Autores
Moreira, V.B. (UNICAMP) ; Perez Filho, A. (UNICAMP)
Resumo
Este trabalho busca aplicar e comparar dois importantes índices morfométricos já consolidados na área da geomorfologia com o intuito de testa-los em quatro bacias hidrográficas que drenam a chapada Uberlândia-Uberaba na região do Triângulo Mineiro, Minas Gerais, visando compreender alguns processos locais e a dinâmica das paisagens. Os índices FSTT e FABD selecionados avaliam o deslocamento lateral do canal fluvial em relação ao eixo central e a diferenciação de área na bacia em ambas as margens respectivamente. Como resultados pode-se observar que os indices são correspondentes e foram eficientes na aplicação, indicando pronunciado basculamento na bacia do alto rio Uberabinha e que os cursos d’água possuem um padrão sobre áreas com rochas sedimentares como divagação lateral, formando amplas planícies fluviais e terraços. Já sobre rochas basálticas os rios possuem padrão encaixado possuindo corredeiras e quedas d’água, não variando lateralmente e não formando extensas planícies.
Palavras chaves
Morfometria; Chapada Uberlândia-Uberaba; Bacias Hidrográficas
Introdução
No interior do estado de Minas Gerais, região do Triângulo Mineiro, destaca-se na paisagem extensas e contínuas chapadas de superfície aplainada, que ocorrem sucessivamente de maneira escalonada, separadas por vales fluviais encaixados. De acordo com Casseti (1994) os relevos tabuliformes das chapadas são caracterizados por camadas sedimentares horizontais ou sub-horizontais, associadas a derrames basálticos e ou subcamadas resistentes concordantes, podendo estar associadas a eventos de pediplanação Terciários que deram forma as superfícies aplainadas. Segundo Ab’Sáber (2007) os planaltos sedimentares aplainados da região central do Brasil, consistem em extensas chapadas que variam de 600 a 1100 metros de altitude aproximadamente, recobertos naturalmente por vegetação de Cerrado. Esta unidade de relevo é seccionada por vales fluviais ocupados por matas de galeria, caracterizando-se como “domínio dos chapadões recobertos por Cerrado e penetrados por florestas galerias”. A chapada Uberlândia-Uberaba está localizada na região do Triângulo Mineiro, oeste de Minas Gerais, ocupando áreas dos municípios de Uberlândia, Uberaba, Nova Ponte e Sacramento entre as coordenadas geográficas 18º 53’ 53.95” Sul / 48º 19’ 21.95” Oeste e 19º 43’ 07.80” Sul / 47º 28’ 02.65” Oeste . A referida área de estudo é drenada pelas bacias hidrográficas dos rios, Claro e alto curso do rio Uberabinha, ribeirões Bom Jardim e Beija-Flor, todos afluentes do rio Araguari que desagua no rio Paranaíba, sendo estes os cursos d’água analisados neste trabalho. Quanto a litologia da área de estudo, pode-se destacar que é composta por Coberturas Cenozoicas que recobrem as porções mais e planas elevadas do relevo, sob tais coberturas existem os arenitos do Grupo Bauru em área mais dissecadas, que por sua vez tem como sustentação derrames basálticos da Formação Serra Geral, que constituem a base do relevo tabular da área de estudo, aflorando na transição para unidades de relevo mais dissecadas, proporcionando mudanças significativas na paisagem (BARCELOS, 1984). Para analisar a organização espacial da rede de drenagem e das bacias hidrográficas com objetivo de identificar processos de formação do relevo, propõe-se a utilização da técnica morfometria, pois de acordo com Etchebehere (2000) estes índices são importantes indicadores de alterações em cursos d’água, pois os mesmos reagem imediatamente a qualquer processo de deformação crustal que se apresente na paisagem, podendo apontar alterações do nível de base decorrentes de mudanças climáticas, ação tectônica e ou variação litológica. Parâmetros quantitativos contribuem para elucidação do comportamento da rede de drenagem, que segundo Christofoletti (1969), possibilita a compreensão de várias questões geomorfológicas, onde, nesta pesquisa ajudará a entender processos que alteraram as dinâmicas e fluxos dos referidos canais fluviais que drenam a chapada. Os dois índices morfométricos analisados Fator de Simetria Topográfica Transversa (FSTT) e Fator de Assimetria de Bacia de Drenagem (FABD) são parâmetros que avaliam o deslocamento lateral do canal fluvial em relação ao eixo central e a diferenciação de área na bacia em ambas as margens respectivamente. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é identificar as variações dos índices de acordo com as mudanças do relevo, identificando se há correlação entre os mesmos nas diferentes porções das bacias hidrográficas e dos principais canais fluviais. Os resultados deste trabalho visam ampliar e diversificar as áreas onde são aplicados índices morfométricos consolidados na geomorfologia, validando ou não sua eficácia em ambientes tropicais com características paisagísticas singulares. A identificação e quantificação de processos naturais em sistemas de drenagem superficial também pode possuir aplicação prática, quando associados a projetos de planejamento e gestão, apontando características do relevo fundamentais para uso, ocupação ou preservação destes ambientes.
Material e métodos
Para a elaboração da base cartográfica e estabelecimento dos índices deste trabalho, foram utilizadas 12 cartas topográficas elaboradas pelo IBGE (2006) na escala 1:50.000 do projeto SP/MG/GO, para extração da rede de drenagem e curvas de nível com equidistância de 20 metros. Com finalidade de delimitar as bacias hidrográficas foram utilizadas imagens de radar SRTM com resolução de 30 metros, disponibilizada pelo U.S. Geological Survey (USGS). Todos os procedimentos e etapas foram realizadas em ambiente SIG utilizando o software ArcGIS 10.5. Proposto por Cox (1994), o primeiro índice morfométrico utilizado FSTT, indica a oscilação do canal fluvial em relação ao eixo central da bacia hidrográfica analisada, por meio dos valores de T que oscilam entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 0 maior é a simetria, enquanto valores próximos a 1 indicam assimetria. Os denominadores são obtidos por meio da formula: T=Da/Dd Sendo (Da) distancia horizontal entre o canal analisado até o eixo médio da bacia e (Dd) distancia horizontal entre o divisor de águas da bacia e o eixo médio. Para calcular o índice foram usados intervalos de 2 km representando cada trecho da bacia analisada, utilizando a metodologia descrita por Valézio (2016). O segundo parâmetro abordado FABD é um índice que avalia para qual margem predomina a migração de um rio. De acordo com Hare e Gardner (1984), a assimetria de uma bacia está relacionada à migração preferencial de um determinado canal fluvial. Cox (1994) aponta que a dinâmica lateral de um rio pode estar vinculada a sua dinâmica interna, do ponto de vista do sistema fluvial, ou possuindo como causa externa provável processo tectônico. Para calcular o índice foi utilizada a proposta metodológica de Hare e Gardner (1984), utilizando a seguinte relação, onde o Fator de assimetria corresponde a área da bacia à direita do rio (Ar), dividido pela área total da bacia (At), multiplicada por 100. FA=100.(Ar/At)
Resultado e discussão
Os rios e ribeirões que drenam a chapada possuem padrões diferenciados de
acordo com o setor da bacia analisado, sendo o traçado dos cursos d’água um
primeiro indicativo da mudança do relevo e consequentemente da paisagem. A
figura 1 ilustra os principais rios, afluentes e suas respectivas bacias
hidrográficas, que serviram de base para a elaboração dos índices aplicados
neste trabalho, indicando possíveis áreas de interesse a serem analisadas nos
índices.
Figura 1
Quanto a aplicação dos índices o fator de FSTT auxiliou na interpretação da
migração lateral do canal fluvial, pois ao individualizar trechos da bacia,
amplia-se o nível de detalhamento analisado, tendo como referência o eixo
central da mesma.
Os valores obtidos para bacia hidrográfica do rio Claro, figura 2 quadrante D,
expõe dinâmica já observada em outros índices aplicados na mesma área,
descrito por Moreira e Perez Filho (2016). Existem diferentes tipos de
comportamento da rede de drenagem, exibindo um padrão no alto curso (área da
chapada) e outo no médio e baixo curso (entorno da Chapada). No baixo curso
afloram as rochas basálticas da Formação Serra Geral e o canal se torna
encaixado, não possuindo migração lateral, apresentando os valores próximos de
0, que segundo Cox (1994) representa ausência de migração lateral do canal. No
médio e alto curso onde a litologia é composta por arenitos do Grupo Bauru e
Coberturas Cenozoicas (área da chapada), o rio oscila a direita e a esquerda
do eixo médio, porém com valores não muito elevados, indicando a existência de
divagação lateral. Os únicos valores destoantes da média do rio são próximos a
principal nascente (0,97; 0,89; 0,59), pois o rio nasce próximo ao limite
direito da bacia depois segue para próximo do eixo médio.
Os valores encontrados na bacia do rio da Rocinha obtiveram resultados muito
similares ao rio Claro, drenagem encaixada no baixo curso resultando em baixa
assimetria e pouca divagação lateral. No médio e alto curso, ocorre o
contrário como se pode observar na figura 2 quadrante A.
Apesar de possuir pouca área sobre a chapada o Ribeirão Bom Jardim, figura 2
quadrante B, não demostrou comportamento diferenciado das bacias analisadas
anteriormente. A litologia que embasa grande parte bacia do ribeirão Bom
Jardim é a Formação Marília/Adamantina do Grupo Bauru, pois somente próximo ao
seu exutório a jusante e fora da chapada, afloram as rochas da Formação Serra
Geral. Em geral os valores encontrados oscilam próximo ao eixo médio,
destoando somente trechos próximos a nascente no alto curso da bacia com
valores elevados como 0,74 e 0,65.
Por fim o FSTT da bacia hidrográfica do alto rio Uberabinha, figura 2
quadrante C, identificou que esta possui padrão completamente diferente das
demais, apresentando indícios de basculamento pronunciados. Analisado
juntamente com seu principal afluente Ribeirão Beija-Flor, o rio apresentou em
sua grande maioria valores próximos a 1, somente se aproximando de 0 quando
muda de direção no baixo curso.
É possível observar que em alguns canais fluviais próximos as nascentes
existem cotovelos, que são mudanças abruptas no sentido do fluxo dos cursos
d’água, indicando capturas fluviais no alto da bacia (OLIVEIRA, 2010). No
baixo curso existe grande mudança no canal fluvial, onde aparentemente o rio
encontra uma falha sentido Leste Oeste e muda seu trajeto de forma abrupta na
região de afloramento de rocha basáltica. Portanto existem várias evidencias
de controle estrutural nessa bacia, que foi afetada de forma diferente dos
demais cursos que drenam a chapada.
Figura 2
De forma geral com a aplicação do índice FSTT observou-se que os rios
analisados quando sobre a chapada, possui maior variação lateral em relação ao
eixo médio (exceto rio Uberabinha). Tal dinâmica possibilita a formação de
amplas planícies fluviais, níveis de terraços e alargamento de vales,
consolidando ambiente favorável ao surgimento de diversas geoformas em fundo
de vale. Quando os rios atingem a Formação Serra Geral em relevo mais
dissecado, encaixam seus vales e passam a não possuir dinâmica lateral,
escoando em muita das vezes sobre a própria rocha produzindo corredeiras e
quedas d’água.
Os resultados apresentados pelo índice FABD devem ser analisados conforme
descrito por Salamuni (2004), os valores iguais ou próximos a 50 revelam pouca
ou nenhuma atividade tectônica, valores maiores que 50 indicam um provável
basculamento da margem direita da bacia, enquanto os menores de 50 indicam
provável basculamento da margem esquerda conforme figura 3 e tabela 1.
Figura 3
Tabela 1
As bacias hidrográficas analisadas demostraram comportamento diversificado,
indicando basculamentos divergentes para cada setor da chapada analisado. A
bacia do rio Claro se caracterizou com pouca ou ausência de basculamento,
obtendo o valor mais próximo a 50. O ribeirão Bom Jardim possui pouco
basculamento a direita podendo inferir alguma dinâmica local de abatimento de
blocos, porém pouco pronunciada. Por sua vez o rio da Rocinha obteve pouco
basculamento a esquerda o que também não indicaria um basculamento muito
pronunciado.
O alto rio Uberabinha obteve o menor valor registrado, caracterizando forte
basculamento a esquerda, inferindo importante abatimento de blocos na bacia e
ou falhas que direcionaram o canal principal para a esquerda reforçando os
resultados apresentados no índice FSTT.
Em contexto geral é difícil afirmar que houve um basculamento desta chapada,
sendo que somente a bacia do rio Uberabinha possui evidencias geométricas de
basculamento bem pronunciadas.
Localização dos rios e bacias hidrográficas da chapada Uberlândia-Uberaba
Mosaico de mapas com as bacias hidrográficas analisadas e resultados obtidos pelo índice FSTT
Mapa do fator de assimetria de bacia de drenagem das principais bacias hidrográficas que drenam a chapada Uberlândia-Uberaba
Fator de assimetria de bacia de drenagem das principais bacias hidrográficas que drenam a chapada Uberlândia-Uberaba
Considerações Finais
Os índices morfométricos aplicados demonstraram-se eficientes e complementares, correspondendo numericamente as variações do relevo da chapada e áreas mais dissecadas do entorno. Existe grande correlação entre os resultados do FSTT e FABD, sendo importantes para a descrição do basculamento da bacia do alto rio Uberabinha que consiste num importante resultado obtido, pois a partir desse momento pode-se inferir evidencias de tectônica ou controle estrutural nesta bacia. Outro importante resultado é a correlação entre a litologia e o comportamento do canal fluvial, pois os índices aplicados demonstraram que os cursos d’água possuem um padrão sobre áreas com rochas sedimentares como divagação lateral, formas meandricas e formação de amplas planícies fluviais e terraços. Já sobre rochas basálticas os rios possuem padrão encaixado com corredeiras e quedas d’água, não variando lateralmente e não formando extensas planícies. A aplicação de índices morfométricos no contexto geomorfológico descrito em ambientes tropicais apresentou-se muito competente, sendo importantes indicadores das mudanças da paisagem mesmo em áreas pouco movimentadas estruturalmente.
Agradecimentos
Agradecemos a Fundação de Amparo e Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo apoio financiamento à pesquisa, por meio do projeto número 2015/10417-1 e 2016/21335-9.
Referências
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