• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

MAPEAMENTO GEOMORFOLÓGICO DA BACIA DO CÓRREGO CANTAGALO, TRÊS RIOS – RJ: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA EVOLUÇÃO DO RELEVO LOCAL

Autores

  • DIOGO PARREIRA LAPAUNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAEmail: diogoparreira13@gmail.com
  • MARINA DA SILVA CABRALUNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAEmail: marinasilvacabral15@gmail.com

Resumo

A Bacia Hidrográfica do Córrego Cantagalo está inserida na Região Hidrográfica 3 - Médio Paraíba, do Estado do Rio de Janeiro, drenando para a margem esquerda do Rio Paraíba do Sul. A área da bacia é caracterizada por um intenso uso urbano devido a sua proximidade com o centro do município de Três Rios – RJ. Assim, o trabalho teve como objetivo entender, identificar e compartimentar o relevo da bacia, utilizando a metodologia de mapeamento geomorfológico proposta por Nunes et al (1994). Isso resultou na divisão da área em 2 modelados e 4 formas do relevo, e na percepção de que a evolução do relevo na área tem relação direta e indireta com as zonas de falha entre as Unidades Quirino e Paraíba do Sul. Dessa forma, o trabalho traz uma descrição detalhada sobre as formas e sobre possíveis fatores que levaram o relevo até o que foi caracterizado hoje, ressaltando a importância da técnica para o conhecimento da superfície terrestre.

Palavras chaves

Mapeamento Geomorfológico; Geomorfologia; Três Rios; Córrego Cantagalo; Relevo

Introdução

O uso da cartografia para mapeamento e reconhecimento do mundo de forma ilustrada é um artifício muito utilizado desde os primórdios da humanidade, com os mapas lúdicos que ilustravam rotas comerciais e limites entre territórios. Uma série de autores, como Tricart (1965) e Libaut (1975) associam também o uso da cartografia como forma de representar a geomorfologia e o relevo de um local, que vem a ser um grande subsídio para intervenções que possam ser realizadas no planejamento ambiental de uma cidade, estado e/ou nação (ROSS, 1990; SANTOS, 2004). Porém, para que isso seja possível e consiga revelar resultados fiéis a realidade do local representado, o elemento escala se faz necessário, principalmente para trabalhos que abordem áreas de grandes proporções (CUNHA et al, 2003; MARTINS E RODRIGUES, 2016), tais quais municípios, como no trabalho de Mendonça et al (2016) e estados, como feito por Santos et al (2006) e Diniz et al (2017). Pensando no uso da cartografia geomorfológica como subsídio para o planejamento ambiental, o presente trabalho tem como recorte espacial a bacia hidrográfica do Córrego Cantagalo. Essa bacia hidrográfica está localizada na Microrregião de Três Rios – RJ, com uma área total de 25,3 km² divididos entre os municípios de Três Rios (18,3 km²), Comendador Levy Gasparian (4,9 km²) e Paraíba do Sul (2,1 km²). A bacia é de 4° ordem na hierarquia fluvial e está inserida na Região Hidrográfica 3 - Médio Paraíba, do Estado do Rio de Janeiro (LEITE, 2018). Sua drenagem encontra a margem esquerda do rio Paraíba do Sul dentro dos limites municipais de Três Rios, e está inserida no âmbito do Comitê de Bacia do Médio Paraíba do Sul e no Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (AGEVAP, 2019). Como características físicas, a bacia está inserida no bioma Mata Atlântica com vegetação predominante de Floresta Estacional Semidecidual (MORAES, 2019), possuindo também alto grau de fragmentação nos remanescentes florestais, seja por conta da urbanização crescente na região ou pelo uso do solo para prática de pastagem (LAPA, ROCHA e GOMES, 2022). De acordo com a classificação de Koppen, o território da bacia está em domínio do clima CWA - Temperado úmido, com inverno seco e verão quente e chuvoso, com ambas as estações sendo bem marcadas junto aos meses do ano. Majoritariamente a bacia se insere em um contexto geológico de rochas ortoderivadas paleoproterozóicas interdigitadas, com espessos pacotes metassedimentares intrudidos por corpos granitoides brasilianos (VALADARES et al, 2012). Nessa lógica, o presente trabalho tem como objetivo mapear a geomorfologia dessa bacia na escala de 1:50.000, utilizando de técnicas de sensoriamento remoto e os softwares de geoprocessamento disponíveis, em uma lógica semelhante ao realizado por Paiva e Marques Neto (2022) na Bacia do Rio Novo – MG.

Material e métodos

Para iniciar o processo de classificação geomorfológica, foi utilizada a mesma metodologia proposta por Nunes et al (1994) junto do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que veio a ser aplicada por Marques Neto, Zaidan e Menon Jr (2015). Tal metodologia traz uma hierarquia em sua classificação, tendo herdado isso do proposto por Ross (1992), onde os táxons foram divididos de acordo com a seguinte ordem de grandeza, exposta por Marques Neto (2022): 1. Domínio Morfoestrutural, ocorrem em escala regional se definindo segundo o arcabouço geológico dado pela natureza das rochas e pela tectônica que afetou os litotipos; 2. Região Geomorfológica, são considerados como unidades forjadas pela atuação de climas atuais e pretéritos, associados ao controle morfotectônico, lhe ofereceram características genéticas comuns; 3. Unidade Geomorfológica / Compartimento do Relevo, perfaz conjuntos de formas semelhantes que se apresentam organizadas em compartimentos geomorfológicos que apresenta afinidades genéticas em seus aspectos altimétricos e fisionômicos; 4. Modelado / Forma do Relevo, se dividem em 4 tipos de modelados, os de acumulação que correspondem aos relevos de gênese agradacional, os de aplanamento que compreendem as superfícies aplainadas, os de dissolução que abarcam as feições carstícas existentes em rochas carbonáticas e siliclásticas, e os de dissecação que se dividem em dissecados homogêneos, que não possuem um controle estrutural tão marcado, e dissecados estruturais, que possuem nítido controle estrutural em suas formas; 5. Forma do Relevo Simbolizadas, são as feições encontradas no relevo que ganham representações gráficas de signos variados, como falhas e escarpas. Dessa forma a primeira etapa do processo se deu com a obtenção de materiais cartográficos e bibliográficos pré-existentes que facilitem a compreensão do relevo no local. Em um segundo momento, foi obtido o Modelo Digital de Elevação (MDE) do satélite SRTM30 para a área, após que o mesmo foi tratado visando mostrar com clareza os vales e demais características sensíveis ao relevo no local, sendo extraído também a drenagem do mesmo. Por meio deste MDE foram obtidos também as curvas de nível e a declividade para a área de estudo, sendo a última, elemento fundamental para a análise e compreensão da paisagem com base na lógica espaço-temporal dos fatos geomorfológicos (ROSS, 1992; MARQUES NETO, ZAIDAN e MENON JR, 2015). Em um terceiro momento, foram identificadas as cotas altimétricas de maior altitude na área, e com base nelas foram calculadas a profundidade de dissecação e a dimensão interfluvial, que são parâmetros importantes para a classificação do relevo (MARQUES NETO, ZAIDAN e MENON JR, 2015), pois juntos indicam como o relevo tem se desenvolvido e como o mesmo pode vir a se desenvolver num futuro próximo. As percepções foram digitalizadas e compostas num produto cartográfico que foi preparado conforme a proposição metodológica de Nunes et al (1994), com sua legenda em quadro a parte em função do número de elementos que são destacados, e pensando na melhor qualidade do cartograma.

Resultado e discussão

Seguindo a metodologia estabelecida, em um primeiro momento foi gerado a partir do Modelo Digital de Elevação um mapa de Declividade para a área de estudo (Figura 1), onde o mesmo foi utilizado para subsidiar a classificação geomorfológica que veio a ser realizada. Esse subsídio se faz fundamental pelo fato de que com o acesso aos dados de declividade, se introduz a possibilidade de, para além de segmentar o relevo em classes, compreender quais processos estão agindo ali (em alguns casos), e inferir se são processos agradacionais ou denudacionais. Após isso, foram cruzados os dados de Dimensão Interfluvial (DI) e Profundidade de Dissecação (PD). Esses valores são calculados utilizando como referência os topos de morro e locais de altitude elevada dentro da área de análise, sendo que, para cada uma dessas duas variáveis, existe uma correlação própria, sendo elas: para a DI, é a média entre a distância do topo de morro até os canais próximos a ele, possui correlação direta como conceito de dissecação propriamente dito, uma vez que mensura o afastamento horizontal médio de diferentes interflúvios de uma mesma unidade morfológica (SAMPAIO e AUGUSTIN, 2008); para a PD, a mesma se relaciona a amplitude vertical do processo de dissecação, sendo correspondente profundidade que o canal entalhou (MARQUES NETO, 2022). Seguindo o proposto por Nunes et al. (1994), os parâmetros morfométricos mencionados anteriormente foram apresentados na legenda em um quadro separado e organizados em uma matriz de dissecação, na qual a dimensão interfluvial foi representada nas linhas e a profundidade de dissecação nas colunas. Na matriz, valores de 1 a 5 foram determinados para indicar a intensidade dos parâmetros morfométricos previamente medidos. Quanto maior o valor atribuído, maior é a intensidade do potencial morfodinâmico (PAIVA e MARQUES NETO, 2022; MARQUES NETO, 2022). A partir dos resultados do cruzamento dos dados no quadro, foi criado um sistema binário de classificação numérica que possibilitou a interpretação da fragilidade local, o seu potencial de ser alterado, sendo que os valores binários gerados pela matriz, acompanham o nome de cada modelado encontrado na área de estudo (ROSS, 1992; NUNES et al. 1994; CUNHA, 2003; MARQUES NETO; ZAIDAN; MENON JUNIOR, 2015). Destarte, foi gerado o mapa geomorfológico para a bacia do Córrego Cantagalo (Figura 2), que tem sua legenda disposta a parte (Figura 3), com a mesma contendo uma breve descrição sobre as classes e demais aspectos relevantes que foram observados na área, e a matriz de dissecação do relevo utilizada para classificar os modelados no local. De acordo com o que foi encontrado na região, foram observados dois grupos distintos de modelados, os Modelados de Agradação (A) e os Modelados de Dissecação (D). Também foi encontrado dois pontos de contato litológico entre as unidades geológicas do Paraíba do Sul e Quirino. Falando sobre o Modelado de Agradação (D) encontrado, ele se encontra no fundo dos vales, sendo uma área de retenção de sedimentos, uma Planície Fluvial (Apf). Planícies Fluviais são caracterizadas por serem superfícies de acúmulo de água e sedimentos, que se situam as margens dos rios, podem ocasionar na formação de terraços e áreas úmidas, também serve como substrato para o desenvolvimento de vegetação ripária (CHARLTON, 2007), são marcadas por declividade inferior a 2%. Já sobre os Modelados de Dissecação (D), foram as formas predominantes na área, sendo todos caracterizados por Declividades médias e baixas, com Profundidade de Dissecação média e Dimensão Interfluvial baixas. As formas encontradas na região foram: Colinas (Dc), Morros (Dm) e Encostas em Morros Suavizados (Demsuav), sendo o último uma subsecção do segundo que apresenta declividade especialmente baixa. As Colinas (Dc) encontradas na região são originadas do Paleoproterozóico, possuindo característica semelhantes à de um interflúvio pela localização em que algumas dessas feições se encontram. Por esse mesmo motivo, são focos de erosão diferencial pela influência dos múltiplos canais na feição. Possuem Dimensão Interfluvial muito fraca, inferior a 40 metros, com Profundidade de Dissecação muito fina, inferior a 300 metros, sendo áreas já rebaixadas pelos processos erosivos e que tem como principal fonte de alterações nas formas a erosão natural e os processos antrópicos que podem causar aplainamentos e impermeabilizações (que acarretam em um aumento da intensidade do processo erosivo), com declividade de até 15%. Acerca dos Morros (Dm), os mesmos também são originados do Paleoproterozóico, possuindo uma definitiva característica interfluvial, que acaba imputando a essas feições as maiores Dimensões Interfluviais encontradas na área, sendo caracterizadas como média, compreendidas entre 80 e 120 metros. Mantém o perfil da área de uma Profundidade de Dissecação muito fina, possuindo vertentes côncavas retilíneas, e podendo ter topos convexos ou aplainados, sendo que o segundo ocorre muito mais em áreas com urbanização acelerada, como no setor leste do mapa. Possuem declividade acentuada em alguns pontos (acima de 30%), porém em sua maioria se concentram entre 15% e 30%. Sobre as Encostas em Morros Suavizados (Demsuav), essas feições compartilham a mesma origem dos morros, podendo inclusive ser classificada como morros suavizados, porém, possui encostas que se destacam a vista, sendo um fator diferencial muito específico dessas feições. Também contam com uma Profundidade de Dissecação muito fina, e possuem uma Dimensão Interfluvial fraca, estando compreendida entre 40 e 80 metros, sendo associadas a uma declividade de suave para média, compreendidas entre 15% e 30%. Para além dos Modelados observados na área, também foram encontradas duas zonas de Contato Litológico, entre os Complexos Quirino e Paraíba do Sul, ambos datam do Proterozóico, sendo o primeiro datado do Paleoproterozóico e o segundo datado do Neoproterozóico. O Complexo Quirino é caracterizado por “extensos corpos de gnaisses homogêneos, localmente migmáticos, com hornblenda e/ou biotita” (VALLADARES, 1996), com granulometria de média a grossa de estrutura maciça, com enclaves mesocráticos a melanocráticos. O complexo Paraíba do Sul por sua vez, integra a Faixa Ribeira (ALMEIDA, 1967) sendo parte de um “complexo cinturão de dobramentos e empurrões gerado no Neoproterozóico” (VALLADARES, 1996), tem como característica a presença de “biotita gnaisse bandado com intercalações de silimanita-granada-muscovita-biotita xisto associados a rochas calcissilicáticas” (VALLADARES et al, 2012). Como resultado da presença dessas zonas de contato, se observa a ocorrência de confluências em ângulos retos nos padrões dendrítico, retangular e de treliça (sendo a hidrografia da área de estudo um misto de tais padrões), sendo isso um indicador da presença de anomalias “que se deve atribuir aos fenômenos tectônicos” no local (CHRISTOFOLETTI, 1980, p. 103-105). Mesmo a drenagem não estando encaixada nas falhas, a disposição da hidrografia indica uma correlação com a disposição das falhas na região, falhas essas que estão dispostas no sentido SW-NE. Sendo que a maioria dos afluentes do Córrego Cantagalo estão em sentido ortogonal ao padrão de falhas local. Um ponto digno de nota, é que o próprio Córrego Cantagalo, se encontra em posição ortogonal ao seu ponto de deságue, o rio Paraíba do Sul, que flui encaixado em uma falha no sentido SW-NE. Assim, com base nesses aspectos geológicos observados e inferidos acerca da área de estudo, consegue-se compreender com maior clareza como se deu a evolução do relevo no local, com a erosão sendo impulsionada pelo alinhamento dos canais, resultando em vales profundamente dissecados, que acumulam sedimentos vindo das colinas e morros ao redor, criando assim, grandes planícies fluviais por todo o curso do córrego principal.

Figura 1

Figura 1 – Mapa de Declividade para a área de estudo. Fonte: Os Autores (2023).

Figura 2

Figura 2 – Mapa Geomorfológico da Bacia do Córrego Cantagalo. Fonte: Os Autores (2023).

Figura 3

Figura 3 – Legenda do Mapa Geomorfológico da Bacia do Córrego Cantagalo. Fonte: Os Autores (2023).

Considerações Finais

Com base nos resultados obtidos, pôde-se caracterizar e compartimentar geomorfológicamente a bacia hidrográfica do Córrego Cantagalo, compreendendo nessa caracterização questões geológicas da mesma, que justificam a disposição dos canais de drenagem da bacia frente a tectônica que lá impera. Com esse mapeamento, foi percebido uma tendência por parte da população em habitar em zonas de deposição de sedimentos, com baixa amplitude altimétrica, sendo assim zonas de fácil acesso para comércio e deslocamento urbano, como é o caso. Também pode-se inferir que existe uma procura por localidades isoladas, que para a área de estudo, se refere a topos de morro, onde os mesmos são expostos a processos de aplainamento e impermeabilização que acabam aumentando a erosão em suas vertentes, o que aumenta a energia do relevo, podendo causar novas feições e mudanças em todo o sistema local, a depender da escala de ocupação. Destarte, o presente trabalho tem caráter preliminar, visto que para que tenha sido seguida à risca a metodologia proposta por Nunes et al (1994), seria preciso fazer ainda um trabalho de campo complementar, visando sanar dúvidas e aprimorar os resultados obtidos, porém esta parte da metodologia original não foi abarcada. Porém, ainda consegue atender seu objetivo de mostrar os compartimentos do relevo que ali se manifestam, ilustrando inclusive o controle tectônico do local, cumprindo com a tarefa de auxiliar na compreensão do relevo e de seus processos formadores.

Agradecimentos

a

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