Autores
- KAREN RIETI LITHOLDOUNESPEmail: karen.litholdo@unesp.br
- CENIRA MARIA LUPINACCIUNESPEmail: cenira.lupinacci@unesp.br
Resumo
O estudo das características geomorfológicas dos terrenos tornou-se fundamental
para a compreensão da dinâmica do relevo e de sua relação com o uso antrópico.
Diante dessa perspectiva, o objetivo desse trabalho foi identificar e analisar
as alterações geomorfológicas na alta bacia do rio Passa Cinco, localizada no
centro-leste do estado de São Paulo, visando compreender suas características em
dois cenários distintos, 1988 e 2010. Como metodologia foram elaborados mapas
geomorfológicos apresentados na escala de 1:50.000, de acordo com os preceitos
postos por Tricart (1965), utilizando-se da proposta de simbologias de Paschoal;
Conceição e Cunha (2010), adaptada por Stefanuto e Lupinacci (2017). No que
concerne aos resultados, constatou-se uma alteração em relação a algumas feições
do relevo, como as feições erosivas lineares; rupturas abruptas e suaves e
rampas de colúvio.
Palavras chaves
Mapeamento geomorfológico; Litologia; Pedologia; Feições erosivas lineares; Rupturas topográficas
Introdução
O estudo das características naturais dos terrenos tornou-se peça fundamental
para a compreensão da dinâmica do relevo, que somado as ações humanas
transformam o meio ambiente, sendo necessário compreendê-lo de forma ampla.
A degradação ambiental, comumente citada como fonte de preocupação de muitos
cientistas, não se limita apenas ao uso excessivo da natureza pela população.
Fatores naturais como declividade e composição do relevo, em conjunto com ações
humanas não planejadas, podem resultar na degradação de grandes áreas (BERGAMO e
ALMEIDA, 2006, p. 01). Assim, o estudo geomorfológico “permite que se tenha a
descrição dos tipos e formas do relevo, padrões de drenagem, altimetria,
declividade, processos de erosão, acumulação e/ou fragilidades e potencialidades
de determinada área”. (BERGAMO e ALMEIDA, 2006, p.04), informações de suma
importância para avaliar movimentos de massa e instabilidades de terrenos.
Dessa maneira, a análise do relevo passa a ser indispensável devido ao fato de
fornecer suporte para diversas outras questões. Segundo Florenzano (2008, p.25),
este tipo de análise “é importante não só para a própria Geomorfologia, mas
também para as outras ciências da terra que estudam os componentes da superfície
terrestre (rochas, solos, vegetação e água), bem como na
fragilidade/vulnerabilidade do meio ambiente”; além de que o relevo pode
facilitar ou dificultar a ocupação humana, podendo ser um “obstáculo (ou
barreira) ao uso da terra (rural e urbano) e dificultar, além de encarecer a
construção de grandes obras de engenharia (estradas e aeroportos)” (FLORENZANO,
2008, p.25).
Para Cunha et al. (2003, p. 1), a Geomorfologia pode ser entendida como um meio
de compreender e analisar as formas de relevo, bem como os processos
responsáveis pela sua elaboração, e para isso o uso da cartografia
geomorfológica se faz indispensável, pois permeia análises descritivas das
formas, idade e gênese do relevo, permitindo além de tudo a representação de sua
espacialização, isto é:
O Mapeamento Geomorfológico serve como subsídio essencial para algumas etapas do
planejamento, pois espacializa e localiza os fenômenos morfoclimáticos de uma
dada região, assumindo, portanto, um caráter multidisciplinar para a compreensão
das estruturas espaciais e para a definição de diretrizes voltadas aos estudos
relacionados com o meio ambiente (LEMES, 2011, p.3).
Assim, o mapeamento geomorfológico é uma ferramenta de suma importância, a qual
fornece subsídios de análise do relevo, como também possibilita a indicação de
áreas favoráveis e desfavoráveis à ação humana.
Diante das considerações apresentadas, o objetivo desse trabalho foi identificar
e analisar as alterações do relevo na alta bacia do rio Passa Cinco, localizada
na porção centro-leste do estado de São Paulo, visando compreender suas
características em dois cenários distintos, bem como sua modificação ao longo do
tempo. Os dados para atingir tal objetivo foram obtidos de mapeamentos
geomorfológicos dos períodos de 1988 e 2010.
O acesso à alta bacia do rio Passa Cinco se faz “através da rodovia Washington
Luís e de estradas vicinais que ligam a cidade de Ipeúna, localizada no setor
SE, à cidade de Itirapina, localizada no extremo N da bacia” (CUNHA, 2001, p.
20).
Por fim, seu estudo se faz necessário por se tratar de um dos maiores
tributários do complexo hidrográfico da bacia do Rio Corumbataí, que é fonte de
abastecimento para as cidades de Piracicaba e Rio Claro. (COSTA, 2006).
Material e métodos
Os mapeamentos geomorfológicos foram realizados a partir do levantamento
aerofotogramétrico de dois cenários distintos, o de 1988 e 2010. Para isso, as
fotografias aéreas foram adquiridas em duas instituições: a de 1988, na escala
de 1:40.000, concedida de forma gratuita pelo acervo de fotografias aéreas do
Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento (DEPLAN), do
Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) da UNESP de Rio Claro; e as de
2010, na escala de 1:10.000, concedida de forma gratuita via requerimento pela
Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (EMPLASA).
Posteriormente, o material referente ao cenário de 1988 necessitou de um
processo de georreferenciamento, e como base para essa ação utilizaram-se as
cartas topográficas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
referentes à Itirapina e Rio Claro, com numeração da folha de SF-23-M-I-3 e SF-
23-M-I-4, respectivamente, do ano de 1969. Para esse cenário foi utilizado o
aplicativo StereoPhotoMaker 5.20, de uso livre, para a geração de imagens
anaglifos, proporcionando uma visão estereoscópica das fotografias aéreas, isto
é, uma visualização do relevo em 3 dimensões. Por sua vez, todos os mapeamentos
foram realizados na escala de 1:50.000, utilizando o Software ArcGis 9.2.
Quanto às demais questões técnicas dos mapeamentos geomorfológicos, foram
adaptados os conceitos de Tricart (1965), segundo os quais a carta
geomorfológica deve ter em sua elaboração dados de quatro naturezas diferentes,
sendo estes: os dados morfométricos, as informações morfográficas, os dados
morfogenéticos e a cronologia. Nesta pesquisa foram contemplados apenas os três
primeiros tipos de dados. Como explica o autor, os dados morfométricos referem-
se ao aspecto quantitativo das formas de relevo, podendo ser representados por
bases cartográficas que contenham dados menos elaborados, como os canais
fluviais, ou mais elaborados, tais como as declividades; as informações
morfográficas correspondem às formas de relevo, sendo identificadas através de
símbolos, que permitem compreender sua espacialização; e os dados morfogenéticos
tratam das informações sobre a gênese do relevo. Nesses critérios se basearam os
mapeamentos realizados para esse presente trabalho.
Quanto às simbologias criadas para melhor representação das feições observadas e
seguindo os critérios propostos por Tricart (1965), utilizou-se como base a
técnica desenvolvida por Paschoal, Conceição e Cunha (2010), que busca adaptar
os símbolos propostos para o meio digital, ressaltando que “a elaboração de
mapeamentos geomorfológicos requer o domínio da Cartografia Temática, que possui
como finalidade informar com a maior clareza e eficiência possível o fenômeno a
ser representado” (PASCHOAL; CONCEIÇÃO; CUNHA, 2010, p. 2).
Por sua vez, devido ao fato de se referir a escalas cartográficas diferentes,
utilizou-se também o trabalho desenvolvido por Stefanuto e Lupinacci (2017), o
qual adaptou as técnicas para a escala de 1:50.000. Deste modo, os símbolos
correspondentes às feições de ruptura topográfica abrupta e suave, canal
pluvial, fundo de vale encaixado, fundo de vale plano, linha de cumeada suave,
sulco erosivo, vertente côncava, vertente convexa, drenagem pluvial e voçoroca
foram confeccionadas seguindo as recomendações dessas referências. No entanto,
vale destacar que os demais símbolos foram concebidos para esta pesquisa, por
não obter referência norteadora disponível.
Paschoal, Conceição e Cunha (2010), destacam que os símbolos são subdivididos em
linhas, pontos e áreas, cada qual correspondendo ao tipo de feição do relevo a
ser representado e, para cada um criou-se um shapefile no ArcCatalog obedecendo
a um sistema de coordenadas geográficas, que deve ser correspondente ao sistema
de coordenadas da base cartográfica utilizada, neste caso SIRGAS 2000/UTM/Zona
23S.
Resultado e discussão
A alta bacia do Rio Passa Cinco (SP), encontra-se na transição entre duas
províncias geomorfológicas que Almeida (1974) classificou como Depressão
Periférica e Cuestas Basálticas.
A área de Depressão Periférica é a mais expressiva na alta bacia do rio Passa
Cinco, sendo sua topografia “pouco acidentada com desníveis da ordem de 20 a 50
metros e excepcionalmente superiores a 100 metros” (PENTEADO, 1976, p.14).
Ainda, segundo a autora:
Devido a uma estrutura homoclinal e a litologia de variada resistência face aos
processos erosivos, as camadas mais resistentes salientaram-se na topografia,
constituindo relevo de vertentes dissimétricas e desníveis variados (PENTEADO,
1976, p.14).
Com isso, segundo a autora, a região passou por um processo de aplainamento
generalizado, o que ocasionou o rebaixamento do seu relevo, constituindo-se como
uma verdadeira superfície de erosão.
Quanto ao relevo das Cuestas Basálticas, este se caracteriza “morfologicamente
por apresentar um relevo escarpado nos limites com a Depressão Periférica,
seguido de uma sucessão de grandes plataformas estruturais de relevo suavizado,
inclinadas para o interior” (IPT, 1981, p. 63).
Por sua vez, Torres et al. (2012) enfatiza que as cuestas constituem-se em
“relevo dissimétrico formado por uma camada resistente, fracamente inclinada ...
e interrompida pela erosão, tendo na base uma camada tenra. Apresenta de um lado
perfil côncavo em declive íngreme (front) e do outro um planalto suavemente
inclinado (reverso)”.
Dito isso, podemos compreender que a área de estudo apresenta em seu perfil
materiais com diferentes graus de resistência à erosão, bem como um considerável
desnível altimétrico, que por vezes acelera o processo denudativo natural do
relevo.
Assim, a análise dos mapeamentos geomorfológicos de 1988 e 2010, permitiu
constatar que,em 1988, a quantidade de sulcos erosivos era de 768 unidades,
passando para 746 em 2010; as ravinas aumentaram de 8 para 363 unidades e as
voçorocas saltaram de 3 para 22 unidades. Já as rupturas topográficas abruptas,
aumentaram 273,32 km do ano de 1988 para o de 2010, indo de 137,16 para 410,48
km aproximadamente; as rupturas suaves passaram de 429,87 para 150,63 km,
representando uma mudança significativa no cenário. Para se compreender estas
variações, apresenta-se a seguir, uma análise pormenorizada a partir dos grandes
compartimentos de relevo, isto é, reverso cuestiforme, front e depressão, que
compõem o relevo da área de estudo. Ainda, como a área de estudo é bastante
extensa, apresentam-se trechos dos mapeamentos considerados significativos para
o entendimento dos dados obtidos na pesquisa.
O setor referente ao reverso cuestiforme, localizado a SW da alta bacia do rio
Passa Cinco, caracteriza-se por baixos níveis de declividade, tratando-se do
setor mais elevado e plano da área de estudo. Por sua vez, encontra-se sobre a
litologia referente à Formação Itaqueri, recoberta principalmente por Latossolo
Vermelho Amarelo, de elevada permeabilidade, baixa retenção d’água e coesão,
sensíveis a degradação sob manejo agrícola (IAC, 2014). Devido a isso, as
feições geomorfológicas comumente encontradas no cenário de 1988 são sulcos
erosivos e rupturas topográficas suaves. Em 2010, essas feições diminuíram
significativamente, o que indica a possibilidade de intervenções humanas além da
dinâmica natural do relevo, evidenciada principalmente pela presença de terraços
agrícolas (Figura 1).
Assim, é possível que essas intervenções estejam relacionadas a usos agrícolas
que requerem maquinários, pois tais equipamentos podem obliterar estas feições,
já que “nesta fase, os sulcos ainda podem ser transpostos, bem como serem
desfeitos pelas máquinas durante os trabalhos normais de preparo do solo”
(SILVA, 2016, p. 29). Além disso, considerando que a área em questão é
relativamente plana, torna-se adequada para esse tipo de uso (Figura 1).
Quanto aos setores que se referem ao front e taluscuestiforme, área de transição
entre as Cuestas Basálticas e a Depressão Periférica, a principal característica
é o fato de se dispor de forma festonada, isto é, irregular no relevo, com a
presença marcante de curvas, devido ao recuo desigual da linha de cuesta. Além
disso, observa-se a presença de algumas feições geomorfológicas como rampas de
colúvio, rupturas suaves e abruptas, que evoluíram significativamente de um
cenário para o outro, assim como os processos erosivos lineares (Figura 2).
No que concerne a litologia e pedologia, boa parte desse setor da alta bacia do
rio Passa Cinco caracteriza-se pela transição da Formação Serra Geral para a
Formação Botucatu, assim como pela transição pedológica de NeossolosLitólicos
para NeossolosQuartzarênicos, respectivamente. O primeiro é caracterizado,
segundo o IAC (2014), como “solos com sérios impedimentos para a produção
agrícola e florestal, com pequena profundidade e pedregosidade que dificultam a
penetração e a exploração de água e nutrientes pelas raízes de plantas”,
enquanto que o segundo tem como principal característica ser de fácil
remobilização (IAC, 2014) e por isso a alta presença de rampas de colúvio em
superfície, isto é, material que se desprende e encontra-se em processo de
transporte denudativo.
Ainda, em relação à existência de sulcos erosivos, observa-se sua disposição em
quantidade semelhante em ambos os cenários neste setor de front e talus, porém
com variações em sua disposição espacial. Dessa forma, o que torna evidente a
dinâmica erosiva do setor é o aumento significativo das ravinas no ano de 2010.
Já a área de Depressão Periférica da alta bacia do rio Passa Cinco sustenta-se
principalmente pela Formação Pirambóia. Sobre essa, constatou-seno cenário de
1988 numerosas feições erosivas lineares, principalmente os sulcos erosivos, que
no cenário de 2010 evoluíram para estágios superiores, isto é, ravinas e
voçorocas (Figura 3).
A presença marcante das feições erosivas se deve também a fragilidade dos solos,
visto que a Formação Pirambóia, como ressalta o IPT (1981), caracteriza-se por
uma sucessão de camadas arenosas, de granulação média a fina. Para Cunha (2001)
“sobre tal formação ocorrem diversas associações de solo, nos setores drenados
pelo rio Pirapitinga, posicionado a NNW da bacia, ocorrem Latossolos Vermelho
Amarelo”, que são solos com alta permeabilidade, baixa retenção d’água e baixa
coesão, caracterizando-os como sensíveis à degradação sob manejo agrícola.
Outra característica é a presença de rupturas topográficas, bem como a evolução
das consideradas suave para abrupta, do cenário de 1988 para o de 2010 (Figura
3), o que indica um maior desnível no relevo e consequentemente um sistema
erosivo atuante na área.
Por fim, cabe ressaltar que se buscou analisar as características
geomorfológicas em conjunto com os dados litológicos e pedológicos. Entretanto,
é fundamental enfatizar que análises dessa natureza consideram apenas aspectos
naturas da região, sendo imprescindível a análise dos padrões de uso da terra
para uma abordagem abrangente e completa da área em estudo.
Feições geomorfológicas presentes no reverso cuestiforme da alta bacia do rio Passa Cinco (SP).
Feições geomorfológicas presentes no front e talus cuestiforme da área de estudo.
Feições geomorfológicas na área de Depressão Periférica da alta bacia do rio Passa Cinco (SP).
Considerações Finais
A análise da distribuição espacial das feições geomorfológicas, em conjunto com os
dados litológicos e pedológicos, demonstrou-se como uma ferramenta de análise
ambiental que permitiu identificar algumas mudanças relevantes do relevo. Diante
dos mapeamentos geomorfológicos realizados para os cenários de 1988 e 2010,
constatou-se uma pequena diminuição de algumas feições, como os sulcos erosivos e
as rupturas topográficas de característica suave. Já as demais feições erosivas,
ravinas e voçorocas, que indicam estágios mais desenvolvidos dos processos
lineares, obtiveram um aumento significativo, assim como as rupturas topográficas
abruptas . Estes dados apontam para uma aceleração da denudação do relevo da área.
O compartimento geomorfológico que apresentou uma evolução mais significativa das
feições apontadas foi o setor da Depressão Periférica, o qual apresenta
características litológicas e pedológicas de maior suscetibilidade natural,
seguidas pelo setor do front cuestiforme e o setor de reverso da Cuesta Basáltica.
Por fim, ainda se faz necessário avaliar a interferência do uso da terra a fim de
compreender como as ações humanas locais interferem nas alterações constatadas.
Agradecimentos
As autoras agradecem a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP), pelo apoio financeiro, processos: 2017/22257-4 e 2016/25231-3.
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