Autores
Oliveira, C.S. (UNESP) ; Marques Neto, R. (UFJF)
Resumo
O mapeamento das formas de revelo de uma determinada área requer a utilização de variadas metodologias e levantamentos de campo e gabinete. Cada uma dessas metodologias mede características relacionadas ao revelo e suas configurações na paisagem. O presente trabalho teve como objetivo mapear unidades de relevo do setor norte da Mantiqueira Meridional mineira utilizando informações de campo e gabinete. O resultado final do mapeamento subsidiou interpretações mais detalhadas das formas e processos operantes na Serra da Mantiqueira.
Palavras chaves
cartografia geomorfológica; cristas quartzíticas; unidades de relevo
Introdução
O mapeamento e interpretação das formas de relevo constituem um dos ramos mais importantes do escopo metodológico da geomorfologia, e espacialização de unidades de relevo é uma das etapas da cartografia geomorfológica. O mapa geomorfológico permite representar e armazenar informações da distribuição, composição, estrutura e morfologia das formas de relevo da Terra. É um mapa temático que tem como base o mapa topográfico onde podem ser representadas a gênese das formas e suas relações com a estrutura e processos, bem como com a própria dinâmica dos processos envolvidos na modelagem das formas (CASSETI, 2005). Cunha et al. (2003, pag. 2) destacam que a cartografia geomorfológica representa um tipo de “mapeamento cuja complexidade é inerente ao próprio objeto de representação. O relevo apresenta uma diversidade de formas e de gênese, as quais são geradas por complicados mecanismos que atuam no presente e que atuaram no passado”. Essa abordagem defendida pelos autores implica considerar a gênese, a idade e os processos morfogenéticos atuantes na identificação e classificação, já que são numerosos e diferentes os fatores que determinaram a forma atual da superfície terra (ROSS, 1990; CASSETI, 2005). Uma questão fundamental no mapeamento geomorfológico é imposta pela escala de tratamento e representação dos dados. A quantidade de detalhes ilustrada em um mapa geomorfológico depende em grande parte da escala utilizada na representação dos dados. Em uma escala mais generalizada observa-se a maior “influência dos processos endógenos (tectônicos e petrogenéticos), que por sua vez se referem a tempos geológicos mais antigos; e em uma escala maior a influência dos processos exógenos (interação físico-química do substrato rochoso com os agentes climáticos)” (KOHLER, 2002, p. 22). O mapeamento geomorfológico desenvolveu-se significativamente desde o advento do Programa Landsat da NASA em 1972 e SPOT (Satellite pour l'Observation de La Terre) em 1986 (EMBRAPA, 2017). A resolução do pixel das imagens produzidas melhorou gradualmente de 50 m para 25 m e posteriormente para 5 m e 1 m. Hoje, existem sistemas de imagem de satélite avançados, como o ASTER dos EUA (Advanced Spaceborne Thermal Emission and Reflection Radiometer), IKONOS e WORLDVIEW ou o IRS (Indian Remote Sensing) da Índia - que são capazes de produzir imagens com informações geológicas e geomorfológicas em uma escala de mapeamento detalhada (EMBRAPA, 2017). Com o desenvolvimento das tecnologias, os mapas geomorfológicos tornaram-se mais precisos. A combinação de imagens de satélite, fotografias aéreas, e equipamentos (altímetros, bússolas e GPS), aliados aos avanços dos Sistemas de Informação Geográfica (SIG) possibilitaram a produção de mapas de boa qualidade e ótima precisão (IBGE, 2009). No entanto, dados brutos e excesso de informações disponíveis sozinhas são inúteis sem processamento e interpretação metódica de um profissional habilitado. Portanto, para que o mapeamento geomorfológico seja realizado de forma eficiente, é essencial um planejamento adequado aos objetivos do trabalho; e que uma vez em campo, o pesquisador seja o mais detalhado possível em todas as descrições; e que as medições sejam realizadas meticulosamente e, se necessário, mais de uma vez para confirmação dos resultados. Partindo dessas considerações, o presente trabalho, derivado da dissertação de mestrado de Oliveira (2016), teve como objetivo mapear unidades de relevo do setor norte da Mantiqueira Meridional, compartimentalizados a partir de seus tipos genéticos.
Material e métodos
Numa primeira fase do trabalho efetuou-se um levantamento da cartografia geológica e geomorfológica a fim de caracterizar o quadro geotectônico e morfológico regional no qual está inserida a Serra da Mantiqueira. Para tanto, adotou-se como base o mapeamento efetuado pelo projeto RADAMBRASIL (GATTO et al. 1983). Além disso, recorreu-se ao estudo de imagens de satélite da Landsat 5; imagens RapidEye e informação altimétrica da Missão Espacial da Shuttle Radar Topography Mission, como apoio na identificação dos lineamentos estruturais e captação de evidências morfotectônicas. Para o tratamento dos dados desenvolveu-se um projeto cartográfico baseado num Sistema de Informação Geográfica (SIG). Na cartografia dos elementos do relevo da área utilizou-se como critério a amplitude local das formas e a declividade das encostas, conforme preconizados pela metodologia de Ponçano et al. (1981) para o mapeamento dos sistemas do estado de São Paulo. Além desses critérios, foram estimadas as formas dos topos, perfil das vertentes, padrão de drenagem, e litotipos existentes. As diferentes propriedades da textura e estrutura do relevo, definidas por Soares e Fiori (2014), foram examinadas de forma combinada através da fotointerpretação das imagens RapidEye 2012 e cartas topográficas. Por meio dessa perspectiva metodológica, os elementos fundamentais na interpretação do relevo são as rupturas de declive. As pequenas rupturas de declive definem os elementos texturais do relevo, caracterizados pelas menores variações bruscas, identificáveis na foto da superfície do terreno. A disposição regular, definida no espaço, das rupturas de declive, constitui estrutura do relevo considerada como quebras negativas ou quebras positivas ou, ainda, lineações e alinhamentos de relevo. Na preparação final do trabalho e legenda do mapa de unidades de relevo do setor norte da Mantiqueira Meridional priorizou-se a utilização das terminologias e simbologias definidas por Marques Neto et al. (2015) no mapeamento geomorfológico do município de Lima Duarte (MG). Essa forma de representação foi adotada, pois o mapa elaborado pelos autores foi parcialmente compilado (porção do município de Lima Duarte abrangido pelo recorte espacial da área de estudo). A partir do setor compilado efetuou-se o mapeamento do restante da área.
Resultado e discussão
A Serra da Mantiqueira tem como traço geomorfológico principal a
constituição de uma série de elevações (Figura 1), caracterizada pela
presença de relevo movimentado, com ocorrência de frentes escarpadas de
declividades consideráveis que interceptam modelados mamelonizados
padronizados em morros, morrotes e pequenas colinas.
Tais morfologias pertencem ao domínio de nome homólogo, faixa de dobramentos
remobilizados por efeito dos processos tectônicos que afetaram a Plataforma
Brasileira por ocasião da separação com a Placa Africana, no limiar do
Cretáceo-Paleoceno.
As cristas quartzíticas são uma das formas estruturais mais relevantes que
evidenciam a importância da resistência à erosão dos maciços rochosos. A
elevada resistência das bancadas quartzíticas destaca-se pela formação de
relevos que marcam a paisagem, com elevações alinhadas e alongadas que
assumem a morfologia de cristas (Figura 2). Nessas áreas os alinhamentos
topográficos descontínuos apresentam orientação geral NE/SW.
Na porção meridional da Serra da Mantiqueira as rochas quartzíticas que
configuram relevos em controle estrutural correspondem às rochas do
Proterozóico Médio desenvolvidas durante a Orogenia Neoproterozóica
Brasiliano-Pan Africana a qual resultou na amalgamação do Paleocontinente
Gondwana Ocidental (HEILBRON et al.2004). Nessa área, afloram importantes
conjuntos de quartzitos do estado de Minas Gerais. Um dos mais importantes
constitui a Serra do Ibitipoca, com elevações que vão até 1784 metros de
altitude.
O outro é evidenciado na bacia hidrográfica do Ribeirão do Pari, afluente
pela margem direita do Rio do Peixe, que tem seus divisores nos patamares de
cimeira da Serra da Mantiqueira localizada no município de Olaria. As cotas
altimétricas mais elevadas da bacia situam-se na sua nascente, a 1580 metros
de altitude no pico denominado Alto da Capoeira Grande, na tríplice divisa
entre os municípios de Olaria, Lima Duarte e Bom Jardim de Minas.
Outro conjunto quartzítico que se sobressai na paisagem é constituído pela
Serra Negra (orientação média O/L). Traço característico dessa Serra é a
assimetria dos flancos norte e sul que compõem as escarpas de anticlinais
dominantemente rochosas, resultantes de dobramentos tectônicos. As escarpas
de anticlinais das Serra do Ibitipoca, Serra Negra, Serra de Lima Duarte e
Serra do Pilão apresentam declividades em geral entre 20 e 45%, podendo
chegar, em muitos locais, acima de 45% (Figura 3), em áreas com vertentes
geralmente extensas, em escarpa de falha com afloramento de rocha.
Na área compreendida entre a face norte da Serra Negra e a face sul da Serra
de Lima Duarte, desenvolve-se o vale do rio Santa Bárbara do Monte Verde
associado às planícies de inundação descontínuas e morfologias alveolares
(figura 4). Entre as escarpas, desenvolveram-se relevos menos elevados e com
declives mais suaves, formando morrotes de topos convexizados, morros e
colinas associados à presença de rochas cristalinas.
Nessas áreas onde há predomínio dos quartzitos a rede de drenagem apresenta
um traçado e perfil longitudinal intimamente relacionado com as estruturas
planares (falhas, fraturas e dobras) (CORREA NETO et al, 1993). Ao
interceptar essas litologias quartzíticas há ocorrências de cascatas e
cachoeiras.
A drenagem mostra-se com forte controle estrutural em alguns trechos, com
traçados retilíneos e bruscas mudanças de curso. Em outros, dominam
morfologias produtos de dissecação mais homogênea, avultando uma
padronização que tende ao dendrítico.
A rede de drenagem é, em sua quase totalidade, integrante da bacia
hidrográfica do rio Paraíba do Sul. O principal curso d’água é o Rio do
Peixe, que cruza a porção central da área de estudo, correndo, no sentido
geral, de oeste para leste. O Rio do Peixe possui como afluentes principais
pela margem esquerda, os rios Grão-Mogol formado pelo rio Vermelho e o
córrego Santo Antônio, do Salto (que nasce na Serra do Ibitipoca) e Rosa
Gomes; pela margem direita recebe o ribeirão Pirapitinga e o Rio Monte
Verde.
Do ponto de vista espacial, a interação entre a rede de drenagem e as formas
de relevo favoreceu o desenvolvimento de áreas geomorfologicamente
distintas, bem marcadas na paisagem, não só através da segmentação das
bacias em alto, médio e baixo curso, mas principalmente, através da análise
da dimensão histórica e geológica da atuação dos processos modeladores das
paisagens, visualizada através dos mapas geológicos e geomorfológicos destas
áreas. Portanto, a caracterização e espacialização geográfica das formas de
relevo são fundamentais para compreensão dos sistemas de relevos e paisagens
em escalas locais e regionais.
Mapa hipsométrico das cristas quartzíticas da Serra da Mantiqueira na Microrregião de Juiz de Fora- MG.
Mapa de relevo sombreado das cristas quartzíticas da Serra da Mantiqueira na Microrregião de Juiz de Fora- MG
Mapa de declividade das cristas quartzíticas da Serra da Mantiqueira na Microrregião de Juiz de Fora- MG.
Mapa de Unidades de Relevo das cristas quartzíticas da Serra da Mantiqueira na Microrregião de Juiz de Fora- MG.
Considerações Finais
O mapeamento de unidades de relevo nas áreas montanhosas do Brasil sudeste, onde há predomínio do clima tropical úmido, fornece informações que corroboram para compreensão dos processos atuais e pretéritos que atuam e atuaram na modelagem das complexas paisagens da Serra da Mantiqueira. Em outras palavras, o mapeamento das formas de relevo é uma das primeiras etapas de interpretação que possibilitam o entendimento da atuação dos processos geomorfológicos e como esses podem retrabalhar a paisagem continuamente. Portanto, o mapa de unidades de relevo é uma ferramenta indispensável tanto para as etapas seguintes de produção do mapa geomorfológico, como para servir de instrumento de comunicação entre gestores, instâncias responsáveis pelo planejamento territorial, bem como nos estudos integrados da paisagem.
Agradecimentos
Referências
CASSETI, V. Geomorfologia. Disponível em: <http://www.funape.org.br/geomorfologia/>. Acesso em: 02 out. 2017.
CORREA NETO, A.V.; ANISIO, L.C.C; BRANDÃO, C.P. Um endocarste quartzítico na Serra do Ibitipoca, sudeste de Minas Gerais. In: VII Simpósio de Geologia de Minas Gerais. Vol. n.12: 83-6, 1993.
CUNHA, C. M. L., MENDES, I. A., SANCHEZ, M. C. A Cartografia do Relevo: Uma Análise Comparativa de Técnicas para a Gestão Ambiental. Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 4, nº 1, p. 01-09, 2003.
EMBRAPA. Satélite IKONOS. 2017. Disponível em: https://www.cnpm.embrapa.br/projetos/sat/conteudo/missao_ikonos.html. Acesso em: 06 nov.2017.
EMBRAPA. Satélite Landsat. https://www.cnpm.embrapa.br/projetos/sat/conteudo/missao_landsat.html. Acesso em: 06 nov.2017.
HEILBRON M., PEDROSA-SOARES A.C., CAMPOS NETO M., SILVA L.C., TROUW R.A.J., JANASI V.C. 2004a. A Província Mantiqueira. In: V. Mantesso-Neto, A. Bartorelli, C.D.R. Carneiro, B.B. Brito Neves (eds.) O Desvendar de um Continente: A Moderna Geologia da América do Sul e o Legado da Obra de Fernando Flávio Marques de Almeida. São Paulo, Ed. Beca, cap. XIII, p. 203-234.
IBGE. Manual Técnico de Geomorfologia. 2. ed., Rio de Janeiro: IBGE, 2009.
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS. Mapa geomorfológico do estado de São Paulo. São Paulo, 1981.
KOHLER, H. C. A Escala na Análise Geomorfológica. Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 2, Nº 1, p. 21-33, 2001.
MARQUES NETO, R.; ZAIDAN, R. T. MENON JR, W. Mapeamento Geomorfológico do Município De Lima Duarte (MG). Revista Brasileira de Geomorfologia. v. 16, nº 1, p. 123-136, 2015.
OLIVEIRA, C. S. Estudo dos geossistemas das cristas quartzíticas da Mantiqueira Meridional: a paisagem em perspectiva multiescalar. 131 f. (Dissertação de mestrado em Geografia), Departamento de Geociências da Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, 2016.
PINTO, C.P., BRANDALISE, L.A., SOUSA, H.A., VASCONCELOS, R.M., BARRETO, E.L., DIAS GOMES, R.A.A., CARVALHAES, J.B., PADILHA, A.V., HEINECK, C.A & GROSSI SAD, J.H. Lima Duarte, Folha sf-23-X-C-VI, Estado de MINAS GERAIS. Programa de Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil. CPRM, Belo Horizonte. Mapas e texto explicativo, Escala 1:100.000. MIE-DNPM,,1991, 224p.
ROSS, J. L. S. Geomorfologia ambiente e planejamento. São Paulo: Contexto, 1990. 85p.
SOARES, P. C.; FIORI, A. P. Lógica e sistemática na ánalise e interpretação de fotografias aéreas em geologia. Disponível em: https://independent.academia.edu/PauloSoares6. Acesso em: 01 mar. 2015.