Autores
Souza, J. (UFPB)
Resumo
A diversidade e comportamento fluvial dos rios do Nordeste Brasileiro ainda é pouco estudada e compreendida, em especial para os rios e trechos situados nas áreas semiáridas. Novas abordagens como a Teoria do Rio Contínuo e de Estilos Fluviais focam nos estudos dos controles fluviais e ambientais para o entendimento da diversidade fluvial, dentro de uma perspectiva sistêmica e complexa. Assim o presente trabalho visa analisar a relação entre os controles fluviais e variação litológica na diversidade fluvial do Rio Mamanguape. Para tal foram elaborados perfis dos controles fluviais (altimetria, área de captação e energia total de fluxo), mapeamento temático e identificado a diversidade fluvial presente no curso do rio Mamanguape. Foram identificados 4 Estilos Fluviais representativos e seus controles fluviais, concluindo que a metodologia escolhida foi adequada para alcançar os objetivos propostos.
Palavras chaves
Diversidade Fluvial; Estilos Fluviais; Teoria do Rio Contínuo
Introdução
A diversidade e comportamento fluvial dos rios do Nordeste Brasileiro ainda é pouco estudada e compreendida, em especial para os rios e trechos situados nas áreas semiáridas. Isso se reflete na precária gestão e conservação dos mesmos pelo poder público e pelas comunidades. Essa problemática impõe a necessidade de estudos amplos sobre essas questões, levando em consideração uma abordagem sistêmica e complexa necessária para o entendimento de suas características e comportamento (MATTOS e PEREZ FILHO, 2004). Tradicionalmente os sistemas fluviais são vistos dentro de uma ótica de equilíbrio com variações de comportamento e características dentro de um modelo ideal de zonas processuais; zona de produção, de transporte e de deposição (SCHUMM, 1977). Baseado nesta ideia entendeu-se o sistema fluvial prioritariamente como um sistema em equilíbrio, ou em busca de equilíbrio, onde o perfil longitudinal foi uma ferramenta bastante utilizada para estas análises (CHRISTOFOLLETI, 1980). Uma abordagem que foi incorporada posteriormente aos estudos de geomorfologia fluvial foi a Teoria do Rio Contínuo (VANNOTE, et al, 1980), o qual entendia os rios como uma sequência mutável de variáveis físico- biológicas, que geraria diferentes características e comportamentos em diferentes trechos aluviais, dentro de uma perspectiva evolutiva dentro do canal. Essa abordagem fortaleceu o entendimento da necessidade de avaliação da diversidade fluvial, tanto de suas características quanto em relação as suas dinâmicas (BRIERLEY e FRYIRS, 2005). Em complemento o entendimento que alguns sistemas não se adequam as premissas tradicionais do equilíbrio dinâmica, como os ambientes fluviais secos (BRACKEN e WAINWRIGHT, 2008), o foco dos trabalhos vêm se consolidando em analisar o comportamento e a diversidade fluvial, e suas formas complexas de adaptação a mudanças ambientais. Baseado nessas novas abordagens pode-se trabalhar com a visão sistêmica e complexa do Rio Contínuo, analisando os controles fluviais e sua relação com a diversidade fluvial (FRYIRS, BRIERLEY, 2013); além do detalhamento de elementos ambientais de controle regional como a litologia. Em associação com essa abordagem, a metodologia dos Estilos Fluviais torna-se um framework ideal para estudos sobre diversidade fluvial, visto a possibilidade da separação de um determinado rio em diferentes trechos com comportamento e características distintas (BRIERLEY e FRYIRS, 2005). O entendimento dos elementos controladores da diversidade e comportamento fluvial é primordial para a compreensão de como os rios podem se ajustar a mudanças ambientais de origem tanto natural quanto antrópica (FRYIRS et al, 2009), e consequentemente para o planejamento e gestão ambiental dos rios. Com estas premissas em mente, o presente artigo visa analisar a relação entre os controles fluviais e variação litológica na diversidade fluvial do Rio Mamanguape. Para tal foram elaborados perfis dos controles fluviais (altimetria, área de captação e energia total de fluxo), mapeamento temático e identificado a diversidade fluvial presente no curso do rio Mamanguape.
Material e métodos
A bacia do Rio Mamanguape apresenta cerca de 2999 Km², está inserida nas mesorregiões da Mata e do Agreste Paraibano, abrangendo área de 42 municípios (figura 01), tendo como principal afluente o rio Araçaji. Geomorfológicamente a bacia apresenta suas cabeceiras no Planalto da Borborema e sua foz corta os tabuleiros costeiros antes de desaguar no litoral paraibano. Tal extensão e diversidade se reflete em uma variação climática, tendo a bacia áreas semiáridas e sub-úmidas próximas a sua nascente, e úmidas próximas a sua foz (SANTOS, et al, 2015). Foram elaborados quatro mapas temáticos de informações relevantes para o entendimento do contexto geológico-geomorfológico da bacia como um todo, bem como para o entendimento das áreas cortadas pelo canal. Inicialmente foram utilizados dados SRTM (EMBRAPA, 2005) para a elaboração do Modelo Digital de Elevação (MDE) e do Mapa de Classes de Declividade, que foi organizado a partir das orientações da EMBRAPA (2006).Já os Mapas de Geomorfologia e de Geologia foram obtidos a partir dos dados do Levantamento de Geodiversidade do Estado da Paraíba (2016). Vale ressaltar que a área da bacia apresenta 20 unidades litológicas diferentes, contudo no mapa só foram destacadas as unidades litológicas que o curso do Rio Mamanguape corta, tal decisão visou diminuir a quantidade de informação no mapa para facilitar sua leitura. A partir das informações do MDE, as informações de altimetria e de área de captação dos pontos do canal foram obtidas a partir de processamento em ambiente SIG. Para tal foi extraído automaticamente o canal do Rio Mamanguape, seguindo as recomendações para áreas com topografia complexa (SOUZA e ALMEIDA, 2014), bem como a informação de acumulação de fluxo (número de pixels), que posteriormente foi transformação em área de captação (km²). Com as informações altimétricas do MDE e de área de captação, além da geometria do rio Mamanguape, foi possível a partir da ferramenta Stack Profile, do ArcGis 10.2, relacionar os pontos do canal com as informações altimétricas e de área de captação, sendo possível gerar o perfil altimétrico longitudinal e o perfil de área acumulada do canal. Para calcular o perfil de energia total do fluxo foi utilizado as recomendações de Fryirs e Brierley (2013), entendendo que a energia total do fluxo de um determinado ponto é o produto da descarga de fluxo (m³/s) vezes o gradiente do canal (m/m) e o peso específico da água (9800 Nm-2). Nesta perspectiva são necessárias as informações de gradiente e de vazão para diversos pontos do canal. O gradiente pode ser calculado a partir das informações altimétricas pontuais do perfil longitudinal. Já o cálculo/mensuração da vazão pontual torna-se um problema, visto que o monitoramento fluviométrico não é contínuo em toda a extensão do canal, sendo pontual com poucas estações de monitoramento. Não obstante, o presente trabalho irá trabalhar com a estação fluviométrica mais próxima da foz, identificando os valores máximos de vazão para a bacia como um todo, e a vazão dos outros pontos do Rio Mamanguape será calculada proporcionalmente a sua área. Assim, será utilizado os dados da estação Ponte do Leitão, localizada no município de Mamanguape, tendo como área de captação de 2950 Km², representando quase a totalidade da vazão produzida pela área de captação da bacia (2999 Km²). Buscou-se identificar os momentos de eventos extremos, visto que assim se representaria o evento de máxima energia de fluxo para a bacia. Por fim, baseado nas variações fluviais foram identificados 4 pontos representando estilos fluviais representativos para o Rio Mamanguape, com características e controles diversos. Sendo possível relacionar como os controles fluviais e as variações litológicas afetam a distribuição dos estilos fluviais.
Resultado e discussão
A partir dos mapas temáticos foi possível ter uma visão ampla das
características geológicas-geomorfológicas da bacia (figura 02).
Inicialmente a partir da análise do MDE e das classes de declividade
observa-se que a bacia situa-se em dois compartimentos distintos um
compartimento superior, acima de 400 metros, que apresenta declividades
medianas (suave ondulada e ondulada); e um compartimento inferior, abaixo
dos 200 metros, com declividades baixas (plana e suave ondulada). Além de
uma área de escarpa separando as duas unidades, altitudes entre 400 e 200
metros, e altas declividades (forte ondulado, montanhoso e escarpado). Esses
compartimentos são relativos ao Planalto da Borborema, sua escarpa e as
unidades costeiras do litoral leste do Nordeste.
Analisando o mapa geomorfológico e focando o canal do Rio Mamanguape
observa-se que o mesmo tem sua nascente próximo das maiores altitudes da
bacia em local com baixa declividade, identificado como Platô, e
posteriormente cruza uma área de serras baixas até atingir a área de Escarpa
Serrana. Após a descida da escarpa o canal atravessa as áreas de morros
baixos até atingir os Tabuleiros Dissecados e em sua porção mais baixas as
áreas de planície fluvial e flúvio-marinha.
Já o mapa geológico apresenta apenas as litologias que o canal do Rio
Mamanguape corta, sendo representadas por sete unidades litológicas
distintas, sendo seu trecho superior controlado por litologias cristalinas,
e seu trecho inferior por sedimentos inconsolidado recentes. O trecho
cristalino inicia com a presença de um Pluton (Esperança-Puxinanã) na área
da nascente, e após o trecho inicial o curso do rio alterna entre diferentes
complexos metamórficos (Recanto-Riacho do Forno, São Caetano e Sertãnia),
sendo essa alternância sendo rompida apenas no trecho médio do canal quando
o mesmo atravessa outro Pluton (São Lourenço). Já o baixo curso é controlado
(e formador) por depósitos aluvionares e flúvio-marinhos. Vale ressaltar,
também, que o curso atravessa duas zonas de cisalhamento que delimitam
claramente a transição entre o Pluton Esperança e o Complexo Recanto-Riacho
do Forno; e uma das alternâncias entre os Complexos São Caetano e Recanto-
Riacho do Forno. Tais variações litológicas e estruturas geológicas irão
refletir diretamente no perfil longitudinal do canal, em sua energia de
fluxo e consequentemente irão gerar modificações fluviais.
Após essa análise inicial foi elaborado o gráfico representando os
principais controles fluviais do Rio Mamanguape (altimetria, área de
captação e energia do fluxo), além da variação litológica em seu percurso
(figura 03). O perfil altimétrico longitudinal representa fielmente o que
foi identificado a partir dos mapas temáticos, apresentando a nascente em
trechos de gradiente médio, descendo para o compartimento inferior através
de um trecho de escarpa íngreme, e o trecho inferior apresentando baixo
gradiente. Além disto o perfil apresenta knickpoints locais no trecho médio
e final do curso. O perfil de área de captação é útil para a identificação
da entrada de afluentes no canal, visto que estes pontos representam um
aumento repentino na entrada de fluxos hidrossedimentológicos. Tal
modificação, quando é de grande monta, normalmente gera modificações nas
características e comportamento fluvial gerando uma variação nos estilos
fluviais. No gráfico a variação mais significativa representa a entrada dos
fluxos do Rio Araçaji, próximo ao quilometro 120 do Rio Mamanguape.
Por fim, o perfil de energia se baseou nos dados de altimetria e de área de
captação, e utilizou como parâmetro de vazão o valor do evento extremo do
dia 17/07/2011 que apresentou vazão máxima de 1218 m³/s no posto
fluviométrico Ponte do Leitão. Analisando o perfil observa-se os picos de
energia na área da escarpa, devido aos altos valores de gradiente. Nesses
trechos de alta energia predominam canais confinados, como o ponto A (os
pontos identificados no gráfico serão debatidos posteriormente). Após a
descida da escarpa predomina trechos com níveis médios de energia e
variações litológicas constantes, sendo predominantes trechos semi-
confinados (ponto B)
Também se observa o aumento localizada da energia no ponto de confluência
com o rio Araçaji, o que reflete o aumento de vazão e gera pontualmente
modificações no volume de sedimentos, visto que a bacia do Rio Araçaji é
composta predominantemente por áreas de alta produção de sedimentos. Tal
aumento da oferta de sedimentos resulta em trechos não confinados de rios
entrelaçados (ponto C). Além disto, observa-se aumentos pontuais de energia
nos knickpoints locais, normalmente nos pontos de variação litológica, e na
entrada dos pequenos afluentes. Por fim, o trecho final apesar de apresentar
níveis médios nos totais de energia, são caracterizados por canais mais
largos, o que gera uma dissipação de energia, apresentando baixos níveis de
energia específica, sendo caracterizados por trechos não confinados com
planícies de inundação de acreção vertical (ponto D).
As variações nos controles fluviais e na litologia são os definidores da
diversidade fluvial, desse modo, foram selecionados quatro trechos
representativos da diversidade fluvial do Rio Mamanguape (figura 01), um
trecho confinado, um semi-confinado, e dois não confinado. Para representa-
los foram selecionadas imagens do base map do ArcGis 10.2 (figura 04).
O ponto A representa um trecho confinado com a presença de cachoeiras,
estando situado na Escarpa Serrana na região da zona de cisalhamento, com
gradiente alto e um dos valores mais altos de energia para o canal
principal. Devido a alta energia e confinamento do fluxo os sedimentos são
removidos do trecho, sendo o mesmo caracterizado por margem e leito rochoso
e apresentando sequência de cachoeiras.
O ponto B é um exemplo de trecho semi-confinado com controles estruturais de
margem, onde há extravasamento de fluxo e acumulação de sedimento na margem
interna e erosão na margem interna, havendo assim uma margem de sedimento
aluvial e outra margem com exposição de rocha. Tal característica é
controlada pela variação constante da litologia durante os trechos de
complexos metamórficos, tal variação gera inúmeros de pequenos knickpoitns
locais, predominando média energia nesses trechos e limitando as áreas de
deposição fluvial.
Já no ponto C mostra um trecho de rio entrelaçado (braided), apresentando
leito arenoso e múltiplos canais divididos por barras arenosas instáveis.
Essa característica é resultado do aporte extra de sedimentos advindos do
Rio Araçagi (vale ressaltar que o nome Araçaji no mapa representa o
município de Araçaji, o canal mostrado é o Rio Mamanguape), o qual drena uma
área de alta produção de sedimentos. A disponibilidade maior de sedimentos
faz com que o fluxo não apresente a capacidade necessária de transporte,
sendo o material depositado no leito, e definindo o trecho como um trecho
não confinado de canais entrelaçados de magnitude média.
Por fim, o ponto D localiza-se perto da foz e caracteriza-se por ser não
confinado com predominância de sedimentos finos, e planície de inundação de
acreção vertical. Vale ressaltar que apesar de aparecer como área de alta
energia no perfil de energia (figura 3) o trecho possui largura bem superior
aos trechos citados anteriormente, dissipando a energia total e apresentando
baixa energia específica, o que se reflete na predominância dos sedimentos
finos. Esse trecho já está localizado nas áreas das unidades litológicas de
planícies aluviais, sendo controlada por ela, bem como sua dinâmica é
responsável pela formação das mesmas.
Mapa de localização da bacia do Rio Mamanguape
Características Geológicas-Geomorfológicas da bacia. A- Modelo Digital de Elevação; B-Mapa de Declividade; C-Mapa Geomorfológico; D-Mapa litológico.
Gráfico dos Controles Fluviais do Rio Mamanguape
Diferentes Estilos Fluviais. A-Trecho confinado; B-Trecho Semi-confinado; C-Trecho Entrelaçado; D-Trecho Não-confinado com acreção vertical
Considerações Finais
A análise realizada mostrou como a dinâmica do contínuo fluvial, quando avaliada de forma complexa, gera uma diversidade de características e comportamentos nos trechos fluviais. Além disto, mostra a importância das variações litológicas para a diversidade fluvial, e como a relação dos controles fluviais com a litologia explicam as variações da dinâmica e características fluviais. Baseado nisto foi possível identificar 4 Estilos Fluviais representativos para o Rio Mamanguape, cada qual apresentando características topográficas, hidrológicas e litológicas diversas, bem como comportamento diverso. A metodologia utilizada, demonstrou-se eficiente ao mesclar diferentes abordagens, como morfometria, hidrologia e estilos fluviais, para explicar as variações existentes no Rio Mamanguape. Desse modo, foi possível ter uma visão geral da diversidade fluvial existente a partir de dados secundários, sendo parte fundamental para a análise das características e comportamento fluvial para a área. Ao mesmo tempo, têm-se a metodologia de Estilos Fluviais como um procedimento eficaz para a divisão dos trechos com características e comportamentos homogêneos. Funcionando assim como uma forma de zoneamento ambiental para rios, o que é extremamente necessário para o planejamento e gestão ambiental.
Agradecimentos
Referências
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