Autores

Lima, A.G. (UNICENTRO) ; Nascimento, L.S. (UNICENTRO)

Resumo

A análise de fraturas em leitos fluviais rochosos é importante para o estudo dos processos erosivos de arrancamento (plucking) e macroabrasão, porém a técnica usual de medida do espaçamento das fraturas não é plenamente adequada para os estudos geomorfológicos desse tipo. Em função disso, o objetivo do artigo é propor uma nova técnica de análise do fraturamento, denominada de espaçamento 2D (S2D), na qual divide-se o comprimento total das fraturas pelo número de interseções destas em determinada janela amostral. O S2D fornece o tamanho médio dos blocos rochosos disponíveis no leito. A técnica foi testada em rios de leito rochoso fraturado (basaltos), na região sul do Brasil. Nas áreas amostradas, S2D varia de 0,14 a 0,67 m. As janelas amostrais utilizadas e os dados levantados também permitiram calcular a intensidade do fraturamento (m/m²). Geomorfologicamente, esta não é tão útil quanto S2D, mas é complementar. O uso de fotogrametria digital é recomendado para aplicar a nova técnica.

Palavras chaves

basalto; espaçamento de fraturas; erosão fluvial

Introdução

A análise de fraturamento em rochas in situ é um tema amplamente tratado no âmbito da Geologia estrutural e de engenharia (e.g., Palmströn, 2002; Priest, 2014). As aplicações das metodologias desenvolvidas vão desde o estudo da circulação de água subterrânea, passando por análises de estabilidade de túneis e encostas. Em Geomorfologia fluvial a análise do fraturamento é importante para estudo do processo erosivo por arrancamento (plucking) e por macroabrasão, que ocorrem sobre leitos rochosos. Diversos processos são responsáveis pela erosão fluvial diretamente sobre as rochas, sendo que os principais são a abrasão e o arrancamento (Hancock et al. 1998; Whipple et. al., 2000a). A abrasão é determinada pelo atrito das partículas em trânsito sobre as rochas e podem envolver tanto a carga do leito (macroabrasão) como a carga em suspensão (wearing; Whipple et al., 2000a; Sklar e Dietrich, 2001). Rochas pouco fraturadas favorecem a abrasão por partículas em suspensão, enquanto que o arrancamento predomina em rochas mais fraturadas (Miller, 1991; Whipple et al., 2000b). O arrancamento é produzido exclusivamente pela força hidráulica, que remove blocos do leito – quer sejam eles produzidos pelo fraturamento original da rocha, quer pelo impacto de blocos transportados como carga do leito (macroabrasão). A remoção pode ocorrer por extração direta por sucção, causada pelas variações de pressão da água em velocidade sobre o canal, ou por deslocamento em frentes de ruptura de declive (knickpoints; ver Lima, 2010 e referências). Em todos os casos é necessário que o bloco rochoso esteja delimitado, também, por fraturas horizontais. A medida mais utilizada para analisar o fraturamento das rochas é o espaçamento, que é entendido como a distância entre fraturas de um mesmo set, medida ortogonalmente à direção média desse set (Hudson e Priest, 1983). Para a análise da erosão em leito fluvial rochoso, esse procedimento, feito sobre as fraturas perpendiculares ao leito, fornece o tamanho dos blocos disponíveis para remoção por arrancamento. Entretanto, em muitas situações há múltiplos sets de fratura que se intercruzam. Isso gera: (1) blocos de tamanhos variados, com vértices em ângulos menores que 90° (quando vistos em planta) e (2) uma dependência do arrancamento para com a macroabrasão, que passa pela quebra dos blocos e geração de fissuras pelo impacto de clastos em transporte. Nesses casos, consequentemente, a medida do espaçamento como é feita tradicionalmente nos estudos de geologia, não é plenamente adequada para os estudos geomorfológicos de erosão em leito rochoso. Primeiramente, porque há fraturas não sistemáticas que dificultam a identificação dos sets. Em segundo lugar, entende-se que o tamanho médio dos blocos, no que interessa à análise de suscetibilidade ao fissuramento pelos impactos, é determinado pela distância entre fraturas de diferentes sets e pela quantidade de intercruzamentos que esses sets perfazem. Em vista dessas condições, é apresentado aqui uma nova proposta de análise do tamanho médio dos blocos rochosos, que utiliza a avaliação do comprimento total de fraturas e do número de interseções em determinada área amostral. A nova proposta é chamada de espaçamento 2D, porque obtém o espaçamento em duas dimensões (área) diferentemente do espaçamento habitual, obtido em scanlines retilíneas.

Material e métodos

A nova proposta de análise do espaçamento de fraturas foi desenvolvida com base em áreas amostrais de leitos fluviais rochosos da Província vulcânica da Bacia do Paraná, sul do Brasil. Foram analisadas 10 áreas amostrais em três trechos do rio Jordão, desenvolvido sobre rochas basálticas, no município de Guarapuava, Paraná. Em campo, foram verificadas zonas expostas do leito rochoso, sobre as quais efetuou-se um levantamento fotográfico. Propositalmente, também foram escolhidas áreas amostrais com aparentes diferenças na intensidade de fraturamento. As fotografias foram tomadas verticalmente, a uma altura aproximada de 1,6 m do leito do rio, com câmera digital de 14.1 megapixel. Para a identificação da escala das fotografias, em cada local foi colocada uma escala gráfica padrão (Figura 1). Sabe-se que a escala fotográfica pode ser modificada radialmente em relação ao centro da fotografia (Ricci e Petri, 1965). Contudo, isso não introduziu erro apreciável nas medidas, conforme indicaram os testes em laboratório. Cada fotografia selecionada foi importada e examinada em um programa de desenho, que possibilitou visualizar com zoom até o nível dimensional do pixel (resolução aproximada de 1 mm). Em cada fotografia foram traçados dois círculos, dentro dos quais foram medidos os comprimentos de todas as fraturas (Figura 1). Todas as fraturas identificadas foram realçadas nas fotografias e foram consideradas nos cálculos, exceto aquelas que se apresentam irregulares e com dimensões relativamente pequenas. Calculou-se também o número de interseções entre fraturas dentro dos círculos. Dividindo-se o comprimento total das fraturas (CTF) pelo número de interseções (n), obteve-se o que está sendo chamado aqui de espaçamento 2D de fraturas: S2D = CTF/n [eq. 1]. Para cada local amostrado (uma fotografia) calculou-se a média das duas áreas amostrais circulares. Para efeito de comparação, também foi calculada a intensidade de fraturamento por área circular (Ia; cf. Goldstein e Marshak, 1988), determinada pela divisão do comprimento total de fraturas (CTF) pela área do círculo (A): Ia = CTF/A [eq. 2].

Resultado e discussão

A Tabela 1 mostra o resultado da análise da intensidade do fraturamento, conforme o método da área circular, e do espaçamento, conforme a nova proposta aqui apresentada (S2D). Não é possível comparar diretamente os resultados de ambas, porque embora sejam obtidas de forma similar, mostram aspectos diferentes. A intensidade por área circular não fornece um valor objetivo para o dimensionamento dos blocos rochosos, diferentemente de S2D. Nas áreas amostradas, S2D varia de 0,14 a 0,67 (Tabela 1). Esses valores representam o tamanho médio dos blocos em que o leito é fragmentado. É possível distinguir três conjuntos bem distintos de tamanhos: a maioria das áreas (cinco) apresenta S2D entre 0,3 e 0,4; os outros dois conjuntos estão ou acima de 0,45 ou abaixo de 0,20. A maioria das fraturas são de origem atectônica, produzidas pela contração no resfriamento das lavas basálticas. Entretanto, há fraturas de origem tectônica presentes em quase todas as áreas, elevando a intensidade do fraturamento e diminuindo os valores de S2D. Outras disjunções que elevam eventualmente a intensidade são aquelas produzidas pelo impacto da carga do leito. Estas são menores em extensão e geralmente conectam, ortogonalmente, duas fraturas paralelas de qualquer natureza. As fraturas de origem tectônica cruzam as demais fraturas indistintamente e, com isso, podem duplicar o número de blocos em determinado local: dois blocos separados por uma junta de contração podem se transformar em quatro quando atravessados por uma fratura tectônica. O resultado é a diminuição do tamanho médio dos blocos, ou seja, diminuição de S2D. Naturalmente, nos basaltos existe variabilidade na intensidade do fraturamento, dependendo das velocidades de resfriamento internamente ao corpo do derrame (Degraff e Aydin, 1993; Goehring e Morris, 2008). Consequentemente, os menores valores de S2D notados nas áreas estudadas não significam necessariamente que haja contribuição tectônica. A nova proposta de obtenção do espaçamento reúne informações do comprimento total de fraturas em determinada área e do grau de interseção das fraturas (equação 1). Em um sistema com vários sets de fratura, é esperável que o número de interseções esteja, em certo grau, relacionado com a intensidade do fraturamento como é habitualmente calculada (equação 2). Conforme os dados utilizados neste estudo, essa relação é verdadeira (Figura 2). Utilizar a intensidade do fraturamento por área para avaliar, indiretamente o dimensionamento dos blocos e a suscetibilidade à macroabrasão é, portanto, parcialmente possível. Entretanto, existe variação do número de interseções para intensidades similares (Figura 2). Consequentemente, a relação entre a intensidade por área circular e S2D é relativamente baixa (R² = 0,5), o que expressa o efeito da variabilidade do número de interseções. Este aspecto justifica explorar o S2D como uma melhor alternativa para obter objetivamente o dimensionamento dos blocos rochosos do leito. Em determinado local do leito existe variação de tamanho dos blocos e os valores de S2D expressam apenas as médias. Há necessidade, portanto, de que sejam avaliados vários espaços dentro de uma mesma área, como é comumente recomendado para a obtenção do espaçamento tradicional e da intensidade (Mauldon et al., 2001; Priest, 2014). Neste estudo foram utilizados dois espaços circulares parcialmente superpostos (ver item materiais e métodos). A maior diferença nos valores de S2D entre dois locais contíguos foi de 57%, notada na área amostral 2753. Por outro lado, diferenças menores que 6% e até nulas também foram observadas. As janelas amostrais utilizadas no estudo eram circulares, o que facilita a obtenção de outros parâmetros descritivos do fraturamento como a intensidade por área ou por scanline circular (Mauldon et al., 2001). Outra vantagem dos círculos é a objetividade ao posiciona-los na área a ser amostrada, diferentemente de quadrados e retângulos. Entretanto, a técnica de S2D permite que outros formatos possam ser utilizados, o que é especialmente útil nos levantamentos em rios onde as exposições rochosas sejam pequenas ou irregulares. A fotogrametria digital, que já tem sido utilizada em outros tipos de levantamento de fraturas (p. ex. Kemeny e Post, 2003) mostrou-se eficiente e necessária na aplicação da técnica de S2D. As fissuras ou mesmo fraturas são, por vezes, difíceis de acompanhar em todo o seu comprimento, devido às sombras, intemperismo localizado, detritos vegetais e ou sedimentares no leito (Figura 1). Essas dificuldades podem impedir a localização de algumas interseções e diminuir o número destas (equação 1), bem como o comprimento total das fraturas. Sendo assim, a dificuldade pode ser minimizada por haver certa compensação no resultado. A medição do comprimento das fraturas em campo, embora possa ser efetuada com a vantagem de se poder observar as áreas sob diversos ângulos e facilitar a identificação de fissuras, é extremamente morosa e desconfortável, e os resultados nem sempre são melhores. Outra dificuldade inerente à análise fotográfica das imagens está relacionada às áreas mais irregulares, produzidas pela extração de alguns blocos tabulares. Nessas zonas criam-se planos horizontais em diferentes níveis. O traçado das fraturas precisa ser projetado para um desses níveis, o que nem sempre é possível fazer com facilidade. A dificuldade aumenta com o aumento da altura dos blocos e com o distanciamento do centro da fotografia, devido aos erros de paralaxe.

Figura 1

Exemplo de área amostrada para cálculo do S2D. Os círculos tracejados representam as subáreas amostrais.

Figura 2

Relação entre intensidade de fraturas e nº de interseções dentro das subáreas amostrais (A) e entre a intensidade de fraturas e espaçamento 2D (B).

Tabela 1

Características do fraturamento nas áreas amostradas.

Considerações Finais

Os processos erosivos de arrancamento e macroabrasão em leitos fluviais rochosos ainda necessitam de maior compreensão. A caracterização adequada do fraturamento das rochas é fundamental para que tais estudos se desenvolvam. A técnica aqui apresentada, constitui um melhoramento em relação à técnica usual de mensuração do espaçamento das fraturas em scanlines retilíneas. Diferentemente, a nova técnica permite uma identificação mais efetiva e correta do tamanho dos blocos rochosos, porque faz uma avaliação por área e não por linha. Para que o desempenho dessa técnica possa ser melhor definido, estudos comparativos com técnicas diversas, incluindo a do espaçamento com scanlines retilíneas, estão sendo desenvolvidos.

Agradecimentos

Referências

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