• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

ANÁLISE DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP’S) DE FAIXA MARGINAL DE CURSO D’ÁGUA E USO DO SOLO E COBERTURA VEGETAL DA BACIA HIDROGRÁFICA DO VALÃO D’ANTA – CAMBUCI (RJ)

Autores

  • LUCAS DIASUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROEmail: lucasrd@ufrj.br
  • LAÍS GUIMARÃESUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROEmail: laisguimaraes@ufrj.br
  • JÚLIA VIEIRAUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROEmail: julia1602.vieira@gmail.com
  • PEDRO HONORATOUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROEmail: pedrosuzan@gmail.com
  • ANDRÉ AVELARUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROEmail: andreavelar@acd.ufrj.br

Resumo

A bacia hidrográfica do Valão D’anta está localizada no município de Cambuci (RJ), cujo ápice econômico foi relacionado ao Ciclo do Café, contribuindo para o atual quadro de degradação ambiental. Para analisar a delimitação de APPs de faixa marginal na bacia, este trabalho utilizou a hidrografia fornecida pelo Projeto RJ25 (IBGE/INEA-RJ). Foi confeccionado um Buffer de raio 30 metros em volta dos rios, de acordo com o Código Florestal de 2012. Em seguida, foi analisado o mapa de uso do solo e cobertura vegetal de Dias (2021). A etapa seguinte ocorreu através do recorte do mapeamento utilizando a camada de faixa marginal de raio 30 metros. As classes do mapeamento foram individualizadas de modo a gerar um arquivo com o uso do solo e cobertura vegetal somente da área referente a APP de faixa marginal. Como resultado, foi detectada a sobreposição da faixa marginal alcançando todas as classes de uso e cobertura levantadas, inclusive as classes que desrespeitam os critérios para APP.

Palavras chaves

Área de Preservação Permanente; Faixa marginal de rio; Gestão geoambiental; Fundo de vale; Uso do solo e cobertura vegetal

Introdução

Historicamente, a evolução da legislação ambiental brasileira está ligada à questões econômicas e à crescente preocupação com o meio ambiente. Nesse sentido, alterações foram realizadas no Código Florestal brasileiro (CFB), lei que estabelece regras às propriedades rurais sobre como e onde a vegetação nativa pode, ou não, ser explorada. Durante o governo de Getúlio Vargas, o Decreto n° 23.793, de 23 de janeiro de 1934 estabeleceu regras sobre as florestas do território devido, principalmente, à expansão da atividade cafeeira. Segundo Sauer e França (2012), o primeiro código reconheceu as florestas como um bem jurídico de interesse comum. Porém, ao não prever a delimitação dessas áreas, estabelecer apenas 25% de reserva obrigatória dentro da propriedade rural e não zelar pela vegetação nativa, tal código “[...] visava, não apenas, mas principalmente, a uma racionalização produtivista do setor florestal, dentro de um projeto modernizador da nação” (CARVALHO, 2016). Com o desenvolvimento de energias que não tinham lenha como fonte, o caráter produtivista e prioritário quanto ao rendimento econômico das florestas do país foi dando lugar para um novo foco dentro do Código Florestal: a preocupação com o meio ambiente. Assim, foi instituída a Lei n° 4.771, de 15 de setembro de 1965, alterando o CFB de 1934. Foram criados dois mecanismos importantes de proteção ambiental: a Área de Preservação Permanente (APP) e a Reserva Legal. A primeira é “ [...] destinada a proteger o solo e as águas, cujo uso é limitado e depende de situações a serem autorizadas pelo poder público.” (SAUER E FRANÇA, 2012). Substituindo o Código Florestal de 1965, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (LPVN), n° 12.651, de 25 de maio de 2012, é conhecida como o Novo Código Florestal brasileiro e traz diversas mudanças. De acordo com o Art. 4°, dentre as classificações de APPs, estão: I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 metros, para cursos d’água de menos de 10 metros de largura; b) 50 metros, para cursos d’água que tenham de 10 a 50 metros de largura; c) 100 metros, para cursos d’água que tenham de 50 a 200 metros de largura; d) 200 metros, para cursos d’água que tenham de 200 a 600 metros de largura; e) 500 metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 metros. (BRASIL, 2012). Objeto de estudo deste trabalho, a bacia hidrográfica do Valão do D’anta está localizada no município de Cambuci, região Noroeste Fluminense, cujo ápice econômico foi relacionado ao Ciclo do Café no Estado do Rio de Janeiro (RJ), no século XIX. Entretanto, com o declínio cafeeiro, houve um esvaziamento econômico e demográfico e, posteriormente, as antigas lavouras deram lugar às pastagens subutilizadas (UMBELINO; SILVA, 2010). Durante estas ocupações houve a supressão da Mata Atlântica nativa, que acarretou no atual quadro de acentuada degradação ambiental. A bacia possui área de 70,7 km² e apresenta significativa relevância hidrológica por ser tributária direta do rio Paraíba do Sul e abriga o maior núcleo populacional do município, principalmente entre o baixo curso e a foz. Além disso, possui acentuada degradação e ocorrências de feições erosivas na parte rural, que afetam a qualidade da água, em especial no que se refere à turbidez e ocorrências de assoreamento. Observa-se em campo que há intensa ocupação demográfica às margens do canal principal, sem respeitar os limites de APPs, trazendo maior gravidade à problemática ambiental do município. Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo utilizar-se do mapa geomorfológico para estudar as APPs de fundo de vale de acordo com o novo CFB e contrapor os resultados com o atual quadro de uso e ocupação do solo da bacia hidrográfica do Valão D’Anta.

Material e métodos

No presente trabalho a delimitação da APP em faixa marginal de canal ocorreu inteiramente por meio do sistema de informação geográfica (SIG) em Arcgis 10.5. A partir da hidrografia fornecida pela base cartográfica do Projeto RJ25 (IBGE/INEA-RJ), foi confeccionado um Buffer de raio 30 metros. Essa metragem de raio considerou a legislação do Código Florestal, ano 2012, uma vez que a área de estudo não apresenta rios perenes com largura superior a 10 metros. Os polígonos gerados foram aglutinados (Merge) para que a faixa marginal compreendesse um único vetor. Em seguida, utilizou-se como referência o mapa de uso do solo e cobertura vegetal, realizado por Dias (2021) para o ano de 2014 (Figura 1). Este mapeamento, por sua vez, é uma atualização do mapa de uso do solo e cobertura vegetal do Projeto RJ25 para o ano de 2008. Nesse levantamento foram encontradas 07 classes, sendo elencadas conforme as seguintes categorias: (i) Agricultura, (ii) Área Edificada, (iii) Floresta, (iv) Floresta Secundária Inicial, (v) Pastagem, (Vi) Vegetação Pioneira e (Vii) Silvicultura. O método de aquisição das geoinformações foi realizado por meio de segmentação no Ecognition 9.0 e Classificação Manual no Arcgis 10.5, considerando imagem de satélite RapidEye, ano 2014. A etapa seguinte ocorreu através do recorte (Clip) do mapeamento de uso do solo e cobertura vegetal, ano 2014, e do shapefile de faixa marginal de raio 30 metros. As classes do mapeamento foram individualizadas de modo a gerar um arquivo com o uso do solo e cobertura vegetal somente da área referente a APP de faixa marginal, o que permitiu a análise entre o que foi encontrado e o que era esperado.

Resultado e discussão

O mapeamento da faixa marginal da rede de canais da bacia hidrográfica do Valão D’Anta resultou em uma área de 1.167,2 hectares de APP de fundo de vale (Figura 2). O padrão de drenagem cartografado apresenta predomínio associado ao tipo dendrítico tendendo para retangular, o que pode estar associado aos lineamentos estruturais da geologia regional percebidos durante os trabalhos de campo. A área de estudo é diminuta e possui aproximadamente 70.000 hectares, tornando a rede de drenagem pouco densa, os canais estreitos e justifica a aquisição da faixa marginal nos valores supracitados. Apesar disso, a sobreposição da faixa marginal com o mapa de uso do solo e cobertura vegetal alcançou todas as 07 classes levantadas no estudo, o que, de antemão, já denota o desrespeito ao uso da faixa marginal para o seu devido fim. Considerando as infrações às APPs de fundo de vale, foi observado que as classes sobrepostas encontradas foram: Agricultura (1,81%), Área edificada (1,22%), Floresta (29,99%), Floresta secundária inicial (4,03%), Pastagem (51,43%), Pioneira (11,43%) e Silvicultura (0,08%) (Figura 3). Diante disso, observa-se que aproximadamente 70% da área levantada não está de acordo com o proposto pelo Código Florestal de 2012. A classe Área edificada (1,22%) está concentrada no baixo curso da bacia e representa um dos pequenos núcleos urbanos do município de Cambuci. Configura-se como uma área já bastante consolidada, onde o rio se encontra canalizado e retificado, de modo que se torna difícil a renaturalização das margens e respeito à legislação ambiental. Apesar disso, o baixo dinamismo econômico presente no noroeste fluminense não aponta para uma substancial expansão dessa área edificada. A Agricultura (1,81%) e a Silvicultura (0,08%) são pouco encontradas na bacia em questão, por apresentar baixa produtividade e estarem restritas a poucas fazendas. No levantamento, é possível observar um fragmento dessas coberturas no médio curso. Ambas podem ser remanejadas e adequadas a legislação ambiental, sobretudo se projetos de pagamento de serviços ambientais (PSA) forem propostos na localidade. Por outro lado, a cobertura de Pastagem (51,43%) representa a maior parte da cobertura da faixa marginal. Sua distribuição espacial pode ser percebida em todos os setores da bacia, considerando o relevo colinoso e amorreado que facilita a ocupação pastoril (DIAS, 2021). Fato esse que se relaciona com o histórico de uso e ocupação da área de estudo, que remonta o Ciclo do Café, a pecuária e o baixo dinamismo econômico ao longo dos últimos séculos. Por conta disso, a paisagem ficou marcada por extensas pastagens com baixa produtividade. Em que pese a possibilidade de haver uma recomposição da faixa marginal, caso haja incentivo. As coberturas de Pioneira (11,43%) e Floresta secundária inicial (4,03%) se configuram como transições para uma recomposição plena da faixa marginal. Essas classes ocorrem no médio e alto curso da bacia, onde o abandono do pasto permitiu uma recomposição em diferentes estágios. Isso perfaz um ponto positivo para a recomposição da floresta na margem dos rios, uma vez que ocorra um manejo adequado na bacia. A classe de Floresta (29,99%) é a única que respeita a proposta da faixa marginal. Sendo encontrada majoritariamente no alto curso da bacia, onde o relevo é acidentado e a ocupação humana é mais difícil de ocorrer, preservando assim a floresta nativa e mitigando o carreamento de sedimentos para o leito fluvial por meio de processos erosivos. A bacia do Valão D’Anta apresenta potencial relevante para respeitar a faixa marginal de APP. Considerando a ocorrência de cobertura de Floresta (29,99%) já estabelecida e as transicionais de Pioneira (11,43%) e Floresta secundária inicial (4,03%), é possível considerar que 45,45% da faixa marginal está em vias de ser contemplada. Por outro lado, mais da metade da área ainda não converge para isso, sobretudo por conta da Pastagem (51,43%). Embora, a realização de um plano de manejo associado a projetos de pagamento de serviços ambientais possam capitanear a recomposição da faixa marginal.

Mapa de Uso do Solo e Cobertura Vegetal Cambuci (RJ)

Figura 1: Mapa de Uso do Solo e Cobertura Vegetal Cambuci (RJ)

Mapa de Faixas Marginais de Áreas de Preservação Permanente da bacia

Figura 2: Mapa de Faixas Marginais de Áreas de Preservação Permanente da bacia hidrográfica do Valão D’Anta

Áreas de APP em faixa marginal com uso do solo e cobertura vegetal da

Figura 3: Áreas de APP em faixa marginal com uso do solo e cobertura vegetal da bacia hidrográfica Valão D’Anta (2014).

Considerações Finais

A metodologia aplicada para analisar se os limites de APPs de faixa marginal estão sendo respeitados na bacia hidrográfica do rio Valão D’Anta apresentou resultados satisfatórios, apresentando informações relevantes, principalmente ao mostrar que a maior parte da delimitação não está sendo respeitada. Ao analisar o uso e cobertura das áreas que estão dentro da delimitação de faixa marginal, foi possível destacar que a maior parte, mesmo não estando dentro dos parâmetros, pode ser recuperada e voltar a atender aos critérios de APP. Sendo assim, a elaboração de planos de manejo que consideram áreas que devem ser reflorestadas, pode ser uma das soluções a serem aplicadas na bacia, trazendo benefícios para a preservação da fauna e flora, diminuição da erosão e a consequente melhora da qualidade da água. O presente estudo, ao sinalizar que há atividades de agricultura e áreas de pastagem na bacia, também pode destacar imóveis que devem ser registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR), e se já possuírem registro, devem ser fiscalizados. Dessa forma, apresenta informações relevantes que podem servir como subsídio para a gestão ambiental do território, podendo ser utilizado pelos instrumentos de ordenamento territorial.

Agradecimentos

Agradecemos aos participantes do Laboratório Interdisciplinar de Estudos Geoambientais (LIEG) pelas valiosas discussões. Agradecemos também à Geografia da UFRJ, ao CNPq, CAPES, PIBIC e FAPERJ pelas bolsas concedidas.

Referências

CARVALHO, Ely Bergo de. O Código Florestal brasileiro de 1934: a legislação florestal nas disputas pelo território. Anos 90, [S.L.], v. 23, n. 43, p. 417-442, 30 nov. 2016. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. http://dx.doi.org/10.22456/1983-201x.47974. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/anos90/article/view/47974. Acesso em: 01 maio 2023.

BRASIL. Lei n° 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 mai. 2012.

SAUER, Sérgio; FRANÇA, Franciney Carreiro de. Código Florestal, função socioambiental da terra e soberania alimentar. Caderno Crh, [S.L.], v. 25, n. 65, p. 285-307, ago. 2012. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-49792012000200007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ccrh/a/N5jRWTfptpQTzNBsmqQxNRv/abstract/?lang=pt. Acesso em: 01 maio 2023.

UMBELINO, Luís Felipe; SILVA, Marina Duarte Gomes. Um panorama da atividade turística na Região Noroeste Fluminense. In: Glaucio José Marafon; Miguel Angelo Ribeiro. (Org.). Revisitando o Território Fluminense III. 1ª edição. Rio de Janeiro: Gramma, 2010, v. 3, p. 55-65.

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