Autores
Pacheco, J. (USP) ; Oliveira, D. (USP) ; Oliveira, F. (UFMG)
Resumo
Este trabalho faz parte do processo de investigação e conhecimento da evolução da paisagem de uma bacia de drenagem no semiárido baiano, a bacia do Riacho Natuba, localizada na porção nordeste do Estado da Bahia e teve como objetivo realizar a compartimentação morfológica dessa bacia. A abordagem metodológica foi baseada em ROSS (1992; 2003) e no Projeto RADAMBRASIL (1983). Na compartimentação das unidades morfológicas foram identificados os padrões de formas genéticas de Aplanamento (P) - Topos Aplanados e Topos Aplanados com Vertentes Inclinadas; de Dissecação (D) - Relevo de Dissecação Fluvial, Relevo de Dissecação e Colinas, Morro Testemunho, Relevo Dissecado em Patamares Inclinados e Relevo Dissecado em Patamares Suavizados; de Acumulação (A) - Acumulação Fluvial ou Várzeas.
Palavras chaves
bacia de drenagem; semiárido; unidades morfológicas
Introdução
A região nordeste pela sua expressiva extensão territorial apresenta características bastante diversificadas do litoral quente e úmido até o sertão quente e seco. A variação espacial climática atrelada a estreita relação entre o relevo, solos e litologia responde por uma diversidade paisagística de grande valor ambiental e científico. Na literatura, vários trabalhos discutem a paisagem do nordeste brasileiro com diferentes abordagens e perspectivas e, apesar da sua importância científica, em sua grande maioria são amplas e generalizadas, suscitando a demanda de estudos em escalas de maior detalhamento. Dentre os muitos levantamentos passíveis de contribuir com os estudos de evolução das paisagens, o mapeamento geomorfológico torna-se relevante através da compartimentação, caracterização e descrição das formas de relevo. Segundo ROSS (2003, p.12), isso é possível porque o estudo das formas superficiais prescinde da compreensão da paisagem como um todo. O relevo é uma manifestação dos muitos processos que atuam na superfície e, a partir dele, muitas histórias podem ser contadas. A área de recorte desse estudo refere-se a bacia de drenagem do Riacho Natuba, no semiárido baiano, inserida entre os municípios de Sátiro Dias, Biritinga, Nova Soure e Cipó –BA com uma extensão aproximada de 1.134 km2. Trata-se de uma sub-bacia hidrográfica do Rio Itapicuru que é uma das principais bacias do estado da Bahia e ocupa uma área total de 36.440 km2 com uma extensão em torno de 350km até a foz, no Oceano Atlântico. Tem como principais vias de acesso a partir de Salvador as Rodovias BR 324 e 116 Norte e BA 084, na área o acesso ocorre através de estradas secundárias e não pavimentadas. Face ao exposto, o objetivo desse trabalho foi realizar a compartimentação e caracterização morfológica dessa bacia de drenagem de modo a identificar as principais unidades de relevo presentes.
Material e métodos
O estudo teve como referência a abordagem metodológica preconizada por ROSS (1992; 2003) e o Projeto RADAMBRASIL (1983). A metodologia aplicada por (Ross 1992; 2003) propõe a elaboração de carta geomorfológica a partir da concepção de morfoestrutura e morfoescultura de Gerasimov (1980) e Mescerjakov (1968) considerando para isso a taxonomia do relevo conforme Demek (1967). Nesse sistema têm-se o 1º Táxon, que refere-se a unidades morfoestruturais, 2º Táxon unidades morfoesculturais, 3º Táxon ao modelado, 4º Táxon o conjunto de formas semelhantes; 5º Táxon dimensão das formas e 6º Táxon as formas lineares do relevo. Como no estudo optou-se pelo uso da bacia de drenagem como categoria espacial de recorte, justificado pela importância que os processos hidrogeomorfológicos possuem no contexto semiárido e pela intenção de que o estudo fosse realizado na escala de detalhe, a análise morfológica foi realizada até o 3º táxon. As etapas do trabalho foram realizadas em ambiente SIG (Sistema de Informação Geográfica) e subsidiadas pelos trabalhos de campo. Previamente fez-se um levantamento cartográfico regional do qual foi gerada uma carta base da área de estudo. Para isso foram utilizadas cartas topográficas digitais pré- existentes e imagens digitais obtidas através de sensoriamento remoto. Inicialmente foi elaborado um Modelo Digital de Elevação (MDE) a partir de imagens produzidas pela missão Shutle Radar Topography Mission (SRTM) com resolução 1-arc-sec, aproximadamente de 30 metros (NASA, 2015) baixadas do portal EarthExplorer. O MDT foi elaborado a partir de uma função aplicada com o auxílio do software livre QuantumGis 2.16. Foi utilizado também o software de Geoprocessamento ArcGis 10.1 na geração dos dados e na finalização e layouts dos mapas. A partir desse modelo foram extraídos os atributos relativos a bacia de drenagem como curvas de níveis, parâmetros morfométricos, declividade e por fim a elaboração do mapa morfológico do relevo. Os dados vetoriais das curvas de níveis, drenagem, geologia, declividade e hipsometria foram sobrepostos ao MDE para uma interpretação visual, vetorização das unidades morfológicas e correlação das informações referentes à declividades predominantes, classes altimétricas e formas dos topos e encostas, a fim de possibilitar a compartimentação e identificação dos modelados. As classes de declividade seguiram os critérios da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA, 1979). No processo de individualização e identificação das unidades de acordo com a metodologia adotada considerou-se os seguintes critérios: o 1º táxon foi representado pela unidade morfoestrutural da Bacia Sedimentar do Recôncavo-Tucano encontrada em Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM, 2002) e Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM, 2001), o 2º táxon, Tabuleiros do Itapicuru, foi definido a partir da análise da morfologia do relevo tomando por base o Projeto RADAMBRASIL (1983), Folhas SC. 24/25 – Aracaju/Sergipe. A definição das unidades morfológicas (3º táxon) de natureza genética trata do modelado e corresponde ao grupamento de formas de Acumulação e Dissecação seguindo as definições de ROSS (1992; 2003) e as formas de Aplanamento do Projeto RADAMBRASIL (1993).
Resultado e discussão
Esse item trata da descrição e caracterização geomorfológica da área em estudo em um contexto regional
e da compartimentação morfológica representada pelo mapa das Unidades Morfológicas da Bacia do
Riacho Natuba-BA. Geomorfologia Regional e Descrição das Unidades Morfológicas. Regionalmente a
bacia do Riacho Natuba está inserida no domínio morfoestrutural das “Bacias e Coberturas Sedimentares”
na área que compreende a unidade morfoescultural denominada Planalto da Bacia do Tucano-Jatobá
sobre o qual foram desenvolvidos os Tabuleiros Interioranos ou Chapadões do Itapicuru caracterizados
por relevo de topos concordantes pouco elevados (RADAMBRASIL, 1983). Essa unidade é formada por
sedimentos fanerozóicos constituídos por arenitos e conglomerados da Formação Marizal depositada na
fase pós-rift, coberturas cenozóicas representadas pelos depósitos terciários da Formação Barreiras que
formam extensos tabuleiros peneplanizados e por sedimentos detríticos e residuais quaternários e
aluviões.
Unidades Morfológicas - na compartimentação das unidades morfológicas (3º Táxon) foram identificados
os modelados de aplanamento (P); modelados de dissecação (D) e modelados de acumulação (A), ROSS
(1992; 2003)(Figura 1). Nesse processo de análise e identificação das formas semelhantes do relevo foi
possível observar que a drenagem e as características litológicas, através da erosão diferencial, aparecem
como principais responsáveis pela dissecação do relevo local. Modelados de Aplanamento (P): a) Topos
Aplanados – são feições planas inumadas por coberturas de origens diversas. A área das cabeceiras de
drenagem, na porção oeste da bacia (alto curso) apresenta relevo de Topos Aplanados formados por
sedimentos detríticos quaternários. São as áreas mais elevadas da bacia hidrográfica com hipsometria
variando entre 411 e 488m. As declividades estão entre o relevo plano (0 – 3%) mais expressivo, a suave
ondulado (8 – 20%); b) Topos Aplanados com Vertentes Inclinadas – representados pelos planos
inclinados irregulares sofrendo processo de denudação provavelmente em consequência de retoques
sucessivos dos processos de erosão. Apresentam caimento moderado em direção ao leito principal com
hipsometria variando entre 308 e 357m. Essas feiçoes são encontradas em áreas de sedimentos mais
antigos da bacia do Riacho Natuba depositados na última fase de formação da Bacia do Tucano e
Recôncavo formados pelos sedimentos da Formação Marizal (arenitos e conglomerados) datados do
período Mesozóico. As declividades estão entre o relevo plano (0 – 3%), nas partes mais centrais da
unidade a forte ondulado (20- 45%) de modo mais pontual. Modelados de Denudação (D): c) Relevo de
Dissecação Fluvial - verifica-se que a drenagem propiciou a erosão dos sedimentos quaternários
(coberturas residuais) e dos sedimentos terciários representados pelo Grupo Barreiras propiciando a
abertura de vales e extensas áreas deprimidas na porção centro oeste e sudoeste da bacia, com
hipsometria entre 258 e 357m e declividades chegando a 45%, nas vertentes, classificado assim como
forte ondulado; d) Morro Testemunho - o desgate erosivo propiciado pela drenagem, características
litológicas e diferentres fases climáticas podem ter gerado a formação dessa feição típica de relevo
residual. Apresenta topo plano, limitado por escarpas, resultante do recuo pela erosão das rochas
sedimentares na frente dos tabuleiros, assinalando contato de rochas de resistências diferentes ou
mesmo limites de recuo de erosão; e) Relevo Dissecado em Patamares Inclinados – encontrado nas
cabeceiras de drenagem da porção leste da bacia estendendo-se no sentido norte-sul desta. Apresenta
vertentes bastante dissecadas provavelmente pela erosão
diferencial e pela drenagem expressiva que provocou a erosão das rochas sedimentares mesozóicas da
Formação Marizal. As altitudes estão em torno de 308 a 357 m e declividades num intervalo de 8 a 45%
caracterizando um relevo ondulado a forte ondulado. Essa porção da bacia, apesar de ser mais estreita,
apresenta as maiores dissecações, relevo significativamente movimentado e tem características bastante
diferenciadas da porção oeste, que possui relevo mais aplainado e suavemente ondulado; f) Relevo de
Dissecação com Colinas – essa unidade encontra-se na porção leste da bacia com caimento em direção a
planície fluvial em seus trechos médio e alto curso do leito principal. A sua porção leste encontra-se em
contato com o Relevo Dissecado em Patamares Inclinados, e com as formas de acumulação fluvial a oeste,
entre o médio e baixo curso do rio. Com altitudes entre 204 a 258 m e declividades entre 0 e 20%, ou seja,
de plano a ondulado. A característica principal dessa unidade é a grande presença de colinas resultantes
da dissecação promovida pelos agentes erosivos que esculpe o relevo formado por rochas da Formação
Marizal; g) Relevo Dissecado em Patamares Suavizados - encontrado na porção oeste da bacia, em
sedimentos da Formação Marizal estendendo-se no sentido norte-sul da bacia até a parte central desta.
Apresenta um relevo com caimento suave em direção a planície fluvial, formando rampas alongadas e
suavemente inclinadas. As altitudes estão entre 204 a 258 m e as declividades das vertentes entre 0 e 8%
com característica de relevo plano a suave ondulado. Modelados de Acumulação (A): h) Áreas de
Acumulação Fluvial (Várzeas) - Áreas de Acumulação Fluvial e Várzeas - Áreas planas com altitude entre
115 e 204 m, relevo plano (0 - 3%) e que se estendem do médio curso até a foz do Riacho Natuba, ou seja,
são as áreas que correspondem a várzeas, sujeitas a inundações periódicas e as áreas de vales
entulhados por sedimentos provenientes da ação erosiva e transporte da rede de drenagem. Essas áreas
são preenchidas por depósitos aluvionares recentes compostos por areia nas áreas de vales e por areia e
argila nas áreas de várzeas.
Morfologia da bacia do Riacho Natuba-BA de acordo com o 3º nível taxonômico (Ross 1993; 2003).
Considerações Finais
Na compartimentação das unidades morfológicas (3º Táxon) ROSS (1992; 2003) foram identificados os modelados de Aplanamento (P) - Topos Aplanados e Topos Aplanados com Vertentes Inclinadas; os modelados de Denudação(D) - Relevo de Dissecação Fluvial; Morro Testemunho; Relevo Dissecado em Patamares Inclinados; Relevo de Dissecação com Colinas; Relevo Dissecado em Patamares Suavizados e por fim os modelados de Acumulação (A) - Áreas de Acumulação Fluvial (Várzeas). Geologicamente a área em estudo é representada por materiais de diferentes idades, sendo o mais antigo representado pelo sedimentos mesozóicos da Formação Marizal e os mais recentes expressos pelas Formações Superficiais Continentais representadas pelo sedimentos tércio-quaternário do Grupo Barreiras; coberturas detríticas arenosas coluviais e coberturas residuais e; depósitos aluviais. A análise e identificação das formas semelhantes do relevo através dos procedimentos metodológicos adotados permitiram observar que as feições morfológicas dessa área são resultantes provavelmente dos retoques sucessivos dos processos de erosão, agindo de modo diferencial, por meio da disposição da rede drenagem e das características litológicas em diferentes fases climáticas. Assim, esse trabalho tem sua importância no conhecimento de feições morfológicas do relevo de uma bacia de drenagem inserida no semiárido baiano a partir de uma escala de maior detalhe.
Agradecimentos
Referências
COMPANHIA DE PESQUISA E RECURSOS MINERAIS (CPRM). SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL. Projeto Bacia do Tucano Sul: Estado da Bahia. Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais – CPRM/Serviço Geológico do Brasil. Salvador, 2002.
COMPANHIA BAIANA DE PESQUISA MINERAL. Geologia da Bahia: Pesquisa e Atualização. Salvador, 2002.
EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA – EMBRAPA. Serviço Nacional de Levantamento e Conservação de Solos (Rio de Janeiro, RJ). Reunião Técnica de Levantamento de Solos. Rio de Janeiro, 83 p. 1979.
PROJETO RADAMBRASIL. Projeto Recursos Naturais. Folhas SC 24. Sergipe/Aracajú, 1983.
ROSS, Jurandyr Luciano Sanches. Geomorfologia: ambiente e planejamento. São Paulo: Contexto, 2003. ROSS, J. L. S. O registro cartográfico dos fatos geomórficos e a questão da taxonomia do relevo. Revista do Departamento de Geografia da USP. n. 6. São Paulo. 1992, p. 17-29.