Autores
Pereira, T.M. (UFPE) ; Cardoso, A.H.R.P. (UFPE) ; Santos, A.F.R. (UFPE) ; Silva, B.A.A. (UFPE) ; Listo, F.L.R. (UFPE) ; Corrêa, A.C.B. (UFPE)
Resumo
Com a finalidade de compreender a dinâmica geomorfológica superficial em escala de detalhe, este trabalho realizou uma descrição da fisiologia da paisagem, a partir da ocorrência de processos erosivos sobre uma encosta coluvial, no município de Santa Cruz da Baixa Verde, semiárido Pernambucano. Uma parcela representativa quanto à ocorrência de erosão em ambiente semiárido foi escolhida visando avaliar os componentes natural e antrópico dos sistemas de superfície terrestre. Para o desenvolvimento da análise, utilizou-se uma técnica de mapeamento de microescala e aplicação de fichas de cadastro de feições erosivas em campo, posteriormente digitalizados em ambiente SIG (Sistema de Informação Geográfica). Com base na aplicação destas metodologias, foi possível realizar um inventário expedito das morfologias erosivas e sua relação com a cobertura da terra. A metodologia permitiu aferir as propriedades geométricas das feições erosivas da parcela em campo, sendo esses dados posteriormente aperfeiçoados em ambiente SIG, constituindo-se assim em um procedimento prático de interface entre técnicas de campo e geoprocessamento.
Palavras chaves
Mapeamento em microescala; parcelas erosivas; Sertão pernambucano
Introdução
Os processos erosivos são condicionados por parâmetros físicos naturais como também por alterações da paisagem que passam a atuar propiciando a canalização dos fluxos de água e destacamento das partículas formadoras dos solos. Muitas abordagens consideram a existência de dois grandes grupos de erosão (a laminar e a linear), cujas feições morfológicas resultantes têm sido estudadas pela geomorfologia como uma evidência do grau de intensidade de atuação dos processos superficiais terrestres (ALMEIDA FILHO et al, 1999; GUERRA, 1994; SUGUIO, 2003). Embora o semiárido nordestino seja o mais populoso do mundo (AB’SABER, 1999) e possua uma elevada sensitividade ambiental em face às mudanças climáticas (SIMÕES et al., 2001), sobretudo, quando comparado com outros domínios paisagísticos brasileiros, ainda existe uma lacuna considerável na investigação de processos de dinâmica superficial, especialmente, os erosivos. Nesse sentido, são necessários estudos que possam melhor compreender o comportamento da erosão mecânica e sua relação com o escoamento superficial e subsuperficial em regiões mais secas, onde os processos ocorrem de forma concentrada e espasmódica. Assim, o mapeamento em microescala em encostas de forte gradiente permite a verificação in situ do comportamento geomorfológico dos processos superficiais, que se reveste de especial importância para o estudo dos ambientes secos do Brasil, para os quais muitos dados são tomados a priori, com base em cotejamento da literatura e, portanto, não refletem as interações reais entre fluxos, coberturas superficiais e formas de uso da terra (SALOMÃO, 1999; CORRÊA e AZAMBUJA, 2005). Nesse contexto, a metodologia de mapeamento em microescala desenvolvida por Corrêa e Azambuja (2005) torna-se particularmente relevante, sobretudo, para identificar a magnitude dos processos erosivos, com base em sua tipologia morfológica, e sua relação funcional com a estrutura superficial da paisagem e formas de cobertura da terra (landcover). Constitui-se assim uma opção para a coleta de dados em campo, complementando as técnicas de Geotecnologias, ou quando as informações de cartas temáticas e topográficas não são compatíveis com o nível de detalhamento demandado pelo estudo, devido às generalizações escalares. Esta situação é particularmente válida para o semiárido brasileiro, para o qual, a maioria dos dados são disponibilizados em escalas menores que 1:100.000. Assim, a cartografia geomorfológica de detalhe se constitui em um importante instrumento na espacialização dos fatos geomorfológicos, permitindo representar a gênese das formas de relevo e suas relações com a estrutura e processos, bem como, com a sua própria dinâmica, considerando suas particularidades em interação com a paisagem (CASSETI, 2001). Dessa forma, o mapeamento de parcelas em microescala é, necessariamente, realizado em campo, abrangendo o contexto geomorfológico, geológico, pedológico e antrópico de detalhe, assim como sua relação com os processos superficiais presentes naquele recorte de paisagem. Portanto, o objetivo deste trabalho foi selecionar uma parcela representativa do conjunto ambiental do município de Santa Cruz da Baixa Verde (PE), para avaliar, em detalhe o papel desempenhado pelos elementos do contexto natural e antrópico sobre a deflagração de processos erosivos. Situado próximo à borda ocidental do Planalto da Borborema, o munícipio de Santa Cruz da Baixa Verde, encontra-se a cerca de 900 m de altitude, inserido no semiárido do Nordeste brasileiro (CORRÊA et al, 2010). Embora trate-se de uma área de exceção climática (brejo de altitude), com precipitação anual média acima dos 800 mm, que resultam na formação de mantos de alteração mais espessos sobre topos e encostas, além de depósitos de colúvios, a área está submetida ao mesmo ritmo climático das depressões semiáridas que a circundam, marcado pela alternância de anos secos por períodos de pluviosidade intensa e temporalmente concentrado (CORRÊA et al, 2010).
Material e métodos
Com vistas a atingir os objetivos previstos neste trabalho, foi realizado, primeiramente, um mapeamento de detalhe em parcela erosiva (microescala). Posteriormente foi aplicada uma ficha de cadastro morfológico a uma das feições erosivas localizadas no interior da parcela selecionada. O mapeamento de detalhe em microescala foi realizado a partir da seleção de uma parcela representativa, encosta declivosa elúvio-coluvial, com ocorrências de erosão linear no estágio de ravinas no município de Santa Cruz da Baixa Verde, com base na metodologia proposta por Corrêa e Azambuja (2005). Inicialmente, foi delimitada uma parcela de 25 m x 25 m (625 m²), utilizando-se trenas (medições), estacas (delimitação dos extremos) e GPS de precisão (obtenção de altimetria e coordenadas). A parcela foi subdividida, no seu interior, em 25 pixels (quadrantes) de 5 m x 5 m (25 m²) visando a observação em detalhe das características litológicas, geomorfológicas, cobertura pedológica, tipo de vegetação, uso da terra e processos superficiais. Cada característica foi observada e registrada em uma ficha descritiva, resultando em um croqui de campo. Por fim, este croqui foi georreferenciado, por meio das coordenadas obtidas, em um ambiente SIG (Sistema de Informação Geográfica) a partir do software ArcGIS 10.2, no qual foram delimitados os vetores e suas respectivas legendas (de cada parâmetro avaliado em campo), visando a elaboração final do mapa de parcela erosiva em escala de microdetalhe. Em seguida, após o mapeamento da parcela, foi realizada a aplicação de uma ficha de cadastro de feições erosivas, visando a descrição de uma das cicatrizes de erosão presentes no recorte mapeado, bem como a avaliação qualitativa e quantitativa do processo. A ficha foi elaborada tendo como base os trabalhos desenvolvidos por Guerra (2005) e Macedo et al. (2004), na qual foram observadas as características fisiográficas da área e as características geológicas, geomorfológicas e pedológicas. Também foram caracterizados os dados quantitativos da erosão (morfometria), tais como comprimento, profundidade e largura média, volume de material erodido e área de contribuição. Assim, foram investigadas as prováveis causas da feição erosiva, alcance do processo em relação ao entorno, previsão de evolução e, por fim, o grau de risco da feição erosiva face ao tipo de uso da terra.
Resultado e discussão
Localizado a aproximadamente 415 km de distância da capital Recife, o
município de Santa Cruz da Baixa Verde situa-se no sertão pernambucano
(Figura 1). Devido à sua localização em um dos brejos de altitude do estado,
conforme já mencionado, a região apresenta características diferenciadas,
quanto aos aspectos climáticos (índices pluviométricos mais elevados em
relação ao seu entorno mais seco, vegetacionais (porte arbóreo),
pedológicas, entre outras. A parcela selecionada, localiza-se na área rural
do município, mais especificamente no sítio São José dos Pilotos, a nordeste
de seu território político-administrativo (Figura 1). Dentre outros
aspectos, a parcela foi selecionada devido à presença de feições erosivas de
diversas ordens e estrutura superficial marcada pelo recobrimento de
colúvios e solos residuais in situ.
Os resultados do mapeamento em microescala (Figura 2), mostraram que,
geomorfologicamente, a parcela está inserida em uma encosta com morfologia
convexa, estruturada sobre sienito e com cobertura de solos do tipo
latossolo-vermelho (Corrêa et al., 2010). Os solos in situ estão recobertos
parcialmente por material coluvial, transportado por fluxo gravitacional não
canalizado, com espessuras que atingem cerca de 7 m de profundidade (Figura
2). Dentre os materiais incorporados ao sedimento coluvial há presença de
matacões arredondados, sobretudo a leste da parcela, evidenciando processos
de encosta pretéritos de grande magnitude, não mais funcionais (Figura 2).
Destaca-se também a presença de material tecnogênico, resultante de cortes e
de aterros existentes, devido à construção de uma rodovia estadual no
entorno da parcela. Foram observadas a existência de feições erosivas
lineares em estágio de ravinas, de morfologia alongada e larguras e
profundidades medianas, sem atingir o nível freático (Figura 2).
Quanto ao uso e ocupação da terra, a parcela apresentou características das
formas de ocupação tradicionais rurais, típicas das propriedades familiares
de exíguas dimensões dos brejos de altitude do Planalto da Borborema, no
caso em particular com a presença de atividades agropecuárias extensivas.
Como forma de intervenção antrópica sobre a morfologia da encosta foi
observada a inserção de uma quebra de gradiente artificial, por meio de uma
barreira erigida pelo empilhamento de blocos rochosos sobrepostos (Figura
2), possivelmente com o intuito de tentar deter a evolução da feição erosiva
e mitigar o processo de perda de solo. Foram também identificados setores
com solo exposto, a mercê do impacto direto do escoamento superficial, que
potencializa os processos erosivos. A vegetação da parcela é esparsa,
destacando-se o predomínio do estrato herbáceo, e a fisionomia arbustivo-
arbórea aberta (Figura 2).
Após a etapa de mapeamento da parcela, umas das feições erosivas localizadas
em seu interior (Figura 3), foi avaliada de forma mais específica, com
relação a aspectos qualitativos (morfológicos) e quantitativos
(morfométricos). Tal feição apresentou, geometricamente, 18,40 m de
comprimento; largura máxima de 7 m à jusante (com maior profundidade de 2,40
m à montante); área de 64,2 m2 e volume de 154,56 m3 de material erodido
(Figura 3). Considerando que a erosão se localiza em uma área rural a ravina
não apresenta risco imediato para a habitação (Figura 3).
Constatou-se que a feição erosiva tem como principais causas naturais a
precipitação concentrada da área, presença de sedimentos coluviais
decorrentes de fluxos gravitacionais pretéritos, incoesos e, portanto, mais
susceptíveis às incisões erosivas, baixa densidade de cobertura vegetal e
presença de solo exposto. Do ponto de vista das intervenções antrópicas, foi
verificado em entrevista com moradores locais, a construção de uma rodovia
estadual, na década de 1960, à jusante da parcela, o que rebaixou o nível de
base local por remoção de material e criação de taludes artificiais e
potencializou a erosão no sítio ora avaliado (Figura 4).
Localização da área de estudo (sítio São José dos Pilotos no contexto do município de Santa Cruz da Baixa Verde e do estado de Pernambuco).
Mapa de detalhe da parcela avaliada em encosta. Presença de solo exposto (A); matacões (B); quebras de gradiente artificial (C); quebras de gradiente natural por ravinas (D) e o retrabalhamento erosivo de sedimentos coluviais (E).
A) Processo de medição geométrica da ravina (ex. largura); B) Vista da ravina de jusante para montante.
Presença de rodovia estadual próxima a parcela erosiva selecionada, de onde ocorreram processos de corte e de aterro.
Considerações Finais
Este trabalho combinou duas metodologias de detalhes (mapeamento de parcelas em microescala e cadastro de feição erosiva) aplicados em campo e aperfeiçoados em ambiente SIG, a partir da digitalização e da vetorização dos dados obtidos in situ, evidenciando a interface entre técnicas de campo e de geoprocessamento. A técnica de mapeamento em microescala mostrou grande precisão na descrição dos processos superficiais e no uso e ocupação da área selecionada. Dessa forma, o mapeamento em detalhe permitiu a obtenção de dados de detalhe, que nem sempre são atendidos somente pelo uso de Geotecnologias e imagens de satélite mais prontamente acessíveis. A Ficha de Cadastro de Feições Erosivas foi de grande importância para a descrição das características de uma ravina dentro da parcela, tais como sua geometria e os fenômenos superficiais envolvidos na formação e evolução da forma. Para a complementação das metodologias utilizadas, trabalhos futuros poderão ser realizados a partir da produção de Modelos Digitais de alta resolução elaborados, por exemplo, com o uso de drones e nuvens de pontos coletados, visando-se um detalhamento da topografia da parcela e dos parâmetros topográficos associados (ex. declividade e formas da encosta).
Agradecimentos
Referências
ALMEIDA FILHO. G. S; GOUVEIA, M. I. F; RIDENTE JUNIOR, J. L; CANIL, K. Prevenção e Controle da Erosão Urbana no Estado de São Paulo. 21º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental.: João Pessoa/PB, 16 a 21 de setembro, 1999.
AB’SABER, A. N. Sertões e Sertanejos: uma geografia humana sofrida. Estudos avançados, v. 13, n36, 1999. p. 7-59.
CARNEIRO, S. D. R; SOUZA, J. J. Mapeamento geomorfológico em escala de semidetalhe da região de Jundiaí-Atibaia. Revista Brasileira de Geomorfologia, Ano 4, Nº 2 (2003).
CORRÊA, A. C. B; AZAMBUJA, R. N. Avaliação qualitativa em microescala da estabilidade da paisagem em áreas sujeitas a desertificação no ambiente semiárido do Nordeste Brasileiro, Anais do XI Simpósio brasileiro de geografia física aplicada, p.5839-5847, 2005.
CORRÊA, A. C. B., TAVARES, B. A. C., MONTEIRO, K. A., CAVALCANTI, L. C. S., LIRA, D. R. Megageomorfologia e Morfoestruturas do Planalto da Borborema. Revista do Instituto Geológico, n 31. São Paulo. p. 35-52. 2010.
CASSETI, V. & NASCIMENTO, M.A.L.S. A importância da geomorfologia nos estudos de risco urbano: o caso de Goiânia. Anais do IV Simpósio de Geografia Física Aplicada, Porto Alegre, p. 374-81, 1991.
GUERRA, A.J.T. Experimentos e monitoramentos em erosão dos solos. Revista do Departamento de Geografia, 16 (2005) 32-37.
GUERRA, A. J. T. Processos Erosivos nas Encostas. In: GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S.B. (Orgs.). Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil, p. 149-209, 1994.
PASKE, H; LOBO, L. O. T.; PEREIRA, R. dos S.; AZAMBUJA, R. N. Mapeamento Geomorfológico de detalhe: uma avaliação qualitativa em microescala da estabilidade da paisagem sobre uma microbacia semiárida do Estado de Sergipe. Revista de Geociências do Nordeste, Vol.2, Nº Especial. 2016.
MACEDO, E. S.; OGURA, A. T.; CANIL, K.; ALMEIDA FILHO, G. S.; GRAMANI, M. F.; SILVA, F. C.; CORSI, A. C.; MIRANDOLA, F. A. (2004). Modelos de fichas descritivas para áreas de risco de escorregamento, inundação e erosão. In: Simpósio Brasileiro de Desastres Naturais, 1., Florianópolis: GEDN/UFSC, p. 892-907. (CD-ROM).
MARQUES, A.L.; SILVA, J.B; SILVA, D.G. Refúgios úmidos do semiárido: um estudo sobre o brejo de altitude de Areia-PB. Revista Geotemas. V.4, n.2. P.17-31, 2014.
SIMÕES, A, F; KLIGERMAN, D. C; ROVERE, E. L. L; MAROUN, M,R; BARATA, M; OBERMAIER, M. Enhancing adaptive capacity to climate change: the case of smallholder farmers in the Brazilian semi-arid region. Environmental Science & Policy, v. 13, p. 801-8, 2010.
SUGUIO, K. Geologia Sedimentar. São Paulo: Editora Edgard Blcher ltda, 2003. 400p.il.