Autores

Nazareth de Moura, M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; de Oliveira Corrêa, L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Fernandes Felippe, M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA)

Resumo

A principal proposta deste trabalho está em analisar as alterações ocorridas nas variáveis fluviométricas de cota e vazão coletadas em três estações ao longo do curso do rio Paraíbuna no período de 1987 a 2012. As estações fluviométricas foram escolhidas através de dados disponibilizados na plataforma HidroWeb da Agência Nacional das Águas. Estes estudos foram realizados com embasamentos bibliográficos, artigos acadêmicos e outros trabalhos relacionados com a temática abordada. As cidades que abrigam as estações são: Três Rios, Belmiro Braga e Juiz de Fora. Com a determinação das estações, os dados coletados foram analisados e verificados, dando início à confecção de gráficos com os valores de máxima, mínima e média mensal das variáveis cota e vazão. Com a análise dos resultados, pretendeu-se encontrar hipóteses que elucidassem o motivo de tais mudanças e/ou padrões do comportamento fluvial.

Palavras chaves

Fluviometria ; Ordenamento Territorial; Geomofologia

Introdução

A urbanização de Juiz de Fora, se pauta no domínio das águas de seu principal rio, o Paraibuna. É clara a íntima relação entre o processo de consolidação e expansão urbana da cidade com seu sítio geomorfológico (MACHADO e CUNHA,2011). O Paraibuna é o principal componente regulador da ocupação regional. O rio tem origem na Serra da Mantiqueira e foz no rio Paraíba do Sul, sendo objeto de formas de apropriação social ao longo dos seus 32 km percorridos em Juiz de Fora (BRASIL e FILHO, 2012). Para Machado e Cunha (2011) a busca pela salubridade, a tentativa de contenção de sequentes inundações e a busca por espaços para expansão da cidade colaboraram com a conformação do espaço urbano nas margens do rio. É nessa conjuntura, que busca-se em Macedo (1995) a noção de ordenamento territorial, entendida como o encargo da compatibilização das necessidades da sociedade, referentes à ocupação e ao uso do solo, com a capacidade de suporte do território que se anseia ocupar. Ademais, segundo Almeida (2007), ele torna compatível as necessidades da sociedade, no que diz respeito ao uso e ocupação, com a habilidade de suporte do território com o intuito de ocupar. Trazendo o ordenamento territorial para o contexto da área de estudo, Machado (2012) retrata que no início do século XX, o rio se encontrava em um uma realidade completamente distinta à que se tem hoje: isento de poluição e meândrico, transportando suas águas em baixa velocidade, acarretando em naturais extravasamentos da calha. Dessa forma, calha do rio foi subvertida à lógica urbana e as construções em suas margens associadas as alterações da cobertura da terra em sua bacia alteraram sua dinâmica hidrossedimentológica, tornando suas inundações naturais e periódicas um problema social. Assim, a solução seria dominar o Paraibuna, erradicando a insalubridade, amenizando a cidade das incumbências e das adversidades causadas por suas inundações e ganhando áreas da planície aluvial para a expansão urbana (MACHADO, 2012; BRASIL, 2012). Diante deste cenário, desde o ano de 1699, o Paraibuna vem sofrendo uma série de modificações em seu canal, afim de erradicar os embaraços causados a população. Dentre essas modificações, Brasil e Filho (2011), Brasil (2013), Machado (2012) e Machado e Cunha (2011), Silva (2011) e Machado et al. (2016) citam construções e desvios da Estrada União Indústria e da Avenida Brasil, dragagens, escavações, aterros, reconstrução e alargamento de pontes, construção da represa de Chapéu D’Uvas, retificações ao longo do rio revestindo seu leito vivo com calhas de concreto, desapropriação das margens, etc. Para Botelho e Silva (2004), é comum no ambiente urbano, canalizar e retificar rios, acarretando no transporte de sedimentos e depósito dos mesmos, aumentando o risco de enchentes, em função da diminuição da área da seção transversal do canal fluvial, bem como a diminuição do volume de água circulante. A canalização e a retificação visam aumentar a velocidade e a vazão dos rios, para gerando um escoamento acelerado do intenso volume de água que logra os canais, possibilitando a ocupação de suas margens. Todavia, isso geralmente não ocorre, já que a retirada da vegetação marginal, o assoreamento do leito do rio e a ocupação das planícies de inundação intensificam a ocorrência das enchentes. (BOTELHO e SILVA, 2004) Tendo em vista as transformações geradas no Paraibuna nas últimas décadas supracitadas, viu-se oportuno estudar possíveis variações fluviométricas significativas no rio ao longo do período das transformações, visando uma maior contribuição para a discussão das mudanças sofridas pelo mesmo. Deste modo, este trabalho almeja investigar eventuais alterações fluviométricas do rio no período de 1987 a 2012. Foram utilizados dados da série histórica de cota e vazão de três estações fluviométricas sob a luz do contexto histórico-evolutivo da urbanização juiz-forana e de concepções fundamentais da geomorfologia fluvial.

Material e métodos

Os dados fluviométricos foram extraídos da plataforma HidroWeb da Agência Nacional das Águas (ANA). Foram selecionadas estações fluviométricas da bacia do Rio Paraibuna, que apresentavam dados tanto de cota quanto de vazão, com medições em datas coincidentes. O recorte temporal comum foi determinado entre 1987 a 2012, em concordância com a disponibilidade e consistência dos dados. Assim, foram eleitas três estações: Chapéu D´Uvas, Sobraji e Ponte de Pedra. Deve-se ressaltar que todas as estações fluviométricas escolhidas se encontram a jusante da barragem de Chapéu D’Uvas. Para esta pesquisa, foram utilizados os valores de máxima, média e mínima mensal, de cota e vazão, para o período determinado. É importante salientar que na pesquisa realizada na plataforma Hidroweb, não constam medições de alguns meses, deixando assim algumas lacunas no estudo, o que, por opção, não foi corrigido por eventuais extrapolações matemáticas, uma vez que foi considerado ser de maior importância a dinâmica temporal da série de dados. Após o tratamento dos dados, foi iniciada a análise gráfica. Primeiramente, foram gerados dois gráficos para cada estação analisada, um com cota máxima, média e mínima e outro com vazão, máxima, média e mínima. Ademais, foi acrescido ao cada um desses gráficos, a linha de tendência (linear) para cada uma das variáveis (máxima, média e mínima) e suas respectivas equações. Nas equações foram interpretados o coeficiente de determinação e o coeficiente angular. A leitura em conjunto desses parâmetros permite adensar a discussão sobre eventuais tendências que possam aparecer nos gráficos. Isso somado ao recorte temporal e à natureza dos dados (médias, máximos e mínimos), amplia as possibilidades de compreensão das alterações fluviométricas, que se conformariam como consequências ou ajustes do rio à dinâmica urbana. Posteriormente, foram gerados diagramas de dispersão com a demonstração da relação cota x vazão para o recorte temporal. Foram acrescidos nos gráficos de dispersão os rótulos referentes às datas de medição, auxiliando assim, na determinação de períodos que indicassem comportamentos semelhantes. Tais gráficos são cabais ao mostrar diferentes comportamentos da calha ante ao escoamento da água, uma vez que para uma mesma vazão, diferentes geometrias da calha determinarão diferentes cotas.

Resultado e discussão

a. Estação de Chapéu D’Uvas Esta estação localiza-se em Juiz de Fora, Minas Gerais e se encontra mais a montante do município (altitude de 697 m). Sabe-se que o trecho do rio estudado (próximo à estação) é retilinizado, ou seja, não apresenta a sua morfologia natural. (CORRÊA, 2017) A figura 01, demonstra os valores de cota e vazão além de elucidar a relação entre ambas as variáveis na estação de Chapéu D´Uvas, no período de 1987 a 2012. Ao analisar os coeficientes angulares das linhas de tendência de cota e vazão, observam-se valores positivos. Todavia, indica-se que, durante o período estudado, a vazão apresentou uma menor taxa de crescimento do que a cota. Essa constatação é corroborada pelo diagrama de dispersão de cota e vazão. Nota-se, claramente, a ocorrência de três curvas distintas na série temporal, resposta de prováveis alterações na geometria da calha decorrentes das intervenções urbanas. Dentre elas, as mais prováveis são construções e reconstruções de pontes (especialmente a partir do ano de 1990) e desapropriação de margens. Desta maneira, pode-se constatar que, entre os anos de 1987 a 1992 (verde), uma vazão aproximada de 8m³/s, por exemplo, correspondia aproximadamente a uma cota de 70 cm. Já no período compreendido entre 1993 a 1995 (azul), a mesma vazão de 8m³/s passou a corresponder com uma cota de aproximadamente 50 cm. No período entre 1996 a 2012 (amarelo), a mesma vazão de 8m³/s incidiu com uma cota de aproximadamente 150 cm. Assim sendo, provavelmente aconteceram dois movimentos distintos que acarretaram em alterações na morfologia do canal, fazendo com que a mesma quantidade de água preenchesse alturas diferentes. No recorte temporal seguinte, a cota triplicou seu valor, para esse valor-exemplo de vazão. Com isso, conclui-se que na primeira alteração significativa (1992 e 1993), o trecho do rio localizado próximo à estação tinha uma maior tendência à inundação, mas no período seguinte (1995 e 1996) essa tendência decresceu. Por outro lado, no recorte mais recente, a tendência ao transbordamento aumentou consideravelmente. Desta forma, constata-se nos gráficos supracitados que houve uma diminuição na possibilidade de inundação. Isso leva a crer em uma possível hipótese de alguma modificação que seja capaz de reduzir a área a qual a água percorre. Uma possível pressuposição é a associação da morfologia do canal com a diminuição da área disponível para a passagem da água, concomitantemente a uma regularização da vazão. Atentando-se para o gráfico de dispersão da cota e da vazão (também presente na Figura 01), percebe-se que houve um salto muito grande entre as linhas azul e amarela (correspondentes aos períodos de 1993-1995 e 1996-2012, respectivamente). Todavia, esta diferença não foi muito grande entre o verde e o azul (correspondentes aos períodos de 1987-1992; 1993-1995). Como suposição, pode-se considerar que a diferença entre os primeiros períodos mencionados acima (1993-1995 e 1996-2012) esteja relacionado ao histórico de canalizações e retificações do rio propriamente dito. Já a segunda diferença (1987-1992; 1993-1995), suspeita-se que está atrelada à uma possível regularização da vazão, ou a mudança (s) morfológicas menos expressivas, provavelmente, pequenas desapropriações das margens. É sabido que este canal é retilíneo. Entretanto, ainda pode-se constar que o trecho não se encontra canalizado (CORRÊA, 2017). Há a construção de uma ponte no local que talvez possa explicar as alterações no fluxo de água e/ou possível assoreamento que causaram as mudanças nos valores das variáveis do estudo em questão. b. Estação Sobraji Esta estação localiza-se em Belmiro Braga, Minas Gerais e se encontra mais a juzante do município de Juiz de Fora (altitude de 450 m). A figura 02 demonstra os valores de cota e vazão do rio Paraibuna na estação Sobraji (de 1987 à 2012), além de elucidar a relação entre ambas as variáveis. Mediante o gráfico de dispersão (figura 02) da estação Sobraji constatou-se que a relação entre as variáveis se manteve regular ao longo do período analisado, uma vez que o gráfico retrata apenas uma curva. Em uma primeira interpretação, pode-se afirmar que a geometria da calha não sofreu grandes alterações nesse período, apesar das já relatadas transformações no uso da terra na escala da bacia. Segundo Corrêa (2017) não são verificadas alterações expressivas na morfologia do rio, o que leva a crer na probabilidade de não ter ocorrido mudanças significativas durante a série histórica estudada (1987 a 2012). c. Estação Ilha dos Pombos Esta estação localiza-se em Três Rios, Rio de Janeiro e se encontra mais a juzante do município de Juiz de Fora (altitude de 256 m). A figura 03 apresenta os dados fluviométricos do rio Paraibuna referentes a estação Ilha dos Pombos. Nota-se no gráfico de dispersão, uma diminuição nos valores medidos de cota em relação aos de vazão. Por exemplo, uma vazão de 100m³/s corresponde a 250 cm de cota no primeiro período determinado (1987 -1995), sendo que no segundo período, a mesma vazão de 100m³/s corresponde a aproximadamente 100 cm. Isso leva a crer em alguma mudança significativa no perfil transversal, uma vez que este é um resultado estatisticamente expressivo. Essa mudança no perfil transversal em curto período de tempo fornece indícios de uma possível influência antropogênica na carga de sedimentos fluviais. Analisando as linhas de tendências dos gráficos acima, percebe-se que no primeiro período definido, de 1987 a 1995, tanto a cota quanto a vazão apresentaram uma diminuição de seus valores. Isto é amparado pelo fato dos coeficientes angulares serem negativos neste período. Já no segundo período, de 1996 a 2012, os coeficientes angulares das linhas de tendências apresentaram valores positivos e, desta forma, conclui-se que tanto a cota quanto a vazão apresentam uma tendência de aumento. O trecho do rio Paraibuna próximo à estação encontra-se em leito natural, porém a estação fica à jusante de um grande represamento de água, o que explicaria a interferência na vazão do rio.

Figura 01

Valores de cota e vazão e a relação entre ambas as variáveis na estação de Chapéu D´Uvas, no período de 1987 a 2012.

Figura 02

Valores de cota e vazão e a relação entre ambas as variáveis na estação Sobraji, no período de 1987 a 2012.

Figura 03

Valores de cota e vazão e a relação entre ambas as variáveis na estação de Ilha dos Pombos, no período de 1987 a 2012.

Considerações Finais

Nas estações estudadas, as vazões e cotas do rio Paraibuna mostram uma tendência à regularização, ou seja, uma diminuição das amplitudes entre os valores máximos e mínimos. Atrela-se aos recorrentes represamentos e canalizações na jusante das estações, alterando a dinâmica fluvial. Duas estações apresentaram uma ruptura da relação cota x vazão na série histórica estudada. Na interpretação dos gráficos, viu-se que a estação Chapéu D’Uvas mostrou três períodos distintos, a estação Ilha dos Pombos dois períodos e na estação Sobraji não foram identificadas tais rupturas, já que foi verificado um comportamento similar para toda série histórica. Já que duas das três estações apresentaram alterações no ano de 1995, deduz- se que este é um ano chave para a compreender o comportamento geomorfológico do Paraibuna. Suscitam-se estudos futuros para desvelar as causas desses distúrbios no padrão fluviométrico do rio. Nos gráficos de dispersão, quando há um comportamento de aproximação com eixo x – das vazões – significa que para uma mesma vazão, a cota está aumentando. Associa-se ao aumento do risco de cheias. Porém, isto não está apenas relacionado à morfologia da calha. Esta característica de inclinação para o eixo x foi observada em duas estações estudadas. Neste trabalho considerou-se a série histórica de precipitação. Um estudo mais robusto e completo pode ser realizado incluindo tais dados, associado a uma investigação histórica das intervenções diretas sofridas pela calha do rio.

Agradecimentos

Referências

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