Autores

Stolf, M.A. (UFPR) ; Hung, M.N.W.B. (UFPR) ; Schultz, G.B. (UFPR) ; Santos, I. (UFPR)

Resumo

O Brasil tem sua malha viária predominantemente composta por estradas não pavimentadas, além de possuir número expressivo de rios e reservatórios. Na escala da bacia hidrográfica, as estradas não pavimentadas podem representar a principal área fonte de sedimentos, devido à baixa infiltração, concentração de escoamento e elevada conectividade com a rede de drenagem, que podem acarretar em significativa perda de solo por erosão hídrica, e assoreamento de canais e reservatórios.Assim, este trabalho tem por objetivo simular a produção de sedimentos em estradas não pavimentadas e sua contribuição para a rede de drenagem da bacia hidrográfica do rio Piraquara-PR, com a aplicação do modelo GRAIP (Geomorphic Road Analysis and Inventory Package). A produção específica de sedimentos advinda das estradas não pavimentadas foi de 2,69 kg·m-²·ano-¹ e o transporte específico médio de sedimentos aos canais foi de 3,64 ton·km-²·ano-¹.

Palavras chaves

Estradas não pavimentadas; erosão hídrica; modelo GRAIP

Introdução

A erosão hídrica se constitui como o processo erosivo que mais contribui para a degradação do solo no Brasil, sendo ela resultado do impacto das gotas de chuva sobre a superfície e da desagregação promovida pelo escoamento superficial (LEPSCH, 2010). Sua principal consequência é a produção e transporte de sedimentos (BARROS, 2012). Segundo Ramos-Scharrón e MacDonald (2005), estradas não pavimentadas têm se revelado fontes de sedimento primárias, que vêm contribuindo para um aumento significativo na produção de sedimentos em áreas florestadas. As estradas não pavimentadas se destacam nesse processo devido à interferência promovida no movimento da água e sedimentos na bacia de drenagem, com aumento de escoamento superficial e geração de sedimentos e pela ampliação da conexão entre vertente e canal fluvial (THOMAZ et al., 2011). Para Reid e Dunne (1984), as estradas não pavimentadas merecem especial atenção devido à grande conectividade hidrológica que permite a transferência de sedimentos diretamente aos canais. Segundo esses autores, os sedimentos das estradas têm, em geral, granulometria inferior a 2 mm, considerada a de maior potencial nocivo a ambientes aquáticos e à qualidade da água. Esse cenário fica ainda mais crítico quando se considera o processo de deposição dos sedimentos, no qual parte desses pode atingir o fundo do vale, promovendo o assoreamento de cursos d’água e reservatórios (KERTZMAN et al., 1995). Nessa dinâmica hídrica ensejada entre as estradas não pavimentadas e os canais fluviais e reservatórios se destaca o Brasil, com aproximadamente 87% da malha viária constituída por estradas não pavimentadas (DNIT, 2009) e número expressivo de rios e reservatórios, utilizados para fins variados, dentre eles o abastecimento humano e a geração de energia. No Paraná, mais especificamente na região metropolitana de Curitiba, se destacam os reservatórios de Piraquara I e II, que integram os mananciais da Serra, importante fonte de abastecimento (ANDREOLI, 1999). Apesar disso, não existe para a região estudos sobre a produção de sedimentos nas estradas não pavimentadas existentes na bacia hidrográfica que drena para estes reservatórios, cujos impactos poderiam comprometer a qualidade da água e vida útil desses reservatórios. Nesse sentido, destaca-se a necessidade de se entender os processos relacionados à essa dinâmica, visto sua importância ambiental e socioeconômica. A despeito da necessidade de realização desses estudos, obstáculos inerentes ao processo de monitoramento dificultam sua efetivação. De acordo com Thomas (1985), a medição do transporte de sedimentos em canais enfrenta limitações, tais como o uso de amostras pontuais e restritas que refletem pequena parcela do processo, além do fato de se tratar de um procedimento complexo e oneroso. Em função dessa complexidade, a adoção de modelagens matemáticas e computacionais vem se mostrado uma alternativa para a estimativa dos processos de perda de solo em bacias hidrográficas e suas interações com os meios aquáticos (SILVA, 2015). Processos erosivos já foram estudados utilizando-se de inúmeros modelos matemáticos, como por exemplo o LISEM (MARTINS GOMES et al., 2008; STARKLOFF e STOLTE, 2014) e o SWAT (SANTOS et al., 2010; LESSA et al., 2013). Para a modelagem de processos erosivos em estradas não pavimentadas destaca-se o modelo GRAIP (Geomorphologic Road Analysis and Inventory Package), capaz de simular a erosão em estradas não pavimentadas e determinar sua interação com as vertentes e a rede de drenagem (CISSEL et al., 2012). Neste contexto, esse trabalho tem por objetivo simular com o modelo GRAIP a produção anual de sedimentos em estradas não pavimentadas e o transporte específico de sedimentos aos canais da bacia hidrográfica do rio Piraquara - PR.

Material e métodos

A área de estudo corresponde à porção da bacia hidrográfica do Rio Piraquara limitada pelos reservatórios de Piraquara I e II, no município de Piraquara- PR. Esse recorte tem área de drenagem de 85,3 km² e está localizado entre as coordenadas 25°27’ a 25°31’S e 48°57’ a 49°6’ W, no extremo leste da bacia do Alto Iguaçu. A geologia predominante corresponde ao Complexo gnáissico migmatítico, suíte Álcali-Granitos e sedimentos recentes, que revelam a transição entre o planalto de Curitiba e a Serra do Mar, a leste (MINEROPAR, 2006). O modelo GRAIP foi aplicado nesse estudo em função de sua capacidade de estimar o montante de sedimentos produzidos por estradas não pavimentadas, relacionando-o com sua contribuição para a rede de drenagem. O modelo requer como dados de entrada o MDT (Modelo Digital do Terreno) e o vetor das estradas, além de um conjunto de dados para calibração (BLACK et al., 2012; CISSEL et al., 2012; NELSON et al., 2014). O GRAIP é uma ferramenta acoplada ao ArchHydroTools, disponível para versão 10.5 do software ArcGis. As estradas não pavimentadas foram vetorizadas com base nas imagens do Google mais recentes para a área, por meio do software ArcGis. O MDT da área foi gerado utilizando-se pontos cotados, curvas de nível (equidistância de 10 m) e hidrografia (SUDERHSA, 2000), com resolução espacial de 10 m e escala 1:10.000. O método escolhido para a interpolação dos dados para geração do MDT foi o Topo to Raster, por ser hidrologicamente consistente (HUTCHINSON, 1989). Foi utilizada a saída por segmentos de estrada do modelo GRAIP, com dados de produção anual de sedimentos por trecho de estrada, previamente segmentada em rampas que se estendem do interflúvio ao ponto de drenagem mais próximo. A produção de sedimentos foi calculada pela equação (LUCE e BLACK, 1999; PRASAD, 2007; e CISSEL et al., 2012): E= B·L·S·V·R (1). Onde E é a produção de sedimentos (kg·ano-¹), B é o índice de erosão (kg·ano-¹·m-¹), L é o comprimento da estrada (m), S é a declividade da estrada (m·m-¹), V é o fator de cobertura por vegetação na estrada (adimensional) e R é o fator de superfície de estrada (adimensional). Para definição do índice de erosão médio foi adotado a metodologia proposta por Black (2016), que sugere o uso do modelo WEPP (Water Erosion Prediction Project), o qual utiliza como dados de entrada precipitação, textura de solo, tipo de estrada e declividade, para estimar a perda de solo por erosão hídrica. Com essa informação foi calculado o índice de erosão (B), pela equação (BLACK, 2016):B=Mt/(L·S·R·V)(2). Onde Mt é a massa total de perda de solo (kg). O R médio foi definido como 2, que corresponde ao valor indicado pelo manual do modelo para estradas com presença de cascalho e tráfego médio, e o V foi definido como 1, já que a presença de vegetação média sobre as estradas é praticamente nula. Outra saída do modelo utilizada nesse trabalho foi a descarga de sedimentos específica para o canal. Inicialmente, é calculado a acumulação de sedimentos de forma generalizada para cada sub-bacia. Posteriormente é simulado a transferência de sedimentos acumulado aos canais, baseado no acúmulo de fluxo ponderado, do qual são mantidas apenas as células correspondentes aos canais. Finalmente, normaliza-se o processo anterior pelo acúmulo de fluxo ponderado, obtendo-se a descarga de sedimentos específica para cada canal (GRAIP, 2015).

Resultado e discussão

As estradas não pavimentadas mapeadas totalizam 143 km de extensão, e concentram-se principalmente a oeste, na porção de menor declividade da bacia (Figura 1).A rede de estradas não pavimentadas foi segmentada em 2.212 trechos. Na bacia estudada, um trecho de estrada médio possui por volta de 60 m de comprimento e 4% de declividade. A produção anual de sedimentos nas estradas não pavimentadas da bacia foi de 1.148 toneladas, que resulta em uma produção específica de 2,69 kg·m-²·ano-¹, valor semelhante ao encontrado por Bilby et al. (1989), que após medições em Washington-EUA, chegaram a uma taxa de erosão em estradas não pavimentadas na faixa de 0,65 a 2,75 kg·m- ²·ano-¹ e Haydon et al. (1991), que mediram uma perda de solo em estradas entre 2,6 e 3,9 kg·m-²·ano-¹ ,em estudo realizado na Austrália.As maiores taxas de produção de sedimentos correspondem, principalmente, às porções próximas a zonas de maior elevação, como pode ser verificado a leste da bacia, no sopé da Serra do Mar, ou na porção sul e norte, nas proximidades dos interflúvios (Figura 2). De acordo com Kramer e Meyer (1969), nas porções mais elevadas de uma bacia hidrográfica têm-se maiores taxas de erosão e transporte de sedimentos, visto que essas áreas apresentam caracteristicamente maiores declividades, o que acaba por proporcionar maiores velocidades de escoamento. A Figura 3 sintetiza a distribuição da produção específica anual de sedimentos por segmentos de estrada, mostrando em ordem decrescente os 2.212 segmentos (0 a 100%). A variação da produção específica de sedimentos na bacia apresentou valores entre 0 e 20 kg·m- ²·ano-¹, sendo que 50% dos segmentos de estradas da bacia produziram mais de 2 kg·m-²·ano-¹, e apenas 10% dos segmentos produziram valores superiores a 6 kg·m-²·ano-¹. O transporte de sedimentos específico para os canais resultou em média de 3,64 ton·km-²·ano-¹, relativas a valores de transporte que se concentram predominantemente em faixas que variam de 0 a aproximadamente 27 ton·km-²·ano-¹,com exceção de um trecho isolado de canal com valores próximos de 91 ton·km-²·ano-¹. O valor preponderante encontrado para esta bacia é similar ao encontrado por Nelson et al. (2014), em faixas que variaram de 0,030 a 33 ton·km-²·ano-¹ para a regiões da bacia do rio Weiser Fork e Boulder Creek, em Idaho-EUA. Já os valores que chegam a 91 ton·km- ²·ano-¹ então agrupados em um pequeno trecho de canal de primeira ordem, e devem-se a presença de segmentos de estrada com elevada produção de sedimentos e boa conectividade com a rede de drenagem. Os resultados permitem ainda observar a conectividade entre as estradas e a rede de drenagem. Na Figura 2, esse processo pode ser observado no zoom localizado na porção superior da bacia, por exemplo, e através da Figura que 4, em imagem que ilustra o processo. De maneira geral, os canais que se localizam mais próximos de estradas com maior produção de sedimentos são também os que mais recebem sedimento. Por outro lado, a presença de sedimentos nos canais se torna menos significativa em decorrência de maiores distâncias dos canais em relação às estradas e em função de trechos de estrada com menores produções de sedimento. Luce et al. (2014) apontam que estudos de campo realizados durante o processo de análise dos resultados gerados pelo GRAIP indicaram uma redução significativa no transporte de sedimentos aos canais à medida que aumentava a distância das estradas aos canais. Nota-se também que os canais com maior aporte de sedimentos recebidos localizam-se primordialmente na parcela com relevo mais suave na bacia, correspondente à porção oeste. Essa distribuição está relacionada com a densidade de estradas existente em cada sub-bacia. A ocupação humana é reduzida na porção mais serrana da bacia, refletindo em uma menor densidade de estradas, que, por consequência, resulta em um menor aporte sedimentar.

Figura 1

Localização da área de estudo

Figura 2

Produção de sedimentos nas estradas não pavimentadas e Transporte de sedimentos específico por canal

Figura 3

Produção específica de sedimentos por segmentos de estrada

Figura 4

Exemplo de conectividade entre as estradas não pavimentadas e os canais de drenagem

Considerações Finais

O modelo GRAIP permitiu simular a produção de sedimento das estradas não pavimentadas e o transporte específico de sedimento aos canais, explicitando as relações espaciais deste processo. Com sua aplicação foi possível determinar as estradas com maior criticidade em termos de perda de solo e identificar os canais em situação mais crítica em termos de descarga de sedimentos. Essas informações podem subsidiar ações visando a mitigação desses processos e redução do impacto ambiental na área. Todavia, tratam-se de resultados preliminares, que exigem, portanto, outras etapas complementares, tais como a medição em campo dos parâmetros estimados e consequente validação dos resultados obtidos.

Agradecimentos

Referências

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