• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

Mapeamento morfogenético da planície costeira da Marambaia: Contribuição para discussões do Sistema Brasileiro de Classificação do Relevo (SBCR)

Autores

  • LEONARDO VOMAROUNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEEmail: leonardovomaro@id.uff.br
  • GUILHERME BORGES FERNANDEZUNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEEmail: guilhermefernandez@id.uff.br
  • TIAGO FERNANDO DE HOLANDAUNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEEmail: tiagofh@id.uff.br

Resumo

Os principais mapas geomorfológicos nas escalas regionais são elaborados por instituições públicas de pesquisa, como IBGE e o SGB/CPRM. Nesta escala, os mapeamentos nas planícies costeiras acabam por simplificar a ocorrência das diferentes formas, em função destas áreas apresentarem baixa variação altimétrica, sendo relacionados muitas vezes a uma única ou até no máximo quatro feições. Nos três últimos anos, tem havido um esforço conjunto entre as instituições públicas mencionadas e a UGB, no sentido de se criar um Sistema Brasileiro de Classificação do Relevo (SBCR). O SBCR parte de um esquema taxonômico, em que diferentes formas poderiam ser mapeadas, em relação à escala. Um debate importante está não somente na escala, mas como mapear as planícies costeiras, envolvendo a geomorfologia, ou levando-se em consideração a morfogênese. Dessa maneira, este estudo teve como objetivo mapear a planície da Marambaia, utilizando um critério morfogenético.

Palavras chaves

Mapeamento Geomorfológico; Planície Costeira; Restinga da Marambaia; Classificação do Relevo; Geomorfologia

Introdução

De forma abrangente, o mapeamento geomorfológico tem como objetivo espacializar e delimitar a área de abrangência das diferentes classes geomorfológicas, levando-se em consideração formas e/ou processos que permitem sua efetiva individualização na superfície terrestre, não raramente permitindo a compartimentação do relevo, em função de critérios determinados. Neste sentido, Ross (1990) e Bishop et al. (2012) enfatizam que para realização de mapeamentos que possam efetivamente levar a compartimentação do relevo é mais que necessária a consideração de aspectos cronológicos, morfológicos, estruturais e os processos morfogenéticos atuantes. Estes esforços, por sua vez, se dão em função da escala trabalhada para o mapeamento, na qual será evidenciado uma maior ou menor diversidade de formas do relevo. No Brasil, os principais mapas geomorfológicos, quando definidos em escala regional, foram elaborados majoritariamente por instituições públicas de pesquisa, destacando-se o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Serviço Geológico do Brasil/Companhia de Pesquisas e Recursos Minerais (SGB/CPRM). Os avanços sobre o mapeamento geomorfológico foram materializados principalmente pelo projeto RADAM Brasil, que ao longo de 15 anos, entre 1970 e 1985, permitiu um salto significativo sobre mapeamentos não somente a geomorfologia do país, mas em diferentes áreas das geociências (IBGE, 2018 https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101614.pdf). De maneira subsequente, o IBGE disponibiliza, em 1995, e posteriormente lança uma versão atualizada em 2009, o Manual Técnico de Geomorfologia, o qual abordou alguns importantes fundamentos da cartografia geomorfológica, determinando a partir de uma análise taxonômica a incorporação dos processos morfológicos como categorização principal para legendas-classes identificadas nos relevos, servindo talvez como o principal norteador para os mapeamentos realizados em território nacional. A estruturação taxonômica do Manual muito se fundamentou no trabalho de Ross (1992), que traduziu de forma bastante eficiente os procedimentos de mapeamento, a partir de escalas de detalhamento em táxons, determinando de maneira sistemática a elaboração de mapas. Mais recentemente, a partir dos esforços institucionais envolvendo não somente o IBGE, assim como a SGB/CPRM, em conjunto com a União da Geomorfologia Brasileira (UGB), foi criado o Comitê Executivo Nacional (CEN), para a elaboração do Sistema Brasileiro de Classificação do Relevo (SBCR), que tem sua organização descrita em Botelho e Pelesh (2019). Mais recentemente, o próprio CEN (2023) disponibiliza para a comunidade geomorfológica os avanços em relação ao SBCR, em que fica evidente que serão necessários esforços adicionais na elaboração do sub sistema costeiro, que estariam diretamente vinculadas ao 5º táxon, representando um táxon mais detalhado. Dada a diversidade geomorfológica nas planícies costeiras, diferentes esforços já foram realizados no mapeamento das planícies costeiras do litoral fluminense, como por exemplo; a Massambaba (SILVA FIGUEIREDO et al., 2018), Cabo Frio e Peró (FERNANDEZ et al., 2017) e o delta do rio Paraíba do Sul (Pacheco e Fernandez, 2014; DA ROCHA et al., 2017; 2013a; 2013b). Não obstante, em áreas cujo acesso é difícil, ainda não foram realizados mapeamentos com o grau de detalhamento esperado para a identificação dos diferentes processos costeiros, como é o caso da planície costeira da Marambaia. Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo mapear as classes geomorfológicas localizadas na Marambaia, adotando o critério morfogenético que foi preconizado pelo CEN (2023), ou seja, a distinção das formas, pelos processos geradores.

Material e métodos

A produção cartográfica geomorfológica dispõe de um razoável arcabouço teórico e conceitual, além de disponibilidade técnica que veio a permitir avanços nos mapeamentos em escalas mais detalhadas. Isto foi facilitado pelo maior acesso às tecnologias de sensoriamento remoto, a disponibilização de ortofotos, a disponibilidade de imagens gratuitas em diferentes resoluções e também pela popularização de sistemas de informação geográfica (SIG). Entretanto, ainda se encontram bastantes restritas as possibilidades de mapeamentos em escala de detalhe, principalmente no que diz respeito às planícies costeiras. Isso se deve à dificuldade de determinar os diferentes ambientes, marcados por baixa altimetria, difícil de ser abarcado em maiores escalas. Dessa forma, para a realização de mapeamentos no litoral, é mais que necessário o entendimento da ocorrência simultânea de diferentes agentes na modelagem do relevo local. O mapeamento geomorfológico apresentado neste trabalho foi realizado possuindo como referência as fotografias aéreas ortorretificadas do Projeto RJ-25, desenvolvido pelo IBGE no ano de 2005. Com relação aos metadados do Projeto RJ- 25, as fotografias aéreas disponibilizadas podem ser utilizadas em mapeamentos na escala de detalhe de 1:25.000, em composição colorida (RGB), com resolução de em média 5m por pixel, projetadas no sistema de coordenadas UTM fusos 23 e 24, e referenciadas no sistema geodésico SIRGAS 2000. O órgão responsável pela produção das ortofotos foi a Coordenação de Cartografia (CCAR) do IBGE, lotada na Diretoria de Geociências (DGC). Para que o mapeamento fosse feito, foi realizado um processo de aerotriangulação em blocos e o resultado final do ajustamento ficou entre 3 e 7m, compatível com a escala final do trabalho de 1:25.000. Para a realização do mapeamento geomorfológico da planície da Marambaia, cinco ortofotomosaicos foram necessários para cobrir a área de estudo. Para melhorar as condições de mapeamento, também foram utilizados compilados de imagens de satélite gratuitas provenientes da Maxar Tecnologies, disponíveis no software do Google Earth 7.3.6. Essas imagens possibilitaram uma melhor visualização das diferentes feições geomorfológicas presentes na área de estudo. Uma vez que o software possui um amplo banco de fotografias aéreas, foi possibilitado o mapeamento consorciado entre as ortofotos e as imagens, o que veio a permitir uma maior acurácia na interpretação das feições localizadas na planície. Para processamento dos dados vetoriais e matriciais, utilizou-se o programa QGIS 3.16 Hannover, que foi adotado para execução de todas as etapas referentes ao mapeamento, desde o tratamento das ortofotos, passando pela delimitação das feições identificadas à edição e confecção do layout final do mapa. A legenda do mapeamento foi elaborada a partir da discriminação das diferentes feições e de uma estrutura taxonômica determinada pelos processos morfogenéticos, sendo o primeiro táxon a classe de Planície Costeira. Dessa maneira, foram subdivididas em um segundo táxon: Feições Dominadas por Ondas; Feições Dominadas por Marés; Feições Dominadas por Ventos; Feições Lacustres e Outras Classes (Figura 1). No entanto, embora esta proposição de categorização das classes processuais seja bastante precisa, há casos em que a constituição das feições obedece a fatores específicos. Nesse contexto, tem-se como exemplo a classe “Feições Dominadas por Ondas”, na qual as feições identificadas podem ser geradas a partir do contato direto ou indireto com as ondas. Assim, pode-se atribuir a essas feições, respectivamente, as classificações “Feições Dominadas por Ondas Marinhas” ou “Ambientes Restritos”, esta última também gerada por ondas, porém provenientes do interior da Baía de Sepetiba. Uma classe individual para adequar os objetos integrantes da planície costeira e não relacionados a processos geomorfológicos costeiros, descrito por “Outras Classes”.

Resultado e discussão

As diferentes classes de mapeamento, assumindo a descrição e a biblioteca de formas mapeadas então expostas na figura 2. O mapeamento geomorfológico propriamente dito está na figura 3. A planície costeira da Marambaia é geomorfologicamente dominada por feições dominadas por ondas por estar localizada em um trecho em que predominam condições de ondas de alta energia e regime de micromaré. Os diferentes ambientes deposicionais observados no mapeamento derivam não somente da ação das ondas oceânicas, mas também das ondulações formadas no interior da Baía de Sepetiba, identificadas como Ambientes Restritos. Nos trechos dominados por ondas se destacam as barreiras costeiras. As barreiras são feições alongadas não raramente formadas por sedimentos arenosos estão empilhados em ajuste às flutuações do nível do mar, e outros elementos envolvendo aporte sedimentar e regime maregráfico (ANGULO; SOUZA, 2014). Na costa fluminense as barreiras se destacam pela heterogeneidade morfológica e arranjo da arquitetura sedimentar (FERNANDEZ; ROCHA, 2015). Ao longo da área da Marambaia, a barreira costeira se dispõe longitudinalmente à costa, na direção E/W, com uma suave curvatura no extremo oriental. O que se nota é que a barreira costeira da Marambaia apresenta uma variabilidade de largura, provavelmente em função de processos erosivos relacionados à ação de ondas de ambientes restritos, que se associam a formação do spit lagunar promovendo uma barreira costeira delgada na parte central, com registros mais extensos nas extremidades leste e oeste da planície. A barreira costeira da Marambaia provavelmente corresponde a uma ou duas barreiras paralelas, também identificada na Massambaba (Silva Figueiredo et al., 2018; DIAS; KJERVE, 2009). O mesmo padrão morfológico foi descrito entre Itaipuaçu e Ponta Negra, a leste da Marambaia (CARVALHO DA SILVA et al., 2014). Representada por meio de linhas tracejadas no mapa, as praias são depósitos arenosos formados por empilhamento sedimentar, diretamente associada às flutuações morfológicas de curto prazo de processos relacionados à ação de ondas e secundariamente pela ação das marés e ventos. Para sua distinção no mapeamento, foi adotado como indicador de linha de costa a linha de vegetação, passível de ser discernida visualmente a partir de fotografias aéreas, tal como preconizado por Boak e Turner (2005). Nos ambientes dominados por ondas formadas no interior da Baía de Sepetiba foram individualizados spits lagunares, cristas de praia e a parte final do spit, determinado pelo flying spit. O spit lagunar apresenta uma morfologia triangular assimétrica. A assimetria é provavelmente resultado de processos de remobilização sedimentar de sedimentos arenosos, previamente depositados no reverso das barreiras costeiras por ondas oblíquas. O processo de remobilização foi proposto por ASHTON; GIOSAN (2011), que observaram diferentes spits no litoral asiático. Foram identificados nos spits, morfologias descritas como cristas de praia. As cristas apresentam diferentes orientações, resultado provável da incorporação de sedimentos em consonância ao alargamento do próprio spit. Mapeado na porção mais distal do spit lagunar central, há um flying spit, que corresponde a parte terminal de evolução da feição maior, assumindo uma morfologia alongada, e muitas vezes com padrão sinuoso. Segundo Ashton e Murray (2006), os flying spits são feições terminais de spits, de forma que a acumulação sedimentar tenha o padrão recurvado e desprovido de vegetação, em função de uma dinâmica oscilatória, a partir de transporte litorâneo próximo ao nulo, que determina variações na sinuosidade, sem que haja efetivamente projeção da sedimentação. As formas determinadas por processos eólicos também compõem a paisagem da planície. Estas feições estão presentes em áreas dominadas por ondas, ou seja, estão sobrepostas especificamente às barreiras costeiras. A ação dos ventos foi identificada no desenvolvimento de cortes eólicos, formados provavelmente sobre depósitos de dunas frontais. As dunas frontais são formadas a partir da sedimentação depositada sobre a berma, e posteriormente removida pela ação eólica, e fixada pela vegetação no pós-praia ou retropraia (ARENS, 1996; HESP, 2002). A identificação dos cortes foi possível pela visualização de áreas desprovidas de vegetação. A formação deste padrão morfológico está normalmente associada a fluxos descendentes de ventos (HESP; SMYTH, 2016), que dada a energia deste fluxo, acabam por remover parte da vegetação, expondo areias fixadas pela vegetação nas dunas frontais. A ocorrência destas feições eólicas concentradas na parte mais a leste da planície pode ser interpretada utilizando dados desta tipologia na Massambaba, em que a partir da diminuição da densidade vegetacional observada planície, expôs determinadas áreas a ação eólica, principalmente no extremo oriental (COUTINHO et al, 2021). Os processos fluviomarinhos determinaram as Feições Dominadas por Marés. Processos costeiros derivados pelas diárias flutuações do nível do mar, promovem normalmente a concentração de sedimentos finos, favorecendo em que não raramente permitem o desenvolvimento de manguezais e apicuns. Os terrenos controlados pelas marés se concentraram no reverso da barreira costeira, mais a leste do cordão da Marambaia, área que se apresenta com amplo domínio provavelmente siltico-lamoso, colonizado por manguezais. De fato, estes terrenos ocorrem em regiões costeiras abrigadas ou semi abrigadas e influenciadas pela variabilidade das marés. Desta maneira, trechos hipersalinos descritos por Apicuns, além canais de maré foram identificados na Marambaia. Os canais de maré, aparentemente perenes, estão distribuídos na planície, identificados como fluxos hidrodinâmicos, serpenteando os manguezais identificados na área. Também associadas ao manguezal, foram descritos apicuns na região. Segundo Zack & Román-Mas (1988), apicuns são originados em áreas de manguezal onde a inundação das marés é o principal aporte de água, mas é reduzida a frequência de inundação durante os ciclos de maré, e as altas taxas de evaporação, em decorrência da elevada temperatura e radiação solar, resultam em condições hipersalinas. Por fim, processos lacustres também foram identificados na Marambaia. As áreas lacustres se definem por depressões cercadas por terrenos mais elevados, em que a flutuação do freático é notada diretamente em determinadas áreas da planície. A nomenclatura utilizada para diferenciar as diferentes feições lacustres na planície costeira foi expressa por áreas alagadas, depressões e aréolas de colmatação. As depressões se distribuem por diferentes trechos da planície da Marambaia provavelmente por representar o espelho d'água flutuante em função do regime pluviométrico da região. Correlacionadas com as depressões, as feições lacustres classificadas como Brejos e Áreas Alagadas, se distribuem por zonas deprimidas ou em Auréolas de Colmatação. Quanto às Auréolas de Colmatação, as mesmas estão presentes em toda a área de intracordões da barreira costeira, mais precisamente a oeste do cordão arenoso. Nestes ambientes lagunares, o processo de colmatagem ocorre de forma gradual, provavelmente pela continua decomposição orgânica vegetal presente nas margens das lagoas.

Figura 1

Distribuição dos diferentes processos morfogenéticos e as respectivas classes geomorfológicas utilizadas no mapeamento geomorfológico da Marambaia.

Figura 2

Distribuição das classes geomorfológicas e suas respectivas descrições e biblioteca de formas interpretadas.

Figura 3

Mapeamento geomorfológico da planície costeira da Marambaia

Considerações Finais

A planície costeira da Marambaia apresenta diferentes formas de relevo ajustadas a processos costeiros distintos. Em função de sua baixa ocupação antrópica, a região se destaca por ser um bom laboratório para os estudos relacionados ao mapeamento geomorfológico, uma vez que as ocorrências de diferentes feições geomorfológicas ainda se encontram pouco alteradas ou mesmo preservadas. Quanto à legenda, o exemplo da Marambaia se propôs a discutir os avanços pretendidos por pelo SBCR, mostrando que é possível que mapeamentos que considerem os processos geradores das formas, ou seja, a morfogênese, possam levar em consideração como este trabalho realizado na Marambaia. De toda a forma, existem importantes lacunas a serem preenchidas, não somente nas possibilidades de mapeamentos ainda mais detalhados, mas também na identificação geocronológica da Marambaia. Outra relevante consideração a respeito do mapeamento diz respeito à delimitação manual das classes por meio da vetorização, o que, embora trate-se de um árduo e demorado processo, seu resultado pode superar expectativas. Por fim, é importante ressaltar que o mapeamento não se trata de um trabalho acabado, justamente pelo motivo de que novas tecnologias e interpretações do relevo local são passíveis de surgimento, o que pode vir a contribuir com o aprimoramento não só deste trabalho, mas também de toda a ciência que envolve o mapeamento geomorfológico.

Agradecimentos

Agradeço ao brilhante Professor Doutor Guilherme Borges Fernandez pela orientação e ensinamentos, e aos membros do Laboratório de Geografia Física da Universidade Federal Fluminense, em especial Tiago Fernando de Holanda.

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