Autores
Souza, S.O. (UNIVASF) ; Oliveira, R.C. (UNICAMP)
Resumo
Este trabalho objetiva identificar a declividade do Litoral Norte do estado de São Paulo enquanto subsídio ao planejamento e ordenamento territorial desta região, que compreende os municípios de Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião e Ilhabela. Para alcançar o objetivo proposto, procedeu-se a aquisição de imagens do satélite Advanced Land Observing Satellite (ALOS), seguida pela organização dos planos de informação básicos e pela construção de um mosaico em escala 1:50.000. Posteriormente, estes dados foram processados e integrados em um Modelo Digital de Elevação, seguido pela extração da declividade. Os resultados atestam a existência de duas dinâmicas principais na área em estudo, caracterizadas por distintas extensões, altitudes, declividades e fluxo de energia e matéria. O mapeamento realizado pretende subsidiar melhores propostas de planejamento para o uso e a ocupação da terra nesta região.
Palavras chaves
Clinografia; Litoral Norte; ALOS
Introdução
O desmatamento, o lançamento de efluentes nos cursos de água, o aterramento e construção em zonas costeiras denunciam a falta de preocupação com o ordenamento e gestão territorial. Tais formas, muitas vezes, não consideraram a declividade destas áreas, ocasionando danos irreversíveis aos sistemas ambientais presentes. Definida enquanto um plano tangente à superfície, que corresponde à inclinação do terreno em relação ao plano horizontal, expresso como a mudança de elevação sobre certa distância (BURROUGH, 1986), a declividade pode variar de acordo com o tipo de solo, rocha, relevo, ou de acordo com as intervenções antrópicas ocorridas, tais como cortes e aterros e seus valores podem ser apresentados em graus ou porcentagens. Para Casseti (1994) a declividade é todo e qualquer grau de inclinação que a superfície terrestre apresenta em relação a um eixo horizontal. Logo, as vertentes com declives mais acentuados possuem uma maior declividade e padecem de maiores riscos frente aos processos de movimentação gravitacionais de massa. Deste modo, o fator declividade exerce suma importância na ocorrência dos movimentos de massa, visto que o material exposto em superfícies inclinadas tende a sofrer maior influência da ação da gravidade. Logo, a identificação da declividade das vertentes possibilita uma importante análise do balanço de retirada, transporte e deposição de material no terreno. Quanto maior a declividade, mais rapidamente a energia potencial das águas pluviais se converte em energia cinética, ampliando a velocidade e a capacidade de transporte da água em estado líquido, responsável pelos processos erosivos que modelam as formas do relevo em ambientes tropicais úmidos. Carvalho, Macedo e Orgulha (2007) acrescentam que áreas cujos terrenos apresentam predomínio de alta declividade podem ser consideradas propensas a ocorrência de movimentos de massa, independente de previsão acerca de quando poderá ocorrer um evento e tampouco do grau de certeza atribuível a essa possibilidade. Entendendo os movimentos de massa enquanto processos naturais de evolução das encostas, estes caracterizam-se enquanto o transporte coletivo de material rochoso e/ou de solo, onde a ação da gravidade tem papel preponderante, podendo ser potencializado, ou não, pela ação da água (GUERRA; MARÇAL, 2006), evidencia-se que a declividade se enfatiza, então, como um dos fatores predisponentes ao desenvolvimento de processos e, por essa razão, passível de inclusão entre os parâmetros necessários à análise geomorfológica em estudos de planejamento costeiro. Nesse contexto, tendo como área em estudo o Litoral Norte Paulista, que apresenta uma extensão territorial de aproximadamente 1.944 km² e compreende os municípios de Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião e Ilhabela, este trabalho tem por objetivo identificar a declividade do Litoral Norte do estado de São Paulo enquanto subsídio ao planejamento costeiro. Nesse âmbito, este trabalho se legitima frente aos instrumentos da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), estabelecida pela Lei Federal 12.608/2012 (BRASIL, 2012), que contempla, entre seus princípios fundamentais, as ações de mapeamento e prevenção, bem como sua integração às demais políticas setoriais, como as de ordenamento costeiro, desenvolvimento urbano e meio ambiente, entre outras, tendo em vista a promoção do desenvolvimento sustentável no País. Assim, a identificação da declividade torna-se imperativa, para que ao mesmo tempo em que produza informações e conhecimento, seja um instrumento útil para subsidiar planejamentos, zoneamentos e a gestão de uso e ocupação da terra.
Material e métodos
Considerando a identificação da declividade com base na proposta de De Biasi (1970) e Sanchez (1993), procedeu-se o desenvolvimento de rotinas de geoprocessamento. Iniciando pela aquisição de imagens do satélite Advanced Land Observing Satellite (ALOS). Cabe ressaltar que o satélite ALOS foi lançado em janeiro de 2006 pela Japan Aerospace Exploration Agency (JAXA). Este é equipado com três instrumentos de Sensoriamento Remoto: O radiômetro Panchromatic Remote-sensing Instrument for Stereo Mapping (PRISM) capaz de adquirir imagens tridimensionais detalhadas da superfície terrestre, o radiômetro multiespectral Advanced Visible and Near-Infrared Radiometer type 2 (AVNIR-2) voltado aos mapeamentos de uso e ocupação, e o sensor de micro-ondas Phased Arrayed type L-Band SAR (PALSAR) capaz de obter imagens diurnas e noturnas sem a interferência de nebulosidade (JAXA, 2008). O período de revisita do satélite é de 2 dias (off-nadir) e 46 dias (nadir). Para realização do trabalho foram utilizadas seis imagens ALOS/PALSAR com resolução espacial de 12,5m disponibilizadas gratuitamente pelo Laboratório de Sensoriamento Remoto da Universidade do Alaska Fairbanks no endereço: <<https://vertex.daac.asf.alaska.edu/>>. A utilização destas imagens se justifica na possibilidade de aquisição de dados topográficos reais da superfície terrestre, uma vez que o sensor imageador ativo de alta frequência por micro-ondas não sofre interferências de nuvens, do dossel vegetal e independe de iluminação natural ou de emissão própria do alvo. Posteriormente a obtenção das imagens realizou-se a construção em ambiente SIG com uso do software ArcGISTM 10.4 de um mosaico com todas as imagens, e seguiu-se rotinas de correção geométrica. Iniciando com a conversão da imagem para GRID com uso da ferramenta Data Export Data, permitindo que a visualização dos valores na tabela. Com os valores editáveis, seguiu-se a remoção dos valores negativos mediante aplicação da ferramenta Com e Reclassify. Para finalizar as correções do Modelo Digital de Elevação, utilizou-se o comando Fill com o intuito de preencher as possíveis depressões espúrias. Para a elaboração do mapa de declividade do Litoral Norte Paulista realizou- se a confecção de um Modelo Digital de Elevação (MDE) a partir do mosaico de imagens supracitado, utilizando a ferramenta 3D Analyst Create/Modify TIN Create TIN from Features. Após a criação do arquivo TIN, as classes de altitude foram reclassificadas com o intervalo de 100 m, através da opção Properties Symbology Elevation. Cada um dos intervalos foi digitado no quadro Symbology, gerando um modelo hipsométrico do terreno, com 17 classes altimétricas. Cabe ressaltar que a área em estudo apresenta uma variação de altitude que abrange desde o valor de 0 m (nível do mar) até 1.670 metros. Em seguida, foi gerado o mapa de declividade, com base no modelo tridimensional criado anteriormente. Para tanto, utilizou-se a opção Properties Symbology. Dentro desta opção, para adicionar a feição declividade, selecionou-se a opção Add Face slope with graduated color ramp. A respeito da definição das classes de declividade, De Biasi (1992) afirma que o autor do trabalho pode determinar os intervalos entre essas de maneira particular, mas, recomenda-se a utilização dos parâmetros já estabelecidos por lei para os diferentes usos e ocupação territorial. Neste âmbito, na janela Layer Properties foram definidos os intervalos das classes de declividade e as cores com base na literatura e legislações específica, conforme exposto na Tabela 2: Tabela 2 – Classes de Declividade Graus (°) Porcentagem (%) Cor <1,1 < 2 Verde 1,1 a 3 2 a 5 Amarelo 3 a 8,5 5 a 15 Laranja 8,5 a 17 15 a 30 Vermelho 17 a 2 30 a 37 Marrom >20 >37 Cinza Fonte: BITAR, 2014; BRASIL, 1979;2012. Ao final, depois de obtido o MDE, o arquivo TIN foi convertido para formato vetorial, em entidade polígono, para que fossem feitos alguns ajustes e se extraíssem os valores das tabelas de atributo
Resultado e discussão
A partir dos critérios e procedimentos descritos anteriormente, apresenta-se
na Figura 1 e na Tabela 3 os resultados obtidos na identificação da
declividade no Litoral Norte Paulista.
Tabela 3 – Declividades do Litoral Norte Paulista
Declividade (%) Área (km) Porcentual (%)
<2 193,17 9,94
2 ˧ 5 133,26 6,85
5 ˧ 15 429,42 22,09
15 ˧ 30 874,01 44,96
30 ˧ 37 204,18 10,50
> 37 109,97 5,66
Total 1.944,00 100,00
Elaborada pelos autores.
Após determinar a declividade, com base nas categorias supracitadas pode-se
observar que 9,94% do Litoral Norte Paulista apresenta declividade de 0% a
2%. Correspondendo a uma área de 193,17km² e morfologicamente configurando-
se em terraços e planícies de origem marinha, fluvial e/ou fluviomarinha.
Tais depósitos, localizam-se na porção leste dos municípios da área em
estudo, com especial atenção para a Planície Costeira de Caraguatatuba.
Apesar de não apresentarem risco a movimentos gravitacionais, estas áreas
são consideradas como espaços receptores de matéria e energia, o que resulta
uma maior propensão a inundações, seja pelas águas pluviais, seja pelo
transbordamento dos rios, ou mesmo pela ocorrência de marés sizígias (DENT e
YOUNG, 1981). Esta classe ainda engloba relevos de planícies e depressões,
solos com reduzida capacidade de drenagem, e a ação humana, que interfere na
dinâmica da drenagem criando áreas de afunilamento do escoamento que
contribuem para o assoreamento dos canais e o aumento da vazão de pico.
Nesse sentido, a declividade destes terrenos são elementos fundamentais para
os estudos de planejamento, pois influencia tanto a infiltração como a
direção e a dinâmica do escoamento superficial. Além disto, também reflete
as forças de entalhamento e deposição em cada área específica (BRIGUENTI,
2005).
Cerca de 6,85% da área em estudo apresenta declividade entre 2 a 5% e ocupa
apenas 133,26 km² da área total. Segundo o artigo 3º da Lei nº 6.766/1979
(BRASIL, 1979), estas áreas dispõem-se como áreas de urbanização sem
restrições. Entretanto, por se localizarem em áreas próximas ao sopé das
escarpas e depósitos coluvionares, reafirma-se a necessidade de um
planejamento adequado do uso e ocupação.
As áreas com declividade de 5 a 30% são as de maior representatividade
espacial no Litoral Norte Paulista, ocupando aproximadamente 67,05% da área
total, cerca de 1.303,43 km². Estão localizadas nas bases das vertentes e
contribuem efetivamente para o transporte do fluxo torrencial de água na
superfície.
Com base em BITAR (2014), as áreas com até 15% de declividade configuram a
inclinação máxima longitudinal tolerável para vias de circulação de veículos
e o limite máximo do emprego da mecanização da agricultura. Já as áreas com
declividade máxima de 30% configuram o limite para urbanização sem
restrições, a partir do qual toda e qualquer forma de parcelamento far-se-á
através de exigências geotécnicas específicas (BRASIL, 1979).
Dando continuidade, as áreas com declividade de 30 a 37%, representam cerca
de 10,50 % da área total, onde há uma predominância da morfogênese em
relação a pedogênese, o que resulta em escarpas bastante íngremes com solos
de baixo desenvolvimento, sustentados basicamente pela densa cobertura
vegetal ali encontrada (ROSS e MOROZ, 1997).
Segundo o Código Florestal Brasileiro, atualizado pela lei nº 12.651, de 25
de maio de 2012, as áreas com declividade máxima de 37% também conformam o
limite para o manejo florestal de corte raso, lembrando que tal denominação
se refere a prática florestal onde cortam-se todas as árvores e arbustos,
independentemente de tamanho e espécie (BRASIL, 2012).
Ao final, as escarpas íngremes da Serra do Mar ocupam em torno de 5,66% da
área em estudo e compreendem a zona de maior declividade (> 37%), uma vez
que apresentam um expressivo desnível entre o planalto e as áreas de
planícies. Destacam-se nessa classe as regiões serranas do município de
Ubatuba e Ilhabela.
Ross e Moroz (1997) assinalam que por se tratar de uma unidade com formas de
dissecação muito intensas, alta densidade de drenagem, vales de grandes
entalhamentos e vertentes muito inclinadas, esta unidade apresenta um nível
de fragilidade potencial muito alto, estando sujeita a significativos
processos erosivos e movimentos de massa, com destaque para a ocorrência de
deslizamentos e corridas de massa (CARVALHO, MACEDO e OGURA, 2007).
Conforme exposto na Figura 2, dá-se especial atenção ao risco enfrentado
pela área urbana do município de Ubatuba, por estar assentada a cerca de 700
metros de escarpas com declividades extremamente elevadas. Fato que legitima
a realização de estudos pautados na identificação destas áreas, em escalas
de maior detalhe, com vistas a fundamentação de medidas mitigadoras de
processos erosivos que possam ocasionar desastres.
Ao final, foi possível observar a existência de duas dinâmicas principais na
área em estudo, uma caracterizada pela unidade do Cinturão Orogênico, a qual
apresenta as maiores altitudes, declividades, dispersando e transmitindo
fluxos de matéria e energia. A outra, caracterizada pela unidade dos
Depósitos Quaternários, que apresenta as menores extensões, altitudes e
declividades, sendo uma zona receptora do fluxo de energia e matéria
proveniente das regiões serranas.
Considerações Finais
Torna-se claro que a feição clinográfica de uma área, juntamente com a densidade da cobertura vegetal, solos predominantes, intensidade das chuvas e a inserção antrópica atuante tem essencial influência nas taxas de escoamento superficial, nos processos de erosão do solo, no assoreamento de rios e nos episódios de inundações. Assim, a determinação da declividade é uma forma de representação quantitativa do comportamento espacial do relevo, e tem as mais diversas aplicações, notadamente nas áreas de geomorfologia e planejamento, tanto para o cumprimento da legislação ambiental brasileira, quanto para avalizar a eficiência das intervenções antrópicas no ambiente.
Agradecimentos
Referências
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