Autores

Marques Neto, R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Eduardo, C.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Rodrigues, E.L.N. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA)

Resumo

A cultura geomorfológica brasileira padece de uma falta de uniformização na representação cartográfica do relevo, o que tem resultado em diversas propostas metodológicas desarticuladas. A necessidade de se integrar em um mesmo documento cartográfico elementos morfológicos, morfométricos, morfodinâmicos, morfoestruturais e morfocronológicos dificulta que se firme uma metodologia a ser adotada em todos os mapeamentos. O presente ensaio atina especificamente à interpretação e representação do relevo em regiões montanhosas, e apresentar uma proposta de mapeamento geomorfológico para a região das altas cristas da Zona da Mata Mineira, na escala de 1/50.000, como aporte à interpretação da morfogênese regional.

Palavras chaves

Cartografia geomorfológica; Relevos montanhosos; Altas cristas

Introdução

O desenvolvimento de estratégias metodológicas tem sido expediente permanente na cartografia geomorfológica, detentora um conjunto complexo de técnicas que não goza de pleno consenso no concernente à sua operacionalização para representação cartográfica do relevo em suas formas, métricas, vínculos genéticos, dinâmicas, bem como em seus aspectos morfoestruturais e cronológicos. A quantidade significativa de informações que uma carta geomorfológica deve conter e a diversidade dos sistemas geomorfológicos terrestres em seus aspectos genético-evolutivos, morfológicos e processuais, inequivocamente tem imposto dificuldades no estabelecimento de um viés metodológico único que consiga firmar um padrão a ser seguido em quaisquer sistemas geomorfológicos. Deveras distintas são as especificidades que avultam em sistemas geomorfológicos igualmente distintos em sua gênese. Tratos morfométricos, por exemplo, dialogam de forma mais contundente em regiões geomorfológicas nas quais dominam os modelados de dissecação, cuja diferenciação pode ser estabelecida pela quantificação de elementos do relevo como a profundidade de dissecação, a dimensão interfluvial e a declividade, conforme uma série de protocolos metodológicos oficiais na cartografia geomorfológica brasileira (GATTO et al. 1983; NUNES et al. 1994) e seus desdobramentos (ROSS, 1992; CUNHA, 2013; MARQUES NETO et al. 2017), bem como em esquemas internacionais (SPIRIDONOV, 1983; HUBPB, 1988; GUSTAVSSON et al., 2006). Em regiões de vastas planícies litorâneas ou continentais, por exemplo, como a do rio Amazonas e de seus principais afluentes, a gênese agradacional limita a mensuração de aspectos morfométricos e induz a outras prioridades, como a diferenciação entre planícies e terraços, a delimitação dos tabuleiros costeiros e de outros fatos geomórficos litorâneos, como escarpas de falésias, manguezais, cordões arenosos, etc., cuja representação por símbolos tende a ser mais resoluta. Especificidades também emergem em sistemas geomorfológicos montanhosos, caracterizados por forte controle estrutural, declividades agudas e amplitudes altimétricas significativas, e cuja diferenciação se estabelece a partir de rupturas de declives que limitam as superfícies de cimeira, escarpas, patamares, interflúvios reafeiçoados e assim por diante. Encarnando esta problemática, o presente trabalho se estabelece nas demandas metodológicas inerentes à cartografia geomorfológica de áreas montanhosas, apresentando um esquema regional desenvolvido e proposto no âmbito das altas cristas quartzíticas da Zona da Mata Mineira e áreas intermontanas adjacentes, no intuito último, pelo menos no escopo da presente comunicação, de ampliar as coberturas regionais e avançar no plano metodológico da cartografia geomorfológica voltada para regiões montanhosas.

Material e métodos

O primeiro esboço dos compartimentos foi estabelecido mediante a interpretação das bases planialtimétricas na escala de 1/50.000 (folhas Lima Duarte, Juiz de Fora e Bias Fortes), de imageamentos Landsat (bandas 5,4,3) e dados de radar SRTM (Suttle Radar Topography Mission), base para a geração do relevo sombreado. Doravante, foram estabelecidas delimitações para os tipos genéticos de acordo com os diferentes padrões de rugosidade das imagens, discernindo-se os modelados de dissecação em controle estrutural, os modelados de dissecação homogênea, e as morfologias agradacionais. Os produtos de sensoriamento remoto marcam de forma contundente os grandes alinhamentos regionais concernentes às altas cristas, permitindo uma delimitação precisa destes modelados com base no comportamento distintamente mais anisotrópico dos imageamentos. Optou-se pela interpretação a partir de um ângulo de iluminação azimutal de 315°, o que melhor realçou estas estruturas. No tocante à morfometria, foram geradas as cartas clinográfica e hipsométrica em ArcGIS, seguida da mensuração da dimensão interfluvial e profundidade de dissecação, representadas matricialmente na chamada matriz de dissecação (GATTO et al. 1983; NUNES et al. 1994; CUNHA, 2013; MARQUES NETO et al. 2017). Tais parâmetros foram mensurados a partir das informações planialtimétricas das folhas topográficas, considerando a dimensão interfluvial como a própria extensão do interflúvio definida entre os pontos de surgência de canal ou entre dois canais; a profundidade de dissecação, por sua vez, foi quantificada a partir do desnível entre os topos e os fundos de vale de referência, representando o quanto o canal entalhou. Com as informações conjugadas de declividade, dimensão interfluvial e profundidade de dissecação, os compartimentos foram ajustados em seus limites definitivos segundo a lógica do quadro 1, que consiste em adaptação de proposição de Ponçano et al. (1981). Na sequência foram executadas as representações por símbolo, corrente em vários sistemas metodológicos (TRICART, 1965; VERSTAPPEN, 1983; NUNES et al. 1994; ARGENTO, 1995; CUNHA, 2013), e de grande valia na minimização das limitações de ordem escalar. Representam informações de cunho morfoestrutural a partir de simbolizações lineares para cristas e vales estruturais, escarpas de falha, rebordos erosivos, entre outras. Os símbolos também permitem a incorporação de dados morfodinâmicos, que embora generalizados na matriz de dissecação, tem nessa fase um trato mais específico, com a representação de focos de erosão laminar, ravinas, voçorocas, cicatrizes de escorregamento, etc. Tais feições foram georreferenciadas em campo ou identificadas em imagens Google Earth, a partir da ferramenta Bing Maps do ArcGIS. No presente trabalho priorizou-se a representação dos tipos genéticos segundo famílias de cores específicas, preenchendo o mapa com as informações morfológicas e morfogenéticas. Sobre os polígonos, os dados morfométricos foram plotados junto com a simbologia dos tipos genéticos e morfológicos, estabelecendo-se os símbolos alfanuméricos com uma letra maiúscula indicando o tipo genético, letras minúsculas em referência às formas ou padrões de formas seguidas de dois dígitos representativos da dimensão interfluvial e da profundidade de dissecação, respectivamente. A morfometria também é representada na legenda pela matriz de dissecação, da qual são derivadas informações morfodinâmicas interpretadas a partir dos valores associados mensurados para os parâmetros morfométricos em lume. Aspectos morfoestruturais e morfodinâmicos foram representados através de símbolos lineares e pontuais, de acordo com os recursos gráficos do ArcGIS. A litologia foi representada em uma paleta de cores a partir das famílias de cores estabelecidas para os tipos genéticos, e a cronologia, gargalo na cartografia geomorfológica, se restringiu à idades relativas representadas textualmente no corpo da legenda.

Resultado e discussão

A espacialidade dos compartimentos geomorfológicos e dos fatos geomórficos mapeados pode ser apreendida na carta geomorfológica elaborada (figura 1) e através de sua respectiva legenda (figura 2). A área de estudo se consubstancia no contato entre as regiões geomorfológicas da Mantiqueira Meridional e Mantiqueira Setentrional (sensu GATTO et al. 1983). O dito ramo meridional é dado pelo compartimento das Altas Cristas Quartzíticas Festonadas (MARQUES NETO, 2017), e a porção setentrional por um conjunto de morros e morrotes intermontanos que dão passagem para a unidade das serranias da Zona da Mata Mineira (GATTO et al. 1983). Outros esquemas já foram levados a efeito em espacialidades que abrangem parte da área de estudo mediante outras estratégias metodológicas (MARQUES NETO et al. 2015; OLIVEIRA, 2016). Estabelece-se na área de estudo uma compartimentação bem marcada pelos modelados de dissecação em controle estrutural definindo níveis altimontanos e os modelados de dissecação homogênea perfazendo os terrenos intermontanos, desnivelados dos primeiros em mais de 500 metros. Esse desnível é definido tanto por erosão diferencial como por força de processos tectônicos. Indubitavelmente, os domínios quartzíticos engendram as anomalias positivas no relevo em franca diferenciação em relação aos terrenos rebaixados nos litotipos gnáissicos e nos níveis xistosos, onde mantos de alteração argilo- siltosos bem desenvolvidos contrastam com as coberturas superficiais rasas e ricas em minerais primários dos quartzitos. Entretanto, tais cristas figuram como horsts tectonicamente deformados, com uma série de evidências de tectônica ativa, como escarpas de falha, facetas trapezoidais, anfiteatros suspensos, capturas fluviais e canais francamente controlados, entre outras. O conjunto de cristas e morros se posiciona na extremidade NE da Mantiqueira Meridional. Enquanto as cristas perfazem os pilares tectônicos, os morros e morrotes intermontanos se espacializam nas reentrâncias abertas com o festonamento das altas cristas levado a efeito pelo rio do Peixe, nível de base para os sistemas geomorfológicos em questão, estabelecido na faixa de 700 metros de altitude, e que drena em demanda ao rio Preto, já na bacia do rio Paraíba do Sul. Com o estabelecimento de uma drenagem dual forjada na própria gênese da Serra da Mantiqueira, o rio Preto, ao invés de inverter em demanda ao rio Paraná como os principais rios regionais (Grande, Verde, Sapucaí, Jaguari, Camanducaia, etc.), orientou-se para leste, na direção do gráben do rio Paraíba do Sul. Este comportamento tectônico foi determinante para a organização da espacialidade atual do relevo, definida em dois níveis planálticos, altimontano e intermontanto, conectados em fluxos de matéria e energia bem marcados pelo escalonamento topográfico que a carta geomorfológica prioriza mostrar. As altas cristas perfazem os modelados de dissecação em controle estrutural (DE). Balizadas em quartzitos intercalados a gnaisses e xistos, sustentam imponentes alinhamentos regionais que elevam patamares de cimeira preservados acima de 1500 metros, e que encarceram planícies alveolares altimontanas descontínuas e com desenvolvimento lateral variável. Tais níveis estabelecem contato com os ambientes intermontanos por escarpas de falha preservadas, sobretudo nas vertentes mais elevadas, se escalonando em patamares no contato com os ambientes intermontanos, sendo muitos destes patamares reafeiçoados em interflúvios locais. A drenagem paralela a subparalela que domina nas altas cristas dá passagem a um padrão dendrítico a subdendrídico nas morrarias convexas do vale do rio do Peixe e de pequenos hemigrábens, como o do córrego Santa Bárbara. O encaixamento e entalhe pronunciado dos canais é substituído por estilos fluviais em vales mais evoluídos, notadamente o do próprio rio do Peixe, que intercala trechos meandrantes e retilíneos sinalizando o arranjo morfotectônico regional onde blocos em soerguimento e subsidência se justapõe. As unidades geomorfológicas em morrarias policonvexas, patamares, escarpas e domínios de cimeira se sucedem altitudinalmente, em escalonamento bem marcado, espacialidade que foi priorizada na representação cartográfica. Tais compartimentos perfazem uma cascata de matéria e energia de forte interdependência; ao mesmo tempo, blocos apresentam certa autonomia morfogenética em função do controle exercido por níveis de base locais. A morfometria, representada em símbolos e na matriz de dissecação, corrobora o contraste entre os modelados em controle estrutural e as morrarias intermontanas de dissecação homogênea no concernente à energia destes sistemas geomorfológicos, os primeiros forjados em vales profundos e vertentes escarpadas e declivosas com taludes associados, e os demais com vales mais abertos e vertentes mais suaves, revestidas por coberturas argilosas pedogeneizadas em Latossolos e Cambissolos, dominantemente. As simbologias também apontam diferenças quanto ao quadro morfodinâmico dos domínios altimontanos e intermontanos. Os focos de arenização figuram como fatos geomórficos exclusivos do quartzito, cujo substrato fracamente intemperizado origina areias quartzosas, que evoluem em ambientes de forte declive e vegetação aberta, e que também congregam os focos erosivos concentrados em maior conspicuidade. A figura 3 ilustra, através do recurso de zoom, amostragens de focos de arenização e de erosão concentrada, amenizando paliativamente as limitações da cartografia geomorfológica dadas pela dificuldade em visualizar alguns símbolos em mapeamentos levados a efeito para grandes áreas. Sumarizando, o mapeamento geomorfológico distinguiu elementos fundamentais da evolução do relevo, espacializando as áreas de soerguimento preferencial, dadas pelos horsts da Mantiqueira Meridional, favorecidos pela litologia quartzítica que sustenta essas cristas elevadas, bem como os terrenos convexos e rebaixados em demanda ao nível de base regional, imposto pelo rio do Peixe na faixa de 700 metros, onde os saprolitos tendem a serem profundos e a pedogênese latossólica mais conspícua. Sobre esse espectro genético-evolutivo foram agregadas informações acerca dos processos dinâmicos superficiais, que, embora tenham assumido caráter acessório, não deixaram de serem suficientes para desvelar elementos fundamentais acerca da dinâmica atual e subatual.

Quadro 1.

Definição dos modelados a partir da morfometria

Figura 1.

Mapa geomorfológico das altas cristas da Zona da Mata Mineira.

Figura 2.

Legenda

Figura 3.

Zoom amostral com alguns fatos geomórficos representados por símbolos.

Considerações Finais

Sistemas geomorfológicos de escalonamento bem marcado, com níveis hipsométricos encarcerando diferentes padrões de formas encadeados em seus fluxos de massa e energia, podem ser eficientemente representados a partir de unidades topomorfológicas, discernindo os tipos genéticos existentes em cada uma delas. No presente ensaio, a distinção entre os níveis superiores (altimontanos) e os patamares escalonados posicionados nos terrenos intermontanos permitiu um trato morfométrico mais direcionado, empreendido em cada uma das unidades. No concernente aos aspectos morfoestruturais, a configuração geológica dominantemente quartzítica das altas cristas, em contraste aos terrenos emoldurados em gnaisses migmatizados ou não e níveis xistosos, admitiu a representação dos litotipos através de uma paleta de cores, contornando uma das limitações da cartografia geomorfológica pautada nesse expediente, uma vez que o embasamento rochoso tem manifestação contínua, e sua representação no mapa demandaria sistemas de polígonos e hachuras que comprometeriam a espacialização dos compartimentos, que foram priorizados em função do próprio nexo geomorfológico deste trabalho. Os aspectos cronológicos tem sido os de problema mais crônico, com menções restritas a uma idade sugerida na parte textual da legenda. A confecção de legendas elaboradas, por sinal, tem sido ação de grande valia para dar conta de representar todos os elementos inerentes a um mapa geomorfológico.

Agradecimentos

Ao CNPq pelo auxílio financeiro ao projeto do qual o produto aqui divulgado faz parte.

Referências

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