Autores

Quinonez Fernandez, O.V. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ (UNIOESTE) ; Bortoluzzi, L. (NÚCLEO DE EDUCAÇÃO DE FOZ DO IGUAÇU (PR))

Resumo

O presente trabalho se propõe avaliar o nível de estabilidade dos canais fluviais em torno de pontes e bueiros na Bacia Hidrográfica do Paraná II situada na região Noroeste do estado do Paraná, adotando a metodologia da FHWA (2006). A área da bacia é de 2.256 km² e nela afloram arenitos da Formação Caiuá (Cretáceo) que integram o Terceiro Planalto Paranaense. O nível de estabilidade do canal foi analisado em torno de 6 estruturas (5 pontes, e 1 bueiro), todas situadas em estradas asfaltadas. Dentre as estruturas vistoriadas, as pontes foram classificadas na categoria de nível Bom e o único bueiro foi agrupado no nível Regular de estabilidade. A soma da pontuação dos indicadores de estabilidade obtida nos trechos classificados no nível Bom apresenta valores próximos a categoria de Regular, indicando a baixa estabilidade dos canais fluviais na Bacia do Paraná II. As enchentes podem agravar esta situação causando a interdição das pontes e bueiros.

Palavras chaves

Geomorfologia fluvial; Estabilidade do canal; Bacia Paraná II

Introdução

A instabilidade do canal fluvial num determinado trecho pode ser causada por impactos ambientais naturais e/ou antrópicos. A construção de pontes e bueiros pode ser considerada um elemento que introduz alterações na dinâmica do fluxo no canal, afetando os processos erosivos e deposicionais que provocam impactos ecológicos (diminuição da conectividade hidrodinâmica e biológica), geomorfológicos (erosão da margem e leito, assoreamento do leito à montante, acumulo de detritos lenhosos) e estruturais (erosão do aterro de cabeceira, erosão da base dos pilares das pontes) (JONES et al. 2000; JACKSON, 2003; FORMAN et al. 2003; GARCÍA MOLINOS et al., 2005; FREI, 2006). A intensificação dos impactos geomorfológicos e estruturais pode causar a destruição de pontes e bueiros e os aterros de cabeceira. Os impactos supracitados podem ser incrementados pela combinação de fatores como: dimensionamento inadequado de projetos de pontes e bueiros (ANA, 2004), eventos chuvosos extremos (SODRÉ e SOUZA FILHO, 2013; DIAS, 2014), características morfométricas da bacia hidrográfica (VILLELA e MATTOS, 1975) e uso/ocupação da cobertura do solo na bacia (TUCCI e CLARKE, 1997; POMPÊO, 2000). As pontes e bueiros, também são denominados dispositivos de transposição de talvegue. Ponte é toda obra elevada destinada a vencer obstáculos como rios, braços de mar, vales, que impedem a continuidade física de uma estrada. Se o comprimento total do dispositivo for inferior a 10 m, a estrutura é chamada de pontilhão (GOMES, 2006). Os bueiros são dispositivos de menores dimensões instalados em bacias de 1ª ou 2ª ordem. Estas estruturas são classificadas, de acordo com a forma em: bueiros tubulares quando a seção transversal do mesmo for circular e, bueiros celulares quando a seção representa um quadrado ou um retângulo (MIRANDA e MACEDO, 2010). A vulnerabilidade de pontes e bueiros mostra a necessidade de conhecer o potencial de instabilidade do canal fluvial em torno de cada dispositivo de transposição de talvegue. Para tanto, a coleta de dados em campo é vital estimar as condições de estabilidade dos canais fluviais nas adjacências das estruturas. No presente estudo é adotado o protocolo de avaliação rápido, proposto pela FHWA (2006), para estimar o nível de estabilidade do canal fluvial em trechos adjacentes a pontes e bueiros, situados na bacia hidrográfica do Paraná II, região Noroeste do Estado do Paraná.

Material e métodos

A bacia do Paraná II é uma das 16 bacias hidrográficas na qual esta dividida a rede hidrográfica no estado do Paraná. Situa-se na região Noroeste do estado e é composta por afluentes da margem esquerda do rio Paraná, como o Ribeirão Pardo, o córrego São Tomé e os rios São João, Paracaí e Veado (Ver figura 1). A área da Bacia totaliza 2.256 km2 o qual representa 1% da área do estado (SEMA, 2013). Os rios da Bacia do Paraná II drenam terrenos da Formação Rio Paraná, que integra o Grupo Caiuá (Cretáceo Superior) da Bacia Sedimentar do Paraná. Os arenitos desta Formação acumulados em ambiente desértico apresentam cor marrom-avermelhada a arroxeado, textura fina a média, quartzosos e exibem estratificação cruzada tabular. A espessura desta Formação alcança 277 m na cidade de Altônia situada no extremo sul da Bacia (FERNANDES e COIMBRA, 1994). Em termos geomorfológicos, a área de estudo forma parte do planalto arenítico-basáltico denominado por Maack (1968) de Terceiro Planalto Paranaense, o qual é dividido em 18 sub-unidades denominadas de Planalto (SANTOS et al., 2006). A Bacia do Paraná II está localizada numa dessas sub-unidades: o planalto de Umuarama. O referido planalto é caracterizado pela dissecação média, topos alongados e aplainados e vertentes convexas. A altimetria do planalto na Bacia varia de 225 m às margens do rio Paraná a 480 m no extremo leste da Bacia, nas nascentes do rio Veado. O clima da região é do tipo Cfa (classificação climática de Köppen), subtropical, úmido, mesotérmico, com precipitação média anual de 1.600 a 1.700 mm (IAPAR, 2000). A vegetação original da região é a Floresta Estacional Semidecidual (MAACK, 1950, RODERJAN et al., 2002). Esta vegetação permaneceu intocada até a década de 1940, quando começou a substituição da floresta pela lavoura cafeeira até meados da década de 1970 (SERRA, 1991; MURATORI, 1997) quando foi substituída pela atividade pecuária com a implementação de pastagens artificiais (LLANILLO et al., 2006, IPARDES, 2006). Quanto a aplicação do protocolo de avaliação rápido proposto por FHWA (2006), o processo consiste no levantamento expedito das características gerais da planície de inundação, assim como a descrição morfológica e sedimentológica do leito e das margens entorno da estrutura de transposição, utilizando o formulário da FHWA (2006, p. 78-80). Os dados coletados servem para atribuir pontos a 13 indicadores de estabilidade listados a seguir: 1) ocupação da bacia hidrográfica, 2) regime de fluxo, 3) padrão do canal, 4) grau de confinamento do canal, 5) textura do sedimento de fundo, 6) presença de barras no canal, 7) obstruções no canal, 8) textura do solo das margens, 9) declividade da fase da margem, 10) largura e densidade da mata ciliar, 11) erosão marginal, 12) solapamento das margens e 13) distancia entre a estrutura e uma curva meândrica. Cada indicador recebe uma pontuação que varia de 1 a 12 pontos (FHWA, 2006, p. 65-68). O tempo de execução do levantamento varia de 30 a 60 minutos, dependendo do tipo de estrutura e na facilidade de acesso ao canal fluvial. O nível de estabilidade do canal é obtido a partir da soma dos pontos designados aos 13 indicadores em cada estrutura com as pontuações definidas para cada tipologia de canal de Montgomery e Buffington (1997). Para as tipologias soleira-depressão, leito plano, dunas/ondulações e trechos canalizados, os níveis Excelente, Bom, Regular ou Pobre são definidos com as pontuações <48, 49-84, 85-119 e >120 pontos respectivamente (FHWA, 2006, p. 72). As etapas do protocolo são explicadas no trabalho de Bortoluzzi e Fernandez (2017). Neste estudo, foram selecionadas somente estruturas de transposição localizadas em estradas asfaltadas que cruzam a bacia do Paraná II: as estradas estaduais PR-490 e PR-485 e a rodovia federal BR-487. A localização das estruturas foi determinada com auxílio de mapas rodoviários, hidrográficos e imagens do aplicativo Google Earth.

Resultado e discussão

A avaliação das condições de estabilidade de canais fluviais, entorno de pontes e bueiros localizadas em estradas asfaltadas na Bacia do Paraná II, foi realizada de outubro a novembro de 2015. Foram levantados os dados morfológicos, sedimentológicos e de uso/ocupação da terra nos canais fluviais em torno de seis estruturas, dos quais cinco são pontes e um bueiro celular de concreto (Figura 1 e tabela 1). A pouca quantidade de pontes e bueiros nas estradas principais na Bacia do Paraná II se deve a obediência a um principio básico de traçar as estradas seguindo os divisores de água (BAESSO e GONÇALVES, 2003). Dentre os pontos vistoriados, todos os trechos fluviais adjacentes às pontes foram classificados na categoria de nível Bom de estabilidade e o canal entorno do único bueiro celular foi enquadrado na categoria de nível Regular (Tabela 2). Na Figura 2 são mostrados registros fotográficos de dois pontos com níveis de estabilidade Regular e Bom respectivamente.Os arenitos da Formação Caiuá são propensos à instalação e desenvolvimento de feições erosivas como sulcos, ravinas e voçorocas (BIGARELLA; MAZUCHOSWSKI, 1985; NAKASHIMA, 1999; SOUZA, 2001). Ferreira et al. (2012) estudaram este problema realizando uma investigação multitemporal do processo de perda de solo entre 1963 e 2010 por meio da aplicação da Equação Universal de Perdas de Solo (EUPS) nas bacias do ribeirão Prado e do rio João situadas na parte sul da bacia do Paraná II e no rio Iporã, afluente do rio Piquiri, adjacente à Bacia do Paraná II. A carta de potencial à erosão resultante desta pesquisa apresenta cinco classes: muito baixo (MB), baixo (B), médio (M), alto (A) e muito alto (MA). No ano de 1963, época em que predominou a floresta (74 % da área das três bacias), dominou a classe MB (87 %). Em 1985 quando o uso da terra passou a ser dominado pela cultura e a pastagem (96 %), aumentaram as classes B e M (54,5%). Finalmente, no ano de 2010, época em que ainda predominou a cultura e a pastagem (76 %), teve o incremento da área florestada (12 %) fato que colaborou para o aumentou da classe MB (52 %). Este histórico do potencial erosivo dos solos nós fornece uma ideia da grande quantidade de sedimento que foi liberado para os cursos de água, assoreando os vales fluviais. Com respeito a esse processo, Ferreira et al. (2012) comentam a redução da profundidade e a largura dos rios no ano de 2010, em comparação com a situação desses rios a inicio da década de 1980, quando a maior profundidade dos rios proporcionava condições de prática de lazer. O assoreamento dos cursos d’água é mais evidente nos rios situados na parte sul da bacia do Paraná II, onde o terreno apresenta dissecação fraca, com vales largos e planície aluvial bem desenvolvida, propiciando a formação de traçados meândricos (ver Figura 2A). Esta situação propicia baixos índices de instabilidade como no caso da estrutura 1 (bueiro) que somam 89 pontos (Nível Regular). As estruturas 2 e 3 são classificadas no nível Bom com 84 e 76 pontos respectivamente, muito próximo do nível Regular que inicia-se com 85 pontos. Nestas três estruturas, valores elevados nos indicadores como declividade da fase da margem, largura da mata ciliar e evidencia de erosão marginal são os indicadores responsáveis pela alta pontuação. Os demais pontos (4 ao 6) estão situados nas partes central e norte da Bacia do Paraná II, que apresentam relevo com dissecação média, traçado dos canais mais retilíneo e afloramento do arenito da Formação Caiuá nos leitos do canal, que apresentam grau de entalhamento leve (ver Figura 2B). Estas condições proporcionam índices de estabilidade Bom, com pontuações entorno de 50 pontos (Tabela 2), já próximo do nível Excelente cuja pontuação é igual ou inferior 48 pontos. Os dados levantados nas pontes e bueiros na Bacia do Paraná II, na qual predominam solos residuais de arenito (Formação Caiuá), foram classificados canais com níveis Bom e Regular, apresentando valor médio de 67,2 pontos. Em contrapartida, na Bacia do Paraná III, localizada próxima à Bacia do Paraná II e constituído por solos residuais de basalto (Formação Serra Geral) mais resistente à erosão, o valor médio dos níveis de estabilidade é de 51,1 pontos, com predomínio dos níveis Bom e Excelente (BORTOLUZZI e FERNANDEZ, 2017). Esta comparação ilustra a maior vulnerabilidade das estruturas viárias nas áreas onde afloram arenitos em comparação com as regiões capeadas por basaltos.

Localização das pontes e bueiros estudados na Bacia do Paraná II.


Dados referentes às estruturas vistoriadas na bacia do Paraná II.


Exemplos do nível de estabilidade do canal fluvial: A) Ponto 1- Regular (vista à montante) e B) Ponto 5 – Bom (vista à jusante).


Pontuação dos treze indicadores de estabilidade e o nível de estabilidade do canal entorno de cada estrutura vistoriada.

Considerações Finais

Neste trabalho, o protocolo da FHWA (2006) foi aplicado integralmente, sem nenhuma modificação, mostrando-se adequado como instrumento de avaliação preliminar do nível de estabilidade dos canais em torno das estruturas de transposição de talvegue na Bacia do Paraná II. Apesar da pouca quantidade de estruturas vistoriadas, foi possível observar o predomínio de índices que indicam baixa estabilidade na Bacia do Paraná II, o qual pode estar relacionado a presença de solos derivados de arenito, mais propensos a erosão. Os dados coletados podem constituir base na organização de um banco de dados que deve ser complementado com a coleta de dados em dispositivos de transposição de talvegue localizados nas inúmeras estradas vicinais não pavimentadas. Estes dados podem subsidiar estudos mais detalhados sobre o quadro erosivo-deposicional dos canais. A estabilidade dos canais fluviais no entorno das obras viárias, é um problema atual que pode piorar com o aumento de risco das enchentes acarretadas pelas mudanças climáticas.

Agradecimentos

Referências

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