Autores
Bortolini, W. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ) ; Oliveira, J.G. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ) ; Gomes, S.M.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ) ; Oliveira, F.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ)
Resumo
Existem diversas propostas ao redor do mundo de legendas para mapas geomorfológicos. Dentre elas, a proposta de legenda polonesa faz uso de cores e tons para representação conjunta da gênese e da idade das formas de relevo. Este trabalho objetiva aplicar esta proposta para o mapeamento geomorfológico da Ilha de São Francisco, Santa Catarina, avaliar a aplicação da legenda para a área de estudo e em seguida propor adaptações, que adequem o mapa de acordo com as características da área mapeada. Os resultados obtidos de campanha de campo foram integrados à base geológica, base topográfica e imagens de satélite da área de estudo. Com isso, mapeou-se dez formas de relevo na área de estudo. Foram identificadas algumas limitações na aplicação da proposta, estando estas relacionadas à representação conjunta das gêneses marinha e lagunar, às cores para a representação da hidrografia, e à ausência de representação de formas de relevo especificas nas atribuições da legenda.
Palavras chaves
Cartografia geomorfológica; Legenda geomorfológica polonesa ; Ilha de São Francisco
Introdução
A cartografia geomorfológica é um importante instrumento na representação do relevo da superfície terrestre, constituindo-se como um dos principais métodos para o estudo e pesquisa em geomorfologia (Santos et al., 2006), sendo também utilizado no planejamento ambiental (ROSS, 1990). Segundo Coltrinari (1984) e Ross (1992), uma carta geomorfológica deve conter informações o mais precisas quanto possível sobre quatro aspectos: morfometria, que caracteriza-se como os dados que traduzem as dimensões das formas (comprimento, altitude, profundidade) e das formações superficiais (espessura, granulometria) que recobrem ou a partir das quais foram elaboradas; morfografia, que é referente à forma real de cada feição geomorfológica (convexidade das vertentes, tipos de fundo de vales, tipos de topos), sobretudo em suas relações mútuas e não enquanto elementos individuais, e que a partir das quais geram padrões morfológicos; morfogênese, que é referente ao como se sucedeu o processo que deu origem as características atuais da paisagem; e a morfocronologia, que é referente à idade relativa das formas. Souza et al., (2003) afirmam que a cartografia geomorfológica deve ser apoiada em critérios de representação gráfica bem definidos, otimizando a leitura e facilitando a interpretação por parte do leitor. Entretanto, a elaboração da legenda cartográfica releva-se como uma das principais problemáticas na cartografia geomorfológica (MULLER E SARTORI, 1999 apud SILVA, 2010). Segundo Ross (1992), "a cartografia geomorfológica ressente-se da dificuldade de encontrar adequado modelo de representação gráfica, existindo uma diversidade de propostas metodológicas, que valorizam sempre um determinado elemento do relevo". Deste modo, uma enorme quantidade de propostas de legendas geomorfológicas foram elaboradas e aplicadas no Brasil e no mundo. Neste contexto, este trabalho objetiva aplicar a proposta de legenda geomorfológica polonesa (KLIMASZEWISKI, 1982) para o mapeamento da Ilha de São Francisco, litoral norte de Santa Catarina. Em seguida, se propôs adaptações na proposta da legenda geomorfológica, adequando-a às características da área mapeada. Caracterização da área de estudo A Ilha de São Francisco se situa na parte nordeste do estado de Santa Catarina e está associada à conformação da baía da Babitonga. É pertencente ao município de São Francisco do Sul, possuindo uma área de aproximadamente 270 km2 (BOGO, 2013). Possamai et al. (2010) identificaram a existência de dois grandes sistemas geológicos na Ilha de São Francisco: Sistema Cristalino e Sistema Deposicional Costeiro. O primeiro é composto pelo embasamento cristalino indiferenciado juntamente com o material intemperizado associado, sendo arcabouço geológico da ilha formado por rochas do Complexo Paranaguá (granitóides portifíricos, em geral deformados, de granulação média a grossa, por vezes migmatíticos com autólitos dioríticos e quartzo-dioríticos), do Proterozóico inferior. Já o segundo é composto por depósitos marinhos, lagunares, eólicos e paludiais, em geral associado aos eventos transgressivos e regressivos do Pleistoceno Superior e do Holoceno. A ilha é cercada ao norte, oeste e sul pela baía da Babitonga. O eixo norte da baía que se caracteriza por receber as maiores contribuições hidrológicas, sendo um exportador de sedimentos para o interior da baía. Por sua vez o eixo sul apresenta como principal característica a alteração da circulação hidrológica ocorrida devido ao fechamento do canal em 1935 para a construção da rodovia de acesso a ilha, o que vem promovendo intenso assoreamento no interior do canal e em sua desembocadura. Devido às suas características de regime de maré, a baia é classificada como hipersíncrono (onde os efeitos de contrição do canal são dominantes em relação aos efeitos friccionais de fundo), possuindo tendência a exportar sedimentos, ocasionando instabilidade nas áreas adjacentes (BOGO, 2013).
Material e métodos
O trabalho foi realizado em quatro etapas: 1) levantamento da base de dados; 2) Campanha de campo; 3) Construção do mapa geomorfológico baseado na proposta de legenda polonesa; 4) Análise crítica do método utilizado e construção do mapa geomorfológico absorvendo os apontamentos observados. Inicialmente, foram levantados os seguintes dados sobre a área para a construção do mapa geomorfológico: geologia, com dados obtidos a partir do mapeamento de Possamai et al. (2010); curvas de nível com equidistância de 10 metros; pontos cotados; limite da Ilha de São Francisco; hidrografia; mosaico ortoretificado de resolução 1 metro, do ano de 2005, todos disponibilizados pela Prefeitura Municipal de São Francisco do Sul; e imagem orbital, fusão de imagens dos satélites IRS e Landsat 5, de agosto de 2004; Como segunda etapa, foi realizada campanha de campo. O conhecimento in loco das características geomorfológicas da área de estudo possibilitou a identificação das formas de relevo presentes no recorte, servindo como subsídio a construção do mapa. A terceira etapa foi a construção do mapa geomorfológico baseado na proposta polonesa de mapeamento geomorfológico (KLIMASZEWSKI, 1982). Nesta proposta, as formas de relevo de uma determinada gênese e idade são marcadas em um fundo fisométrico segundo o significado de cores e símbolos. As cores informam sobre fatores (glacial, fluvial, eólico, gravitacional, etc.) que em determinado tempo (eras geológicas) modelaram certa área por meio de atividade destrutiva ou construtiva (processos). Nesta proposta de legenda, as cores informam sobre a atividade destrucional ou construtivo de vários fatos em diferentes períodos geológicos, e os símbolos sobre os resultados desta atividade. A cor informa simultaneamente sobre a gênese e idade de formas particulares, sendo esta uma característica marcante do mapeamento geomorfológico polonês. Para a representação da gênese, utiliza-se 13 cores em seus numerosos tons. Desta maneira, uma forma de relevo é representada por cor, que informa sobre sua gênese, e pela saturação da cor, que informa sobre sua idade. Tons escuros indicam formas mais jovens, e tons claros indicam formas mais velhas. Os símbolos a serem aplicados na representação das formas de relevo segundo a proposta polonesa estão contidos no artigo Geomorphic Maps (ST ONGE'S, 1968), publicado na Encyclopedia of Geomorphology, editada por Fairbridge (1968). As formas de relevo acumulativas são representadas por símbolos pontuais e as formas de relevo denudativas serão representadas por símbolos lineares. Os dados morfométricos são introduzidos no fundo do mapa como linhas e grades cinzas de varias densidades, que denotarão diferentes classes de gradiente de declividades, bem como vários símbolos que complementarão os símbolos coloridos. A partir das observações em campo, identificou-se as feições e formas geomorfológicas possíveis de serem mapeadas segundo o método aplicado. A compartimentação das áreas segundo a gênese e a cronologia das formas de relevo foi baseada no mapeamento geológico da ilha realizado por Possamai et al. (2010). O mapeamento das feições pontuais e lineares (cordões litorâneos, por exemplo) foi realizado pela interpretação visual do mosaico ortorretificado e da imagem orbital.
Resultado e discussão
O mapa referente à aplicação da proposta polonesa de mapeamento
geomorfológico é apresentando na Figura 1. A legenda geomorfológica
referente a esta proposta é apresentada na Figura 2. Na Ilha de São
Francisco, foram mapeados 10 formas de relevo distintas, descritas abaixo:
Dunas: localizadas na porção leste, ocupam área de 8,9 km2 (3,3%) da
ilha (Figura 3D). Caracterizam-se como formas de relevo construtivas de
gênese eólica, geradas no período do Holoceno. Possuem altitude variando
entre 0 e 30 metros, com média de 7 metros, e declividade média de 4o.
Depósitos marinhos e lagunares holocênicos: localizados nas porções
sul, leste e norte, ocupam área de 72,73 km2 (27,3%) da ilha (Figura 3F).
Caracterizam-se como formas de relevo contrucionais de gênese marinha e
lagunar, ligadas respectivamente a atividade do Oceano Atlântico e das
lagoas do Capiravu, Acaraí e Poço da Balsa no período do Holoceno. Possuem
altitude variando entre 0 e 62 metros, com média de 3 metros, e declividade
média de 0,5o. Depósitos marinhos e lagunares pleistocênicos:
localizados nas porções sul, oeste e centro, ocupam uma área 124,68 km2
(46,8%) da ilha (Figua 3C). Caracterizam-se como formas de relevo
construtivas de gênese marinha e lagunar, ligadas a atividades que ocorreram
no Pleistoceno, período em que o nível do Oceano Atlântico era mais alto em
comparação com o momento atual. Possuem altitudes variando de 0 a 53 metros,
com média de 7 metros, e declividade média de 1o. Cordões litorâneos:
localizados na porção central da ilha, próximos do contato entre os
depósitos marinho e lagunares holocênicos com os depósitos marinhos e
lagunares pleistocênicos. Forma de relevo construtivo de origem marinha,
teve origem no Pleistoceno a partir do recuo do Oceano Atlântico,
caracterizando-se anteriormente como cristas de praia. Rios associados
aos depósitos holocênicos: localizados principalmente nas porções norte
e leste, e em menor frequência nas porções sul e oeste. Suas calhas se
caracterizam como formas de relevo destrucionais e gênese fluvial, geradas
no período do Holoceno. Rios associados aos depósitos pleistocênicos:
localizados principalmente nas porções centro e sul (Figura 3B). Suas calhas
se caracterizam como formas de relevo destrucionais e gênese fluvial,
geradas no Pleistoceno, período em que o nível do Oceano Atlântico era mais
alto que se comparado ao momento atual. Próximo ao contato entre os
depósitos pleistocênicos e holocênicos, na área onde há a presença de
cordões litorâneos, estes rios ganham forma retilínea (Figura 3E). Rios
associados ao Pré-cambriano: localizados principalmente nas porções
centro e oeste. Suas calhas se caracterizam como formas de relevo
destrucionais e gênese fluvial, geradas no período pré-cambriano.
Manguezais associados a planícies de maré: localizados principalmente
na costa voltada para a baía da Babitonga e no entorno das lagoas do
interior da ilha, ocupando área de 21,7 km2 (8,1%) da área de estudo (Figura
3A). Caracteriza-se como forma de relevo construtivo, de gênese marinha, com
origem no Holoceno. Possui altitude variando de 0 a 36 metros, com média de
1 metro, e declividade média de 0,8o. Área urbana: localizadas nas
proximidades das costas norte e leste da ilha, ocupam área de 11,6 km2
(4,3%) da área de estudo. Caracteriza-se como forma de relevo construtivo de
gênese antropogênica, com origem no Holoceno. Possuem altitudes variando de
0 a 56 metros, com média de 4 metros, e declividade média de 2,4o. Formas
geradas sobre embasamento cristalino: localizadas nas porções oeste e
norte, ocupam área de 27 km2 (10,1%) da ilha (Figura 3G). Caracteriza-se
como formas de relevo construtivo de gênese endogênica, modelados sobre
embasamento cristalino, e com origem no Pré-Cambriano. Possuem altitudes
variando de 0 a 360 metros, com média de 60 metros, e declividade média de
16o. Com base na legenda proposta por Klimaszewski (1982, 1983), buscou se
procurar falhas, e propor mudanças que vislumbrassem adaptar a legenda para
a realidade da área de estudo, bem como adequada também a escala proposta no
presente trabalho. De início, uma lacuna percebida no mapa é a única
unidade destinada a ambientes de origem lacustre e marinha. Essa unidade, na
presente proposta, foi dividida, assim transformando as duas anteriores
unidades ‘’Marinho e Lagunar Holoceno’’ e ‘’Marinho e Lagunar Pleistoceno’’
em novas 4 unidades, sendo elas ‘’Marinho Holoceno’’, ‘’Marinho
Pleistoceno’’, ‘’Lagunar Holoceno’’ e ‘’Lagunar Pleistoceno’’. Com relação
às informações morfométricas, entendeu-se que seria mais pertinente utilizar
apenas uma informação no mapa. Klimaszewski (1982) indica como parte do mapa
informações morfométricas em forma de grides de declividade e também na
forma das curvas de nível, mas constatou se que na escala que este trabalho
é realizado utilizar de ambas as informações apenas poluiria visualmente o
mapa e atrapalharia seu leitor na identificação das informações ali
contidas. Por fim, das feições da ilha de São Francisco que não eram
contempladas na proposta de Klimaszewski (1982, 1983) decidiu se representar
os sambaquis, levando em consideração sua marcante presença na área. Logo, a
legenda proposta ficou organizada conforme representado na figura 4.
Mapa final da aplicação da legenda polonesa e mapa final da aplicação da adaptação da adaptação da legenda polonesa.
Legenda geomorfológica da proposta polonesa.
Fotografias de campo.
Legenda geomorfológica adaptada da proposta polonesa.
Considerações Finais
A proposta de legenda geomorfológica polonesa apresentou para a área de estudo em questão algumas limitações. São exemplos dessas: a representação conjunta das gêneses marinha e lagunar, situação em que se tratando de um ambiente onde majoritariamente as formas de relevo possuem estas gêneses, leva a limitações graves no mapeamento da área; as cores utilizadas na representação dos rios e suas calhas, que não induzem institivamente ao leitor relacioná-las ao que pretendem representar; e a ausência de possibilidade de representação de formas de relevo importantes presentes na área, como os sambaquis. A proposta de legenda geomorfológica, adaptando a proposta polonesa para a área de estudo, conseguiu de forma satisfatória sanar estas limitações identificadas. Apesar das limitações citadas acima, a proposta de legenda geomorfológica polonesa demonstrou pontos positivos extremamente relevantes, como a possibilidade de representação da morfogênese e da morfocronologia utilizando apenas cores e saturação, deixando as outras formas de representação cartográfica (como hachuras ou símbolos) para a representação das demais informações, como a morfografia e morfologia. Esta característica permite então uma maior clareza na leitura e interpretação dos mapas geomorfológicos.
Agradecimentos
A Universidade Federal do Paraná e ao Departamento de Geografia.
Referências
BOGO, M. Arquitetura deposicional da barreira Holocênica na região meridonal da Ilha de São Francisco do Sul, SC. 2013. 123 f. Dissertação (Mestrado em Geologia) – Departamento Geologia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. 2013.
COLTRINARI, L. Cartas geomorfológicas. Orientação, São Paulo, Universidade de São Paulo, Instituto de Geografia, n. 5, out. de 1984.
KLIMASZEWSKI, M. Detailed geomorphological maps. ITC Journal, 1982-3.
ROSS, J. S. Registro cartográfico dos fatos geomorfológicos e a questão da taxonomia do relevo. Rev. Geografia. São Paulo, IG-USP, 1992.
SANTOS, L. J. C. et al. Mapeamento Geomorfológico do Estado do Paraná. Revista Brasileira de Geomorfologia. Ano 7, n. 2. p. 03-11. 2006
SILVA, J. M. F. Caracterização e mapeamento das unidades geomorfológicas da bacia do rio Pequeno, Antonina – PR. 2010. 93 f. Dissertação (Mestrado em Geografia). Departamento de Geografia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. 2010.
SOUZA, L. H. F. , et al. Aplicação e desenvolvimento de simbologia gráfica empregada em mapeamento geomorfológico: um estudo de caso da abordagem cartográfica comparativa de metodologias geomorfológicas. II Simpósio Regional de Geografia. Uberlândia, 2003.
ST ONGE'S., M. Geomorphic maps. In: FAIRBRIDGE, R. (Org.). Encyclpedia of Geomorphology. New York: Editora Reinhold, 1968. p. 388 - 403.