Autores
Deina, M.A. (IFES)
Resumo
O baixo curso do rio Jucu tem sofrido ao longo da sua história de ocupação importantes alterações na sua drenagem natural, refletindo em significativos impactos socioambientais. Deste modo, o objetivo central do presente estudo foi identificar as alterações geomorfológicas na rede de drenagem do baixo curso do rio Jucu em Vila Velha (ES), nas últimas décadas, assim como os impactos socioambientais. O trabalho foi realizado através de diferentes materiais bibliográficos e com o auxílio de fotografias aéreas referente aos anos de 1970 e 2008. A análise das informações permitiu concluir que entre as alterações mais significativas nos cursos d’água do baixo curso do Jucu estão a retificação dos rios e as construções de inúmeros canais artificiais de escoamento. Contudo, apesar de todas estas alterações os eventos de inundações e alagamentos continuam a ocorrer.
Palavras chaves
Canais fluviais; Intervenções antrópicas; Inundações
Introdução
As transformações provocadas pelo homem na área da bacia refletem sobre os canais fluviais modificando o comportamento hidrológico dos mesmos, a quantidade e a qualidade da água, além de modificar a morfologia do canal. Tais alterações podem trazer sérios danos à população, principalmente das áreas urbanizadas comprometendo o abastecimento, assim como provocando alagamentos e inundações. Esta realidade atinge significativa parte das bacias hidrográficas brasileiras, em diferentes escalas, especialmente aquelas situadas em ambientes urbanos, como é o caso do baixo curso da bacia hidrográfica do rio Jucu, cuja interação homem-natureza tem promovido mudanças significativas no espaço geográfico. O rio Jucu nasce no Município de Domingos Martins, região serrana do Estado do Espírito Santo, e percorre uma distância aproximada de 168 km até desaguar no Município de Vila Velha, na praia da Barra do Jucu. Seu baixo curso situado em Vila Velha é o trecho que mais sofre com o avanço da urbanização, cada vez mais próxima ao canal principal, onde as alterações morfológicas nos cursos d’água (naturais e/ou artificiais) são significativas, agravando os históricos eventos de alagamentos e inundações. A rede de drenagem do município é complexa e sofre alterações da ação humana, diretas e indiretas, desde a época dos jesuítas, no século XVIII, quando o baixo curso do rio Jucu serviu às primeiras incursões no sertão capixaba, possibilitando o desbravamento dos municípios de Vila Velha, Cariacica e Viana, com importantes obras de retificação e drenagem, além de obras de transposições no seu baixo curso (ACQUATOOL CONSULTORIA, 2009). É importante destacar que todas estas intervenções na rede de drenagem foram e continuam sendo realizadas em um ambiente bastante frágil, localizado na interface continente oceano, região com baixa topografia, solo arenoso de baixa capacidade de retenção de água, forte influência das marés, entre outros. Essa problemática está aliada ainda a ocupação mal planejada do território, ao longo das últimas décadas, promovendo cenários preocupantes de significativos prejuízos socioambientais. Entender como as alterações na rede de drenagem natural deste trecho da bacia, substituída substancialmente por canais artificiais ou pela retificação de outros cursos d’água, é fundamental para a compreensão do complexo comportamento de uma rede de drenagem, sobretudo sob forte interferência da intervenção humana, fornecendo subsídios para elaboração de um planejamento urbano ambiental adequado capaz de impedir tamanhos danos econômicos, ambientais e sociais, como os que historicamente ocorrem no Município de Vila Velha. Frente a problemática levantada, identificar as alterações geomorfológicas na rede de drenagem do baixo curso do rio Jucu em Vila Velha (ES) nas últimas décadas e seus impactos socioambientais, tornou-se o objetivo central desta pesquisa. Para tanto, fez-se necessário identificar as principais alterações geomorfológicas no baixo curso do rio Jucu nas últimas décadas através da análise de fotografias aéreas históricas e correlacionar essas alterações aos principais impactos socioambientais ocorridos na região durante o período analisado, sobretudo os eventos de inundações e as consequências diretas para a população.
Material e métodos
O trabalho iniciou-se com o levantamento de referenciais bibliográficos como: livros, periódicos, dissertações, fotografia aérea de 1970 (Instituto Jones dos Santos Neves), ortofoto de Vila Velha 2008 (Instituto Estadual de Meio Ambiente), dados populacionais do ES (IBGE, 2010) e Planos de Informação dos limites municipais do ES e de algumas rodovias (GEOBASES). Paralelamente fez-se a análise da fotografia aérea e da ortofoto de Vila Velha, que permitiu a identificação e vetorização dos cursos d’água no baixo curso do rio Jucu no município. A vetorização foi efetuada com auxílio da ferramenta Catalog, no ArcMap 10.3.1, um Sistema de Informações Geográficas da empresa ESRI. Os principais dados vetorizados em ambas as imagens foram, os cursos d’água atuais, drenagem pretérita inferida e canais artificiais ou retificados. Após esse processo foi possível comparar as mudanças na drenagem natural ao longo tempo e no espaço, assim como a ocupação desta porção do território e outras informações. Para o processo de vetorização através da ferramenta Catalog foi inicialmente gerado um shapefile para cada dado a ser mapeado e construído os vetores com base na identificação da informação desejada em cada uma das imagens. Cada informação vetorizada gerou um Pplano de Informação que foi utilizado na construção do material cartográfico final, neste caso, o mapa da drenagem do baixo curso do Jucu em Vila Velha no ano de 1970 e no ano de 2008. Com o produto cartográfico final foi possível correlacionar todas as informações levantadas para compreendermos, sobretudo, como as intervenções humanas provocadas diretamente sobre os canais fluviais do baixo curso do rio Jucu interferiram e ainda interferem no comportamento hidrológico da região causando contundentes impactos socioambientais, sobretudo relacionados aos alagamentos e inundações.
Resultado e discussão
As mudanças fluviais induzidas pelo homem conforme Park (1981) e Knighton
(1984) citados por Cunha (2005) podem ser diretas ou indiretas. As diretas
referem-se às modificações ocorridas diretamente no canal fluvial para
controlar as vazões ou alterar a forma do canal, com objetivos de
estabilizar margens, amenizar danos por alagamentos e inundações, atenuar os
processos erosivos e deposicionais, entre outros. As mudanças fluviais
indiretas resultam das atividades humanas na bacia, realizadas fora das
áreas dos canais e que modificam o comportamento da descarga líquida e
sólida do rio. São atividades relacionadas ao uso da terra.
No baixo curso do rio Jucu as mudanças fluviais diretas dizem respeito ao
aprofundamento e retificação do canal principal em um importante trecho
próximo a foz, além da construção de canais artificiais de escoamento para
drenar a água das partes baixas do terreno diretamente ao rio Jucu. As
mudanças indiretas no baixo Jucu incluem, sobretudo, o avanço da urbanização
para áreas cada vez mais próximas ao canal principal com diferentes formas
de uso e ocupação da terra.
As primeiras alterações diretas sobre os canais fluviais do baixo curso do
rio Jucu tiveram início ainda na primeira metade do século XVIII, na
localidade de Caçaroca em Cariacica, local próximo à atual captação da
CESAN, onde foi construído um corte ligando o Jucu ao Rio Marinho com o
objetivo de facilitar o transporte de mercadorias dessa região à Baia de
Vitória (Figura 2?) (ACQUATOOL CONSULTORIA, 2009; SILVA, 2009).
Na década de 1950, segundo informações da ANA (2012), o DNOS (Departamento
Nacional de Obras e Saneamento) realizou obras de retificação de um longo
trecho do rio Jucu, desviando desta forma o rio Formate, que passou a
desaguar no rio Marinho, formando uma bacia independente (Figura 2). Ainda
neste período o extinto DNOS (Departamento Nacional de Obras e Saneamento)
abriu um dreno (o Canal das Neves) (Figura 2) com a finalidade de aumentar a
capacidade de escoamento e minimizar as inundações (ACQUATOOL CONSULTORIA,
2009). Outros canais artificiais também foram construídos na região do baixo
curso para facilitar o escoamento das águas (ANA, 2012).
O paradigma de desenvolvimento do país, na época, era a ocupação de novas
áreas para expansão da fronteira agrícola, sofrendo o litoral capixaba com
desmatamento e drenagem das “terras baixas” para exploração agrícola. Neste
contexto, o DNOS atuou em obras para aprofundar a calha do rio e retificar o
seu curso, visto que tais intervenções permitiriam oferecer às atividades
agrícolas uma nova área de cerca de 6.000 ha, que até o momento estavam
frequentemente sujeitas a inundações (ACQUATOOL CONSULTORIA, 2009).
Outra importante alteração na drenagem da região em 1950, foi a construção
do Canal Marinho pela CESAN, corpo d’água semi-paralelo ao traçado original
do rio Marinho e coincidente com o mesmo em alguns locais. O objetivo era o
tratamento e a adução das águas do sistema para abastecimento da Grande
Vitória. Contudo, a prática de produção de água potável em grandes corpos
d’água é de difícil controle, tornando o sistema obsoleto, uma vez que, o
elevado nível de poluição a que o rio Marinho se encontrava, com o
crescimento acelerado da urbanização em Cariacica e Vila Velha, tornou a
captação para abastecimento humano inviável (ACQUATOOL CONSULTORIA, 2009).
Em 1960 Vila Velha enfrenta uma das piores cheias do rio Jucu em sua
história Velha (Figura 1), sendo necessária a elevação da cota do Dique
Guaranhuns (Dique do Jucu) que estava em construção e foi parcialmente
destruído durante o evento. O Dique possui uma extensão aproximada de 3900 m
paralelo à margem esquerda do Jucu, extensão esta que se estende da Rodovia
do Sol (ES 060) até a Estação de Tratamento de Água da CESAN, em Caçaroca,
na área de abrangência do Bairro Pontal das Garças em Vila.
A construção do dique teve o objetivo de barrar a água que extravasasse o
rio e impedir que a mesma escoasse em direção à porção mais urbanizada do
município, como Novo México, Araçás, Guadalajara, Guaranhuns (MEDEIROS,
acesso em 21 fev. 2013). O dique até hoje resolve em parte o problema das
inundações em Vila Velha, mas requer monitoramento constante e manutenção
regular.
A partir de 1970 as alterações geomorfológicas no baixo curso do rio Jucu
continuaram a ocorrer, sobretudo com o avanço da urbanização na região que
até então era praticamente despovoada. A análise da ortofoto de 2008
permitiu identificar as principais alterações ocorridas a partir de 1970,
conforme observado na Figura 2. A região praticamente despovoada em 1970
encontra-se em 2008 com aproximadamente 50% de sua área total ocupada, na
margem esquerda do rio. O elevado adensamento populacional na porção norte
do município aliado a melhoria da infraestrutura de transporte na região do
baixo Jucu, direcionaram a ocupação para áreas cada vez mais próximas ao
canal principal. O escoamento natural da água nesta região, já bastante
complexo devido as condições naturais deste trecho da bacia, tornou-se ainda
mais difícil. Um elevado número de cursos d’água naturais foram substituídos
por canais artificiais de drenagem em ambas as margens do Jucu, com o
objetivo de reparar os efeitos negativos da impermeabilização. Entretanto, a
adoção de tal medida não foi suficiente para conter os alagamentos e as
inundações em períodos de intensas e duradouras precipitações, pois o
escoamento da água na região é influenciado por diversos fatores, como as
marés, especialmente a maré de sizígia, que em períodos de cheia impedem o
escoamento da água para o oceano.
Sem vazão para o oceano, a água do rio transborda para as planícies
adjacentes, alagando desde áreas de pastagens a bairros residenciais
inteiros, como o bairro Pontal das Garças (Figura 3) situado na margem
esquerda Jucu. Segundo Coelho (2010), em momentos de marés altas de sizígia,
este bairro é frequentemente inundado com águas pluviais que não conseguem
escoar em direção à desembocadura.
Em dezembro de 2013, mês e ano marcados como os mais chuvosos da história do
Espírito Santo devido a atuação da ZCAS (DEINA, 2015), as planícies do baixo
Jucu ficaram completamente inundadas (Figura 4). A rede de drenagem da
região (natural ou artificial) não deu conta de escoar tamanho volume de
água, pois além da sua inadequação, esses canais encontram-se degradados,
com excesso de lixo, assoreamento e outros, evidenciando a falta de
planejamento territorial. Após este evento, o município instalou uma estação
de bombeamento d’água no canal Araçás, cuja eficiência ainda não pode ser
comprovada devido ao período de seca nos últimos quatro anos.
Em 2009, outro importante evento de inundação no baixo Jucu merece destaque.
A cheia do rio em novembro do referido ano, colocou em risco bairros
inteiros situados na margem esquerda do rio, pois as fortes precipitações
fizeram o rio Jucu transbordar e atingir o nível máximo de segurança de 3,1
metros em relação ao dique localizado em sua margem esquerda, sendo
necessário um trabalho de emergência através da elevação da barreira do
dique em 70 cm em um trecho de 1,5 quilômetros (COSTA, 2009 apud DEINA,
2015).
Foram citados neste trabalho apenas alguns exemplos entre todos aqueles que
se sucederam, no tempo e no espaço, causando impactos socioambientais
significativos, sugerindo que as alterações na rede de drenagem do baixo
curso do rio Jucu em Vila Velha não foram, até o momento, suficientes para
conter os eventos de inundação e alagamentos.
Inundação no Rio Jucu e Bairro Pontal das Garças, Vila Velha -ES. Fonte: A Tribuna, Vitória ES, 04/12/2008, P.6 – Cader. Cidades – Leonel Albuquerque.
Vila Velha na enchente de 1960; seta azul indica posição aproximada do rio Jucu em direção a foz. Fonte: Edward d'Alcântara / Site Morro do Moreno.
Considerações Finais
O uso e a ocupação da terra tem promovido importantes alterações na drenagem natural do baixo curso do rio Jucu, desde o século XVIII. Entretanto, com o avanço da urbanização nas últimas décadas, estas alterações se intensificaram, assim como as consequências por elas trazidas. Entre as alterações que mais se destacam, desde a época dos Jesuítas, estão a retificação dos cursos d’água, como foi o caso do canal principal do rio Jucu, e a construção de canais artificiais de drenagem. A região do baixo curso do rio Jucu é caracterizada atualmente por elevada supressão dos cursos d’água naturais substituídos por canais artificiais de drenagem. Porém, estes não dão conta de escoar toda a água necessária em eventos de chuvas intensas ou duradouras, pois a drenagem da água nesta região sofre influência de diversos fatores, o que exige por parte do poder público responsável planejamento adequado capaz de harmonizar a ocupação do território com o funcionamento adequado da rede de drenagem.
Agradecimentos
Referências
ACQUATOOL CONSULTORIA. (IJSN; COMDEVIT; GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO). Elaboração dos Estudos para Desassoreamento e Regularização dos Leitos e Margens dos Rios Jucu, Formate e Marinho na Região Metropolitana da Grande Vitória: Relatório Final de Consolidação. Vitória, setembro de 2009. Disponível em: <http://www.ijsn.es.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=564&Itemid=363>. Acesso em: 12 de abril de 2012.
ANA - Agência Nacional de Águas. Bacias Hidrográficas do Atlântico Sul – Trecho Leste: Sinopse de informações do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Sergipe. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.br/cd4/index.htm>. Acesso em: 25 ago. 2012.
COELHO, André N. Uso de Produtos de Sensoriamento Remoto para Delimitação de Área Efetivamente Inundável: Estudo de Caso do Baixo Curso do Rio Benevente Anchieta – ES. Rev. Geogr. Acadêmica v.4, n.2 (xii. 2010).
COSTA, Hemerson. Vila Velha pode ficar debaixo d'água se dique do Rio Jucu não for recuperado. A Gazeta. Vitória, 04 nov. 2009. Disponível em: <http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2009/11/558701-vila+velha+pode+ficar+debaixo+d+agua+se+dique+do+rio+jucu+nao+for+recuperado.html>. Acesso em: 22 fev. 2013.
CUNHA, Sandra B. Geomorfologia Fluvial. In: GUERRA, Antônio José Teixeira; CUNHA, Sandra Batista da. Geomorfologia: Uma Atualização de Bases e Conceitos. 6ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 211-252.
DEINA, Miquelina Ap. A Influência da Zona Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) nos Eventos de Inundação no Baixo Jucu em Vila Velha (ES). Geografia (Londrina) v. 24. n.2. p. 5-23, jul/dez, 2015.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Banco de dados agregados (Dados Populacionais do Espírito Santo). Disponível em: <www.sidra.ibge.govbr>. Acesso em: 09 abr. 2012.
IEMA - Instituto Estadual de Meio Ambiente d Recursos Hídricos. Ortofoto aérea do baixo curso do rio Jucu de 2008. Vitória (ES).
IJSN - Instituto Jones dos Santos Neves. Fotografia aérea do baixo curso do rio Jucu de 2008. Vitória (ES).
SILVA, Alberto Flávio Pêgo. Documento agenda das bacias estratégicas, rios Jucu e Santa Maria da Vitória. Vitória: Instituto Ecobacia; Cariacica: IEMA, 2009. 60p.
TV GAZETA. Dique do Jucu deve ser reforçado em três meses, mas... obra não tem data para começar. Vitória, 08 nov. 2010. Disponível em: <http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2010/11/691844-dique+do+rio+jucu+deve+ser+reforcado+em+3+meses+mas++obra+nao+tem+data+pra+comecar.html>. Aceso em: 21 fev. 2013.