Autores
Petsch, C. (UFRGS) ; Costa, R.M. (UFRGS) ; Rosa, K.K. (UFRGS) ; Vieira, R. (UFF) ; Simoes, J.C. (UFRGS)
Resumo
Este trabalho mapeou a geomorfologia da área à frente da geleira Collins, estimando a área de retração até 2027. Uma imagem Quickbird e fotografias de campo foram utilizadas para compor o mapa geomorfológico atual, análises de granulometria e morfoscopia de sedimentos caracterizaram as feições deposicionais, as quais indicam um uma moraina de empurrão formada durante a Pequena Idade do Gelo. As morainas de recessão, formadas por despejo, são constituídas de material arredondado e pouco anguloso, indicando retrabalhamento por água de degelo. Essas feições constituem importante indicativos de mudança ambiental, já que no futuro a retração se iniciará por essa área. Até 2027, a área, provavelmente, apresentará novas morainas de recessão e formação de novos lagos proglaciais.
Palavras chaves
mapeamento geomorfológico; geleiras; proglacial
Introdução
Vários estudos evidenciam a retração de geleiras, especificamente na Ilha Rei George, relacionada ao aumento da temperatura do ar na região da Península Antártica (BREMER, 1998; PARK et al. 1998; SIMÕES et al. 1999; BRAUN e GOSSMANN, 2002; ROSA, et al. 2011; RÜCKAMP et al. 2011) para períodos entre 1950 e 2015. De acordo com Rückcamp et al (2012), devido ao seu pequeno tamanho e localização geográfica em condições climáticas marítimas, a cobertura de gelo das ilhas Shetlands do Sul, onde se localiza a área de estudo, são consideradas principalmente temperadas (todo o gelo em/ou perto do ponto de fusão sob pressão) e o degelo pode estar presente dentro do corpo do sistema glacial (CUFFEY e PATERSON, 2014). Como consequência da retração das geleiras, várias feições têm sido investigadas em ambientes glaciais como o aumento de depósitos de detritos em cristas morâinicas, que são considerados um dos primeiros efeitos das mudanças ambientais (BALLANTYNE, 2002). O ambiente proglacial, formado pela recente retração glacial, possui uma dinâmica complexa em geleiras temperadas com intenso fluxo de água de degelo. Entre os distintos processos glaciais, resultam sedimentos glaciofluviais, glaciolacustres e glaciomarinhos e depósitos morâinicos, flutings e eskers (BENN e EVANS, 2010). As características sedimentológicas e geomorfológicas glaciais também podem ser usadas para interpretar os processos subglaciais, inferir as condições termo-basais, a dinâmica de avanço e recuo da geleira e, assim, reconstruir a evolução do ambiente de deglaciação (BENNETT e GLASSER, 1996; GLASSER e HAMBREY, 2006). A dinâmica dos canais de drenagem glaciais e todo sistema hidrológico são extremamente sensíveis às mudanças de temperatura do ar, que irão juntamente com outros parâmetros controlar suas formas de relevo e a distribuição destas. Mudanças na temperatura de superfície do ar causarão mudanças nos lagos, principalmente devido à retração de geleiras, além de produzir um aumento direto na temperatura da água, gerando aquecimento das rochas e solos da bacia glacial, e por consequência aumentando o derretimento (QUESADA et al. 2006). Como resultado, esse processo pode ocasionar o aumento em área e em quantidade de lagos glaciais (WANG et al. 2011). O objetivo dessa pesquisa é realizar um mapeamento geomorfológico proglacial de um setor da frente da geleira Collins localizada na Península Fildes, Ilha Rei George, Antártica, e estimar a área de retração para daqui 10 anos (2027).
Material e métodos
2.1 Mapeamento proglacial atual 2.1.1 Análise granulométrica Levando em conta os dados obtidos com as observações de campo, foi estabelecido um setor para mapeamento com presença de vários montículos de morainas de recessão. Foram coletadas 5 amostras utilizando uma pá, na quantidade de 100g e colocadas em sacos plásticos com o código de cada amostra. A separação dos sedimentos finos e grossos ocorreu através de peneiras entre 4 e 0,063 mm (escala Wentworth e Stokes) para que haja a separação de acordo com classes texturais. Em seguida realizou-se a pesagem por classe. 2.1.2 Análise morfoscópica A análise foi realizada em 50 grãos das três classes granulométricas de maior intervalo. A análise do grau de arredondamento foi realizada usando a tabela de comparação de Krumbein (1941) e o grau de esfericidade medido através da tabela de Rittenhouse (1943). Foi examinada também a presença de estrias, sulcos, pontas e fraturas. O índice RA (% dos clastos ângulosos) e o índice C (% de clastos cujo eixo c/a é < 0.4) foram calculados para as 5 amostras. A partir da identificação das formas realizada a partir da granulometria e morfoscopia dos sedimentos, fotografias de campo e análise a partir da imagem QuickBird de fevereiro de 2008 foi elaborado o mapa geomorfológico atual. 2.2 Modelo futuro O modelo de retração da geleira para o futuro será realizado a partir da metodologia proposta por Rückcamp et al. (2011). As medidas de DGPS para determinar a topografia da superfície do gelo da geleira Collins foram levantadas ao longo de 11 anos de trabalhos de campo e reunidos por Rückcamp et al. (2011). Para detectar mudanças na elevação da superfície, Rückcamp et al. (2011) realizou uma análise cruzada dos pontos de verificação (CPA). O autor chegou a uma equação relacionando a altura elipsoidal com a perda ou ganho da superfície do gelo atual (valores negativos e positivos, respectivamente) (Eq. 2): ΔZ = -1.66 + 0.0054 x Z m a Eq. 1 Onde z é a altura elipsoidal. Depois de obtida a perda de altura da superfície de gelo de cada cota altimétrica por ano, foi aplicada a equação abaixo (Eq. 3): S (x, y, t) = S (x, y, t – Δt) + ΔZ Eq. 2 Onde S (x, y, t) é a elevação da superfície de gelo no tempo t, Δt é o tempo em anos para cálculo da estimativa de superfície e Δz a perda de altura da superfície resultante da Eq. 2. O produto final é a elevação da superfície de gelo da geleira Collins para os próximos 10 anos e a área livre de gelo.
Resultado e discussão
3.1 Caracterização da Área
Nos últimos 30 anos identificou-se na Ilha Rei George um aumento do número
de dias por ano com precipitação líquida e de dias em que a temperatura
média é maior do que 0°C, o que influencia diretamente no aumento do
derretimento de neve e gelo das geleiras da ilha (BRAUN et al. 2001;
FERRANDO et al. 2009). A retração das geleiras acarreta o surgimento e
expansão das áreas livres de gelo, que segundo Bockheim e Hall (2002),
representam menos de 1% de todo continente Antártico. Desta proporção, 14%
estão na PA e suas ilhas. A geleira Collins (Figura 1) localiza-se
aproximadamente na latitude 62°12’ S e longitude 58°57’ W, com 15 km² de
área e altitude máxima de 270 m (SIMÕES et al. 2015), localizado ao sudoeste
da Ilha Rei George.
De uma forma geral, Bremer (2008) afirma que as áreas livres de gelo das
ilhas Shetland do Sul são compostas por terrenos jovens e drenados por
canais intermitentes e a morfodinâmica está associada a processos físicos e
químicos devido ao derretimento da neve e do gelo. Os processos
geomorfológicos que ocorrem atualmente na Península Fildes são nivação,
solifluxão, ablação e erosão e crioturbação (SIMAS et al. 2008). De acordo
com Michel et al. (2014), os solos da Península Fildes são bem desenvolvidos
para padrões antárticos, sendo os criossolos dominantes, relacionados a
crioturbação e processos da camada ativa.
FIGURA 1
3.2 Morainas de recessão
É possivel observar uma sequência de pequenos depósitos de cristas
irregulares (Figura 02) com altura média entre 1-2 m e extensão de até 4 m.
A análise granulométrica da amostra 1 (Quadro 1) indica que predomina a
fração areia (50%) e cascalho (48%), pobremente selecionada e distribuição
bimodal. Os grãos maiores que 4mm são predominantemente sub arredondados e
de esfericidade média, com índice RA em 30%. Há poucas estrias e a textura
predominante é sacaróide fosco. O baixo índice C (6) indica
transporte ativo, com presença de água líquida na modificação do grão
durante o seu transporte.
Já na moraina 2 predomina cascalho (57%) e areia (41%),
principalmente cascalho fino e areia grossa, caracterizando-se como
pobremente selecionada. Predominam grãos sacaróides foscos, índice RA de
20%, esfericidade predominante baixa, índice C de 20. Os
sedimentos dessa moraina apresentam algumas estrias somente na classe
textural acima de 4mm e com maior arredondamento e esfericidade.
Benn e Evans (2010) ressaltam que estes montículos podem apresentar-
se em pequenas e irregulares cristas, nem sempre bem preservadas devido ao
degelo sazonal. O material na margem da geleira pode ser remobilizado
durante a retração e resultar em seu despejo no terreno adjacente durante a
recessão da geleira. O predomínio de grãos grosseiros e a pouca quantidade
de finos e o selecionamento indica que os sedimentos da amostra foram
modificados por processos erosivos em ambiente englacial e supraglacial ou
ocorreu transporte curto (alguns metros) para a modificação dos grãos. Esses
cordões de menor extensão lateral e descontínuos representam deposições da
recente fase de recessão da geleira.
QUADRO 1
3.3 Morainas de avanço
A moraina 3 (Figura 2) é composta predominantemente de cascalho
(65,5%) e areia (34%), destacando-se por possuir maior quantidade de fração
cascalho que as morainas relacionadas a fases mais recentes, ou seja
material mais imaturo e pouco tempo de transporte. Apresenta, para os grãos
maiores que 4mm, predominância de esfericidade baixa e arredondamento
subangular. No geral, o arredondamento predominante é angular, esfericidade
baixa (74%), índice RA 64%, índice C de 23 e textura superficial
sacaróide fosco, sem estrias.
A moraina 4 apresenta predominância de cascalho (55%) e areia (44%)
e o material é pobremente selecionado, com picos nas frações em areia grossa
e cascalho fino. Possui predominância de arredondamento subangular (exceto
para os grãos maiores que 4 mm onde predomina subarredondados), esfericidade
baixa a média, índice RA de 38%, índice C de 22, textura
superficial sacaróide e fosca e poucas estrias. As características
sedimentares indicam relativo transporte subglacial e englacial e posterior
deposição durante o período de estagnação do avanço.
A moraina 5 está mais próxima a uma região de embasamento rochoso
mais resistente e elevado, com predominância textural de cascalho (72%) e
areia (27%). Possui 8% do material com esfericidade entre média e boa e
arredondamento de sub arredondado e arredondado (material acima de 4).
Outros 10% do material possui esfericidade baixa e arredondamento sub
angular, facetados e alongados. Em geral, o arredondamento é angular,
esfericidade média, índice RA de 58%, índice C de 25 e textura
sacaróide fosco, sem estrias.
As morainas mostram morfologia típicas de formação por empurrão,
pois formam pequenas cristas que geralmente não atingem 10 m de altura e
podem estar relacionadas por pequenos (muitas vezes anuais) avanços de
geleira. Elas podem ser produzidas em qualquer margem de corpo de gelo em
meios subaquosos ou terrestres. Morainas de empurrão variam amplamente na
sua composição deposicionais e podem consistir em till subglacial, depósitos
de movimentos de massa, sedimentos selecionados pela água dependendo da
natureza do sedimento no substrato da geleira. Quando as margens da geleira
estão cobertas por detritos, morainas de empurrão podem consistir
principalmente de material supraglacial e então empurrado na margem da
geleira no inverno (BENN e EVANS, 2010).
As morainas de empurrão na área de estudo indicam período de geleira ativa,
registro da frente da geleira durante avanço na Pequena Idade Gelo (HALL, et
al. 2007), alta capacidade e competência de transporte de material variável
(transporte subglacial, englacial e supraglacial). Estas feições já estão
inseridas na área proglacial da geleira e encontram-se trabalhadas por
intemperismo físico e químico.
FIGURA 2
O modelamento da frente da geleira (Figura 03) para daqui 10 anos (2027)
mostra retração na frente da geleira justamente na porção onde estão
localizadas as morainas de recessão. A presença destas feições indicam uma
geleira pouco espessa (0-30 m) que não possui mais capacidade de transportar
alta quantidade de material, apresentando retrabalhamento dos grãos por água
de degelo e transporte supraglacial. Estas morainas constituem um indicativo
significativo de mudanças ambientais. A estimativa de retração mostra a
exposição de uma área livre de gelo com possível formação de novos lagos que
poderão ser represados pela moraina de avanço, e diminuindo assim o fluxo de
água para a atual zona proglacial. Esta estimativa de retração se baseia no
mesmo comportamento de temperatura do período de 1997-2007, sem considerar
um aumento deste dado.
FIGURA 3
Figura 01: A - Península Antártica; B-Ilha Rei George; C-Península Fildes com quadro em vermelho destacando a área proglacial mapeada.
Quadro síntese apresentando as características morfoscópicas e granulométricas, processo de formação e relevância ambiental das feições mapeadas.
Estimativa da frente da geleira e espessura para o ano de 2027.
1 - montículos de morainas de recessão; 2 - morainas de recessão; 3 - perfil das morainas de recessão a esquerda, e de avanço à direita;
Considerações Finais
A crista morâinica de avanço possui índices de RA variando entre 38% e 64% e C40 variando entre 22 e 25 indicando material anguloso e pouco arredondado, sem estria e formado por processo de empurrão com material retrabalhado em ambiente subglacial, supraglacial e englacial. Está na área proglacial distal e provavelmente indica o avanço da geleira durante a Pequena Idade do Gelo. As morainas de recessão são formadas por despejo, com vários montículos na zona proglacial de contato com a geleira. O RA entre 1 e 30% e C40 variando entre 6 e 20 com material geralmente arredondado, e trabalhado pelo transporte subglacial e englacial, além do indicativo da presença de estrias. A partir das morainas de recessão é impossível inferir que se trata de um ambiente com pouca espessura e capacidade de transporte de material. As morainas de recessão são importantes indicativos de mudança ambiental e consequências do aumento de temperatura do ar para a área de estudo. Esta zona mapeada coincide com a primeira área a retrair, de acordo com a estimativa para daqui 10 anos. Importante frisar que a metodologia de estimativa futura de retração da geleira foi coerente com o observado em campo e as feições mapeadas. O cenário para 2027 provavelmente mostrará uma crista morâinica de avanço atuando como barreira para a água de degelo, formando novos lagos. Assim, é provável que o atual sistema proglacial tenha seu sistema lacustre afetado pela diminuição do fluxo de água de degelo.
Agradecimentos
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS)
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