Autores
- CRISTINA SILVA DE OLIVEIRAUFJEmail: crisoliveira@ufj.edu.br
- ROBERTO MARQUES NETOUFJFEmail: roberto.marques@ufjf.br
- WALTENCIR MENON JUNIORUFJFEmail: waltencirjunior@hotmail.com
Resumo
O presente paper objetiva apresentar um estudo preliminar da utilização do Índice
de Posição Topográfica (IPT) para distinção das feições do relevo no município de
Jataí (GO). Foi utilizada a imagem SRTM com pixel de 90 metros para a extração do
Índice de Posição Topográfica, curvatura do relevo, densidade de drenagem,
declividade e hipsometria. A partir dos valores obtidos foi operacionalizada a
espacialização geomorfométrica das formas relevo para a área em estudo. A técnica
aplicada foi capaz de desvelar a espacialidade do relevo na área de estudo,
apontando as principais tipicidades morfológicas e sua diferenciação genética.
Palavras chaves
compartimentação; geomorfometria; IPT; curvatura;
Introdução
As bases conceituais do mapeamento geomorfológico apresentam grande complexidade
devido ao número de abordagens de análise desenvolvidas para o estudo das
formas, processos e dinâmica do relevo, bem como às diferentes abordagens
metodológicas voltadas para sua representação cartográfica. Em razão disso, o
desenvolvimento de um sistema padronizado para o mapeamento geomorfológico não
foi construído; ao contrário, observa-se em contexto nacional e internacional
que os pesquisadores tem seguido caminhos diferentes em consequência dos
diferentes interesses e perspectivas e da variabilidade geomorfológica
distribuída em diferentes contextos regionais e tipos de paisagem.
São constatadas duas orientações teóricas na classificação das formas de relevo:
i) classificação genética e ii) morfológica (SCHAETZL; ANDERSON 2005). A
abordagem genética é baseada na gênese das formas de relevo e nos processos que
governaram a sua formação. A abordagem morfológica enfatiza as propriedades
mensuráveis das formas de relevo para descrição da sua geometria e estrutura.
Geomorfologistas têm usado periodicamente uma dessas duas abordagens para
classificar formas de relevo (SMITH et al., 2002).
Além desses fatores de ordem teórica, a natureza da unidade geomorfológica
mapeada é controlada tanto pelo modelo de análise escolhido pelo pesquisador,
quanto pela escala necessária para efetuar o mapeamento. Os dois principais
recursos para a definição da unidade geomorfológica são homogeneidade e
indivisibilidade na escala escolhida. Em outras palavras, a unidade básica de
mapeamento deve ter homogeneidade, e pode ser definida em termos de padrão
genético ou estrutural, abordagem seguida pela IGU (União Geográfica
Internacional). Além disso, fatores como a localização e dimensões dos elementos
geométricos desempenham papel importante na construção e representação dos
atributos do mapa.
Em contexto internacional, diferentes cientistas usaram uma variedade de
critérios para o desenvolvimento de um sistema de classificação geomorfológica,
que tem mudado ao longo do tempo (ZINCK,1988; FARSHAD, 2006; PARON; VARGAS
2007). Nessa perspectiva, uma série de tentativas foram feitas para desenvolver
classificações hierárquicas ou um sistema taxonômico para o relevo. O critério
dimensional foi um dos mais usados para classificar as unidades geomorfológicas,
com ênfase principalmente na geomorfologia estrutural e nos níveis superiores de
organização dos sistemas geomorfológicos (TRICART, 1965; GOOSEN, 1968;
VERSTAPPEN; VAN ZUIDAM, 1975).
Um dos trabalhos de maior relevância internacional representativa desta
abordagem foi desenvolvido por Cailleux e Tricart (TRICART, 1965). A proposta de
classificação em oito ordens têmporo-espaciais para taxonomia da superfície
terrestre é baseada na dimensão espacial e temporal dos fatos e fenômenos
geomórficos, que variam concomitantemente do global para local e do início da
sua formação até o tempo recente. Do ponto de vista metodológico, nessa proposta
as unidades são reconhecidas de acordo com a escala adotada, o uso de
fotografias aéreas e mapeamentos geológicos. Além desses parâmetros, Tricart
(1965) se preocupa com a informação dos dados morfométricos, morfográficos,
morfogenéticos e cronológicos, que devem constar no mapeamento geomorfológico
sempre que possível.
Em contexto nacional, um dos trabalhos precursores é representado por propostas
de mapeamento e estudo da gênese do relevo referenciadas nas obras de Tricart,
efetuadas por Aziz Ab’ Sáber. Dentre as contribuições do autor, ele destaca os
problemas enfrentados para a realização do mapeamento morfológico no Brasil,
destacando a contribuição metodológica relevante de Jean Tricart, como a mais
influente (AB’ SÁBER, 1969).
Dessa forma, o presente paper tem por intuito utilizar dados morfométricos
extraídos de modelos digitais de informação para mapeamento da morfologia do
relevo para o município de Jataí (GO).
Material e métodos
A base geral para a compartimentação geomorfológica aqui apresentada se assentou
nas informações morfométricas obtidas através do Modelo Digital de Elevação
(MDE) extraído de dados Shuttle Radar Topography Mission (SRTM), de resolução
espacial de 90 metros (KRETSCH, 2000).
A partir do MDE foi calculado o Índice de Posição Topográfica - IPT (WEISS,
2001), para a delimitação das formas de relevo da área abordada. Tal índice
calcula a diferença da elevação entre um pixel central e a média de elevação do
seu entorno, determinado por um raio ou janela. No referido caso foi adotado
dois raios de 1580 m (IPT regional) e 160 (IPT local), conforme recomendado por
(SILVEIRA e SILVEIRA, 2014). Valores positivos de Índice de Posição Topográfica
indicam locais mais elevados que a média, valores próximos a zero representam
superfícies sem variação e valores negativos representam locais mais rebaixados
em relação a sua vizinhança, como vales e depressões (WEISS, 2001; SILVEIRA e
SILVEIRA, 2014). Além da extração do IPT, foram calculados e espacializados
dados concernentes à densidade de drenagem, obtida a partir da relação entre os
comprimentos de canais e área da bacia hidrográfica; declividade (distinção
entre áreas planas, vertentes e escarpas com base na inclinação do terreno);
hipsometria (espacialização das classes altimétricas) e curvatura das vertentes
(classificação das vertentes de acordo com a curvatura em perfil - áreas
côncavas e convexas). Os parâmetros morfométricos calculados subsidiaram a
definição das áreas, de modo que foram feitos ajustes manuais na classificação
obtida através do cálculo do IPT. Foi efetuada uma adaptação da metodologia no
que diz respeito à nomenclatura original, objetivando-se indicar na
discretização das classes à gênese das formas.
Todos os processamentos e geração dos atributos topográficos extraídos a partir
do MDE SRTM, foram realizados no software ARCGIS versão10.6.1 (ESRI, 2009).
Por fim, os padrões de formas semelhantes (sensu ROSS, 1992) discernidos foram
agrupadas segundo os tipos genéticos encontrados, a saber: modelados de
agradação (A), modelados de dissecação (D) e modelados de aplainamento (P).
Resultado e discussão
A classificação geomorfométrica automatizada das formas de relevo espacializadas
para o município de Jataí distinguiu três tipos genéticos elementares:
Modelados de agradação (A)
1) Planícies e terraços em fundos de vale.
2) Vales em superfícies aplainadas.
Modelados de aplainamento (P)
3) Superfícies Interfluviais Aplainadas
Modelado de dissecação (D)
4) Vertente inferior em zona dissecada;
5) Vertente inferior em superfície aplainada;
6) Topos de Colinas convexos
Os resultados da classificação automática utilizando o índice de Posição
Topográfica (Figura 2) apontam que a porção noroeste e o extremo nordeste do
município de Jataí apresentam predominantemente divisores aplainados com
declividades inferiores 6% e baixa densidade de drenagem (Figura 1). Os terrenos
em questão correspondem à bacia hidrográfica do ribeirão Ariranha (a noroeste),
afluente do rio Claro (Chapada do Rio Verde – Alto Garças); a nordeste, a
aludida tipicidade morfológica adentra a bacia hidrográfica do rio Doce. Os
altos chapadões encontram-se sustentados em arenitos latolizados, que
regionalmente apresentam topos aplainados preservados em duricrostas
lateríticas, ainda que tais processos supérgenos careçam de estudos mais
verticalizados na área de estudo.
Na área central do município predominam as morfologias denudacionais com suas
respectivas morfologias acumulativas encravadas. Os litotipos em basalto
ocorrentes na área definem vales estruturais significativamente incisos,
engendrando espaços estreitos de estocagem sedimentar. Em contraponto, a
declividade e a densidade de drenagem tendem a aumentar, sobretudo nos fundos de
vale, contrastando com os valores mais baixos observados no topo dos chapadões
areníticos. O aumento dos parâmetros morfométricos aludidos também foi
verificado no ramo nordeste do município, onde é verificado um vetor erosivo
preferencial das escarpas e os chapadões, por conseguinte, encontram-se mais
desmantelados. A presença de Latossolo Vermelho férrico, influenciado pela
alteração das rochas máficas, também tende a obstaculizar a infiltração e
favorecer o aumento da drenagem linear em superfície.
Na porção sudeste do município são detectadas áreas com baixa/ média densidade
de drenagem e baixa incisão vertical, dominando também os modelados de
dissecação, tal como ocorre na área das bacias hidrográficas do Córrego da
Passagem e Córrego Cachoeira. Nesse setor as superfícies aplainadas vão ficando
cada vez mais descontínuas.
Na porção sudoeste do município foram espacializadas áreas com declividades
baixas e baixa/média densidade de drenagem. Tais áreas correspondem às bacias
hidrográficas do Córrego Santa Bárbara e Córrego Grande. Os litotipos
correspondentes são arenitos e argilitos, embora tais litologias não sustentem
chapadões. Diferentemente, as morfologias desse setor são dadas por modelados de
dissecação mais homogênea em comparação ao controle estrutural mais expressivo
verificado nos terrenos basálticos.
As texturas mais isotrópicas verificadas nos modelados de aplainamento indicam
níveis planálticos preservados com superfícies somitais fracamente dissecadas,
que na literatura tem sido relacionada à superfícies geomórficas de cimeira
relativamente datadas do Cenozoico Inferior: Superfície Sul-americana (KING,
1956; VALADÃO, 2009), Superfície do Japi (ALMEIDA, 1964), Primeira Superfície
(MOTTA et al. 2002), entre outras denominações locais. Decerto que o
reconhecimento dos níveis planálticos mais elevados ao redor da Superfície Sul-
americana é mais recorrente, malgrado os aspectos controversos que cercam essa
temática na cultura geomorfológica brasileira. No Brasil Central, ela é
reconhecida nas mesetas e planaltos elevados (PINTO, 1986; NASCIMENTO, 1992), e
correspondem à Primeira Superfície de Motta et al. (2002), que também
reconheceram tais níveis no Planalto Central, geralmente revestidos por
Latossolos e cangas lateríticas.
As superfícies intermontanas, por sua vez, apresentam uma textura mais
granulada, denunciando uma dissecação ativa controlada pelos principais níveis
de base regionais. Disso resulta uma densidade de drenagem mais expressiva, que
aumenta em direção aos fundos de vale onde as linhas erosivas estão mais
próximas, sobretudo no sopé das escarpas erosivas que marcam o contato com a
superfície mais elevada. Esse comportamento sugere um recuo funcional das
escarpas, verificado em uma bem marcada readequação da hierarquia fluvial com a
expansão das cabeceiras. É notória também uma acentuação do declive nos fundos
de vale, sugerindo um encaixe expressivo da drenagem, cujas relações com
controles estruturais e\ou morfotectônicos precisam ser cotejadas de forma mais
verticalizada.
Parâmetros morfométricos utilizados para interpretação geomorfométrica para o município de Jataí.
Esboço morfológico obtido através da classificação automática do IPT.
Considerações Finais
A utilização de uma abordagem sintética e moderna para o mapeamento
geomorfológico, com a utilização de índices de forma automatizada, a partir dos
modelos digitais de elevação, pode reduzir os custos e o tempo para processamento
de informações importantes para o mapeamento das formas do relevo, bem como gerar
informações para áreas carentes de mapeamentos no Brasil central.
A aplicação do IPT na área de estudo foi capaz de desvelar a posição das
principais organizações geomorfológicas locais e regionais, mostrando as
principais diferenças na granulação topográfica local e permitindo capilaridades
diretas com o quadro macromorfológico regional.
Agradecimentos
Referências
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