Autores
Silva, P.M. (UFAC) ; Santos, W.L. (UFAC)
Resumo
A dinâmica sedimentológica em ambientes fluviais da Amazônia ainda carece de estudos que permitam o seu entendimento. Nesta pesquisa, analisou-se a carga de sedimentos depositada pelo rio Acre em um ambiente lêntico (paleomeandro denominado “Lago do Amapá”). Inicialmente, procedeu-se com as medidas da altura do talvegue e da largura entre as margens, além de coleta subsuperficial de água e sedimentos de fundo. O lago apresentou forte indício de assoreamento nos flancos, com diminuição de sua profundidade e alta Concentração de Sedimentos em Suspensão (Css), principalmente em sua margem esquerda corroborando a quantidade de material no tamanho areia que constituiu a carga de fundo. A coleta e a análise do período de seca foram inviabilizadas, considerando-se a presença de macrófitas em suspensão que dificultou o deslocamento do barco e a coleta de água. O ambiente apresenta sinais de intensa eutrofização.
Palavras chaves
Geomorfologia Fluvial; Monitoramento ambiental; Assoreamento
Introdução
O complexo processo erosivo-sedimentológico envolve fatores de ordem física, meteorológica e antrópica e necessita ser estudado em seus efeitos (CHRISTOFOLETTI, 1981; PRUSKI, 2006). O escoamento superficial concentrado da água (runoff) é responsável pelo carreamento de partículas de sedimentos que se acumulam nos fundos de vale, originando o assoreamento, na maioria das vezes, proporcionado pelo desmatamento (HIGGITT, 1991; SILVA et al., 2003). Em ambiente amazônico, Leprun (1993) menciona que, após o desmatamento, as taxas de escoamento superficial são multiplicadas de 1,5 a 3,3 vezes. Este fato justifica a execução desta pesquisa, determinando os efeitos da concentração de sedimentos no rio Acre, em uma faixa do antigo curso (paleomeandro do Amapá). Possibilitará, ainda, identificar sazonalmente os indicadores do processo de erosão e sedimentação, responsáveis pela alteração ou não naquele ambiente fluvial. As medidas de profundidade e largura do canal são imprescindíveis para o entendimento da dinâmica erosivo-deposicional em ambientes fluviais. A partir dessas medidas é possível identificar o processo de assoreamento, ou não, que se apresenta em determinado ambiente. Aliado a isso, valores de carga de sedimentos em suspensão são tidos como imprescindíveis para o reconhecimento das condições ambientais em um sistema hídrico. No entanto, este tipo de investigação tende a ser oneroso e demorado por diversas razões, entre elas a demanda por monitoramento e coleta constantes em diversas seções do canal fluvial, no intuito de identificar as alterações dessa variável. Contudo, esse tipo de abordagem é parte indispensável dos estudos de bacias de drenagem, notadamente quando se pretende avaliar o grau de interferência da ação antrópica sobre esse sistema. Algumas metodologias têm facilitado os cálculos da Css em rios. Entre elas, a utilização dos valores de Turbidez e Sólidos Totais aparecem como sendo uma alternativa viável. Na pesquisa desenvolvida por Piccolo et al. (1999), avaliou-se a correlação existente entre a Sólidos totais em suspensão, Cor e Turbidez para o Rio Jucu – ES, na qual os autores concluem que as melhores correlações foram entre a concentração de Sólidos Totais e a Turbidez, evidenciando que o parâmetro Turbidez é o mais indicado para indicação indireta da Css. Também Vestena (2008), estudando a bacia do rio Caeté, no município de Alfredo Wagner (SC), identificou a Css pelo mesmo procedimento e encontrou valores estatisticamente significativos para aquela bacia. Para Santos et al. (2001), a turbidez pode apresentar uma excelente correlação linear com a Css, principalmente se tratando da concentração de materiais finos. Esses autores também destacam que a turbidez é um indicador melhor do que a descarga líquida para estimar a Css. A partir disso, supõem-se a existência de índices de Turbidez consideráveis, causados pela presença predominante de materiais finos, decorrentes da natureza argilosa dos solos existentes na região. Estudos com essa abordagem no estado do Acre são quase inexistentes e, considerando-se a grande carga de sedimentos em suspensão nos rios da região, têm-se como necessárias investigações científicas dessa natureza no sentido de identificar as fontes da Css.
Material e métodos
A área de estudo compreende um paleomeandro do rio Acre denominado Lago do Amapá, localizado em uma APA (Área de Preservação Ambiental) de mesmo nome, localizado na região periurbana de Rio Branco/Acre. O lago do Amapá possui uma extensão aproximada de 3 km e, ainda, é periodicamente inundado pelas águas do rio Acre no período das chuvas na região (outubro a março). Foi realizado levantamento teórico-conceitual, com leituras temáticas e elaboração da revisão bibliográfica. Literaturas sobre assoreamento fluvial, composição do relevo fluvial e dinâmica sedimentológica em ambientes fluviais. A atividade de campo consistiu em selecionar 10 (dez) pontos de monitoramento ao longo do lago, com uso de um GPS Garmin 78s. A seleção foi feita de forma equidistante, de 300 em 300 metros, demarcando-se o ponto com estacas, no total de 20 (vinte) no tamanho de 80 cm cada. As estacas foram pintadas e marcadas com fita adesiva e fincadas em cada ponto de amostragem, em pontos que facilitavam a sua visualização. Abaixo, a localização dos pontos: Tabela 1: Pontos de monitoramento, com coordenadas planas, no Lago do Amapá - Acre PONTOS X Y 1 625778 8888197 2 625515 8888459 3 625778 8888187 4 625352 8889191 5 625749 8889307 6 626056 8889013 7 626256 8888697 8 626193 8888338 9 626184 8888225 10 625545 8889320 Após a demarcação dos pontos, elaborou-se o check-list necessário para os procedimentos de coleta e análises laboratoriais da água. Realizou-se a 1ª coleta de água e sedimentos em campo, relativa ao período de seca regional (mês de agosto/2016) nos 10 (dez) pontos previamente selecionados no Lago do Amapá, obedecendo uma distância de aproximadamente 300 m um do outro. Em cada ponto, foram coletadas subsuperficialmente 3 amostras de água (margem esquerda, meio e margem direita do lago), totalizando-se 30 (trinta) amostras, seguindo a orientação da laboratório da Unidade de Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal do Acre (UTAL/UFAC). Após, realizou-se as análises laboratoriais, com a leitura das variáveis físicas Sólidos Totais e Turbidez, conforme método de Macêdo (2003). Com a utilização do software Excell for Windows elaborou-se a curva de regressão para as duas variáveis, sendo possível, então, aferir a concentração de sedimentos em suspensão (Css), conforme a metodologia utilizada por Piccolo et. al. (1999), Silva et. al. (2001), Vestena (2008) e Santos (2013). Para a coleta de sedimentos de fundo, procedeu-se com a mesma metodologia, utilizando-se de uma draga modelo Eckman-Berge (Van-Vin) disponível no Laboratório de Ictiologia da UFAC. A metodologia consistiu em soltar a draga na margem direita, meio e margem esquerda do lago, obtendo-se 3 amostras em cada ponto, totalizando-se 30 amostras. Após, as amostras foram tratadas e realizadas as análises granulométricas do material, no laboratório de Solos da UFAC. Após, para melhor discussão dos dados, realizou-se o cálculo de média aritmética para cada ponto monitorado. Foram realizadas, ainda, as medidas de altura do talvegue do Lago, com o apoio de uma trena de alumínio, barbante milimetrado de cinco e cinco metros e barco. A metodologia consistiu em esticar o barbante de margem à margem em cada um dos 10 pontos de monitoramento. A cada cinco metros percorrendo o barbante em direção à margem contrária, mergulhava-se a trena na água até o contato com fundo e procedia-se a medida da altura do fundo até o barbante. A pesquisa necessita continuidade, no intuito de proceder com o monitoramento e a devida confirmação de hipóteses que a nortearam, carecendo de mais tempo de observação.
Resultado e discussão
A partir da sumarização dos dados foi possível elaborar a curva-chave a
partir da plotagem dos valores de Turbidez e Sólidos Totais para extrair os
valores de Css. Os modelos utilizados não se adequaram aos dados, por estes
se distanciarem em muito da média, revelando valores extremos que
apresentaram alta variabilidade para o conjunto dos dados analisados, com
R2=0,0713 (meio), 0,083 (direita) e 0,0494 (esquerda).
Com a sumarização dos dados, observou-se que a maior concentração de
sedimentos em suspensão foi observada na margem esquerda (E) do Lago,
chegando a valores elevados como por exemplo no ponto 9, com 109,1914 mg/L
de sedimentos.
Estes valores elevados podem estar relacionados a existência de uma via
vicinal (ramal) que está a 10 (dez) metros da margem esquerda do Lago,
favorecendo o escoamento de material particulado para o canal a cada evento
chuvoso, culminando com o aumento da Css.
Por outro lado, a margem direita (D) é tida como mais preservada, com grande
quantidade de área de floresta, abrigando moradores que realizam agricultura
de subsistência com fraca interferência na Css do Lago, chegando ao valor
máximo de 10,6969 mg/L de sedimentos. A menor Css foi observada no meio (M)
do Lago, com valor máximo de 7,3259 mg/L no primeiro ponto de coleta.
A ocorrência do aumento da Css no período de seca, indica a contribuição de
sedimentos provenientes de áreas fontes próximo do curso de água que
condicionaram uma resposta rápida na taxa de sedimentos em suspensão (SEEGER
et al., 2004).
O declínio nos valores da Css possivelmente ocorreu pela reduzida quantidade
de sedimento disponível nestas áreas. A ocorrência de picos de Css também
pode estar relacionado, segundo Sammori et al. (2004), à intensidade das
chuvas na região que ocasionam a lavagem de material particulado (wash load)
para os fundos de vale.
A partir da análise dos valores de profundidade média e largura do canal,
podemos constatar que há uma tendência a diminuir a profundidade nas
extremidades do lago (ponto 1 e pontos 9 e 10). Esta tendência corrobora os
valores de largura, vez que o lago apresenta-se mais estreito nas
extremidades e mais largo no seu meio curso (pontos 4 a 6).
Diante disto, constatou-se que o assoreamento do Lago do Amapá está
ocorrendo, em maior quantidade, nas suas extremidades, que podem ter relação
direta com o aporte de sedimentos advindos do rio Acre sazonalmente. O ponto
1, situa-se na área de cabeceira do Lago, portanto, a parte mais elevada, o
que pressupõe que o carreamento de sedimentos para aquele ponto esteja
ocorrendo de forma vertiginosa, com isso demonstrando o ponto mais raso em
todo o monitoramento, com profundidade média de -2,14m.
Os pontos 9 e 10, situam-se próximos à embocadura do Lago, em contato direto
com o rio Acre no período de cheia regional. Esse fato, pode justificar as
baixas profundidades médias registradas durante a pesquisa (-2,39 e -2,20m,
respectivamente), considerando-se a grande quantidade de sedimentos oriundos
do rio Acre que são precipitados no talvegue do Lago ano após ano, fazendo
com que haja uma predisposição tanto ao assoreamento, quanto à colmatação
daquele ambiente.
Os pontos de 6 a 10, demonstram anomalias quanto à largura, saindo de 75 m
de largura no ponto 6, e posteriormente, estreitando-se no ponto 9 (53,99m),
voltando a enlarguecer no ponto 10 (64,70m).
Os dados não demonstraram correlação forte entre largura e profundidade
média (r=0,27), no entanto, observou-se que o acúmulo de sedimentos pode
estar ocasionando a anomalia registrada, com queda brusca de largura,
seguida de diminuição da profundidade média, principalmente nas extremidades
do Lago.
Com relação à análise granulométrica dos sedimentos de fundo, constatou-se
maior quantidade de material no tamanho areia, apresentando-se uma média que
variou de 33,97 (ponto 5) a 73,43% (ponto 6). Os pontos 2, 5 e 9
apresentaram valores elevados de silte, material fino corroborando com os
valores de argila, conforme fig. 6.
A alta quantidade de material no tamanho areia em quase todo o perfil
monitorado remete a uma condição de material jovem, de origem fluvial, que
certamente foi carreado e depositado no Lago pelo rio Acre quando das cheias
regionais. No entanto, há que se considerarem as formas de uso da terra,
como a pecuária, agricultura e a piscicultura como contribuinte desta
situação.
A quantidade de argila não superou 15% de presença nas amostras, o que
reflete uma condição juvenil do Lago. Por outro lado, compreende-se que a
dinâmica sedimentar está relacionada ao tamanho da partícula, com o material
grosseiro, como a areia, sendo depositado no talvegue do Lago e, a argila,
como material fino, tende a encontrar-se em suspensão. Com relação ao
assoreamento, observa-se que o Lago está recebendo material de origem
fluvial e que o processo de assoreamento está em curso, como visto nos
valores de profundidade e largura, totalmente atrelada ao depósito de
material.
A coleta do período de seca de 2017 foi inviabilizada, não sendo possível a
sua concretização. Tal fato justifica-se pela grande quantidade de
macrófitas suspensas na coluna d’água que impediram o acesso pelo barco, bem
como a coleta subsuperficial de água.
Além disso, por falta de equipamentos para leitura das amostras que foram
possíveis serem coletadas (60%), estas foram desprezadas, considerando-se a
sua incompletude e não restar dados suficientes para a pesquisa.
No entanto, mesmo não havendo os dados desse período de seca, os dados que
foram coletados em outubro de 2016, são tidos como suficientes para a
análise hidrossedimentológica do Lago do Amapá. No entanto, sugere-se que as
pesquisas continuem com o devido monitoramento das reais condições e, caso
necessário, sugerir outras formas de uso para o entorno do Lago, que
atualmente, se constitui em APA (Área de Preservação Permanente) e que serve
de subsistência para as famílias que habitam na sua área.
Note-se a grande concentração de sedimentos em suspensão na margem esquerda. Produzida por wash load de material particulado.
Observa-se diferenças nos valores tanto no meio quanto nos flancos. Nestes últimos, grande concentração de material, indicando o assoreamento do Lago.
Demonstra-se grande quantidade de macrófitas em suspensão na coluna d'água, o que dificultou a coleta. Processo intenso de eutrofização do Lago.
Vista do Lago do Amapá/AC e respectivos pontos de monitoramento
Considerações Finais
A pesquisa constatou a necessidade de investigações futuras relativas à sedimentação em ambientes fluviais do Acre. A Amazônia, por sua grande extensão em terras úmidas, carece de pesquisas aprofundadas sobre o comportamento dos elementos naturais frente às alterações ocorridas no uso da terra ao longo de quatro décadas. Os dados demonstraram um processo de assoreamento em curso no Lago do Amapá ocasionado tanto pela dinâmica do rio Acre quanto pelas formas de uso da terra que são responsáveis pelo carreamento e deposição de material pouco intemperizado (tamanho areia) para aquele ambiente. Observou-se alteração na profundidade e na largura do Lago, naturalmente indicando que o rio Acre está influenciando, tanto no assoreamento quanto no processo de eutrofização daquele ambiente. Há uma intensa relação do uso da terra com a Css, o que poderá apresentar problemas para os moradores da APA, que atualmente necessitam do Lago para sobreviver através da pesca de subsistência. Propõe-se o prosseguimento desta pesquisa, no intuito de monitorar a carga de sedimentos e seus efeitos em anos posteriores, bem como se sugere limpeza geral do Lago com a retirada das cianofíceas da superfície do Lago.
Agradecimentos
À UFAC pela concessão de bolsa de iniciação científica à autora.
Referências
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discharge from a small forested basin in the humid tropics. Hydrological Processes, v. 18, p. 721–738, 2004.
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SILVA, A.M., SCHULZ, H.E., CAMARGO, P.B. Erosão e Hidrossedimentologia em Bacias Hidrográficas. São Carlos: RiMa, 2003.
VESTENA, L.R. Análise da relação entre a dinâmica de áreas saturadas e o transporte de sedimentos em uma bacia hidrográfica por meio de monitoramento e modelagem. (Tese de Doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC, Florianópolis, 2008.
WETZEL, R.G. Limnologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.