Autores

Silveira, C.T. (UFPR) ; Silveira, R.M.P. (UFPR)

Resumo

O trabalho teve como objetivo realizar a classificação geomorfométrica automatizada das formas de relevo na Serra do Marumbi, situada na Serra do Mar Paranaense, estado do Paraná, Brasil, por meio da aplicação do Índice de Posição Topográfica (IPT). Foi utilizado um Modelo Digital do Terreno (MDT) com resolução de 20m, interpolado pelo método Topogrid a partir de base planialtimétrica na escala 1:25.000. Conforme proposta aplicada, o IPT foi derivado da mensuração entre a diferença da elevação de um ponto central com a média da elevação do seu entorno a partir de um raio predeterminado. As dez formas de relevo resultantes são decorrentes da discretização amparada pelos valores de desvio padrão e da combinação de dois IPTs (um de detalhe, com janela circular de leitura com raio de 8 células, e outro generalizado com raio de 79 células). Os resultados demonstraram que as dez formas de relevo mapeadas foram condizentes com a realidade de campo.

Palavras chaves

Classificação geomorfométrica; Modelo Digital do Terreno; IPT

Introdução

Hodiernamente é crescente o emprego da modelagem digital do terreno na cartografia geomorfológica. Isso se deve, em parte, pelo avanço no campo das geotecnologias, se destacando os Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) e as técnicas de Processamento Digital de Imagem (PDI), aplicadas para análise espacial do relevo, como também, pela maior disponibilidade dos Modelos Digitais de Elevação (MDE). Diversos autores enaltecem os processos de classificação digital do relevo, (WOOD, 1996; MACMILLAN et al., 2000; WILSON; GALLANT, 2000; ROMSTAD, 2001; VALERIANO, 2004; DRAGUT; BLASCHKE, 2006; IWAHASHI ; PIKE, 2007; KLINGSEISEN et al., 2007; GROHMANN et al., 2008; SAADAT et al., 2008; WILSON, 2012; SILVEIRA et al., 2012; SILVEIRA; SILVEIRA, 2016), tanto pelo uso de métodos menos subjetivos em relação ao tratamento convencional qualitativo de classificação do relevo, como também em função da redução do tempo para identificação das unidades. Na literatura, verifica-se o emprego experimental de um variado conjunto de métodos automatizados que visam a compartimentação do relevo e/ou sua classificação morfológica/morfométrica, dentre eles a proposição de Iwahashi e Pike (2007) que consiste numa classificação não-supervisionada de formas do terreno por meio de uma árvore de decisões, empregada por Silveira et al. (2014) no território do Paraná e por Trentin et al. (2015) em uma bacia hidrográfica no oeste do Rio Grande do Sul. Uma outra proposta, é um sistema de classificação automatizada organizado em três níveis hierárquicos, apresentado que se utiliza da combinação de variáveis geomorfométricas, apresentado por Reuter (2009) e amparado em Dikau (1991; 1995). Foi empregado no estado do Paraná por Silveira e Silveira (2015), na região central da Serra do Mar Paranaense (SMP) por Silveira (2015) e Silveira e Silveira (2016), em uma área que abrange a transição entre a SMP e o Primeiro Planalto Paranaense (PPP) por Neuman (2017), e na classificação de padrões de formas semelhantes do relevo no planalto de Poços de Caldas/MG realizada por Tinós et al. (2014). Outra formulação para a classificação automatizada de elementos de relevo é exposta por Jasiewicz e Stepinski (2013), baseada no princípio de reconhecimento de padrões e conceitos de geomorphons, cuja técnica faz uso de ferramentas de visão computacional, em substituição à combinação de variáveis extraíveis de um MDT. Esse método foi aplicada por Robaina et al. (2016) no estado do Rio Grande do Sul, por Robaina et al. (2017) em Tocantins e por Silveira e Silveira (2017) no Paraná. Em destaque, outro método para classificação automatizada é apresentado por Weiss (2001), que permite a identificação de dez classes de relevo por meio do emprego do Índice de Posição Topográfica (IPT). O emprego do método em questão foi aplicado na classificação morfológica da República do Uruguai por Silveira e Silveira (2014), comparando os resultados em duas distintas bases de dados. No território brasileiro foi utilizado no mapeamento geomorfométrico de uma bacia hidrográfica situada no município de Blumenau, estado de Santa Catarina por Lange Filho e Silveira (2015) e Lange Filho (2016); em uma área situada na região central da SMP por Silveira (2015) e Silveira e Silveira (2016); em um setor de transição entre o PPP e a SMP por Neuman (2017), em dois recortes geográficos situados no Terceiro Planalto Paranaense por Gomes et al. (2016) em também em todo o território do estado do Paraná por Silveira e Silveira (2017). Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo realizar a classificação geomorfométrica automatizada das formas de relevo com o emprego do IPT em uma área quadrangular com dimensão de 10km nos sentidos N- S e E-W, que abrange a Serra do Ibitiraquire, região situada na SMP, estado do Paraná (Brasil), e avaliar a qualidade da classificação apoiado no reconhecimento das feições de relevo verificadas em campo.

Material e métodos

Obtenção do Modelo Digital do Terreno (MDT): O MDT foi interpolado a partir do método Topogrid (HUTCHINSON, 1989) disponível no software ArcGIS 10.1, utilizando-se como dados vetoriais de entrada: curvas de nível, pontos cotados e hidrografia. Estes dados foram digitalizados de cartas topográficas do DSG (2002) na escala 1:25:000. A etapa de escolha do tamanho da célula do MDT seguiu recomendações de Hengl (2006), que considera as características topográficas locais, resultante da relação entre tamanho do recorte de estudo e extensão das curvas de nível, conforme equação 1: C < A / 2 . SCN (equação 1) onde C é o tamanho da célula, A é a área total do recorte e SCN é o somatório do comprimento de todas as curvas de nível deste mesmo recorte. Considerando a equação foi adotado o tamanho de 20m a resolução espacial do MDT. Emprego do Índice de Posição Topográfica: O Índice de Posição Topográfica (IPT), proposto por Weiss (2001), é derivado de um algoritmo que mensura a diferença entre a elevação de um ponto central (Z0) e a média da elevação do seu entorno a partir de um raio predeterminado (Z), descrito na equação 2: IPT = Z0 – Z (equação 2) A análise de vizinhança pode ser feita por uma janela circular (empregada no presente trabalho), anular (proposta original), retangular ou irregular. Os valores positivos obtidos pelo IPT representam locais que são mais elevados que a média do seu entorno, caracterizando, por exemplo, as cristas. Os valores negativos, por sua vez, representam os locais mais rebaixados em relação à sua vizinhança, caracterizando vales ou depressões. Já os valores próximos de zero, obtidos pelo IPT, representam as superfícies de declive constante, destacando-se as áreas planas. A classificação considera a segmentação e combinação de duas matrizes do IPT com variação no tamanho do raio de análise de vizinhança: uma de mais detalhe e outra mais generalizada, resultando em até dez distintas formas de relevo (FIGURA 1). A designação originalmente proposta foi traduzida e adaptada para as feições de relevo presentes na área de estudo. Como o IPT é diretamente afetado pelo fator de escala (ou seja, da análise de vizinhança para o cálculo da elevação média), os valores resultantes do índice variam de acordo com os valores de raio adotados. A etapa de definição do raio de análise de vizinhança, portanto, conforme apontam Tagil e Jenness (2008) e De Reu et al. (2013), deve estar associada ao nível de detalhe pretendido pelo pesquisador. Utilizaram-se os critérios estabelecidos em Silveira e Silveira (2017) para determinar o raio de análise de vizinhança, sendo o raio mais generalizado de 79 células (1580 metros), que correspondente a ordem V da classificação taxonômica de Tricart (1965), com referência na área de 10 km², e o raio mais detalhado foi de 8 células (160 metros), tendo como referência a área de 10-1 km² (correspondente a ordem VI). A declividade, atributo topográfico utilizado para distinguir as classes de declive constante representadas pelo IPT (áreas planas e vertentes intermediárias), foi calculada a partir das variáveis direcionais de Horn (1981). Verificação da classificação do relevo: A avaliação da qualidade da classificação das formas de relevo foi realizada por meio de controle de campo na área de estudo. O emprego desse recurso para a verificação dos resultados visou suprir a ausência de mapas geomorfológicos em escala de detalhe compatível com o trabalho. Durante as campanhas de campo foram coletadas fotos representativas do relevo. Todas as fotos obtidas no nível do solo foram georrefenciadas com uso de um GPS de navegação para favorecer o reconhecimento das feições classificadas pelo IPT.

Resultado e discussão

Caracterização geomorfológica: A Serra do Marumbi está situada no conjunto da Serra do Mar Paranaense (SMP), a região que apresenta as mais destacadas variações altimétricas do Paraná e também uma das cinco regiões geográficas naturais do estado identificadas por Maack (1968), tratada como unidade morfoescultural em Santos et al. (2006). Sua evolução tem atribuição poligenética, com contribuição de ciclos erosivos que elaboraram superfícies aplainadas atualmente estão escalonadas na paisagem, conformando as superfícies de erosão/aplainamento identificadas por Ab’Sáber e Bigarella et al. (1965) e Bigarella et al. (1978), por eles designadas de Superfície Purunã (Pd3), Superfície Alto Iguaçu (Pd2) e Superfície Curitiba (Pd1). Também pela influência de eventos tectônicos, dissecação regressiva do front na face oriental e erosão diferencial pela presença de litologia de maior resistência que sustentam elevações de destaque (ALMEIDA; CARNEIRO, 1998). Nascimento et al. (2013) atribuem ainda o condicionamento morfotectônico na evolução do relevo e atividade neotectônica na sua conformação. A Serra do Mar Paranaense não representa unicamente o degrau entre o litoral e o Primeiro Planalto, mas configura uma serra marginal típica que se eleva com valores altimétricos compreendidos entre 500 e 1.000m sobre o nível médio do planalto (MAACK, 1968). Do mesmo modo, sua morfologia não configura exclusivamente uma serra de borda de planalto ou de escarpa, já que possui setores originados por erosão diferencial, onde as maiores elevações, com cimos elevados, são sustentadas por corpos graníticos e litologias metamórficas de alto grau, influenciadas, ainda, por sistemas de falhas, fraturas e diques que, conjuntamente, exercem controle na rede de drenagem e na escarpa do front montanhoso da Serra (SANTOS et al., 2006). Segundo Almeida e Carneiro (1998) o Cinturão Granitóide Costeiro do Estado do Paraná é que sustenta as maiores elevações da Serra do Mar, cujo relevo é resultado de erosão diferencial regressiva, adaptando-se nesse processo à diversidade de estruturas geológicas e de resistência diferencial das rochas à erosão, bem como à morfotectônica que se manifestou no Planalto Atlântico durante o Paleogeno e o Mioceno. Regionalmente a Serra do Mar Paranaense configura-se em blocos montanhosos designados, localmente, como Serras da Prata, dos Castelhanos, Canavieiras, Araraquara, do Engenho, do Cubatão, Ibitiraquire, entre outros. A Serra do Marumbi, contemplada em quase totalidade no recorte geográfico de estudo, é integrante da subunidade morfoescultural Blocos Soerguidos da Serra do Mar (SANTOS et al., 2006). Classificação das formas de relevo: A classificação geomorfométrica automatizada resultou em dez classes de formas de relevo na área de estudo (FIGURA 1 e FIGURA 2): 1) Fundos de vales com forte incisão da drenagem e cânions; 2) Vales rasos e áreas de drenagem situadas no terço médio das vertentes; 3) cabeceiras de drenagens; 4) áreas situadas nos terços inferiores das vertentes ou vales abertos e em forma de U; 5) áreas planas; 6) áreas situadas nas posições intermediárias das vertentes; 7) áreas situadas nas posições superiores das vertentes, patamares superiores ou mesas; 8) interflúvios secundários ou situados nas porções intermediárias das vertentes; 9) topos rebaixados, interflúvios, cristas intermediárias ou morros em áreas planas; 10) interflúvios elevados ou na forma de cristas elevadas e topos elevados. As formas de relevo obtidas na classificação automática do IPT (FIGURA 1 e FIGURA 2) expressaram grande representatividade da classe 10 (13% da área total), constituída por interflúvios elevados ou por cristas elevadas e topos elevados. Essas áreas representam as maiores elevações da Serra do Mar, composta por picos que ultrapassam 1400m de altitude, destacando-se: Olimpo (1539m), Boa Vista (1491m), Gigante (1487m), Ponta do Tigre (1400m), Esfinge (1378m), Torre dos Sinos (1280m), Abrolhos (1200m) e Facãozinho (1100m). A classe 10 que interliga os interflúvios elevados da Serra do Marumbi, apresentada com vista em perfil tridimensional nas figuras 3 e 4, está associada aos remanescentes da superfície Pd3 por Bigarella et al. (1978), sustentados pela resistência erosiva dos corpos graníticos que constituem os altos topográficos. Tratando ainda das posições elevadas, as formas de relevo das classes 8 e 9 são respectivamente: 8) interflúvios secundários ou situados nas porções intermediárias das vertentes e 9) topos rebaixados, interflúvios, cristas intermediárias ou morros em áreas planas. Em síntese, constituem áreas de cumeada e topos inferiores que estariam associados à superfície Pd2 e/ou Pd1 (BIGARELLA et al., ibid.); e, neste sentido, a classificação das cristas, interflúvios e topos mediante o IPT foi bem sucedida – suas distinções morfológicas são separadas nas classes 10, 9 e 8, que juntas representam 24% da área mapeada (FIGURA 1). A classe IPT 1, que representa os fundos de vales com forte incisão da drenagem e cânions, apresenta grande representatividade na região serrana (12% da área total, conforme a FIGURA 1). Essas áreas constituem os talvegues e fundos de vale dos cursos de drenagem principais, controlados por falhas e fraturas, algumas com preenchimento de diques associados ao Arco de Ponta Grossa. Os rios principais encontram-se preferencialmente encaixados em diques, com direção noroeste (NW), paralelos às rochas encaixantes de maior resistência denudacional que constituem os interflúvios; secundariamente essa classe apresenta direção preferencial para nordeste (NE), seguindo linhas de falhas e fraturas. De modo menos representativo os interflúvios são expressos pelas classes 2 (6% da área), que correspondem a vales rasos e áreas de drenagem situadas no terço médio das vertentes; e 3 (5% da área), relativa às cabeceiras de drenagem. Essas classes também apresentam controle estrutural de falhas e diques, porém, ocupam posições altimétricas superiores, constituindo a rede de drenagem de ordem inferior. Assim, a classificação automática das áreas, associadas aos fundos de vales e nascentes, demonstraram relação fidedigna com as formas de relevo verificadas em campo na área de estudo. As classes do IPT 4, 6 e 7, representam formas de relevo associadas aos terços inferiores, posições intermediárias e terços superiores das vertentes, respectivamente, que expressam distintos segmentos das vertentes na transição entre os interflúvios e fundos de vale na região da Serra do Mar. A classificação apresentou coerência para expressar o contexto morfológico dessas vertentes. A classe 5, que representa áreas planas, limitou-se a pequenas porções (0,3%) no reverso erosivo da escarpa da Serra do Mar. A classe IPT 4, representativa das posições de terço inferior das vertentes, possui correlação espacial com as áreas coluvionares da Serra do Mar. Lange Filho (2016) combinaram valores negativos do IPT, equivalentes à classe supramencionada, com os valores de declividade inferior a 7° e vertentes com curvatura côncavas-convergentes, para a identificação de colúvios em relevo de mares de morros mamelonares. Neuman (2017) igualmente empregou valores negativos do IPT associado à curvatura côncava e declividade baixa para o mapeamento das áreas de depósito alúvio- coluvionares na Serra do Mar Paranaense. Silveira (2015) aplicou o IPT para classificar formas de relevo na Serra da Prata, região central da Serra do Mar Paranaense. Para tanto, avaliou a combinação do IPT detalhado com IPT generalizado resultantes de distintas janelas amostrais circulares para análise, quais sejam: 1) raio de 60m e 510m; 2) 105m e 1005; 3) 195m e 1695m. Foram destacados resultados satisfatórios, sendo o segundo que apresentou os limites mais fidedignos à morfologia do relevo local, apesar de erros de pequenos agrupamentos de classes (SILVEIRA, op cit.).

Classes das formas de relevo do IPT

Descrições das classes de formas de relevo, os parâmetros empregados na identificação, sua distribuição na área de estudo e legenda representativa.

Mapa das classes de relevo obtido por meio do IPT

Mapa das classes de relevo obtido por meio do Índice de Posição Topográfica na Serra do Marumbi, situada na Serra do Mar Paranaense.

Representação em planta e projeção tridimensional da Serra do Marumbi

Representação em planta e projeção tridimensional das classes de relevo obtidas para a Serra do Marumbi, acompanhado de foto de campo.

Perfil ilustrativo das superfícies de aplanamento

Perfil ilustrativo das superfícies de aplanamento (Bigarella et al. 1978), foto de campo e representação tridimensional do relevo da Serra do Marumbi.

Considerações Finais

A aplicação da proposta de mapeamento de formas do relevo com a utilização do IPT obteve êxito na representação morfológica da Serra do Marumbi, cujos resultados são condizentes, também, à configuração geomorfológica regional. As 10 classes identificadas foram corroboradas tanto pelas interpretações de trabalhos prévios, que contemplaram a área de estudo, quanto pela conferência in loco destacada pelos trabalhos de campo. Reforça-se que embora o IPT se configure como um método automatizado para a classificação de formas do relevo, a definição do raio de análise de vizinhança para seu cálculo é determinante para a eficiência dos resultados em detrimento da escala adotada. Além dos cuidados requeridos no tratamento da escala, a aquisição do MDT também deve ser pautada pelo rigor metodológico, visto que sua consistência é requisito fundamental para a qualidade dos resultados. Por fim, recomenda-se em trabalhos futuros o emprego do IPT combinado com outras variáveis geomorfométricas, visando oferecer apoio aos trabalhos de mapeamento morfológico amparados na análise digital do relevo.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela disponibilização de recursos, que possibilitou os levantamentos de campo, por meio do Projeto de Mapeamento do Estado do Paraná apoiado em análise digital do relevo, Processo 456244/2014-0.

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