Autores

Reichel, H.R. (UFPR) ; Sampaio, T.V.M. (UFPR)

Resumo

A geração de Modelo Digital do Terreno (MDT) a partir de Modelo Digital de Superfície(MDS) pode ser lenta e pouco acurada. Neste cenário, as Aeronaves Remotamente Pilotadas (RPAs) se apresentam como uma inovação, que integradas à geoestatística podem aumentar a precisão e agilizar a obtenção de dados e informação, possibilitando a manutenção das características geomorfológicas. Objetivou-se averiguar a capacidade da geoestatística de preencher vazios amostrais na geração de um MDT proveniente de RPA. Foi realizado um plano de voo, imageamento com RPA, geração do ortomosaico, identificação e vetorização das áreas do terreno a serem removidas, criação de nuvem de pontos e feições de subconjunto, remoção das áreas não correspondentes ao terreno, interpolação via krigagem, validação do MDT por meio do cálculo do RMSE e comparação com o Padrão de Exatidão Cartográfica (PEC). Como resultado, obteve-se um MDT acurado, preciso, geomorfologicamente consistente e com RMSE de 0,13 metros.

Palavras chaves

Modelo Digital do Terreno; Acurácia; Geoestatística

Introdução

Apesar das diferenças conceituais presentes na literatura é possível definir os modelos digitais do terreno como representações matemáticas computacionais da distribuição de fenômenos espaciais que ocorrem dentro de uma região da superfície terrestre (DOYLE, 1978; FELGUEIRAS, 2001). Os MDTs se diferem dos Modelos Digitais de Superfície por representarem somente as feições do solo e suas formas, excluindo vegetação e outros alvos antrópicos (EL-SHEIMY, 2005). Zhillin (2008) aponta os diversos usos que podem ter os MDTs, o que inclui análise da superfície terrestre através de cálculos de declividade, aspecto, área, volume, parâmetros de rugosidade e de hidrologia. Esses cálculos possuem ampla aplicação em estudos geomorfológicos, incluindo processos erosivos (DIETRICH, 1993; MITASOVA, 1996; VALENTE et al., 2001;SIMÕES, 2013), mapeamento geomorfológico, conforme colocado por Silveira et al. (2012), caracterização geomorfológica (VALERIANO, 2003; FUMIYA, et al., 2016) e na predição dos movimentos de massa (SILVEIRA, 2014; VIEIRA, et al., 2016; BRITO et al., 2017). Weibel e Heller (1993) apontam que MDTs são gerados a partir de pontos cotados, fotogrametria, digitalização de bases cartográficas, radar, laser e sonar, enquanto Casas et al. (2006) expõem a possibilidade de extrair os dados do terreno a partir de levantamento topográfico, com técnicas de fotogrametria, ou sensoriamento remoto. Outro meio que vem ganhando destaque é o uso de aeronaves remotamente pilotadas (RPAs), popularmente conhecidas como DRONEs, que com baixo custo, permitem a extração de dados do terreno com alta resolução espacial, subsidiando o mapeamento de processos e formas em grande escala (LINHARES et al., 2013; FERREIRA et al., 2013; BUFFON et al., 2017). A bordo dos RPAs podem ser instalados diferentes tipos de sensores para obtenção de imagens que subsidiam a geração de MDTs. Dispositivos LIDAR e RADAR são sensores interferométricos que possibilitam a geração de MDTs com acurácia altimétrica (CRUZ et al., 2011;DE BARROS, 2013; WHITEHEAD et al., 2013; FLENER, 2013). Estes dispositivos ainda apresentam custo elevado e, as etapas de aquisição e processamento dos dados demandam o uso de RPAs mais robustos, softwares especializados, bem como maior conhecimento por parte dos produtores. Por outro lado, a obtenção de MDTs com o uso de sensores fotogramétricos e emprego das técnicas relativas a paralaxe demandam menores investimentos em equipamentos e podem ser gerados por usuários não especialistas, a partir do uso de softwares especializados na geração de MDTs. (WESTOBY, 2012; FONSTAD, 2013). Neste caso, o primeiro produto obtido é o MDS, no qual estão presentes a vegetação, edificações e demais elementos capturados pelas imagens. Este produto pode ser reprocessado, removendo-se os elementos que não correspondem ao terreno propriamente dito, até a obtenção do MDT. Esse processo pode ser lento, impreciso e requer validação, a fim de averiguar a qualidade do material. Ao inferir novos valores onde havia vegetação ou outros objetos é preciso ter certeza que a área gerada por interpolação realmente acompanha a morfologia local, como no caso de calhas fluviais e interflúvios, que facilitam a contextualização geomorfológica (FELGUEIRAS, 1999). Visando fornecer qualidade à informação cartográfica, a Geoestatística coloca-se como capaz de aumentar a precisão e agilizar a obtenção de dados e informação (CHEREM, 2008). A partir de métodos geoestatísticos é possível realizar a validação do MDT, via criação de subconjuntos dos pontos amostrais (treinamento e teste) e sua posterior comparação. Ademais, tem-se a alta expressividade das formas do relevo via krigagem (VALERIANO, 2002), corroborando para resultados de âmbito geomorfológico mais contundentes. Este trabalho tem por objetivo averiguar a capacidade da geoestatística (krigagem) de preencher vazios amostrais no processo de geração de um MDT de alta resolução espacial advindo de um MDS obtido com uso de RPA.

Material e métodos

A área de estudo está localizada no município de Ortigueira, na Mesorregião Centro Oriental paranaense, entre as coordenadas 50°46’29” a 50°46’02” W e 24°23’40” a 24°23’16”S. A área integra o segundo planalto paranaense (MELO; MENEGUZZO, 2001), com predomínio de relevo ondulado (IPARDES, 2004). O processo de geração do MDT seguiu a seguinte rotina: elaboração do plano de voo, imageamento com RPA, geração do ortomosaico, do MDS e dos pontos altimétricos, identificação e vetorização, sobre as imagens, das áreas do terreno que apresentavam feições a serem removidas para geração do MDT, criação de nuvem de pontos e feições de subconjunto, remoção das áreas não correspondentes ao terreno, interpolação via krigagem com uso dos pontos relativos ao terreno e, validação do MDT. Para o plano de voo foi utilizado o aplicativo pixel4D (Android), que conjuntamente da observação do relevo, permitiu ajustar o tamanho dos pixels (GSD–Ground Sample Distance) e averiguar as condições atmosféricas e a autonomia da aeronave. O levantamento das ortoimagens e modelo digital de superfície foi realizado com o RPA modelo Phantom 3 - Professional - DJI, do departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná no dia 19 de Outubro de 2016. Seguiu-se pelo processamento dos dados no software Agisoft PhotoScan (versão de teste 30 dias), que permitiu a junção das fotografias e elaboração do MDS. Em seguida, com o uso do software ArcGis versão 10.3, foram identificadas e vetorizadas, via fotointerpretação das ortoimagens e declividade (Slope), as áreas de terreno, de maneira a evitar as árvores. A partir do polígono gerado foi criada uma malha aleatória de 194.000 pontos, nos quais foram adicionadas as cotas do MDS. Os pontos, então, foram divididos em subconjuntos: treinamento e teste (KANEVSKI e MAIGNAN, 2004). 5% da amostra inicial foi utilizada na composição do subconjunto de treinamento, pois a informação pode se tornar ruído (principalmente ruído microtopográfico) e o tempo de processamento eleva-se, como constatado por Gonçalves (2003). O método de interpolação utilizado foi a krigagem, que segundo Valeriano (2002), dentre as técnicas geoestatísticas é o que melhor expressa as formas do relevo, com estimativas não tendenciosas e variância mínima (CAMARGO, 2001), possibilitando a interpolação de valores de variáveis não amostradas a partir dos vizinhos amostrados e sua ponderação a partir de uma análise espacial (VALERIANO, 2002). Em seguida foi selecionado o tipo de krigagem, que varia de acordo com o modo de estimar a distribuição condicional local (MEIRELLES, 2007). A krigagem ordinária foi escolhida por considerar que a média local é mais adequada para representar as variações observadas no terreno. Posteriormente, o modelo Gaussiano foi selecionado, possibilitando suavização do modelo em distâncias curtas (KANEVSKI e MAIGNAN, 2004). Com base no semivariograma experimental, a interdistância (lag size), o número de passos (number of lags) e o alcance (major range) foram então definidos como 1, 45 e 45, respectivamente. O método de filtragem adotado foi o de suavização da vizinhança (Smooth), com semi-eixos de 80 metros. A última fase do processo, a validação do modelo, iniciou-se pela criação de um subconjunto de 1843 pontos. O RMSE (root mean square error), medida da magnitude média dos erros estimados, foi calculado pela equação: RMSE=√(∑(ΔH)²/n). O ΔH corresponde à amplitude entre erro calculado e o esperado (metros), enquanto que n corresponde ao total de pontos no subconjunto de teste. Esse resultado foi comparado com o Padrão de Exatidão Cartográfica, extraído da Especificação Técnica dos Produtos de Conjuntos de Dados Geoespaciais (ET-PCDG, 1994), referencial legal que trata exatidão cartográfica no Brasil (SOPCHAKI et al., 2016), permitindo avaliar a acurácia do resultado. Finalmente, foram gerados MDTs para análise e comparação visual dos resultados.

Resultado e discussão

Inicialmente é apresentada a localização da área de estudo (Figura 1). O processamento das imagens permitiu a geração do MDS com resolução espacial de 13 cm. Ao definir os parâmetros da interpolação, foi observada a distribuição espacial dos erros, que segundo Kanevski e Maignan (2004) deve apresentar uma estrutura anisotrópica clara, ou seja, sem excesso de suavização ou crenulação. A distribuição espacial da variância é exposta na Figura 2 com o histograma dos resíduos da validação. A distribuição espacial da variância apresentou-se bem distribuída em torno de seu centro, com leve crenulação, porém isso pode ser explicado devido à alta resolução espacial com a qual foi trabalhada. Em seguida, dispõe-se o histograma que indica a variância do resíduo, qualificando a acurácia e precisão do modelo gerado. Segundo Kanevski e Maignan (2004), o histograma de variância baixa e com valores concentrados em torno do zero corresponde a um modelo acurado e preciso, o que pode ser observado no histograma (Figura 2). Após esta etapa, o MDT gerado por krigagem foi comparado ao MDS e aos MDTs gerados no Agisoft e via TIN (Triangulated Irregular Network) (Figura 3), principalmente no que confere à sua fidelidade ao representar o relevo, acompanhando calhas fluviais e divisores de água (FELGUEIRAS, 1999). O MDT gerado pelo Agisoft, que se baseia primordialmente na exclusão de feições que não correspondem ao terreno, mostra-se ruidoso, com quase nenhuma suavização do relevo, além do que, nas áreas nas quais havia vegetação, criou-se uma textura demasiadamente diferenciada, ocorrendo a exclusão de algumas feições geomorfológicas, como pequenos topos. Via TIN, o maior problema encontrado refere-se à ausência generalizada de suavização das formas do relevo, o que se soma à presença dos triângulos que não condizem como relevo, problema previamente apresentado por Mazzini e Schettini (2009). Por fim, o MDT gerado via métodos geoestatísticos permitiu maior suavização do relevo, mantendo suas formas originais, apenas com algum ruído onde o intervalo com ausência de dados era muito extenso. Outra característica observada, não só no MDS gerado por geoestatística, foi a criação de formas que correspondem à um represamento do canal de drenagem. O modelo que melhor representou o canal de drenagem, contudo foi o obtido por interpolação geoestatística. O represamento observado foi de nível centimétrico, o que pode ser facilmente corrigido por métodos de filtragem e aplicação de ferramentas de SIG (Sistemas de Informação Geográfica) destinadas a criação de modelos hidrologicamente consistidos. Em seguida, para melhor compreender a correspondência dos MDTs e do MDS ao relevo, foram criados perfis transversais em um trecho que atravessa uma parcela da área com presença de vegetação, onde há também um talvegue. A figura 4 demonstra os quatro perfis transversais. O MDS se apresenta como o modelo com menor representatividade do canal, evidenciando a necessidade de geração de um MDT, sem o qual as formas do relevo são perdidas. O MDT gerado via Agisoft não apresenta um canal propriamente dito, sendo que ele não é condizente à feição natural. O TIN permitiu ao menos a geração de um canal, contudo muito comprimido e retilíneo, sem correspondência à realidade observada. O MDT desenvolvido via krigagem, além de demarcar um canal mais próximo do esperado, foi o único que não suprimiu um pequeno morrote próximo do curso d’água. Em termos de caracterização geomorfológica, de maneira geral, a krigagem foi o método mais fidedigno. No que se refere a qualidade altimétrica do MDT gerado por geoestatística, o RMSE obtido, considerando um Δh de 32,8306 e um n de 1843, foi de 0,13 metros, o que corresponde, em termos de qualidade interna, à escala 1:1.000. O valor de RMSE é menor do que o mínimo colocado pela ET-PCDG, de 0,17 metros. Um resultado semelhante foi obtido por Hugenholtz et al. (2013), com RMSE de 0,18 metros, utilizando o dobro da resolução espacial inicial, sendo que foi utilizado triangulação a partir de um MDS de ortoimagens de um Hawkeye RQ-84Z Areohawk. Udin e Ahmad (2014) atingiram RMSE entre 0,178 metros e 0,324 metros, a depender da altitude de voo, via triangulação aérea a partir de um MDS gerado com um RPA Y6. O MDT resultante do uso de técnica geoestatística se mostrou acurado e preciso para o preenchimento de vazios topográficos, com representação mais fidedigna das feições geomorfológicas na área em questão, principalmente quando comparado aos outros métodos apresentados. Conforme Alves e Vecchia (2011), a krigagem não é um método simples de interpolação e, exige grande esforço em termos de processamento. Contudo, como neste trabalho foram empregadas etapas de treinamento e validação, utilizando um número reduzido de pontos correspondentes à altimetria, obteve-se uma redução do ruído apontado por Gonçalves (2003) e, um ganho na velocidade do processamento, facilitando a aplicação de vários testes em menor tempo. Recomenda-se que o método seja aplicado em ambientes de características geomorfológicas diferentes e com diferentes n amostrais, acarretando em uma validação mais ampla, permitindo uma avaliação mais aprofundada de sua acuracidade e representatividade.

Figura 1

Localização da área de estudo

Figura 2

Distribuição espacial da variância e histograma dos resíduos da validação

Figura 3

Modelos digitais de superfície e terreno

Figura 4

Perfis Transversais

Considerações Finais

O levantamento em campo com RPA permitiu a geração de um MDS com resolução espacial de 0,13 metros, qualidade altimétrica interna compatível com a escala 1:1000 e geração de um MDT geomorfologicamente consistente e acurado de acordo com os padrões da ET-PCDG. O modelo gráfico da distribuição espacial da variância apresentou-se com valores bem distribuídos em torno de seu centro, com leve crenulação, justificável pela alta resolução espacial. O MDT desenvolvido via krigagem, em comparação com outros métodos para extração de MDT, foi o que melhor demarcou o canal fluvial sob a vegetação e ainda foi o único que não omitiu um morrote próximo do curso d’água. O RMSE obtido foi de 0,13 metros. A geração de MDT com emprego de técnicas geoestatísticas possibilitou a representação de feições e características geomorfológicas de áreas cobertas por vegetação (ausência de dados) de maneira mais fidedigna, sem omissão de feições e de maneira correlata ao ambiente natural. O método apresentado utilizou RPA de baixo custo e exige conhecimento de geoestatística para calibração, ajuste e validação dos MDTs produzidos.

Agradecimentos

Referências

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