsometria, extração dos lineamentos
através do Google Earth Pro, fotografias aéreas oblíquas tiradas do VANT Mavic
Air 2S da DJI.
O mapeamento das nascentes foi realizado com base em imagens orbitais Ikonos
disponíveis no software Google Earth Pro e posteriormente transformadas em
arquivo shapefile no ArcGis 10.3.
O mapa de declividade foi desenvolvido relacionando ao uso da terra segundo as
normas da (EMBRAPA, 2009). As classes de declividade estão representadas como: 0
– 3 % - Áreas com relevo considerado plano; 3 – 8 % - Áreas com relevo
suavemente ondulado; 8 - 20 % - Áreas com relevo ondulado; 20 – 45 % - Áreas com
relevo fortemente ondulado; 45 – 75% - Áreas com relevo montanhoso.
Os lineamentos morfoestruturais (falhas e fraturas) foram vetorizados
diretamente no Google Earth Pro, em escala detalhada, a fim deixar o
procedimento de extração mais completo. Posteriormente, o arquivo digital foi
importado para o ArcGis 10.3 e integrado ao banco de dados.
O modelo hidrológico MFD (Quinn, 1991) privilegia a definição dos caminhos
preferenciais correspondentes do escoamento interno ao longo do conjunto das
vertentes. O MFD, tem relação direta com a existência das nascentes devido ao
fato que são porções em que se encontram úmidas por um período de tempo maior. O
Multiple Flow Direction é uma variável que demonstra as principais
direções do fluxo subterrâneo da água no relevo. A lógica em algoritmos
Multiple Flow Direction é que em função da sua inclinação desvia o fluxo da água
para várias células descendentes em proporção à inclinação entre elas.
Para captação das fotografias aéreas foi elaborado um plano de vôo. Foi
utilizado o VANT Mavic Air 2S da DJI, com altura de vôo de 120 metros para
captação das imagens.
Resultado e discussão
O perfil topográfico leste - oeste da bacia hidrográfica do Rio Guassupi,
representa a disposição dos derrames vulcânicos. É possível identificar dois
níveis de derrames vulcânicos ácidos pertencentes a Fácies Caxias, separados por
um pacote denominado Zona Amigdalar Brechada. Entre 340 e 390 metros foi
identificado um derrame básico da Fácies Gramado sobreposto a uma camada de
arenito na base da sequência.
A porção da bacia que representa o maior número de nascentes e lineamentos
(falhas e fraturas) está localizadas no topo do planalto onde encontra-se o 3°
derrame vulcânico somados a zonas de brecha, onde apresentam as maiores
altitudes a partir de 440 m, localizada na Fácies Caxias.
Os sentidos da orientação dos lineamentos são NS, NE3, NE4, NE5, NNE, SE, SSE. O
grupo SE apresenta o maior número de lineamentos e suas estruturas condicionam
os cursos d’água de primeira ordem da bacia. Já o grupo NE possuí as estruturas
mais longas e associadas aos tributários da bacia. A grande parte da malha
hidrográfica da bacia se dá em ocorrência da ligação dos lineamentos os quais
vão se unindo um no outro se interligando formando a rede de drenagem. O origem
do fluxo começa nas nascentes intermitentes em formas de cabeceiras de drenagem
que formam o canal de primeira ordem e vai seguindo o seu caminho pelas fissuras
até encontrar um canal de ordem maior a jusante.
Observando a espacialização das nascentes na topografia somadas a distribuição
da declividade, podemos dizer que as nascentes do Planalto se encontram nas
áreas planas e suave onduladas do relevo entre percentagens de 0 até 8% de
declividade. Nestas zonas encontra-se um número maior de falhas e fraturas que
promovem uma densidade maior de drenagem, principalmente de canais de primeira
ordem que tem origem na exfiltração das nascentes.
Nas áreas com declives mais acentuados com as percentagens de 8% á 20%
classificadas como suave onduladas e onduladas e algumas porções com
declividades acima de 20% classificadas como fortemente onduladas, apresentam
um número menor de nascentes, densidade de drenagem e canais de primeira ordem
quando comparado as declividades menores (localizadas nas rochas ácidas) A menos
quantidade de nascentes em áreas de aior declividade pode ter relação com a
geologia presente nessas porções (rochas básicas) que são mais intemperizáveis
e, em sua maioria, já evoluiram para canais de primeira ordem.
Observando o MDE com as cotas de elevação do terreno e o comportamento do relevo
análisado em conjunto com a ferramenta do MFD sobreposto ao arquivo shapefile
das nascentes, é possível identificar os caminhos de concentração subterrâneos
que a água utiliza para percorrer o relevo. A água começa no terço superior da
vertente e desce concentrando o os caminhos até a base da vertente, onde ocorre
a exfiltração da água na cabeceira de drenagem, ponto esse denominado de
nascente intermitente e difusa onde a exfiltração acontece em mais de um ponto.
Segundo a análise em questão, a água percorre diversos caminhos
condicionada pela intersecção de falhas e fraturas e até mesmo nas zonas de
brecha vulcânica que marcam os contatos entre os derrames .
A preservação e qualidade da água subterrânea, esses locais onde há a
concentração do fluxo são de extrema importância. A recarga do aquífero nesta
área se dá também por meio destas nascentes e a contaminação da água superficial
e do solo nessas áreas culmina com a contaminação direta na da água das
nascentes e consequentemente do aquífero.
As imagens aéreas capturadas pelo drone (Figuras 1 e 2), foi possível observar
como as nascentes estão dispostas na paisagem representadas no topo do Planalto
com altitudes superiores a 440 m e sobre vertentes planas e suave onduladas.
Grande parte das nascentes encontradas sobre as rochas ácidas, porção centro-
leste da bacia hidrográfica estão dentro de áreas agrícolas com a presença de
lavouras de soja e em determinadas épocas do ano contam com a presença de outras
culturas como a aveia-preta “Avena strigosa Schreb” que tem grande capacidade de
produção de matéria seca, resultando em uma cobertura adequada do solo sob o
plantio direto, com alta ciclagem de nutrientes.
Também foi possível observar nascentes próxima aos divisores de água contornando
as estradas rurais. Algumas nascentes se encontram antropizadas com a presença
de barramento e algumas delas drenadas ou suprimidas para utilização na na
expansão área plantada de soja.
As nascentess estão relacionadas com a morfologia natural do relevo, algumas
nascentes são modificadas a partir das atividades antrópicas ocorrendo a
supressão de algumas para avanço da atividade agrícola da soja ou servindo como
fonte para irrigação e dessedentação animal quando há o barramento e alteração
do fluxo natural dos seus canais.
Na porção centro-oeste da bacia, localizada grande parte sobre as rochas
básicas, a presença de nascentes é menor e estão localizadas nos dividores de
água próximos as estradas rurais e nas áreas campestres com a presença de
pecuária e uma parte menor sobre áreas agricolas.
Grande parte das nascentes intermitentes estão conectadas a um canal de primeira
ordem que possuem vários metros de extensão e acabam se conectando a outros
canais até chegar no canal principal. Durante a conexão desses canais há trechos
com fragmentos de mata ciliar e algumas delas apresentam barramentos para
utilização na irrigação ou dessedentação animal.
Figura 1 – Nascente intermitente com barramento no interior de águas agrícolas,
conectada ao canal principal com fragmentos de mata ciliar, localizada próxima
ao divisor de águas.
Fonte: Autor (Drone DJI Mavic) Data: 02/02/2023.
Figura 2 - Nascente intermitente no interior de águas agrícolas, conectada ao
canal principal com fragmento de mata ciliar, localizada próxima ao divisor de
águas.
Fonte: Autor (Drone DJI Mavic) Data: 02/02/2023.
As nascentes intermitentes existentes na área estão mais vulneráveis à impactos
ambientais como degradação e poluição tanto da água quanto do solo, pelo fato de
não estarem devidamente caracterizadas como tal (devido as suas
particularidades) , estarem localizadas no interior de áreas agrícolas e sobre
zonas de falhas e fraturas onde o lençol freático acaba ficando exposto
ocorrendo a troca de águas superficial e subterrânea. O descarte irregular de
recipientes de agotóxico e óleos utilizado nas lavouras e maquinários, assim
como o vazamento dos mesmos e outros aditivos no solo e nos caminhos que
percorrem as águas superficiais acabam contaminando direta ou indiretamente as
nascentes pelo fato que essa água acaba percorrendo os caminhos de falhas e
fraturas até parar no aquífero fraturado.
Nascente intermitente no interior de águas agrícolas, conectada ao canal principal com fragmento de mata ciliar, próxima ao divisor de águas
Nascente intermitente no interior de águas agrícolas, conectada ao canal principal com fragmento de mata ciliar, próxima ao divisor de águas.
Considerações Finais
As nascentes do tipo intermitentes distribuem-se no topo do Planalto das
Araucárias em sua maioria sob rochas ácidas da formação Serra Geral. As nascentes
do planalto encontram-se nas áreas planas e suave onduladas do relevo sobre as
percentagens de 0 até 8%. As nascentes estão localizadas preferencialmente nos
divisores ocupando as porções mais planas do terreno e no interior de áreas
agrícolas e distribuem-se por toda a bacia em diferentes faixas altimétricas
começando em 440 m.
Por meio da análise do MFD, é possível identificar os caminhos de concentração
subterrânea da água na vertente e localizar os pontos que ocorrem a exfiltração e
origem das nascentes. Os lineamentos, falhas e fraturas, originam um padrão de
drenagem paralelo e controlam os cursos d’água da bacia. Através do sobrevôo de
drone é possível ter a confirmação que as nascentes ocorrem no interior de áreas
agrícolas e próximo aos divisores de água. Essas áreas de nascente necessitam de
uma proteção quanto a sua vulnerabilidade à impactos ambientais promovidos pelos
usos agrícolas do seu entorno que possam vir a contaminar a água e o solo.
Agradecimentos
Referências
EMBRAPA – EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. Sistema brasileiro de classificação de solos. 2 ed., Brasilia: Embrapa, 2009. 306 p
GUARESCHI, V. Feições de carste sobre a Formação Serra Geral no município de São Martinho da Serra – RS. 97f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2012.
GUARESCHI, V. D., NUMMER, A. V., Cabeceiras de Drenagem e Controle Estrutural na Bacia Hidrográfica do Arroio Lajeado Taquarembó – RS. XIX Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada. Campinas – SP. p.(6343-6351) Julho, 2017.
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WILDNER, W. Mapa Geológico do Estado do Rio Grande do Sul. CPRM . Escala 1:750.000. 2008.