Autores
- BRUNO FERREIRA DA SILVAUNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIAEmail: brunof_silva1998@hotmail.com
- ALAN SILVEIRAUNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIAEmail: alan.silveira@ufu.br
Resumo
Neste trabalho, realizou-se a descrição morfológica de três perfis de Latossolos
posicionados em distintas superfícies geomórficas (SG), condicionados também
pelo material de origem diversificado. Encontram-se localizados na bacia do
Ribeirão do Brejão, que é caracterizada pelo amplo uso agropecuário, determinado
pelos aspectos pedológicos e geomorfológicos favoráveis. Para a referida bacia,
a delimitação das SG foi fundamentada em mapeamentos prévios e em
fotointerpretação em software GIS. Em campo, realizaram-se descrições
morfológicas para os Latossolos Amarelo (LA), Vermelho-Amarelo (LVA) e Vermelho
(LV), cujas características foram correlacionadas às SG e aos materiais de
origem, determinantes para a diferenciação da cobertura pedológica. Dentre os
Latossolos, o LV é o mais jovem apesar de possuir maior profundidade que o LVA,
posicionado em superfície mais antiga, cuja condição está atrelada a maior
suscetibilidade de basaltos ao intemperismo e aos processos pedogenéticos.
Palavras chaves
Descrição morfológica; Material de origem; Intemperismo; Stone lines; Basalto
Introdução
As superfícies geomórficas correspondem à níveis erosivos que registram uma
relação espacial e temporal quanto a sua formação (RUHE, 1969; DANIELS; GAMBLE;
CADY, 1971). São representadas por áreas mapeáveis da superfície terrestre com
história em comum, semelhante em idade e formada por um conjunto de processos
durante episódio da evolução da paisagem (SCHAETZL; ANDERSON, 2005). Essas
superfícies, propostas e definidas por Ruhe (1956), são feições mapeadas a
partir da observação cuidadosa no campo e suas delimitações requerem
conhecimentos teóricos geomorfológicos (CUNHA et al., 2005). Em uma sequência de
superfícies, verifica-se uma concordância entre o grau de desenvolvimento dos
solos e as superfícies geomórficas (VIDAL-TORRADO; LEPSCH; CASTRO, 2005).
Os Latossolos correspondem aos solos mais intemperizados e que ocorrem
principalmente em regiões tropicais úmidas (VIDAL-TORRADO, 1994). Lepsch (2011)
destaca os Latossolos como os solos de maior representação geográfica no Brasil,
abrangendo 300 milhões de hectares. O autor chama a atenção para os chapadões do
Brasil Central, como áreas onde as condições de relevo de superfícies
relativamente estáveis e quase planas são favoráveis à latossolização (LEPSCH,
2011). Ker (1997) também ilustra os chapadões centrais como remanescentes da
superfície Sul-Americana onde normalmente encontram-se os solos mais
intemperizados (oxídicos) do Brasil.
De acordo com Espindola (2017), o desenvolvimento do perfil, em concordância
também pela profundidade, está associado à suscetibilidade do material fonte ao
intemperismo e pedogênese, visto que rochas máficas permitem de forma mais
rápida a formação de horizonte pedológico quando comparado aos materiais ricos
em sílica. Ainda, Schaefer (2013) destaca que solos formados em basalto
fraturado permitem a gênese de relevos suavizados com alterações profundas, em
decorrência do intenso intemperismo registrado nesse material.
A bacia hidrográfica do Ribeirão do Brejão (Figura 1) está situada em chapada do
Triângulo Mineiro, especificamente na Chapada Indianópolis, com drenagens que
partem dos topos tabulares sentido aos fronts escarpados. Trata-se de um
importante afluente da bacia do Rio Araguari, com expressiva diferenciação
quanto à dinâmica de vertente e de forte interferência agropecuária. A bacia
possui uma área de 73,36 km², localiza-se no município de Nova Ponte (MG) e está
posicionada nos Planaltos e Chapadas da Bacia Sedimentar do Paraná, marcados por
relevo tabuliformes e relevos com níveis diferenciados de dissecação, de acordo
com o mapeamento organizado por Ross (1985).
Acerca do contexto geológico, caracteriza-se pela presença de basaltos da
Formação Serra Geral e arenitos da Formação Marília, além de Coberturas
Detrítico-Lateríticas Coluvionares (CHAVES; DIAS, 2017). Para os solos, são
reconhecidos Latossolos Amarelos Distróficos e Latossolos Vermelhos
Acriférricos, com ocorrência mais restrita de Neossolos Litólicos Distróficos
(MOTTA; BARUQUI; SANTOS, 2004). Tem-se o clima Tropical Semi-Úmido, com as
seguintes características: temperatura elevada durante o ano com quatro a cinco
meses secos; temperatura média anual entre 22 – 26 °C; pluviosidade média anual
entre 1100 – 1750 mm (NOVAIS, 2011).
Foram reconhecidos nessa bacia de estudo escalonamentos de escarpas, distintos
litotipos, diferentes classes de solos, rampas coluvionares e stone lines
(SILVA; SILVEIRA; BARBOSA, 2020). Essas características levaram à hipótese da
existência de três distintas superfícies geomórficas, que comportam diferentes
coberturas superficiais e de solos associados, reconhecidas inicialmente por
Silva e Silveira (2021).
O objetivo desse trabalho consistiu em realizar a descrição morfológica para
perfis de Latossolos posicionados em distintas superfícies geomórficas, com o
intuito de estabelecer relações entre os solos, a paisagem e o substrato rochoso
para a bacia hidrográfica do Ribeirão do Brejão.
Material e métodos
O mapeamento de superfícies geomórficas, fundamentado em Ruhe (1956) e Daniels,
Gamble e Cady (1971), consiste em identificar os níveis de erosão e
correlacioná-los no tempo e no espaço, sobretudo baseados em cotas altimétricas,
nas coberturas superficiais e na disposição destes materiais frente aos
processos denudacionais. Cunha et al. (2005) destaca o papel da identificação e
da cartografia de SG, apontando o maior proveito deste método geomorfológico
para levantamentos pedológicos detalhados.
Para o reconhecimento e delimitação das superfícies geomórficas por
fotointerpretação, fez-se uso dos ortomosaicos do IBGE, de 2005, pertencentes a
folha SE.-Y-C-I-2- NE, articulação MI-2489-2-NE e MI-2489-2-NO, em escala
1:25.000. Contou-se também com mapeamentos intermediários realizados para a área
de estudo em trabalhos anteriores, em escala 1:50.000 e 1:25.000, sendo eles:
cartas morfométricas (SILVA; SILVEIRA, 2018; SILVA; SILVEIRA, 2019; SILVA;
SILVEIRA; BARBOSA, 2019a, 2019b); carta geomorfológica (SILVA; SILVEIRA;
BARBOSA, 2020); carta de cobertura superficial (SILVA; SILVEIRA, 2021) e carta
de lineamentos e anomalias de drenagem (SILVA; SILVEIRA; BARBOSA, 2021). Além
disso, teve-se disponível também a carta de solos da região do Alto Paranaíba,
folha SE-23-Y-C, em escala 1:250.000 (MOTTA; BARUQUI; SANTOS, 2004).
As etapas de fotointerpretação das superfícies geomórficas, edição e integração
dos mapeamentos intermediários foram realizadas no software QGIS, versão 3.22.5.
Os mapeamentos pré-existentes forneceram dados acerca das características
morfológicas do relevo, das formas dos cursos d’águas e dos materiais associados
às coberturas superficiais. Desta forma, teve-se a possibilidade de reconhecer
os limites entre diferentes níveis de erosão, fundamentados nos parâmetros
destacados por Ruhe (1956) e Daniels, Gamble e Cady (1971), para a bacia
hidrográfica do Ribeirão do Brejão.
O mapeamento das superfícies geomórficas, apresentadas inicialmente já no mapa
de localização (Figura 1), consistiu no arcabouço para a compreensão da
distribuição e diferenciação dos solos da bacia hidrográfica do Ribeirão do
Brejão. Em virtude da expressiva extensão e diferenciação entre os Latossolos da
área, condicionados às distintas SG, propôs-se descrevê-los a fim de estabelecer
relações com a paisagem e o material fonte.
Foram realizadas atividades de campo para ajustes no mapeamento de superfícies
geomórficas, para caracterização e registro da paisagem, e para a descrição dos
Latossolos. Esta etapa de descrição dos perfis foi fundamentada em Santos et al.
(2015) e IBGE (2015), visto que configura a base para a identificação desses
materiais (LEPSCH, 2011). Para a definição das classes de solos, baseou-se no
Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SiBCS) da Embrapa (2018), em seus
dois primeiros níveis taxonômicos.
Reconheceram-se em campo três diferentes Latossolos, condicionados a três
superfícies geomórficas (S1, S2 e S3). A descrição morfológica foi realizada
para todos os Latossolos, sendo eles os Latossolos Amarelo, Vermelho-Amarelo e
Vermelho, posicionados e bem representados nas superfícies mapeadas. Em seguida,
estabeleceu-se correlações entre os perfis de solo descritos e os aspectos da
paisagem e do substrato rochoso verificados em campo, a partir de uma análise
integrada desses componentes.
Resultado e discussão
Foram reconhecidas para a bacia hidrográfica do Ribeirão do Brejão três
superfícies geomórficas (S1, S2 e S3), ilustradas na Figura 1. A morfologia das
SG responde à ação dos cursos d’água na dissecação da borda da chapada
Indianópolis, cujos níveis são diferenciáveis em relação às características da
paisagem. A superfície geomórfica S1 está distribuída em porções com declives
bem reduzidos, sobretudo em forma de topos planos e amplos (Figura 2A), que
favorecem a mecanização agrícola e com associação a fundos de vales suaves e
condicionados ao hidromorfismo, que permite a formação e permanência de
Gleissolos e Organossolos, restritos a essas áreas de acumulação. É registrado
em limite da S1 a ocorrência de materiais lateríticos endurecidos.
A superfície geomórfica S2 possui cotas intermediárias, com topos e vertentes
suaves convexas (Figura 2B) que transicionam para rampas coluvionares com
ravinamentos frequentes. Em rupturas topográficas nos limites S2-S3, em
associação a uma maior convexidade das vertentes, verifica-se a ocorrência de
níveis cascalhentos e arenosos expostos (Figura 2C), que aparenta corresponder
ao substrato dos solos desenvolvidos nessa superfície intermediária,
restringindo-os em profundidade.
A superfície geomórfica S3 está posicionada em extensas rampas de colúvio
direcionadas aos canais fluviais encaixados e que dissecam as escarpas da
chapada de estudo (Figura 2D). Registram-se solos com diferentes graus de
desenvolvimento (e profundidade), como Neossolos e Cambissolos, porém, com
Latossolos Vermelhos bem profundos e representativos, sobretudo em porções com
menores declives. Para a superfície mais jovem em questão, verifica-se o
predomínio de basalto como substrato rochoso dos perfis de solo.
Foram realizadas a descrição morfológica em três perfis de solos que estão
posicionados nas distintas SG identificadas: Latossolo Amarelo da S1, Latossolo
Vermelho-Amarelo da S2 e Latossolo Vermelho da S3 (Figura 3).
O Latossolo Amarelo está localizado na S1 (Figura 3A), em setor de topo de
relevo tabular com uso destinado à monocultura do eucalipto. Nas áreas ao
entorno do perfil também são registradas a produção de grãos, sobretudo soja,
com frequente uso de pivôs. O LA descrito tem cor úmida marrom escuro (7,5YR
4/6), possui profundidade superior a 150 cm, com textura muito argilosa para
todos os horizontes. Configura-se um solo bem profundo, sem evidência de
horizonte C e de afloramentos rochosos ao entorno. É homogêneo, tem topografia
plana e transição clara a difusa entre os horizontes, com aparente presença de
cerosidade no BA (pouco frequente e fraca). Os agregados são constituídos por
estrutura granular, e em blocos subordinados, e por grau forte. Verticalmente, a
consistência torna-se mais dura e firme.
O Latossolo Vermelho-Amarelo da S2 (Figura 3B) posiciona-se em terço superior de
vertente convexa bem suave e extensa, que se dirige ao Ribeirão do Brejão com
uso destinado à soja. Sua cor úmida é marrom avermelhado (5YR 5/4), possui
profundidade superior a 90 cm, com textura franco argilo-arenosa para todos os
horizontes. Próximo ao perfil, já na média vertente, em bolsão de escoamento de
água, foi localizado a presença de material cascalhento em profundidade de 1,2
metros. Configura-se um solo não tão profundo e com ocorrência expressiva de
fração arenosa em todos os horizontes, de topografia plana e transição clara a
difusa. Os agregados são constituídos por estrutura granular e por grau moderado
a forte. O material apresenta consistência ligeiramente dura e muito friável,
com pouca plasticidade e pegajosidade. Apesar da elevada concentração de fração
grossa no perfil, em resposta do material fonte rico em quartzo, o grau de
desenvolvimento do Latossolo ainda permite a agregação da fração argila em
estrutura do tipo granular.
O Latossolo Vermelho da S3 (Figura 3C) localiza-se no terço superior de vertente
que drena em direção ao Ribeirão do Brejão, com uso destinado à pastagem. Tem
cor úmida vermelho escuro (10R 3/4), possui profundidade superior a 274 cm, com
textura muito argilosa para os horizontes acima da stone line (Ap, BA, Bw1 e
Bw2). Por outro lado, os horizontes 2Bw e 2BC apresentam textura argilosa e
argilo-siltosa, respectivamente. Configura-se um solo bem profundo e com
enriquecimento da fração silte em profundidade, de topografia plana e transição
clara a difusa aos horizontes superficiais e subsuperficiais, e ondulada com
transição abrupta para a linha de pedra e o horizonte C. Os agregados são
constituídos por estrutura granular e em blocos subangulares.
Acerca do Latossolo Vermelho, observa-se que os horizontes acima da stone line
possuem grau mais forte, consistência mais dura e maior pegajosidade e
plasticidade, quando comparado aos horizontes abaixo, que descrevem uma menor
agregação. Ressalta-se que o horizonte superficial apresenta consistência
extremamente firme em virtude de compactação mecânica. Por outro lado, os
horizontes abaixo da stone line possuem um maior teor de silte, em concordância
com uma maior contribuição do substrato rochoso em alteração, neste caso
basalto.
A linha de pedras do Latossolo Vermelho possui topografia ondulada e transição
irregular, com espessura de aproximadamente 65 cm. É constituída por seixos e
grânulos de tipos diversos, imersos em material pedogenizado de textura argilo-
arenosa. Esse material aparenta ser derivado do retrabalhamento dos materiais
cascalhentos, verificados em proximidade e em níveis topográficos mais elevados.
A stone line em questão é bem distribuída por aproximadamente 1 km, entre as
cotas 911 e 858 m, cuja espessura em perfil é variável, com média entre 30 e 70
cm (SILVA, SILVEIRA e BARBOSA, 2020).
Em síntese, os Latossolos estão condicionados às superfícies geomórficas e aos
materiais associados, permitindo diferenciá-los quanto às suas características
morfológicas e graus de desenvolvimento. Os Latossolos Amarelos da S1
correspondem aos solos mais antigos da área de estudo, caracterizados pela
expressiva profundidade e elevado conteúdo de argila, além da ocorrência de
materiais lateríticos enrijecidos na base, derivados da intensa intemperização e
latossolização da cobertura. Os Latossolos Vermelho-Amarelos da S2 possuem idade
intermediária e estão condicionados a um substrato cascalhento de material rico
em quartzo que restringe os perfis em profundidade e em grau de desenvolvimento.
Por fim, os Latossolos Vermelhos da S3 são os mais jovens, apesar de serem bem
profundos, fator determinado pela suscetibilidade dos basaltos fraturados da
área frente aos processos de intemperismo e pedogenização.
A figura exibe o posicionamento da área de estudo no Triângulo Mineiro e nos limites da Bacia Sedimentar do Paraná, com indicação das SGs mapeadas
A figura demonstra as diferentes características do relevo para cada superfície geomórfica reconhecida, transicionando-se de Alta para Baixa Bacia.
Apontamento das superfícies geomórficas e do posicionamento dos Latossolos descritos para retomada da discussão no texto.
Considerações Finais
A bacia do Ribeirão do Brejão possui três superfícies geomórficas com idades
diferenciáveis. A superfície S1 é caracterizada por topos tabulares, e vertentes
convexas suavizadas associadas, constituídos por Latossolos Amarelos profundos e
de textura muito argilosa. A ocorrência de material laterítico na base dos
perfis configuram a estruturação desses níveis e atenuam a erosão remontante. A
S2 é representada por topos tabulares e vertentes convexas, constituídas por
Latossolos Vermelho-Amarelos de textura média, com desenvolvimento em substrato
cascalhento.
A S3 possui a distribuição de Latossolos Vermelhos em rampas coluvionares, por
vezes com stone lines bem definidas no perfil. Representam os Latossolos mais
jovens, desenvolvidos pela alteração de basalto fraturado. O controle litológico
demonstra ser um fator determinante nas características dos solos, que apesar de
idade mais avançada da superfície S2, os Latossolos Vermelho-Amarelo possuem
desenvolvimento vertical mais restrito que os Latossolos Vermelhos da S3, visto
que são condicionados por material cascalhento rico em quartzo.
Além disso, no aspecto geral da paisagem é possível observar que as formas mais
dissecadas do relevo encontram-se nas superfícies geomórficas mais jovens, que
apresentam concordância com a maturidade e idade dos solos. Isso interfere
diretamente no destino de seus usos, quando os LA da S1 são marcados pela
monocultura de grãos e eucalipto, ao passo que os LV da S3 são dirigidos à
pecuária.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao CNPq pela concessão de bolsa de pesquisa durante a
realização das atividades essenciais para o desenvolvimento desse trabalho.
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