Autores
César de Olivara Tavares, K. (UFPE) ; Rodrigues de Lira, D. (UFS) ; de Luiz Rosito Listo, F. (UFPE)
Resumo
No semiárido brasileiro, os solos apresentam porosidade dos mantos de alteração ricos em microagregados que favorecem a infiltração. À medida que o fluxo subsuperficial se processa lateralmente ocorrem circustâncias favoráveis a exacerbação dos fluxos erosivos lineares. Considerando que a erosão possui diferentes fatores condicionantes e que o semiárido nordestino apresenta diversos cenários, este trabalho tem como objetivo comparar, preliminarmente, o papel dos parâmetros topográficos e pluviométricos em dois municípios do sertão pernambucano na deflagração erosiva. Foram elaborados os mapeamentos topográficos a partir de um Modelo Digital do Terreno e os dados pluviométricos, com base em climogramas das áreas. A erosão no semiárido nordestino é marcada pela torrencialidade de precipitação, associada a solos expostos e frágeis. A incidência de chuvas intensas e mal distribuídas sobre solos que favoreçam o escoamento superficial acabam funcionando como gatilhos às inscisões erosivas.
Palavras chaves
Processos erosivos; Condicionantes topográficos e pluviométricos; Sertão pernambucano.
Introdução
Os processos erosivos são resultantes da dinâmica de um determinado sistema, ou seja, da dinâmica de uma dada paisagem, entendida como a síntese dos diversos componentes que a produzem (DOLLFUS, 1973). Conforme Guerra e Mendonça (2011), a erosão dos solos pode ser natural, devido aos fatores de suscetibilidade, tais como declividade, comprimento e forma das encostas (parâmetros topográficos); propriedades químicas e físicas dos solos; tipo de cobertura vegetal; precipitação, entre outros. A erosão natural, normalmente, possui condições de se recuperar com a própria dinâmica do meio físico, diferentemente da erosão antrópica, reconhecida por acelerar a remoção dos horizontes superficiais do solo em curto prazo. Dessa forma, a erosão laminar ou em lençois e a erosão linear, na forma de sulcos, ravinas e voçorocas (seu estágio mais avançado) podem ser potencializadas pela ação antrópica em um determinado recorte de paisagem (BIGARELLA, 2003). No semiárido brasileiro, os solos, em geral, apresentam porosidade dos mantos de alteração ricos em microagregados que, inicialmente, favorecem a infiltração (CORRÊA, 2014). Entretanto, à medida que o fluxo subsuperficial se processa lateralmente, seja por encontrar a frente de intemperismo subjacente, ou devido variações texturais e de permeabilidade entre os horizontes, ocorrem circustâncias favoráveis a exacerbação dos fluxos erosivos lineares, que resultam em densas ravinas e voçorocas. Nesse contexto, percebe-se um número signifiticativo de estudos brasileiros sobre os processos erosivos em diferentes escalas espaciais e temporais, sobretudo para as áreas tropicais/úmidas, sendo, portanto, mais escassos àqueles que buscam analisar os fatores condicionantes dos processos erosivos em regiões semiáridas. Considerando que a erosão possui diferentes fatores condicionantes e de que o semiárido nordestino, da mesma maneira, apresenta diversos cenários climáticos e topográficos, este trabalho tem como objetivo comparar, de modo preliminar, o papel dos parâmetros topográficos (hipsometria, declividade, curvatura e orientação das encostas) e pluviométricos (totais de precipitação e seu comportamento) em dois diferentes municípios do sertão pernambucano na deflagração de processos erosivos. Assim, os municípios selecionados para este trabalho foram as cidades de Triunfo e de Belém do São Francisco. O município de Belém do São Francisco, com ponto central nas coordenadas 08º 45' 14" S e 38º 57' 57" O, localiza-se no sertão pernambucano encravado na depressão do São Francisco com uma altitude média de 300 metros acima do nível do mar, sob regime do clima semiárido severo, abaixo dos 400 mm de precipitação. Está inserido, geomorfologicamente, em uma superfície pedimentar com intrusões do Neoproterozóico (inselbergs), cujo contexto pedológico é caracterizado por solos pouco desenvolvidos e ricos em argilas expansivas (neossolos flúvicos, litólicos; planossolos e luvissolos). Inserido dentro do contexto semiárido, porém em uma outra situação de precipitação por estar em uma altitude média de 1000 metros situado à borda ocidental do Planalto da Borborema, o município de Triunfo com ponto central sob as coordenadas 07º 50' 17" S e 38º 06' 06" O, configura uma área de exceção climática dentro do semiárido, reconhecida como brejos de altitude com precipitação acima dos 1000 mm, formando espessos mantos de intemperismos e solos profundos nos topos e em algumas partes de suas encostas, além de depósitos de colúvios (CORRÊA et al, 2010).
Material e métodos
Os processos erosivos são resultantes da dinâmica de um determinado sistema, ou seja, da dinâmica de uma dada paisagem, entendida como a síntese dos diversos componentes que a produzem (DOLLFUS, 1973). A erosão pode ser investigada por meio dos parâmetros morfológicos, tais como declividade, hipsometria, curvatura e orientação, que influenciam nas características do solo e, principalmente, na velocidade dos agentes erosivos (energia cinética da chuva, vento, entre outros); além dos parâmetros pluviométricos. Dessa forma, para a análise preliminar da dinâmica erosiva dos municípios selecionados para este trabalho, foi realizada a comparação entre os condicionantes topográficos e os concionantes pluviométricos da erosão em uma escala municipal. Os condicionantes topográficos (declividade, hipsometria, orientação e formas da encosta) foram gerados a partir da elaboração de um MDT (Modelo Digital do Terreno) tendo como base de dados o radar SRTM (Shuttle Radar Topography Mission) com resolução de 30 m, disponibilizado pelaNational Aeronautics and Space Administration - NASA de forma gratuita. Assim, a partir das extensões Raster Surface e Hydrology (ferramentas 3D Analyst e Spatial Analyst do software ArcGIS – licença pessoal) foram gerados os referidos mapeamentos. As classes de declividade foram classificadas e distribuídas de acordo com a proposta da EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (1979). O mapa de orientação das encostas (aspecto) foi classificado de acordo com as direções da rosa-dos-ventos (N, NE, E, SE, S, SW, W, NW) para as quais as encostas estão voltadas. O mapeamento de formas da encosta foi elaborado de acordo com os intervalos propostos por Valeriano (2003) para a curvatura padrão, isto é, a união da curvatura em planta e em perfil. Por fim, o mapa hipsométrico foi classificado de acordo com as altitudes, máximas e mínimas, das áreas selecionadas. Já para a análise pluviométrica, foram comparados os climogramas de cada município, a partir de dados secundários disponíveis na literatura, visando a diferenciação dos totais de chuva para cada município e sua influência na erosão.
Resultado e discussão
Conforme já mencionado, os municípios de Triunfo e de Belém do São
Francisco, apesar de se localizarem no sertão pernambucano, apresentam
diferenciações geomorfológicas e climatológicas, sendo que em ambos é comum
a ocorrência de processos erosivos de grandes dimensões (Figura 1 e Figura
2). Do ponto de vista climatológico, o município de Triunfo apresenta um
clima de excessão, uma vez que se localiza em um brejo de altitude, cuja
temperatura média anual é em torno de 25,9º C. Na maioria dos meses do ano,
o município apresenta uma taxa pluviométrica significativa, variando em uma
média anual pluviométrica superior aos 1000 mm, podendo atingir 2250 mm
(Figura 2).
Entretanto, a área está submetida ao mesmo ritmo climático das depressões
semiáridas que a circundam, marcada pela alternância de anos secos por
períodos de pluviosidade intensa e temporalmente concentrada, o que acaba
favorecendo o processo erosivo devido as altas taxas de precipitação em
curto período de tempo (CORRÊA et al, 2010). Já Belém do São Francisco, onde
as temperaturas podem chegar até 40º C (semiárido severo), apresenta uma
baixa pluviosidade anual, com média de 507 mm anuais (Figura 2), indicando
que, provavelmente, para este município, os processos erosivos são também
deflagrafos pela torrencialidade de precipitação, sendo as chuvas intensas e
mal distribuídas tanto temporalmente (chuvas concentradas em poucos dias)
como espacialmente (chuvas concentradas em pequenas áreas).
Para melhor compreender as especificações de cada município do ponto de
vista morfológico, foram confeccionados os mapas dos principais
condicionantes topográficos, conforme a Figura 3 e a Figura 4. Destes, a
declividade é uma das variáveis morfométricas mais utilizadas em estudos do
meio físico, dada sua estreita associação com os processos de transporte
gravitacional como erosão, movimentos de massa, entre outros. Esta possui,
portanto, uma estreita relação com o equilíbrio entre o escoamento
superficial e a infiltração da água no solo. Quanto ao mapeamento de
curvatura, de caráter côncavo/convexo e retilíneo do terreno, estas possuem
uma influência significativa na dispersão ou na concentração de água nas
encostas, sendo as côncavas aquelas de maior suscetibilidade (concentração
de água). A orientação das encostas é uma varíável, normalmente, expressa em
azimute, ou seja, em relação ao norte geográfico, no qual o valor atribuído
é 0° a 360°. Assim, a medida do ângulo da orientação é feita partindo-se do
norte geográfico, cujos valores dos graus aumentam para a direita (no
sentido horário).
Considerando a hipsometria de ambos os municípios, Belém do São Francisco
apresentou, praticamente em toda a sua área municipal, um relevo suave, em
torno dos 400 m de altitude (Figura 3). Como exceção, somente as áreas a
norte apresentam maciços residuais, que resistem aos processos erosivos
(erosão diferencial) atingindo cotas de aproximadamente 700 m de altitude.
Ainda para este município, com relação à declividade, existe um relevo
praticamente aplainado, bastante erodido, onde mais de 80% de seu território
político-administrativo atinge taxas de declive entre 0% e 8% (Figura 3).
Por ser uma área de baixa declividade e mais suave, o escoamento superficial
ocorre com menor intensidade, prevalecendo, dessa forma, os processos de
erosão laminar. Com relação à curvatura, apresenta predomínio de formas
retilíneas e côncavas, muito suscetíveis devido à concentração de fluxos
d’água e encostas orientadas predominantemente nas direções leste, sudoeste
e sul.
Já o município de Triunfo possui altitudes que atingem mais de 1000 m ao
norte, decaindo para valores em torno de 500 m (Figura 4). O mapeamento de
declividade relevou grandes escarpas, que associados a solos mais
desenvolvidos e espessos nos topos e nas encostas acabam erodindo-se em
diferentes estágios (sulcos até voçorocas), principalmente nos períodos de
maior pluviometria (Figura 4). Com relação à curvatura, predominam as formas
côncavas nas áreas das escarpas e as formas convexas nos topos. Quanto à
orientação das encostas, há uma maior incidência nas direções sul, sudoeste
e oeste, confirmando a maior suscetibilidade dos processos erosivos do
município de Triunfo, sobretudo nas encostas orientadas para os quadrantes
sul, que retêm mais umidade.
Mapa de Localização dos Municípios de Belém do São Francisco e de Triunfo. Cujo perfil topográfico mostra a diferença morfológica.Fonte/fotos:Autores
Climogramas dos Municípios de Triunfo (à esquerda) e de Belém de São Francisco (à direita). Fonte: CLIMATE-DATA (2017).
Mapas de Hipsometria, Declividade, Curvatura e Orientação da encosta do Município de Belém do São Francisco – PE
Mapas de Hipsometria, Declividade, Curvatura e Orientação da encosta do Município de Triunfo – PE.
Considerações Finais
A análise preliminar dos mapeamentos topográficos a partir de técnicas de geoprocessamento revelou-se de grande eficiência em uma primeira avaliação, considerando sua influência na deflagração dos processos erosivos para os municípios avaliados. Nesse sentido, existem, topograficamente, muitas diferenças morfológicas em relação aos municípios e os condicionantes erosivos, mas em ambos há condições favoráveis para a ocorrência dos processos, considerando a direção dos fluxos, o transporte do material, o gradiente e as formas das encostas, entre outros. É importante destacar que foram avaliadas situações morfológicas distintas do semiárido nordestino (superfície pedimentar e brejos de altitude), mas que em ambas existe a ocorrência da erosão. Climatologicamente, é importante frisar, novamente, que os processos erosivos nos ambientes semiáridos do nordeste brasileiro são marcados pela torrencialidade de precipitação, associados a solos expostos e naturalmente, mais frágeis. Assim, a incidência de chuvas intensas e mal distribuídas sobre solos que favorecam o escoamento superficial (ex. ricos em argilas expansivas) acabam funcionando como gatilhos às inscisões erosivas na paisagem. Trabalhos futuros serão desenvolvidos nestas áreas, inclusive em escalas maiores, sobretudo na tentativa de esclarecer também os condicionantes antrópicos da erosão, considerando que existem práticas agrícolas de explorações instensas do solo, bem como pecuárias extensivas.
Agradecimentos
Referências
BERTONI, J.; LOMBARDI NETO, F. Conservação do solo. São Paulo: Ícone, 1990.
BIGARELLA, J. J. Estrutura e Origem das Paisagens Tropicais e Subtropicais. Florianópolis: Editora da UFSC, p. 1026, 2003.
CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. São Paulo: Edgard Blucher, 1980.
CORRÊA, A. C. B., TAVARES, B. A. C., MONTEIRO, K. A., CAVALCANTI, L. C. S., LIRA, D. R. Megageomorfologia e Morfoestruturas do Planalto da Borborema. Revista do Instituto Geológico, n 31. São Paulo. p. 35-52. 2010.
CORRÊA, A.C.B.; SOUZA, J.O.P e CAVALCANTI, L.C.S. Solos do ambiente semiárido brasileiro: erosão e degradação apartir de uma perspectiva geomorfológica. In. GUERRA, A.J.T e JORGE, R.C.O. (orgs.). Degradação dos solos no Brasil: Bertrand Brasil. p. 320, 2014.
CUNHA, C. M. L. Quantificação e mapeamento das perdas de solo por erosão com base na malha fundiária. Rio Claro: Instituto de Geociências e Ciências Exatas, UNESP, 1997.
DOLLFUS, O. O espaço geográfico. São Paulo: DIFEL, 1973.
EMBRAPA. Serviço Nacional de Levantamento e Conservação de Solos (Rio de Janeiro, RJ). Súmula da 10. Reunião Técnica de Levantamento de Solos. Rio de Janeiro, 1979. 83p.
FULLEM, M.A. e CATT, J.A. Soil Management – problems and solutions. Oxford: Oxford University Press. 2004.
GUERRA, A. J. T. e MEDONÇA, J. K. S. Erosão dos Solos e a Questão Ambiental. In: Reflexões Sobre a Geografia Física no Brasil. Carlos Antônio VITTE, A. J. T. GUERRA (orgs.). -5ª ed. Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil, p. 225-251, 2011.
LAL, R. Erodibility and erosivity. In: LAL, R. et al. Soil erosion research methods. Washington: Soil and Water Conservation Society, p. 141-160. 1988.
OLIVEIRA, A. M. S.; QUEIROZ NETO, J. P. (1993) Erosão acelerada no Planalto Ocidental Paulista: desequilíbrio, descontinuidade e epiciclo. In: V SIMPÓSIO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA FÍSICA APLICADA, Anais... São Paulo, p. 461- 463
STRAHLER, A.N. e STRAHLER, A.H. Environmental Geoscience. Santa Bárbara: Hamilton. 1993
VALERIANO, M. M. . Topodata: Guia para utilização de dados geomorfológicos locais. São José dos Campos, SP: INPE: Coordenação de Ensino, Documentação e Programas Especiaise (INPE-15318-RPE/818). 72p., 2008.
VALERIANO, M. M. 2003. Curvatura vertical de vertentes em microbacias pela análise de modelos digitais de elevacao. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v.7, n.3, p.539-546.