• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

DINÂMICA DE COBERTURA E USO DAS TERRAS EM UMA PEQUENA BACIA HIDROGRÁFICA DA SERRA DOS TAPES, PELOTAS – RS

Autores

  • LUCAS PIRES FERREIRAUNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTASEmail: lucasxicara@gmail.com
  • HAKREN XAVIER MENDESUNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTASEmail: hakren.mendes@aluno.ce.gov.br
  • EDVÂNIA APARECIDA CORREA ALVESUNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTASEmail: edvania.correa86@gmail.com

Resumo

O objetivo deste trabalho foi realizar uma análise comparativa dos usos e coberturas da terra nos cenários de 1977 e 2016 em uma pequena bacia hidrográfica localizada na Serra dos Tapes/Pelotas/RS. O mapeamento de 1977 for realizado utilizando fotografias aéreas da DNPM/CPRM e o mapeamento de 2016 utilizou as imagens do Google Earth. Aplicou-se técnicas de segmentação e classificação/edição vetorial em ambiente SIG. Foi possível verificar que de 1977 a 2016 a cobertura florestal apresentou um aumento em detrimento do rearranjo das demais classes de uso como as lavouras temporárias e as coberturas como campestres. Este aumento é resultado de um processo de êxodo rural e também da implementação do Código Florestal Brasileiro, que reinstituiu as normativas da Reserva Legal e das APPs junto às nascentes, canais de drenagem, encostas e topos de morro. Foi registrado também a implementação da cultura do fumo e da soja transgênica mecanizada na área de estudo.

Palavras chaves

Geoprocessamento; Sensoriamento Remoto; Escudo Cristalino Sul-Riograndense; Fumicultura; Sojicultura

Introdução

Inicialmente a Serra dos Tapes era ocupada pelos povos originários, especificamente os Tapes da etnia Tupi Guarani. A dinâmica de ocupação, coberturas e usos da terra começou a mudar durante a primeira metade do Século XIX quando grandes fluxos migratórios atingiram a região que hoje compreende o Rio Grande do Sul, primariamente com os alemães e pomeranos ocupando as zonas de planície e mais tardiamente com italianos e japoneses (SALAMONI; WASKIEVICZ, 2013, p. 79-81). Inevitavelmente houve uma remobilização das coberturas originais, a terra foi lavrada e nela houve a disseminação de culturas temporárias e permanentes como o fumo e pêssego; ou foi transformada em pasto para criação de bovinos, caprinos e equinos (SALAMONI; WASKIEVICZ, 2013, p. 88- 91). Sabe-se que profundas interferências antropogênicas, sobretudo em cabeceiras de drenagem, onde os eventos erosivos naturais são de natureza abrupta podem desequilibrar a dinâmica natural da paisagem. Neste contexto, grande é a importância do mapeamento dos usos e coberturas da terra especialmente em áreas de elevada fragilidade natural e de importante histórico de ocupação das terras como é verificado junto a Serra dos Tapes. As geotecnologias são técnicas utilizadas na análise e compreensão espaço temporal da informação geográfica (CAMARA et al., 2000). Assim, é uma importante ferramenta usada não diagnóstico e solução de problemáticas da dinâmica natural e da intervenção antropogênica. Em se tratando de informações sobre usos e coberturas da terra, muitos trabalhos tem sido realizados na Serra dos Tapes destacando-se os trabalhos de Prestes (2018), Sampaio (2022) e Oliveira e Aquino (2020). Estes trabalhos, os quais contemplam os últimos 15 anos, relatam a intensa dinâmica dos usos e coberturas da terra em pequenas propriedades de uso familiar destinadas especialmente a fumicultura e demais lavouras temporárias. Assim, avaliar a dinâmica dos usos e coberturas nos últimos 40 anos possibilita a melhor compreensão dos atuais processos de degradação dos solos, processos estes já identificados por Flach (2018) e Sampaio (2022). Considerando o exposto, o objetivo do presente trabalho foi o de realizar uma análise comparativa dos usos e coberturas da terra nos cenários de 1977 e 2016 em uma pequena bacia hidrográfica localizada na Serra dos Tapes/Pelotas/RS e que apresenta elevada dinâmica dos usos e coberturas da terra por pequenas propriedades de uso familiar.

Material e métodos

A Serra dos Tapes é uma região de elevada altitude e relevo predominantemente ondulado localizada na porção sul do Estado do Rio Grande do Sul. Tal região está inserida no Planalto Dissecado de Sudeste o qual possui uma extensão de aproximadamente 46.700 Km² e engloba trinta municípios no estado do Rio Grande do Sul (RADAM BRASIL, 1986). É possível distinguir duas áreas distintas na região, a encosta e o interior. Na encosta sul, localiza-se a serra dos Tapes, e ao norte encontra-se a serra do Erval. Ambas dão lugar gradualmente à Planície Costeira, que se estende até as costas das Lagoas dos Patos e Mirim (SUERTEGARAY; MOURA, 2012, p. 20-23). A área do estudo, com aproximadamente 18km², é uma pequena sub bacia hidrográfica do Arroio Quilombo, sendo este um dos principais tributários do Arroio Pelotas e que está localizado no município de Pelotas (RS). É uma bacia hidrográfica exorréica e apresenta padrão de drenagem dendrítica (CHRISTOFOLETTI, 1980). Segundo a classificação climática de Köppen (1928), a Serra dos Tapes apresenta clima classificado como Cfa. Apresenta clima temperado com temperaturas mensais superiores a 10ºC no mês mais quente, ocorrência de chuvas durante todo o ano e ausência uma estação seca pré-definida, com temperaturas médias anuais superiores a 18ºC (LEAL; PEREIRA, 2005). Quanto à geomorfologia, a área está situada sobre o Planalto Uruguaio Sul-rio- grandense, uma zona de confluência dos dois principais compartimentos geomorfológicos do Rio Grande do Sul, o Escudo Cristalino Sul-Rio-Grandense e a Planície Costeira. Apresenta relevo predominantemente ondulado à fortemente ondulado podendo apresentar também outras feições como coxilhas, planícies e várzeas circundantes aos rios e arroios (SUERTEGARAY; MOURA, 2012, p. 16-19). Quanto aos solos, tem-se a ocorrência de Neossolos Regolíticos e Litólicos (FLACH, 2018). São solos arenosos, rasos, cascalhentos e de baixa fertilidade natural. Seus usos e manejos são restringidos devido sua baixa profundidade, presença de rochas e os declives acentuados que limitam o Foi utilizado o SIG QGIS v3.28.5, sendo toda a base de dados organizada considerando o Sistema UTM, Fuso 22S, Datum SIRGAS 2000. Foram usados os dados presentes nas bases cartográficas em escala de 1:50.000 (HASENACK; WEBER, 2010) e 1:25.000 (SEMA, 2018). Foram usadas as fotografias aéreas obtidas junto a CPRM em escala 1:25.000, provenientes dos aerolevantamentos realizados pelo DNPM/CPRM em1977 (CPRM, 1977). As classes de uso e cobertura da terra foram obtidas através técnicas de segmentação e posterior interpretação visual no software QGIS, e também da aplicação da técnica de estereoscopia junto às imagens aéreas impressas. Foi considerada a chave de classificação presente em Prestes (2018), a qual considera dos seguintes usos e coberturas: silvicultura, campestre, cobertura florestal, cultura temporária, cultura permanente e áreas descobertas. O que foi denominado silvicultura compreende as áreas de plantio de acácias, eucalipto e pinus. Cobertura campestre e florestal compreendem as áreas de vegetação nativa do Bioma Pampa. As áreas de cultura temporária compreendem os plantios de legumes, hortaliças, porém nela destaca-se o plantio de fumo e soja. Cultura permanente refere-se aos pomares de pêssego, maçãs e caqui. As áreas descobertas correspondem as estradas e as feições descobertas provenientes de processos de ravinamento e sulcamentos presentes em pastagens. O mapeamento de uso e cobertura da terra referente ao cenário de 2016 foi coletado de Prestes (2018). Para tanto, a autora utilizou 39 imagens do Google Earth referentes ao cenário de 2016 as quais foram coletadas em escala de visualização de 1:10.000. As imagens foram mosaicadas e segmentadas considerando os valores espectrais de pixels vizinhos. Posteriormente os resultados de ambos os cenários foram quantificados e comparados.

Resultado e discussão

Verifica-se que na área de estudo há uma predominância de fisionomias antrópicas fruto do processo histórico de ocupação, remobilização além da instauração de novos usos da terra (CORDEIRO et al., 2009). No cenário de 1977 pode-se classificar a distribuição espacial das coberturas e usos de seguinte maneira: áreas com culturas temporárias ocupando 57% do total; áreas de cobertura florestal ocorrendo em 13,8% da área; áreas com cobertura campestres ocupando 15,5% da área; as áreas com cultura perene presentes em 10,74% da área; silvicultura com 1,97% da área; as áreas descobertas com 0,98% da área e as massas d’água com 0,01% da área (Figura 2). Já no cenário de 2016 predominam as culturas temporárias as quais ocupam 45,3% do total da sub-bacia e as áreas de cobertura florestal que ocupam 20,98% da área. Em sequência, as pastagens ocupam 15% e as coberturas campestres 11,4% da área; as áreas com cultura perene ocupando 3,04% da área; silvicultura com 2,34% da área; as áreas descobertas com 1,89% da área e as massas d’água com 0,05% da área (Figura 2). Fazendo uma comparação entre os dois cenários pode-se perceber as seguintes mudanças nas dinâmicas de coberturas e usos da terra na área de estudo: aumento significativo das áreas de coberturas florestal; e a diminuição das áreas com culturas permanentes e temporária além de redução das áreas campestres, estas últimas sendo vegetação nativa do bioma Pampa. A literatura aponta alguns fatores para estas mudanças de dinâmica de coberturas e usos como Froehlich (2011) que descreve o processo de êxodo rural que ocorreu em meados do Século XX no Rio Grande do sul, Gerhardt (2016) que que descreve o processo de mecanização nos campos agrícolas sulinos; Henzel (2021) e Cardoso et al. (2016) que falam sobre a importância da implementação do Sistema Agroflorestal na recuperação das coberturas vegetais originais. Existe ainda a implementação do Código Florestal Brasileiro que readotou medidas preservacionistas visando a mitigação dos impactos ambientais e a conservação do meio natural. Muitos trabalhos tem observado a redução de vegetações nativas do bioma Pampa como a vegetação Campestre. Neste contexto, Mengue et al. (2018) observaram redução de 58% de vegetação campestre ao longo de 30 anos junto ao município de Tupanciretã (RS). Ainda na Serra dos Tapes (RS), Sampaio (2022) observou redução de 47% de vegetação campestre durante o pequeno período de 6 anos. Ambos os trabalhos relatam que a redução das áreas campestre, no geral, está associada a expansão de cultivos temporários, o que pode ser compreendido como reflexo do mercado de commodities agrícolas o qual intensifica a dinâmica dos usos e coberturas em prol de determinados cultivos, como a soja e o fumo (MOREIRA, 2019). Neste contexto, o processo de mecanização e expansão do plantio de soja no Rio Grande do Sul ocorreu ao longo do Século XX, impulsionado pelo avanço tecnológico e pela demanda crescente por alimentos e produtos agrícolas (GERHARDT, 2016). A expansão do plantio de soja assim como da fumicultura no Rio Grande do Sul também foi impulsionada pela busca por culturas mais rentáveis e pela rotação de culturas, que contribui para a sustentabilidade dos sistemas agrícolas (no caso da soja). Esse processo resultou em transformações significativas no cenário agrícola do estado, com um aumento expressivo na área plantada com soja e fumo. O processo de êxodo rural no estado do Rio Grande do Sul, ocorreu em paralelo com a expansão e mecanização da soja no estado. Foi um movimento significativo da população rural em direção às áreas urbanas. Esse fenômeno foi impulsionado por fatores como a modernização da agricultura, a industrialização, a busca por melhores oportunidades de emprego e acesso a serviços básicos, como saúde e educação. A consequência deste movimento em direção das cidades foi o abandono de algumas propriedades rurais. Verifica-se também uma expansão de sistemas agroflorestais junto à área de estudo. O sistema de cultivo agroflorestal é uma prática que combina agricultura e conservação ambiental. Ao implantar esse sistema, ocorre a restauração da biodiversidade, proteção do solo e melhoria da qualidade da água. Além disso, reduz-se o uso de agrotóxicos e ocorre o sequestro de carbono, contribuindo para mitigar as mudanças climáticas (HENZEL, 2021). Em resumo, o cultivo agroflorestal promove a recuperação das coberturas vegetais naturais, integrando a produção agrícola com a preservação do meio ambiente. A implementação do sistema de cultivo agroflorestal apresenta uma série de benefícios que contribuem para a recuperação das coberturas vegetais naturais. Ao combinar agricultura e conservação ambiental, esse sistema promove a restauração da biodiversidade ao criar condições favoráveis para a regeneração de espécies vegetais e animais (CARDOSO et al, 2016). Além disso, as árvores presentes nesse sistema ajudam a proteger o solo, evitando a erosão e mantendo sua fertilidade. A diversidade de plantas no agro florestamento também melhora a ciclagem de nutrientes, reduzindo a necessidade de fertilizantes químicos. Temos também como fator para a recuperação das áreas de coberturas naturais a instauração do Código Florestal Brasileiro. Suas políticas conservacionistas estabeleceram a obrigatoriedade de áreas de preservação permanente (APP) e reservas legais (RL) em propriedades rurais. As APP são destinadas à proteção dos recursos hídricos e incluem margens de rios, nascentes e áreas íngremes. As RL visam à preservação da flora e são áreas com vegetação natural (SPAROVEK, 2011). Estas medidas foram fundamentais para proteger a biodiversidade, a qualidade do solo e a disponibilidade de água, além de desempenharem um papel crucial na mitigação das mudanças climáticas. Através do estabelecimento de regras bem como do Cadastro Ambiental Rural e dos Programas de Regularização Ambiental, o Código Florestal brasileiro tem contribuído para a expansão das áreas de cobertura vegetal original, promovendo a sustentabilidade e preservação dos recursos naturais do país (SPAROVEK, 2011).

Considerações Finais

As coberturas florestais, ao longo dos 40 anos de análise, apresentaram um aumento significativo sendo este atribuído a dois fatores principais: o êxodo rural e a implementação de políticas conservacionistas estabelecidas pelo Código Florestal brasileiro. Este estudo destaca a importância da implementação do sistema agroflorestal para a conservação e recuperação das coberturas vegetais naturais. Essas descobertas contribuem para o conhecimento sobre os impactos da educação ambiental e podem fornecer subsídios para a elaboração e implementação de estratégias futuras voltadas para a conservação e expansão das áreas florestais em outros contextos. No entanto, é importante ressaltar que a expansão da soja e de demais cultivos temporários como a fumicultura no Rio Grande do Sul. Nos cenários avaliados bem como na bibliografia, observou-se a expansão destes usos em áreas nativas de vegetação Campestre. Assim, a expansão de tais culturas, impulsionados pelo agronegócio e pelo mercado de comodities agrícolas, podem gerar impactos ambientais em áreas naturalmente frágeis. Assim, tendo em vista as condições físico naturais da Serra dos Tapes, a qual apresenta relevo predominantemente ondulado a forte ondulado e solos frágeis como Neossolos Litólico e Regolítico, atenção deve ser dada as alterações do uso e cobertura da terra especialmente em se tratando da implementação de lavouras temporárias.

Agradecimentos



Referências

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