Autores

Sillman da Cunha, K.A. (UFRJ) ; Marçal, M.S. (UFRJ)

Resumo

A atividade de mineração de areia, voltada para recursos da construção civil, vem aumentando nos leitos de rios aluvionares. Este trabalho consistiu de uma breve revisão da legislação ambiental em vigor, contextualização da representatividade da mineração de areia no Rio de Janeiro e no Brasil, bem como o objetivo, apresentar uma caracterização sobre a mineração de areia na bacia do rio Macaé relacionando com a dinâmica fluvial. Com a instalação do polo tecnológico da Petrobras, a região de Macaé teve um aumento da população e da demanda da e por serviços, infraestrutura, moradia, entre outros, gerando pressões nos recursos naturais extraídos da bacia do rio Macaé, como a extração de areia. Foi possível identificar que nos três principais pontos da atividade, o canal está incidindo e estreitando após a área de extração, trazendo consequências negativas para a manutenção da dinâmica dos sedimentos no sistema e danos ao ecossistema aquático.

Palavras chaves

Mineração de areia; impactos antrópicos; Rio Macaé

Introdução

As atividades econômicas geram pressões nos sistemas ambientais e interferem na dinâmica dos processos físicos, sobretudo na dinâmica dos processos fluviais. A bacia do rio Macaé, localizada na região norte fluminense é um exemplo de área que retrata essas transformações, e pode ser caracterizada como uma região de contrastes ecológicos, sociais e econômicos (Luz e Marçal, 2002; Loureiro et al 2014). A paisagem da bacia do rio Macaé vem sendo alterada desde o período da colonização portuguesa, entre os séculos XVI e XVIII, onde a principal atividade econômica relacionava-se à comercialização da madeira de lei (pau-brasil) e, sobretudo, à plantação de cana de açúcar e café. A partir do século XX, a pecuária extensiva nas áreas de serras e colinas dissecadas e na extensa planície fluvial do rio Macaé, também ganharam importância (Soffiati, 2011; Lima e Marçal, 2013). O rio Macaé sofreu intervenções conduzidas pelo extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), no seu baixo curso, como a retificação dos rios Macaé e São Pedro, seu principal afluente, alterando drasticamente a sua configuração original, criando novos ajustes no sistema fluvial da bacia, e influenciando novas práticas econômicas como a mineração de areia (Assumpção e Marçal 2012). Além disso, a presença da Petrobras da década de 1970 gerou grandes transformações no aumento do contingente populacional, segundo o Censo de 1980 Macaé tinha cerca de 75 mil habitantes e em 2010 passou a ter 206 mil, resultando em uma intensa ocupação urbana nas áreas mais planas da bacia. O homem como agente geomorfológico altera e cria novas formas dentro dos sistemas fluviais, interferindo na morfodinâmica e fornecendo novas características aos sistemas geomorfológicos evidenciando a importância de analisar as repercussões que a atividade humana influencia os processos geomorfológicos (Perez Filho e Quaresma, 2011). A atividade de mineração de areia, para atender a demanda populacional cada vez maior, tornou-se uma atividade importante dentro da Bacia do rio Macaé, e sua influência dentro do sistema fluvial ainda é pouco estudada. Por isso, neste trabalho buscou-se enfatizar esta atividade dentro da bacia, levantando dados e informações para fazer uma caracterização de sua influência no sistema fluvial. A canalização e retificação, realizadas pelo DNOS, iniciadas na década de 1940, tiveram como justificativa evitar a ocorrência de enchentes, além de permitir a manutenção da agricultura e da pecuária na região, por meio da “regularização” de canais de drenagem (Muehe e Valentini, 1998), favorecendo a instalação da mineração de areia na região. Essas modificações na forma do canal e na retirada de areia tem interferência direta na dinâmica fluvial e trazem perdas ecológicas e sociais, como a perda de solo nas áreas onde há aumento de erosão, aumento na ocorrência de enchentes, redução da atividade pesqueira, perda de qualidade da água, interferindo na qualidade de vida da população local e, dependendo das dimensões do rio e de sua relevância, regional ou nacional (Assumpção e Marçal 2012; Marçal e Luz, 2003). A bacia do rio Macaé tem uma área de aproximadamente 1.800 km2, tem suas nascentes na vertente oceânica da Serra do Mar, onde encontramos formas escarpadas e vales sinuosos e confinados, com altitudes de até 1800m. No médio curso, vales parcialmente confinados, escarpas e morros e uma menor cobertura vegetal, o relevo toma forma mais suave, e no baixo curso, exibe uma extensa planície formadas por sedimentos colúvio-aluvionares e também flúvio-lagunares. Após percorrer 136km o rio Macaé encontra o oceano Atlântico em meio à área urbana da cidade de Macaé. O clima é classificado como tropical úmido. A pluviosidade anual fica entre 1.250mm, já no alto é de 2.119mm. A temperatura média de toda a área da bacia fica em torno de 22ºC. (Atlas Ambiental da Bacia do Rio Macaé, 2015).

Material e métodos

A metodologia da pesquisa envolveu três etapas distintas para a caracterização ambiental sobre a extração de areia na bacia do rio Macaé, sendo elas: (1) revisão da legislação ambiental em vigor no âmbito federal, estadual e municipal e no levantamento das atividades de mineração de areia para o estado do Rio de Janeiro e do Brasil, através de consultas em sites e bibliotecas. (www.dnpm.gov.br; www.inea.rj.gov.br; www.mma.gov.br), além da identificação de mineradoras de areia que atuam dentro do sistema fluvial do rio Macaé e técnicas de extração de areia (periodicidade e volume). A identificação foi feita pelos documentos oficiais de gestão da Bacia do rio Macaé e, também, através das imagens de satélite, disponibilizadas pela ferramenta do Google Earth. (2) realização de trabalho de campo para obtenção de informações, não aferidas/disponibilizadas pelos meios oficias e de dados laboratoriais. Quantificação do volume médio do material retirado de areia do leito do rio Macaé, e também informações das empresas registradas, bem como o a forma de extração de areia e o ano inicial da atividade. Em um dos pontos foi traçado o perfil transversal, antes e após a área de extração de areia, a uma distância de 1 km, aproximadamente. Esta distância foi escolhida porque a intenção era aferir efeitos em escala local. Segundo Oliveira e Mello (2007) e Marçal (2013) diversos pesquisadores vêm estudando a geometria de canais fluviais através de seções transversais ao rio, com a finalidade de identificar as suas variações morfológicas, os processos sedimentares predominantes e as influências de eventos naturais e antrópicos sobre a forma dos canais. Ainda nesta etapa, foi feito o levantamento de dados pluviométricos da estação Galdinópolis e determinação de chuvas relevantes para atingir um nível de reposição de sedimentos que favoreça a atividade de mineração de areia, além da análise das imagens multitemporais entre os anos de 2003 a 2016, disponibilizadas pelo Google Earth para verificar em planta a influência desta atividade nos processos fluviais. (3) A última etapa resulta na integração dos dados e elaboração de tabelas, mapas e gráficos. As tabelas e os gráficos foram realizados na ferramenta do Windows Excel 2010. Os mapas foram construídos com as bases cartográficas do IBGE e as imagens do Google 13 Earth, e trabalhados no Arcgis.

Resultado e discussão

A quase inexistência de dados cadastrais atuais ou mesmo artigos referentes à mineração de areia no Estado do Rio de Janeiro, tornou difícil uma investigação detalhada. No que se diz respeito à legislação mineral brasileira, esta é regida pelo Código de Mineração, decreto-lei n°227/1967, alterado pela lei n° 9314/96, que dispõe sobre as formas e condições de habilitação e execução das atividades de pesquisa e lavra de substancias minerais. Sua aplicação e fiscalização são de responsabilidade do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, a quem compete à execução das normas do Regulamento do Código de Mineração e também fiscalizar as atividades concernentes à mineração, à indústria e ao comércio de matérias-primas minerais. Sob o aspecto da legislação ambiental, a mineração é classificada como atividade potencialmente modificadora do meio ambiente e, como tal, está sujeita, entre outros, ao processo de licenciamento ambiental e à recuperação de áreas degradadas (Caderno de Licenciamento Ambiental, 2009). O licenciamento ambiental, por sua vez, é um instrumento na Lei nº 6.938/81, que estabeleceu a Política Nacional de Meio Ambiente. Dentre os instrumentos instituídos por esta lei, destacam-se o zoneamento ambiental, a avaliação de impacto ambiental (AIA). Segundo o Anuário Mineral Brasileiro de 2010, o Brasil extrai cerca de 265.227.323 toneladas de areia por ano, gerando uma renda bruta de aproximadamente R$3.097.255.368, enquanto o Rio de Janeiro representa quase 7,4% desta produção, com extração de 19.754.219toneladas, com rendimento bruto de R$159.635.182 (5,2% do rendimento do Brasil). A maior parte da areia extraída no Estado do Rio de Janeiro provém dos leitos dos rios e de suas planícies aluviares, e tem como seu destino principal a construção civil. O DNPM classifica as mineradoras de areia em pequeno, médio e grande porte, dependendo da quantidade extraída: Mineração de grande porte (G): Produção Bruta anual maior que 1.000.000 t; Mineração de médio porte (M): Maior que 100.000 t até 1.000.000 t; Mineração de pequeno porte(P): Maior que 10.000 t até 100.000 t. Em 2010 o Brasil tem registro de 1.054 mineradoras de areia (7 grandes, 194 médias e 853 pequenas), concentradas no Sudeste. No Estado do Rio de Janeiro são registrados cerca de 80 mineradoras de areia (2 grandes, 25 médias e 53 pequenas), representando aproximadamente 7,5% do total de mineradoras no território brasileiro. Na bacia do rio Macaé foram identificados quatro pontos de extração de areia, dois no baixo curso do rio Macaé (22º 18´ 25,44´´S 41º 49´ 20,09´´O; 22º 17´ 49,16´´S 41º 53´ 50,24´´O) e dois no rio São Pedro (22º 16´ 27,98´´S 41º 52´ 38,33´´O), um no baixo curso da bacia, e outro quase no médio curso (22º 13´ 20,23´´ S 41º 59´ 12,8´´O), sendo este o mais recente, instalado no ano de 2005. Neste ponto não foi possível obter informações pelos registros oficiais e nem em trabalho de campo. Todos os pontos têm extração de 20.400 m³ de areia anualmente, aproximadamente 28.560toneladas de areia. São consideradas mineradoras de pequeno porte. Esse valor é estabelecido para a empresa pelo licenciamento ambiental, sendo 1700m³ por mês. A empresa faz a contagem através da quantidade de caminhões que são carregados, cerca de 4 a 5 caminhões por dia, podendo variar ao longo do ano, pois existem épocas com maior quantidade de areia (de dezembro a abril) e outras mais escassas (de maio a novembro), de acordo com a quantidade de chuva, segundo a informação dada pela empresa, pois não há registro público de exatamente quantos caminhões são carregados. Nos últimos anos os trabalhadores vêm sentindo o tempo mais seco, e a diminuição de chuvas causou a consequente diminuição da produção e demissão de alguns funcionários. O valor médio anual da estação pluviométrica Galdinópolis que fica em torno de 2100 mm/ano, chegou a 1260 mm em 2014, com pouca ocorrência de eventos de chuva intensa, onde há grande reposição de sedimentos. Nos pontos 1, 2 e 3, que se tem informação a extração de areia é feita por dragagem, caracterizada por um sistema de bombeamento que realiza a sucção da areia na superfície do leito submerso. A estrutura de uma draga é composta sobre uma balsa móvel, movida por motor (também pode ser feita com um bote auxiliar). O transporte é feito para as margens por tubulação sustentada sobre tambores flutuantes. Ponto 1 (P1): Areal Sapucaia, localizado no rio São Pedro (Baixo Curso). O Rio São Pedro corre de Noroeste para Sudeste, encontrando o Rio Macaé, que tem sua Foz no Oceano Atlântico. O perfil transversal ao canal foi traçado um km antes da balsa e um km depois da balsa, conforme explicado na metodologia. Antes da balsa a maior profundidade foi de aproximadamente 0,5 m, e a largura do rio de 20m. Após a balsa a profundidade foi de 1m e a largura do rio de 18m, como mostra a Figura 1. Pode-se notar como a atividade de extração de areia vem incidindo e estreitando o canal. Através da análise das imagens multitemporais obtidas pelo Google Earth pode-se fazer uma breve análise das condições geomorfológicas do rio. As imagens foram de abril de 2003 e junho de 2011, onde o índice pluviométrico mais baixo (92,10mm/mês e 49,4mm/mês) permitiu visualizar, para os dois anos algumas formas fluviais do tipo barras diagonais e ilhas fluviais antes do ponto de dragagem, que após a dragagem não se verificou. Ponto 2 (P2): Areal Severina, localizado no rio Macaé (Baixo Curso, antes da confluência com o rio São Pedro). As imagens multitemporais desde ponto foram de Abril de 2003 e Abril de 2016. A profundidade a 1 km antes do local da extração é de 0,6m, no local da balsa cerca de 3m e após a balsa aproximadamente de 2m. As formas no canal, como barras diagonais podem ser vistas mais claramente antes do ponto de extração, após o ponto, onde há incidência e estreitamento do canal, tonam-se difíceis de formarem. Ponto 3 (P3): Areal Macaense, localizado no rio Macaé (Baixo Curso, após a confluência com o rio São Pedro). Após a confluência dos rios, a correnteza da água é mais forte e o rio Macaé torna-se mais largo e mais profundo. Nesse ponto, a influência da maré é maior, pois se encontra a 10 km de sua foz, no oceano Atlântico. Esse ponto se localizava mais próximo à foz, porém devido à instalação de dutos da Petrobrás, a dragagem passou a ser anterior aos dutos, onde fica a uma profundidade de 2m e após a balsa uma profundidade de aproximadamente 4m. As imagens multitemporais foram de agosto de 2005 e junho de 2015. E parece repetir o mesmo comportamento dos pontos anteriores, onde antes do ponto de dragagem, os depósitos sedimentares criam formas fluviais do tipo barras diagonais e dão forma meandrante ao canal, o que não é visto após o ponto de dragagem (Figuras 2 e 3). A reposição dos sedimentos está diretamente relacionada com as chuvas que ocorrem no sistema fluvial. Através dos dados da Agência Nacional de Águas (ANA), foram extraídos os dados pluviométricos da Estação Galdinópolis, da chuva máxima do mês registrada de janeiro de 2013 até junho de 2016. Foi construído um gráfico de dispersão para analisar eventos importantes para a reposição dos sedimentos (Figura 4). Na elaboração deste gráfico de dispersão a escolha do dia da chuva máxima do mês e não da média mensal de chuvas foi para visualizar melhor eventos intensos, onde há grande reposição de sedimentos. Foi determinado o valor de 60 mm e traçado uma linha vermelha, para visualizar melhor estes eventos mais intensos, quando a vazão é maior e carrega maior quantidade de sedimentos, favorecendo a atividade de mineração. Na análise do gráfico podemos notar pouca ocorrência de eventos intensos nos últimos anos, comparado há anos anteriores em que um dia intenso de chuva chega a 128,6mm (Jan/2009), em 2014 o dia de chuva mais intenso foi registrado apenas 49,3mm em novembro, o que vem trazendo consequências negativas para atividade de extração de areia.

FIGURA 1

Perfil transversal no baixo curso do rio São Pedro (P1), 1 km antes e 1 km após o ponto de dragagem.

FIGURA 2

Mapa de feições geomorfológicas no baixo curso do rio Macaé (P3) no local da extração de areia - abril 2005

FIGURA 3

Mapa de feições geomorfológicas no baixo curso do rio Macaé (P3) no local da extração de areia - abril 2015

FIGURA 4

Gráfico de dispersão das chuvas máximas do mês de Janeiro de 2003 até Junho de 2016.

Considerações Finais

A atividade de mineração de areia dentro da bacia do rio Macaé teve início após a retificação do rio Macaé e São Pedro. A retificação dos canais trouxe alterações ambientais e sociais, e a mineração de areia surgiu como uma nova atividade econômica na bacia, e importante fornecedora de areia para a construção civil local que teve uma grande expansão nos últimos anos devido ao aumento populacional na região, principalmente após a instalação da Petrobras. Esta atividade já era praticada na bacia hidrográfica vizinha a do rio Macaé, nos leitos do rio São João, e foram interrompidas devido aos danos causados, evidenciando a importância desse estudo na relação da atividade de extração de areia e a dinâmica fluvial. Na bacia do rio Macaé, a extração de areia é uma atividade relativamente nova, porém podemos notar sua influência na dinâmica de incisão e na influência do desenvolvimento de formas fluviais dentro do canal, como barras e ilhas fluviais, em conjunto com o volume de precipitação e, também, em alguns pontos a ação da maré. Acredita-se aqui que esta atividade de extração de areia no baixo curso da bacia do rio Macaé, possa estar contribuindo para que o canal se mantenha com padrão retilíneo dentro da área já retificada, quando sua natureza luta para retomar sua forma natural meandrante. A atividade de extração de areia fica comprometida pelo regime de chuvas em função da reposição dos sedimentos dentro do canal, como evidenciados nos últimos anos.

Agradecimentos

Ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pelos auxílios concedidos, a UFRJ pelo apoio à esta pesquisa, os motoristas do Igeo no auxílio no trabalho de campo, e aos pareceristas pela avaliação do artigo para o Sinageo 2018.

Referências

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