Autores
- PATRICIA MARA LAGE SIMOESSGB/CPRMEmail: patricia.simoes@sgb.gov.br
Resumo
A gestão adequada e eficiente do território para organizar a ocupação humana é
importante para evitar ou minimizar os efeitos dos desastres naturais. Para
tanto, a carta geotécnica de aptidão à urbanização, elaborada pelo SGB-CPRM, é
um dos principais instrumentos para alcançar este objetivo, uma vez que,
apresenta as restrições e o grau de aptidão do espaço para ser urbanizado. Para
obter um bom mapeamento é preciso detalhar as características do meio físico.
Assim, o mapeamento geomorfológico atua na classificação do relevo, considerando
as características morfométricas e de gênese. Para essa carta geotécnica, a
informação do relevo se tornou um dos alicerces para a produção da aptidão
urbana. Foi efetuado um detalhamento dos limites do relevo como: planícies,
rampa de alúvio-colúvio, rampas de colúvio/tálus e escarpas. Tais detalhamentos
geram unidades geotécnicas especificas e ainda auxiliam na definição da aptidão
à urbanização das áreas de expansão da cidade de Castelo.
Palavras chaves
mapeamento; geomorfologia; urbanização; geotecnia; relevo
Introdução
O mapeamento geomorfológico pode se basear em dados morfológicos e morfométricos
para organizar e classificar a paisagem de acordo com suas características
morfológicas, e a variabilidade do modelado da superfície terrestre. A dinâmica
e processos que modelam essa paisagem é caracterizada pela atuação dos agentes
exógenos sobre os materiais que compõem a superfície terrestre (BARROS e
VALADÃO, 2018). E é essa interação dinâmica ou equilíbrio dinâmico (HACK, 1960)
entre esses elementos que resulta nas diversas formas de relevo.
Sendo assim, o mapeamento geomorfológico se baseia na classificação de formas,
resultantes de uma dinâmica entre agentes exógenos e os materiais que compõem a
superfície terrestre. Tal interação se mostra presente em outros diversos
processos e áreas de estudo que envolvem a Geociência. Por este motivo, o
mapeamento geomorfológico se caracteriza como uma etapa essencial para a análise
e entendimento dos agentes e processos que formam a Geodiversidade, assim como
para a elaboração de mapeamentos voltados para as demais áreas das geociências,
sobretudo nos mapeamentos que tem como objetivo a organização e gestão do
território, como no caso das cartas geotécnicas de aptidão à urbanização.
A carta geotécnica é um importante instrumento voltada para a orientação do
planejamento do uso e ocupação das áreas de expansão de um município (BITAR et
al., 2014; SOUZA e SOBREIRA, 2014;), caracterizando-se como um instrumento
teórico-metodológico que utiliza o conhecimento geológico para solucionar
problemas de ocupação do espaço geográfico (PRANDINI et al., 1995).
A elaboração dessas cartas está contida na Lei 12.340 (BRASIL, 2010), que
estabelece ações para prevenção em áreas de risco de desastres de resposta e de
recuperação em áreas atingidas por desastres.
Conforme é descrito na metodologia da Carta geotécnica de aptidão à urbanização
(ANTONELLI et al., 2021) o mapeamento não ocorre em toda a área do município.
Este trabalho de detalhamento geotécnico e aptidão à urbanização se restringe a
apenas alguma ou algumas áreas de interesse, os vetores de expansão urbana do
município. Essas são áreas, na maioria das vezes, indicadas pelos gestores
municipais, como as mais propícias e de maior interesse de crescimento da malha
urbana do município. Dessa forma, o mapeamento de detalhe na escala de 1:10.000
do relevo é elaborado apenas nessa área de expansão. O município de Castelo/ES
apresenta uma área aproximadamente de 668 Km2, sendo que a área definida como de
expansão urbana apresenta 144,5 Km2 (figuras 01A).
Este trabalho apresenta o mapeamento geomorfológico da área de expansão do
município de Castelo/ES, e sua importância como instrumento auxiliar na produção
da carta geotécnica de aptidão à urbanização (OLIVEIRA FLILHO et al., 2022).
Material e métodos
A metodologia de elaboração das cartas geotécnicas de aptidão à urbanização está
descrita no guia de procedimento técnico (ANTONELLI et al., 2021). O mapeamento
geomorfológico, foco de discussão nesse trabalho, é uma das etapas metodológicas
para construir as cartas de aptidão urbana.
O mapa geomorfológico foi construído por meio da análise das características das
principais formas de relevo da área de expansão do município de Castelo. Tal
análise dos atributos do modelado baseou-se no mapeamento de padrões de relevo
na escala de 1: 10.000, que segue a classificação da Biblioteca de padrões de
relevo da Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM) (DANTAS, 2016). Essa
classificação categoriza as formas de relevo, em linhas gerais, de acordo com
seus aspectos de amplitude de relevo (altura), declividade das vertentes e
morfologia de vertentes e de topos, contudo os tipos de materiais que compõem o
relevo sempre são considerados, e consequentemente, a gênese.
Este município já apresentava um mapeamento de padrões de relevo do projeto
Cartas de suscetibilidade a movimentos gravitacionais de massa e inundações
(FERRASSOLI et al., 2018) na escala de semidetalhe de 1:25.000. No intuito de
mapear em detalhe a área de expansão na escala de 1:10.000, as informações desse
mapeamento anterior constituíram numa base essencial para a identificação e
classificação mais pormenorizada das formas de relevo.
Para a elaboração do mapa de padrões de relevo da área de expansão urbana do
município de Castelo/ES foi produzido um pré-mapa interpretado por meio de
produtos derivados do MDE (modelo digital de elevação). O DEM utilizado no
estudo é o COP-30 do programa Copernicus DEM que é um modelo digital de
superfície com dados reamostrados para uma resolução espacial de 30 metros
(CREMON et al., 2022). Com esse MDS foram produzidos os seguintes mapas:
declividade (intervalos: 0°-3°, 3°-5°, 5°-10°, 10°-30, 30°-45° e acima de 45°);
hipsometria, com sete intervalos de classes; curvas de nível, com equidistância
de 5 e 20 metros; relevo sombreado, com iluminação artificial azimute de 315° e
inclinação de 45°. Além desses produtos, para a interpretação dos padrões de
relevo fez-se uso da imagem de satélite disponibilizada no Arcgis 10.7 com
fonte: Esri, DigitalGlobe, GEoEUE, Earthstar GEographics, CNES/Airbus DS, USDA,
USGS, AeroGRID, IGN, and the GIS User Community.
Com esses produtos gerados o modelado superficial foi interpretado e
classificado de acordo com a Biblioteca de padrões de relevo do Serviço
Geológico do Brasil (DANTAS, 2016), em um mapa pré-campo. Na etapa de campo esse
mapa foi verificado e aperfeiçoado de acordo com as informações coletadas,
resultando no mapa geomorfológico final da área de expansão do município de
Castelo.
Resultado e discussão
O relevo da área de expansão do município de Castelo é marcado pelas
características de uma paisagem serrana, constituída, em maior extensão, por
relevo acidentado de morros altos e baixos, escarpas e serras (Figura 1). O
domínio serrano está distribuído, basicamente, em duas faixas: uma mais a
nordeste da área, e a outra no extremo sudoeste. Esse padrão de relevo é
caracterizado por topos aguçados ou cristas, vales profundos, vertentes com alta
declividade, normalmente acima de 20°, com ocorrência de paredões rochosos
subverticais e depósitos de colúvio e tálus nas baixas vertentes. Na figura 01B
observa-se ao fundo uma paisagem típica do domínio serrano.
Com ocorrência associada aos domínios serranos destacam-se as escarpas
degradadas, às quais recebem esta denominação, por apresentar uma amplitude de
relevo menos elevada, assim como a declividade, por possivelmente já ter passado
por processo de dissecação. As escarpas se situam ao longo de algumas bordas das
serras, e se configuram como paredões rochosos subverticais que, por vezes,
marcam a ruptura das serras com os depósitos de tálus. Na figura 01D é possível
visualizar uma dessas escarpas, que delineia uma ruptura abrupta de altitude.
Outro tipo de relevo que ocorrer próximo aos dois descritos anteriormente são as
rampas de colúvio/depósitos de tálus. Essas são muito comuns na área de estudo
se caracterizam por ter grandes extensões e com a presença de vários blocos com
dimensões variadas, como pode ser visualizado na figura 01C. Deve se destacar a
presença recorrente das rampas de alúvio/colúvio que se configuram como um
depósito de transição, que recebe contribuição coluvial das encostas na parte à
montante, e mais à jusante, acumulam sedimentos de origem aluvionar provenientes
dos cursos fluviais. Tais formas de relevo se distribuem ao longo da área de
expansão, sendo mais comuns nos domínios serranos e nos morros altos (Figura
01).
Os morros altos e baixos localizam-se nas porções centrais, a nordeste e sul da
área de estudo. Esse relevo é marcado por vertentes longas e com declividade
variada. No caso dos morros altos são encostas mais declivosas que variam entre
10° e 35° (Figura 02B). Já os morros baixos apresentam declividades mais
suavizadas, que não ultrapassam 20°, caracterizando uma paisagem de vertentes
onduladas e topos arredondados, como observado na figura 01E.
Ocorrendo de forma mais pontual, são mapeadas as colinas, que se caracterizam
por formas mais amplas e convexas, apresentando declividades bem suaves, abaixo
de 10°. Esse relevo ocorre na parte sul da área de expansão, mais próximas dos
cursos d’água.
Por fim a paisagem geomorfológica é composta, também, pelas planícies de
inundação. Essas são formas de agradação dos processos fluviais, as quais
ocorrem ao longo de toda a área, contudo de forma mais concentrada e em tamanho
de maior extensão na porção sul e sudoeste. Esses locais são mais dissecados e
apresentam formas mais suaves como colinas e as próprias planícies de inundação
(Figura 01F).
A figura 02A demonstra como a parte norte da área é onde se concentram as
maiores altitudes, entre 600 e 1000 metros, sendo esta, uma das áreas de
ocorrência do domínio serrano. Esses mesmos setores apresentam as maiores
declividades acima de 25° (Figura 02B). Nas porções central e sul, o relevo é
mais suavizado, com amplitude menores, abaixo de 280 metros, e declividades
menores, abaixo de 20°.
A paisagem geomorfológica nessa área, apresenta uma gradativa redução das
amplitudes de relevo no sentido NE – SW, sendo possível observar que as formas
de relevo de maior amplitude como: domínio serrano e morros altos e baixos,
estão concentradas no NE. Já o relevo mais baixo e dissecado, como as planícies
de inundação mais amplas e caracterizado por formas mais suavizadas como as
colinas estão na porção central e SW. No perfil topográfico representado pela
figura 02C, observa-se tal configuração morfológica. Nesse perfil, na parte NNE,
observa-se morros altos e serras e gradativamente a topografia fica mais suave,
com predomínio de morros baixos e colinas, além da planície do rio Castelo.
O mapa geomorfológico é uma das principais bases para elaboração das unidades
geotécnicas, juntamente com o mapa geológico. As informações do mapa
geomorfológico são produzidas em escala de detalhe, assim como é necessário para
a produção das unidades geotécnicas e consequentemente para a carta de aptidão à
urbanização.
Sendo assim, o mapeamento de maior detalhe do relevo é um grande suporte para
elaboração dessas duas outras cartas. Deve-se destacar que os padrões de relevo
das planícies de inundações, rampas de alúvio-colúvio e rampa de alúvio/tálus
são as principais a serem utilizadas para a montagem da carta de unidades
geotécnicas (Figura 03A). Tais, padrões de relevo são mapeados em escala de
detalhe por produtos gerados pelo MDE e por uma imagem de satélite de qualidade,
como citado na metodologia proposta por Antonelli et al., 2021. E ainda, tais
formas de relevo são equivalentes às seguintes unidades geotécnicas: alúvio-
colúvio; dépositos aluvionares arenosos e areno-argilosos, tálus com colúvio
subordinado e substrato de gnaisse e/ou migmatitos e tálus com colúvio
subordinados e substrato de granitos granitoides. Sendo esses dois últimos
referentes às rampas de colúvio/tálus, com suas especificações litológicas. E as
duas primeiras unidades geotécnicas são referentes respectivamente às rampas de
alúvio-colúvio e às planícies de inundação.
As características do relevo da área de expansão urbana também se reproduzem na
carta de aptidão à urbanização. As áreas de baixa aptidão se configuram como os
relevos de domínio serrano, escarpas degradadas e morros altos (Figuras 01 e
03B). Esses tipos de morfologias apresentam vertentes declivosas, normalmente
acima de 25°, até paredões rochosos subverticais, o que aumenta as restrições à
ocupação urbana. Já as áreas de alta aptidão se concentram na porção sul da área
de estudo, as quais correspondem às porções mais dissecadas do relevo, se
configurando como formas mais suavizadas: colinas e os terraços fluviais
situados ao longo dos fundos de vales. E ainda deve se destacar, as planícies de
inundação, que apesar de apresentarem formas aplainadas, não se configuram como
de alta aptidão para urbanização, pois essas são áreas altamente propensas à
inundação.
A:mapa de localização; B:vista das serras; C:blocos de tamanhos variados; D:paredão rochoso; E:vertentes declivosas; F:ampla planície.
A:mapa de hipsometria; B:mapa de declividade; C:perfil topográfico A-B da área de estudo. Fonte: OLIVEIRA FILHO et al., 2022.
A:mapa de Unidades Geotécnicas; B:carta de Aptidão à Urbanização. Fonte: OLIVEIRA FILHO et al., 2022.
Considerações Finais
O mapeamento geomorfológico é uma ferramenta muito importante para a elaboração
da carta geotécnica de aptidão urbana, pois apresenta a classificação do relevo
em uma escala de detalhe de 1:10.000, a qual é necessária para cumprir os
objetivos de fomento de informação da carta geotécnica.
Deve se citar como feições morfológicas de maior importância de detalhamento
pelo mapeamento dos padrões de relevo: as planícies de inundação; rampas de
alúvio-colúvio; rampas de colúvio/tálus; escarpas degradadas.
O domínio serrano, incluindo os relevos escarpados e de morros altos e os
paredões rochosos subverticais são os terrenos mais suscetíveis a processos
gravitacionais, tais como: quedas de blocos, deslizamentos translacionais rasos
no contato solo-rocha e corridas de massa (debris-flows) de grande alcance, que
pode percorrer vários quilômetros ao longo de talvegues de rios.
As planícies de inundação devem ser ter sua área bem delimitada, por serem áreas
de restrição alta a média de ocupação devido à propensão a ocorrência de
processos de inundação. As rampas de alúvio-colúvio são formas situadas em
contexto de domínio serrano ou morros altos, área de alta a média declividade.
Tal fato já expõe tais áreas a alta possibilidade de atingimento de
deslizamentos deflagrados nas encostas mais elevadas. Essa mesma premissa se
adequa às rampas de colúvio/tálus que serão unidades geotécnicas específicas. E,
no caso de Castelo, em que sua ocorrência é bem recorrente, devem ser muito bem
delimitados, devido ao perigo de rastejo e rolamento de blocos.
O mapeamento de relevo detalhado se torna um produto de grande importância para
a gestão territorial, pois fornece informações para a elaboração de produtos
voltados para auxiliar e orientar os gestores para uma melhor ocupação do
território.
Agradecimentos
Ao SGB/CPRM pela oportunidade de participar do Projeto de Cartas Geotécnica de
aptidão à urbanização.
Referências
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