Autores
Monteiro, G. (UFPB) ; Rodrigues, J. (UFPB) ; Souza, J. (UFPB)
Resumo
Esta análise foi feita sobre a área de influência à jusante da Barragem de Camará, que se encontra localizada no Rio Riachão na divisa do município de Areia e Alagoa Grande (PB). A perspectiva de análise é fundamentada nas alterações da morfologia do canal após o rompimento da barragem. Com o rompimento, no ano de 2003, toda dinâmica hidrossedimentológica e a própria morfologia do canal foi alterada, com isso, o trabalho permeará sobre esta premissa, onde para a comprovação destas modificações foram utilizadas duas imagens do satélite LANDSAT 5, uma antes do rompimento e outra após, evidenciando esta dinâmica sobre dois pontos, uma próximo ao exutório da bacia e outro a cerca de 7 km, próximo a cidade de Lagoa Grande, além da utilização dos dados pluviométricos e das características físicas locais.
Palavras chaves
Geomorfologia fluvial; Rompimento de Barragens ; Sistema ambiental
Introdução
Atualmente, com o desenvolvimento da civilização, isto é, o crescimento populacional atrelado aos avanços tecnocientificos, o homem cada vez mais reorganiza a paisagem segundo suas necessidades, ou seja, o homem passa a impor suas preferências sobre a natureza, não sendo mais condicionado, mas sim, condicionando-a (FIGUEIRÓ 2015). Desse modo, é inconcebível entender a atual organização paisagística sem o elemento antrópico, independentemente do tamanho do sistema ambiental a ser trabalhado, o elemento humano apresenta-se como um dos principais pilares para sua organização. Tendo em vista, que as ações antrópicas apresentam uma das maiores competências de modificação dentro de um sistema ambiental. Por esse motivo, que as intervenções antrópicas, muitas vezes sem nenhum estudo prévio, podem acarretar uma série de degradações ambientais ao sistema ambiental. Uma vez, que os sistemas apresentam um forte dinamismo entre seus elementos, processos e formas, onde pequenas alterações podem ocasionar a reorganização do sistema. Por isso, que o conhecimento sobre o funcionamento de qualquer que seja o sistema ambiental é imprescindível na realização de qualquer alteração, pois a caracterização do sistema proporciona um manejo mais adequado, diminuindo os impactos e aumentando sua funcionalidade a partir de uma boa gestão. Já o uso inapropriado do espaço gera uma série de danos bióticos/abióticos, que dependendo do nível do impacto, podem apresentar danos irreparáveis a partir de uma retroalimentação positiva. As modificações antrópicas mais recorrentes no semiárido são os barramentos, feitos no intuito de reter água durante mais tempo, já que os canais são em sua maioria efêmeros. CABRAL (2005, pág. 1) afirma que “Todos os reservatórios, qualquer que seja sua finalidade, destinação, tamanho e características de operação estão fadados a ter a sua capacidade de armazenamento parcial ou totalmente tomado pelos sedimentos, proporcionando o processo de assoreamento”. Ou seja, todo barramento apresenta limite uma vida útil, pois esta feição proporciona a desconexão entre os elementos da paisagem, uma vez que retém a água e os sedimentos à montante (o que gradativamente causa seu assoreamento), diminuindo a sua capacidade de armazenamento e vida útil. Assim, o barramento é uma intervenção que altera a dinâmica natural tanto à montante como também à jusante, obrigando o sistema a encontrar um novo equilíbrio na paisagem. As barragens são edificações que proporcionam a reorganização do ambiente onde estão inseridas, à montante o corpo hídrico passa a apresentar características de um lago, ou seja, com a quebra da energia causada pela barragem, o corpo hídrico perde a capacidade de transporte e os sedimentos anteriormente carreados são depositados gradativamente a medida que vão chegando próximo a este elemento desconectante. Com isso, dependendo do aporte de água que chega ao canal após a barragem, pode ocorrer o processo contrário à jusante, com a ausência do material sedimentar anteriormente transportado a capacidade erosiva tende a aumentar, podendo proporcionar ao corpo hídrico características mais incisivas (GRAF, 1998. Apud SOUZA, 2012). Outra característica que pode causar modificações no arranjo paisagístico através da inserção de uma barragem, refere-se ao rompimento desta feição. Com a ruptura da barragem ocorre a reiteração entre os elementos deste sistema, anteriormente desconectado. Assim, como a ruptura destas edificações proporcionam a entrada de uma grande energia no sistema, há uma reorganização de toda estrutura fluvial, tanto à jusante (com remobilização hidrossedimentológico) como à montante. Com isso, o principal objetivo deste estudo é fazer uma análise comparativa das modificações ocorridas na morfologia fluvial, causadas pelo rompimento da Barragem Camará no ano de 2004.
Material e métodos
A área de estudo compreende-se sobre toda a bacia da Barragem de Camará até cerca de 7 km após o seu exutório. Foi-se atribuído está área de estudo, pois o recorte espacial da bacia hidrográfica evidencia toda a área de captação efetiva da barragem, com isso, é possível entender de fato todos os fatores que proporcionaram para o rompimento desta edificação, fato ocorrido no dia 17 de julho de 2004, e como as modificações ocorridas na dinâmica fluvial favoreceram para formação deste desastre socioambiental. A barragem encontra-se inserida no limite entre os municípios de Areia e Alagoa Grande-PB, em pleno brejo paraibano, ou seja, de altitude mais elevada que as superfícies em seu entorno (Fig. 1), associada a dois distintos climas: o clima tropical úmido (leste da barragem) e o clima tropical seco (oeste da barragem). Para a elaboração do presente trabalho foi de fundamental importância a utilização de imagens de satélite para as possíveis comprovações das modificações fluviais após o rompimento, com isso foi utilizado 2 imagens do satélite LANDSAT 5, referente a 19 de setembro de 2003 e 19 de julho de 2004, para analisar o infortúnio rompimento. Após as calibrações radiométricas e o cômpto da reflectância, Foi possível identificar a evolução paisagística da área tendo como parâmetro o rompimento (vale ressaltar, que as escolhas das imagens foram estabelecidas de acordo com sua visibilidade, ou seja, menores concentrações de nuvens, por isso que há uma disparidade entre os anos, fato esse que não inviabiliza o trabalho, tendo em vista que as reorganizações do sistema, após um evento de alta magnitude em ambiente cristalino não é capaz de reorganizar-se rapidamente). As modificações ocorridas após a aquisição das imagens de satélites, só foram possíveis graças a escolha das bandas espectrais a serem trabalhadas, levando em consideração o cunho do trabalho e a necessidade de representação dos elementos são utilizados uma sequência de sobreposição preestabelecida, a sequência de sobreposição trabalhada foi a “falsa cor”. A composição de falsa cor é confeccionada a partir da utilização de 3 bandas espectrais distintas e em preto e branco (onde nesse estudo foram utilizadas as bandas 7,5,3). Esta composição é formada com a associação de cada banda espectral a uma das cores básicas do complexo RGB de cores, isto é, a associação a cor vermelha, verde e azul (red, green, blue) (ROSA 2011). Após isto, foi possível realizar os cálculos necessário para a calibração da imagem. Nessa perspectiva, o cálculo consiste em utilizar as bandas 7, 5 e 3 para chegar a chamada falsa cor, através da seguinte equação: lambda= radiância (a) + radiância máxima (b) – radiância mínima (a) / 255 * número da banda. Já para o cômpto da reflectância é utilizado as mesmas bandas de LANDSAT acima citadas, onde o cálculo consiste na seguinte fórmula: 3,14 * radiância / constante solar * coseno do ângulo zenital * o inverso do quadrado da distância terra sol. Foi feita uma tabela com os dados de chuva para os anos de 2003, 2004 e 2007, para ter uma base de como ocorreu à dinâmica da precipitação na área durante os respectivos anos e sua quantidade. Assim, os dados pluviométricos mensais foram coletados dos postos de monitoramento próximo à área, fornecidos pela AESA (2017). A partir destes dados pluviométricos foi estabelecido a média anual e os desvios padrões positivos, para correlacionar ao rompimento da barragem às maiores entradas de energia (água) no sistema (é importante frisar, que segundo Barbosa (2004) a maior causa para o rompimento da barragem de camará está ligado a falhas na construção da obra e não a fatalidades naturais, mesmo assim as dinamicidades locais não podem ser descartas). Por fim, foram definidos dois trechos, um logo após a barragem, e outro próximo ao Município de Alagoa Grande, no intuito de identificar as diferenças geradas pelo rompimento da barragem, onde, no Município citado também gerou alteração na morfologia do canal.
Resultado e discussão
Partindo da premissa que inicialmente a área apresentava-se em um equilíbrio
natural e após a construção da barragem, este equilíbrio foi rompido e
reorganizado, as mudanças paisagísticas evidenciadas na área sofreram fortes
influências deste elemento desconectante (o controle que este elemento exercia
sobre o sistema foi-se constatado a partir da reorganização das caracterizas
paisagísticas com a sua construção e o seu rompimento), por este motivo que o
canal analisado à jusante da barragem antes de seu rompimento apresentava-se
coberto por sedimento, impedindo sua visualização em planta, mais precisamente no
ano de 2003 (Fig 3), e, após o rompimento a carga sedimentar depositada sobre o
canal foi remobilizada. Isto ocorreu devido ao fato que a barragem captava todo o
fluxo hidrossedimentológico, não havendo interação entre o sistema, ou seja, não
ocorria a manutenção de fluxo e com isso os sedimentos se depositavam sobre o
canal.
É importante deixar claro que a barragem não tinha manutenção de fluxo, ou seja,
ela apenas captava todo volume de água, não havendo liberação da mesma.
Assim, o canal principal anterior ao rompimento da barragem não apresentava um
entalhamento linear, causa essa justificada pela ausência de fluxo no sistema que
fosse capaz de manter o transporte de sedimento e a constante troca de matéria e
energia. Com isso, a perda da capacidade e competência de transporte fluvial
causada pelo elemento desconectante à montante permitiu que o ambiente fluvial
fosse palco de deposição e adensamento de cobertura vegetal.
Mas, no dia 17 de junho de 2004, após o rompimento da barragem, toda esta
dinâmica paisagística apresentou alterações. Um dos pontos que favoreceram o
rompimento da barragem foram as características climáticas vigentes, visto que os
6 primeiros meses dos anos de 2003 e 2004 foram caracterizados por abundantes
chuvas, dado constatado a partir das elevadas taxas de desvio padrão positivos
encontrados nestes anos (Fig. 2). Atrelado a isto, estão às características das
distribuições anuais das chuvas na área, a partir da série de dados analisados,
indicam uma concentração das chuvas nos primeiros meses do ano, ou seja, esses
anos proporcionaram para a área elevadas taxas chuvosas sobre um período
concentrado do ano, vale ressaltar que às taxas pluviométricas coletadas no ano
de 2004 excederam as médias anuais para a área, com fortes chuvas concentradas.
É importante frisar, que um ponto que atesta que esses anos apresentaram
excedentes chuvosos, são os dados pluviométricos contatados nos postos de
Esperança, Esperança/São Miguel e São Sebastião de Lagoa Tapada (Fig. 2), pois
apresentam-se sob influência do clima tropical seco, mas mesmo assim, foi
coletado pelos postos pluviométricos valores de precipitação acima dos 100 mm nos
primeiros meses do ano (janeiro a julho), refletindo características de valores
de precipitação acentuados no primeiro semestre do ano e possibilitam uma
caracterizam mais próxima da realidade local.
Com isso, o sistema não apresentou condições de absorver esta energia, visto que
a área apresta solos rasos, controle estrutural e acentuados declives próximos as
calhas fluviais, assim as taxas de infiltração são ínfimas e o escoamento
superficial é favorecido, o que acaba concentrando o fluxo de energia e sedimento
sobre os canais. Como a barragem impossibilita o trânsito hidrossedimentológico
no sistema, toda a carga de energia e sedimento é confinada e concentrada em um
único ponto, aumentando as tensões sobre a barragem, o que contribuiu para o seu
rompimento.
A característica mais decisiva para o rompimento da barragem de camará em 2004
está relacionada a problemas na construção da estrutura e na própria gestão do
projeto, tendo em vista que não ocorreu um estudo prévio sobre as características
da barragem como: capacidade de acumulação de água e resistência da estrutura.
Dessa forma, como o projeto foi modificado (inicialmente estava proposto à
construção de uma barragem de terra, mas com o decorrer do andamento do processo
houve a modificação para uma barragem de concreto) os estudos destes cunhos
estavam voltados para a barragem de terra e foram aproveitados nessa nova
estrutura. Outro ponto, diz respeito a própria construção, foi constatado a
utilização de um tipo de cimento não adequado para o contato direto com a água,
com isso a água começou a percolar a estrutura da barragem e comprometendo-a.
Contudo, um dos pontos primordiais foi a construção da barragem sobre uma rocha
com um elevado grau de fraturamento, assim, mesmo com a retirada dos blocos
soltos e a inserção de concreto a estrutura não se estabilizou e com o aumento do
volume do reservatório ocorreu o rompimento (BARBOSA 2004).
Com o rompimento do elemento desconectante (barragem), ocorreu à formação de um
distúrbio, uma drástica entrada de energia no sistema, e todo aporte
hidrossedimentológico confinado anteriormente na barragem foi remobilizado para a
calha fluvial à jusante, gerando um elevado fluxo de energia que ocasionou, entre
outros impactos inundação na cidade de Alagoa Grande.
Isto é notório ao analisar as imagens antes e após o evento, pois com a entrada
abrupta de energia no sistema, todo o sedimento que estava anteriormente
depositado sobre o ambiente fluvial à jusante da barragem foi remobilizado,
levando em consideração que anteriormente a ruptura da barragem, o canal a sua
jusante apresentava-se coberto por material sedimentar e a ausência de um leito
escavado. A entrada de energia no sistema proporcionou o entalhamento do
leito/talvegue, alargando-o e remobilizando todo o material sentar contido antes
do rompimento (Fig. 3).
Já na área localizada próximo a cidade de Alagoa Grande, os danos foram bem
maiores, uma vez que causou a morte de pessoas, destruiu casas, plantações,
escolas, ou seja, causou um dano socioambietal. Isso aconteceu justamente por
este canal apresentar as mesmas características físicas do trecho à montante, com
isso, os fluxos extravasaram o canal transportaram água e sedimentos para a
cidade após o rompimento (Figura 4), além de causar também uma alteração parecida
com a que houve no trecho 1, onde o canal teve um entalhamento do talvegue e
proporcionou a definição linearizada do canal em uma vista em planta, o que
anteriormente ao rompimento não era perceptível.
De uma forma sintética, pode-se dizer que a grande quantidade de energia liberada
pelo rompimento da barragem, gerou alterações morfológicas no ambiente fluvial à
jusante dela, fazendo com que o canal fosse aprofundado e alargado, refletindo o
nível da sua capacidade de ajuste ao evento extremo.
FIGURA 1: Mapa representativo da localização da bacia – canais – barragem e trechos a serem analisados. Fonte: Elaborado pelos autores (2017).
Figura 2: Tabela com os dados de precipitação mensal de cada Município próximo à barragem, para os dois anos analisados.
FIGURA 3: Morfologia do canal antes e após o rompimento da barragem. Trecho localizado logo após o barramento. Fonte: Elaborado pelos Autores (2017).
FIGURA 4: Morfologia do canal antes e após o rompimento da barragem. Localizado próximo a Alagoa Grande. Fonte: Elaborado pelos Autores (2017).
Considerações Finais
Com isso, o presente trabalho expõe um problema bem recorrente no semiárido brasileiro, que é o rompimento de barragens. Este evento pode ocasionar uma série de dados ambientais e sociais. Por isto, os estudos prévios sobre a caracterização do sistema a ser trabalhado/modificado é imprescindível, pois garante melhore condições para a gestão desse tipo de interferência antrópica. Pôde-se constatar, também nesse trabalho, a complexidade de um sistema fluvial em área de transição entre um ambiente úmido e semiárido, onde mesmo sobre drástica mudança nas condições de energia no sistema ambiental, obrigou o sistema a se adaptar à quantidade de energia que havia entrado. Levando em consideração o aumento cada vez maior sobre os estudos destes ambientes, o atual trabalho apresenta-se como inicial acerca desta abordagem na área, possibilitando o desenvolvimento de trabalhos mais complexos para este sistema ambiental.
Agradecimentos
Referências
BARBOSA, N. P; et all. Barragem de Camará, João Pessoa, Brasil, UFPB, 2004.
CABRAL, J. Estudo do processo de assoreamento em reservatórios. Caminhos da Geografia. Uberlândia, p. 62 – 69. 2005.
EMBRAPA - CENTRO NACIONAL DE PESQUISAS DE SOLOS. Sistema brasileiro de classificação de solos. 2ª. ed. Rio de Janeiro: EMBRAPA-SP. 2006.
FIGUEIRÓ, A.S. Elementos de biogeografia Cultural. In: FIGUEIRÓ,A.S. Biogeografia, dinâmicas e transformações na natureza. 1. Ed. São Paulo: Oficina de Textos, 2015. Cap. 5, p. 209-257.
ROSA, L.; et al. Uso de composições de bandas do satélite Landsat 5 TM para caracterizar a dinâmica da variação de áreas alagadas no Pantanal mato-grossense. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto – SBSR, Paraná. Anais XV. Curitiba: INPE. p. 5292-5299, 2011.
SOUZA, J. Sistema fluvial e planejamento local no semiárido. Revista Mercator. 2012.