Autores

Moura, M.T.M. (UECE) ; Araújo, P.A. (UECE) ; Brito, D.S. (UECE) ; Menezes, K.W.S. (UFRGS) ; Souza, M.J.N. (UECE)

Resumo

As geotecnologias vêm contribuindo com o conhecimento do relevo terrestre, permitindo a geração de mapas com distintas finalidades. Nesse contexto, tem- se a restituição e análise da rede de drenagem. A área de estudo dá ênfase a microbacia de captação do açude João Lira Magalhães (Ipuzinho) no município de Itapajé. Nessa perspectiva, objetiva-se delimitar a microbacia de captação, além de identificar a hierarquia dos canais fluviais e a densidade da drenagem. Para atingir esse propósito, foram utilizadas bases geomorfológicas disponibilizadas pelos dados SRTM. Por meio do algoritmo Saga do Qgis, delimitou-se 28,5 km2 de área da microbacia de captação, além de identificar a hierarquia de 1º e 2º ordens dos canais, seguindo o método de Strahler (1952) e com densidade de drenagem mediana. O resultado da pesquisa deve subsidiar o planejamento dos recursos hídricos do município, visando o abastecimento continuado da população e desenvolvimento socioeconômico local.

Palavras chaves

Recursos hídricos; Hierarquia de canais; Densidade de drenagem

Introdução

A Geografia Física busca através da geomorfologia a compreensão dos aspectos morfológicos e a dinâmica que interfere na esculturação das paisagens terrestres. A apropriação do espaço geográfico evidencia a importância do relevo, como um fator condicionante da ocupação. Conforme Chistofolleti (1980), os estudos relacionados com a rede de drenagem possuem relevância para a geomorfologia, pois a análise da rede hidrográfica condiciona a ação dos processos lineares responsáveis pelo entalhamento dos vales, dissecação do relevo e esculturação das paisagens ao lado dos processos areolares. Por outro lado, ações antrópicas podem acarretar a redução do fluxo e da capacidade de transporte de sedimentos dos sistemas fluviais, a exemplo, as obras hidráulicas, apesar de serem fundamentais para a solução de dificuldades de armazenamento de água (BRANDT, 2000). Dessa forma, a construção do açude João Lira Magalhães, conhecido popularmente como Ipuzinho, poderá alterar o equilíbrio e a dinâmica dos processos naturais da rede de drenagem. Porém, é um importante reservatório para o abastecimento do município de Itapajé. Destaca-se que área de estudo está inserida no semiárido cearense, onde o abastecimento hídrico é totalmente dependente dos barramentos de cursos d’água intermitentes sazonais. De acordo com Attanasio (2004), as microbacias são bases de planejamento e ordenamento territorial, considerando a importância da proteção dos recursos naturais e da produção da agropecuária. Para Teodoro et al. (2007), uma série de conceitos são aplicados na definição de microbacias, podendo ser adotados critérios como unidades de medida, hidrológicos e ecológicos. Dialogando com Cecílio e Reis (2006) apud Teodoro et al (2007), as microbacias e sub-bacias se restringem a áreas reduzidas, não havendo consenso de qual seria a área máxima (máximo varia entre 0,1 km² a 200 km²). A área de estudo se insere na unidade geomorfológica do maciço residual de Uruburetama. Souza et al. (2000) ressalva que os processos históricos de ocupação da terra desestabilizam a capacidade produtiva dos recursos naturais renováveis. De acordo com Oliveira e Carrasco (2003), a forte concentração humana nesse maciço, causou uma intensa pressão sobre os recursos naturais, provocando graves desequilíbrios socioambientais. O objetivo central da pesquisa é delimitar a microbacia de captação do açude Ipuzinho, com o intuito de subsidiar a gestão dos recursos hídricos, além de identificar a hierarquia dos canais fluviais e a densidade da drenagem. A análise da microbacia delimitada deve subsidiar a gestão municipal, por retratar questões hídricas e de caráter emergencial para a recuperação de nascentes, matas ciliares, encostas e topos de morros, que são Áreas de Preservação Permanente (APP). A delimitação e o mapeamento disponibilizado, contribuirá com o planejamento e tomadas de decisões acerca do uso e ocupação da microbacia de captação.

Material e métodos

Nesta etapa sistematizou-se os levantamentos bibliográficos e de campo, além da coleta de materiais geocartográficos. O trabalho relaciona os conhecimentos geomorfológicos e de sistemas fluviais do semiárido com as técnicas de geoprocessamento e sensoriamento remoto, acoplados ao Sistema de Informações Geográficas (SIG). Dessa forma, os materiais, os aparelhos técnicos e softwares utilizados foram os seguintes: • Mapa Geomorfológico da Folha Fortaleza (SA.24-Z-C) em escala de 1:250.000, elaborado em 1981 pelo projeto RADAMBRASIL. • Carta Geoambiental da Folha Irauçuba, na escala de 1:100.000, elaborada em dezembro de 2002, pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), através do Programa de Informação para Gestão Territorial-GATE. • Dados Shuttle Radar Topographic Mission (SRTM) banda X, cena s04_w040_1arc_v3 com resolução espacial de 30 metros, disponibilizada de forma gratuita através de uma interface na página Earth Explore. Disponível em: <http://earthexplorer.usgs.gov/>. • Imagem orbital do satélite LANDSAT 8, composta nas bandas 4, 5 3 6 e fusionada na banda 8 (pancromática) resultando numa imagem com uma resolução espacial de 15 metros, e após foi fusiona com a banda multiespectral. Sensor Operacional Land Imager (OLI). Datada de Julho de 2015. Imagem disponibilizada pelo USGS/ Earth Explorer- NASA. • Imagens do Google Earth Pro, datadas de outubro de 2013 e julho de 2015, auxiliaram no mapeamento e interpretação visual da drenagem e da cobertura vegetal. • Curvas de nível geradas a partir de dados SRTM, conferidas pelo levantamento planialtimétrico da SUDENE/DSG. • GPS de navegação de marca Garmin e modelo Etrex20. Software QGIS 2.8.8. Disponível em https://www.qgis.org/en/site/forusers/download.html. • Software Garmin BaseCamp. Disponível em <https://www8.garmin.com/support/download_details.jsp?id=4435>. O QGIS é um software livre que se destaca no âmbito das Geotecnologias e durante estas etapas utilizou-se a versão 2.8.8. Em seu módulo de extensão ‘Sextante’, foi utilizado o algoritmo ‘SAGA 2.1.2 (System for Automated Geoscientific Analyses), seguindo estes procedimentos: Ao acessar o ‘Terrain Analysis-Hidrology’ na caixa de ferramentas do Processamento do QGIS, adicionou-se o Modelo Digital de Elevação (MDE) para que ‘Fill’ preenchesse as falhas identificadas pelo ‘Sinks’ do MDE. Este procedimento foi de fundamental importância para melhorar a qualidade do MDE e identificar a orientação das vertentes e o fluxo da rede de drenagem (flow directions). Ao adicionar a camada da direção de fluxo no ‘Terrain Analysis- Channels’ (canais), os canais foram extraídos automaticamente das redes delimitadas, seguindo as ordens de grandeza do método de Strahler (1952), onde os canais que não possuem tributários são considerados os de primeira ordem. Os canais de segunda ordem resultam da pela junção de dois canais de primeira ordem, e assim, sucessivamente. Os pontos de controle gerados automaticamente durante a delimitação da microbacia, possibilitaram identificar o início dos canais, ou seja, suas nascentes, além de identificar os pontos de junção entre os canais. O trabalho de campo foi fundamental para compreender a realidade terrestre e corrigir os erros gerados automaticamente, possibilitando resultados quantitativos e qualitativos satisfatórios. Os dados de elevação, declividade, relevo sombreado e curvas de nível com 30 metros de equidistância, disponibilizadas pelos dados SRTM, foram critérios que auxiliaram na identificação dos divisores de água, possibilitando a vetorização manual da área e do perímetro da microbacia de captação, além do exutório do canal principal, onde ocorre o barramento artificial. Para identificar a densidade da drenagem utilizou-se o método de Beltrame (1994), que estabeleceu parâmetros para qualificar os valores de densidade de drenagem sendo: Baixa (< de 0,5), Mediana (de 0,5 a 2,0), Alta (de 2,1 a 3,5), Muito Alta (Maior que 3,5).

Resultado e discussão

O território cearense abrange uma extensa área de embasamento cristalino, sobre influência do clima semiárido e constituído por rios sazonais, com alguns regimes perenizados, por intermédio de barragens artificiais. A área de captação da microbacia do açude Ipuzinho, corresponde a 28,5 km2 e o perímetro a aproximadamente 26,293 km. Encontra-se situada entre os distritos serranos de Soledade e Cruz, no município de Itapajé, onde os núcleos urbanos se inseriram na paisagem acidentada, por onde fluem os rios para o vale do Caxitoré, afluente da margem do canal principal da Bacia Hidrográfica do rio Curu (BHC). De acordo com Studart (2000), a bacia do Curu foi à pioneira no Estado do Ceará em termos de ações de gerenciamento de recursos hídricos, e a primeira a instituir o Comitê de Bacia Hidrográfica no ano de 1996. A BHC drena 15 municípios da região norte do Ceará e possui relevante importância econômica, devido à proximidade de Fortaleza, além de seu potencial para atividades de irrigação e aos grandes investimentos em obras hídricas. A Figura 1 apresenta a localização da microbacia a aproximadamente, 100 km da capital Fortaleza. A rede de drenagem da microbacia de captação, caracteriza-se por apresentar um padrão dendrítico muito ramificado, cujos canais fluviais convergem para o eixo principal de drenagem, são reflexos da declividade e da impermeabilidade das rochas. Segundo o Serviço Geológico do Brasil (1988), o embasamento é composto por rochas ígneas, datadas do Pré-Cambriano, com predominância de granitoides cinzentos e rosados, com muito baixa permoporosidade. De acordo com Moura (2017), a altitude média da microbacia de captação varia entre cotas de 300 a 1050 metros. Segundo a metodologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária-Embrapa (1979), as classes de declividade da microbacia são: relevo fortemente ondulado, com declividades que variam entre 20-45%; relevo montanhoso, entre 45-75% e relevo ondulado, variando entre 8-20%. Nesta última classe localizam-se os maiores vilarejos e comunidades, como por exemplo Ipu, e a sede distrital de Soledade. (MOURA, 2017). A Figura 2 apresenta a hipsometria da microbacia de captação, bem como a hierarquia fluvial e o esboço do perfil longitudinal da mesma, cotado a partir de 1050 metros, ou seja, da maior cota altimétrica até a menor cota de 300 metros, dado uma extensão linear de 6,268 km. O perfil longitudinal levou em consideração apenas a cota máxima e a cota mínima da microbacia de captação da barragem pública, oficialmente denominada de João Lira Magalhães e popularmente Ipuzinho. Cabe ressaltar, que a área de estudo pertence à sub-bacia do rio Caxitoré. Dessa forma, a delimitação da microbacia de captação do Ipuzinho, corresponde a uma determinação a partir da obra hidráulica, justificando que o exutório do canal principal, situado na cota de 300 m, refere-se a esse recorte espacial. O canal segue à jusante, tendo o exutório natural no canal principal do rio Caxitoré, a uma distância de aproximadamente 17 km. A microbacia de captação apresenta um total de 8 canais, sete são canais de 1º ordem (comprimento 9,395 km) e 1 canal de 2º ordem (comprimento 8,304 km) de grandeza na hierarquia fluvial de Strahler. O comprimento total dos canais é de 17,699 km, com densidade de drenagem 0,621. Segundo Christofoletti (1980), a densidade de drenagem relaciona o comprimento dos canais com a área da bacia (Dd= Lt/ A), sendo importante para a análise do comportamento hidrológico da microbacia de captação. Para o valor encontrado 0,621km, a densidade da drenagem da microbacia de captação é mediamente drenada, refletindo a importância dos condicionantes geoambientais (litologia, relevo, clima, solos e vegetação). O canal principal inicia-se no setor oeste da microbacia, com altitude aproximada de 600 m localizado no distrito de Soledade, segue em direção à sede municipal de Itapajé, onde riacho ganha topônimo de São Francisco, em homenagem ao padroeiro do município. (MOURA, 2017). No que tange às condições naturais, a carta Geoambiental na escala de 1:100.000 da CPRM (2002), caracteriza a área como Sistema Ambiental do Maciço Residual da Serra de Uruburetama com seus respectivos subsistemas: Vertente Norte-Oriental: correspondendo a área úmida e a subúmida de superfície dissecada e com médias pluviométricas anuais de 900 e 1300 mm, tendo uma rede fluvial densa e predomínio de Argissolos Vermelho-Amarelo Eutróficos. A mata úmida degradada e atividades de lavouras permanentes e temporárias caracterizam o uso e cobertura do subsistema (CPRM, 2002). Platô da Serra: platô úmido com superfície moderadamente dissecada em colinas em níveis altimétricos de 750-800m e com pluviometria anual de 1000 e 1300 mm. Predominam Argissolos, recobertas por mata úmida degradada e uso agrícola (CPRM, 2002). Vertente Centro-Ocidental: área sub-úmida da serra, apresentando superfície dissecada em morros e cristas com relevo fortemente ondulado e montanhoso, com índices pluviométricos anuais, igual ou inferiores a 800mm. Há frequentes afloramentos rochosos e matacões com cobertura vegetal de mata seca/caatinga degradada (CPRM, 2002). A drenagem da microbacia de captação é modesta. No entanto é fundamental para a captação do açude, apesar da diminuição do fluxo de água durante os meses de agosto a dezembro. O que mais compromete a capacidade de recarga da barragem, são os conflitos de uso e ocupação da terra em APP. Na Figura 3 o exemplo ‘A’ apresenta a bananicultura como cultura permanente na margem do riacho Ipuzinho e o exemplo ‘B’ indica o mesmo curso d’água, porém a montante, com mata ciliar conservada, especificamente, na comunidade Espírito Santo. Inaugurado no ano de 2012, o açude Ipuzinho tem capacidade de 4,24 hm3 e segundo o Portal Hidrológico do Ceará (2017), o mesmo atingiu 98% de sua capacidade de armazenamento em junho de 2017. A Figura 4 apresenta o pequeno vilarejo de Ipu, tendo a visão panorâmica do perímetro urbano de Itapajé à jusante da barragem. Entre os impactos que ocorrem com a construção de barragens, no seguimento a montante destacam-se: a mudança térmica das águas e redução da velocidade das águas, assoreamento no fundo dos vales principais e afluentes. Evidencia-se no seguimento da periferia do reservatório, a ocorrência de inundações, assoreamento no reservatório, alteração na transparência da água e na estrutura térmica da água (CUNHA, 1995). Em relação a esta pesquisa, esses impactos pertinentes ainda não foram avaliados no açude Ipuzinho, em razão da sua recente inauguração, que coincidiu com os anos de seca prologada 2012-2017, registrando-se médias pluviométricas abaixo da média histórica. Acredita-se que a barragem implicará em mudanças sedimentalógicas, consequentemente, influenciando na dinâmica fluvial da sub-bacia do rio Caxitoré. Destaca-se como uma obra hidráulica que amenizou os efeitos da seca, atendendo a demanda dos bairros: Bela Vista, Paulo Vieira de Mesquita, Barateiro, Ferros e Esmerino Gomes, todos localizados no distrito sede de Itapajé.

Figura 1- Localização da microbacia do açude Ipuzinho no município de

Fonte: Elaborado pelos autores.

Figura 2- Mapa da hipsometria e hierarquia fluvial da microbacia açude

Fonte: Elaborado pelos autores.

Figura 3- Riacho Ipuzinho com inserção da bananicultura em sua margem

Fonte: Elaborado pelos autores. Em 30/07/2016.

Figura 4- Vista à montante do açude João Lira Magalhães (Ipuzinho), It

Fonte: Elaborado pelos autores. Em 30/07/2016.

Considerações Finais

A delimitação e a análise realizada na microbacia do açude Ipuzinho, a partir do uso de geotecnologias, possibilitou a representação fisiográfica, com o entendimento das características físicas que levam à explicação dos fenômenos que atuam no sistema hídrico e as influências antrópicas presentes. Para a delimitação da microbacia, considerou-se os setores espaciais à montante e na periferia do reservatório, respeitando os divisores de águas e adotando parâmetros geomorfológicos e de densidade da drenagem. Mediante a análise da hierarquia fluvial, percebeu-se que a microbacia de captação apresenta poucos cursos fluviais, de 1ª e 2ª ordens confluindo para o açude Ipuzinho. Neste contexto, sugere-se políticas públicas que acompanhem e interfiram no uso e ocupação tendo como eixo norteador as características e dinâmica dos canais fluviais e sua importância para a manutenção do referido açude. Considera-se as geotecnologias como uma importante ferramenta para o gerenciamento dos recursos hídricos, podendo oferecer diferentes tipos de representação. Com a delimitação dos canais fluviais o poder público pode construir cenários desejáveis para a recuperação de nascentes, matas ciliares, áreas de expansão urbana evitando processos de inundação. Ademais, pode-se controlar as atividades agrícolas de modo a preservar o abastecimento do açude, que diante da seca prolongada de 2012-2017, teve um papel importante na dessedentação de animais, agricultura e para o

Agradecimentos

Referências

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