Autores
Flores, D.M. (USP) ; Lima, A.G. (UNICENTRO)
Resumo
Este trabalho visou estabelecer uma relação entre as propriedades texturais da drenagem e tipologias de rochas vulcânicas (basaltos hipoialinos e riodacitos) em área no sul do Brasil. Utilizou-se modelo digital de elevação gerado por imagens SRTM - 30 m e imagens ortorretificadas. Dentre os principais resultados observou-se que apenas a análise conjunta das propriedades texturais permite delimitar zonas homólogas com padrões evolutivos da rede de drenagem em cada tipo litológico ígneo. As propriedades texturais como feições lineares e assimetrias de drenagem foram as mais representativas.
Palavras chaves
Propriedades texturais; Rede de drenagem; Feições lineares
Introdução
A interpretação geológica de propriedades texturais do relevo e da drenagem possui uma possibilidade de aplicação baseada na análise lógica-dedutiva, oriunda de Guy (1966), Riverau (1970) e em Soares e Fiori (1976). Nadalin (2016) sintetizou tais preceitos de forma a melhor permitir uma interpretação geológica a partir de imagens do relevo, observando as propriedades texturais constituintes, para a elaboração de mapas fotogeológicos. A identificação dos elementos de fotoanálise e fotointerpretação utilizam da interpretação das propriedades texturais do relevo e drenagem permitindo, assim, inferir o controle estrutural sobre a rede de drenagem. Para este trabalho foram feitas adaptações para aplicação dos preceitos teóricos dos autores citados, procurou-se interpretar apenas as propriedades relativas a drenagem, conforme os procedimentos a seguir: 1º) Uso de propriedades específicas dos elementos texturais da rede de drenagem; 2º) Densidade de textura de alguns elementos da rede de drenagem; 3º) Disposição dos elementos estruturais, denominados neste trabalho de feições lineares, seguindo a conceituação de O’ Leary et. al. (1976), por considerar que o termo permite uma interpretação geológica-geomorfológica da influencia estrutural na formação das feições lineares que interferem nas formas do relevo, bem como, na disposição da rede de drenagem; 4º) Identificação das assimetrias da rede de drenagem em função das feições lineares. O objetivo foi identificar a relação das propriedades texturais com a presença dos membros litológicos subjacentes e que determinam a estruturação da rede de drenagem. Com o auxílio da fotointerpretação dos elementos estruturais denominados aqui de feições lineares, foram selecionadas apenas algumas propriedades texturais da metodologia de Nadalin (2016), em função da ênfase na análise da rede de drenagem. Selecionou-se para o trabalho a bacia hidrográfica e perfil do rio Coutinho, onde ocorre contato entre três membros litológicos de rochas ígneas do Grupo Serra Geral, sendo eles: Membro Três Pinheiros (basaltos hipoialinos), Membro Guarapuava (riodacitos) e Membro Foz do Areia (basaltos Maciços). Buscou-se identificar se a diferença litológica dos membros no contexto da bacia hidrográfica determina também diferenciação nas propriedades texturais da rede de drenagem. Ambos membros geológicos se localizam no município de Guarapuava (PR), região centro-sul do Estado do Paraná.
Material e métodos
Para a análise e fotointerpretação utilizou-se imagens SRTM (Shuttle Radar Topography Mission), de 30 m de resolução para a elaboração do modelo digital de elevação (MDE), onde a simulação direcional da iluminação solar, estabeleceram-se valores de azimute e iluminação variados para a visualização das feições do relevo. Foram também utilizadas imagens ortorretificadas na escala de 1: 10.000, para a identificação das feições lineares e confirmação destas sobre o MDE. As feições lineares foram delimitadas como positivas quando na forma de cristas ou saliências e negativas quando na forma de depressões ou sulcos. Estas feições podem indicar em conjunto: direção das camadas dos derrames ígneos ou direção do mergulho das estruturas rochosas. As feições lineares podem ser em feixe que indicam os planos de acamamento e foliação das rochas ou podem ser em série, que paralelas ou transversais aos canais fluviais indicam possíveis falhas e fraturas oriundas de esforços tectônicos. As feições lineares em série foram demarcadas em linhas de cor vermelha, com disposição transversal e multidirecional, são mais espaçadas e irregulares, sem um padrão definido. As feições lineares em feixe (cor preta) se apresentam em linhas mais curtas em extensão. As demais propriedades utilizadas para a análise estrutural sobre a rede de drenagem foram: Angularidade da rede de drenagem: utilizada de maneira qualificada, indica a idealização da geometria de junção dos canais, pelo grau de direcionamento estrutural do traçado da drenagem. Foram classificadas como alta (ângulos maiores que 90°), moderada (ângulos próximos a 90°) ou baixa (ângulos inferiores a 90°). Tropia: indica as orientações preferenciais dos elementos do relevo pela estruturação da rede de drenagem. Trechos de drenagem onde as feições em feixe são mais presentes indicam tropia alta. Se a presença das feições em feixe é menor, a tropia pode ser moderada ou baixa. Para as feições lineares em série consideraram-se apenas sua maior ou menor densidade, também classificada como alta, moderada ou baixa. Padrões de drenagem: remete aos padrões básicos da rede de drenagem. Cada padrão se apresenta em função dos efeitos vinculados da evolução tectônica, com expressões e significados estruturais (HOWARD, 1976; SUMMERFIELD, 1991). Assimetria de drenagem: permite inferir a influencia das feições lineares no traçado e extensão dos canais fluviais. A representação dos símbolos de cada tipo de assimetria considera as duas margens do canal fluvial com feição linear negativa incidente, no qual coincide com um rio de ordem mais alta (STRAHLER, 1952) promovendo a conversão do fluxo d’água para si. A assimetria é forte quando as três características (densidade, extensão dos canais e angularidade) se diferenciam. Moderada quando se diferencia em duas características (densidade e extensão) e baixa, quando se diferencia em uma delas (extensão), não havendo diferenciação classifica-se como simétrica. Zonas homólogas: são áreas homogêneas onde as propriedades texturais de densidade de drenagem, angularidade, tropia, densidade das feições lineares, assimetrias de drenagem indiquem um certo padrão. A quantidade de zonas homólogas será maior ou menor, a depender da concentração de propriedades texturais de drenagem em uma dada área do mapeamento, que pode refletir maior ou menor influencia do controle estrutural.
Resultado e discussão
A análise das propriedades texturais da drenagem do rio Coutinho
permitiu algumas observações, quanto a influencia estrutural no traçado do
rio. A delimitação de três zonas homólogas (Figura, 1) só correspondeu à
litologia subjacente devido uma interpretação conjunta das propriedades
texturais. Segue os resultados para a bacia hidrográfica e posteriormente
para as zonas homólogas com uma discussão ao final do item.
A densidade de drenagem da bacia hidrográfica integral retornou valor de
2,32 km/km2 (Figura, 2), considerada como alta, conforme Beltrame (1994). Em
relação aos padrões de drenagem observou-se uma coalescência dos padrões
dendrítico e subdendrítico dos afluentes diretos à calha do rio Coutinho
incidente sobre os basaltos hipoialinos, na primeira metade do rio. As
feições lineares em feixe direcionam os canais de pequena ordem e as feições
lineares em série o canal do rio Coutinho e afluentes principais (Figura,
2A, setas amarelas).
As feições lineares positivas estruturam relevos mais altos e alongados na
regiões de cabeceiras, orientando drenagens paralelas entre si, que
apresentam angulações moderadas (próximos a 90°) nas desembocaduras, (Figura
2A, setas verdes).Onde os riodacitos passam a aflorar, a partir da metade
final do perfil do rio, os afluentes da margem esquerda apresentam padrão
paralelo/subparalelo entre os afluentes maiores e dendrítico/subdendrítico
nos tributários de primeira e segunda ordem. Embora neste setor, os relevos
sejam menos alongados, os interflúvios com declividades intermediárias
orientam os canais fluviais afluentes paralelos até o encontro com o rio
Coutinho,(Figura, 2B setas pretas).
Na margem direita, na metade final do perfil do rio, os hipoialinos voltam a
aflorar próximo ao leito fluvial do Coutinho, margeando até a foz, os
riodacitos. Esta ocorrência distinta das litologias, em conjunto com as
demais propriedades texturais da drenagem acaba por delimitar, pelo menos
duas zonas homólogas (A e B, figura 3).
Na porção a oeste da bacia hidrográfica, os basaltos maciços do Membro Foz
do Areia afloram em meio aos hipoialinos e configuram a zona homóloga (C).
Embora haja duas litologias ígneas máficas distintas, isso não foi
determinante para uma divisão em mais zonas homólogas. A interpretação
das propriedades texturais da rede de drenagem conjunta, não possibilitou
uma divisão conforme a litologia. O conjunto destas, no arranjo da rede de
drenagem do setor NW da bacia hidrográfica, somado as propriedades
litológicas impôs esta condição. As características mais detalhadas de cada
zona homóloga são descritas à frente.
A zona homóloga A, se sobrepõe aos basaltos hipoialino, de norte a sul a
bacia hidrográfica e limita-se com o leito fluvial do rio Maracujá, afluente
de maior ordem do Coutinho a oeste. O outro limite encontra-se a ao longo do
leito fluvial do Coutinho, em contato com os riodacitos a sudeste. As
feições lineares em série, orientam os canais maiores e extensos
longitudinalmente para sul, onde desaguam diretamente sobre o rio Coutinho.
Os tributários de primeira e segunda ordem são transversais em relação a
estes, devido às feições lineares em feixe. Caracteriza-se como a zona
homóloga de menor densidade de drenagem (2,03 km/km2), com padrão básico de
drenagem dendrítico/subdendrítico. As feições lineares em feixe em menor
quantidade apresentam pouco paralelismo, mais bem distribuídas entre os
quadrantes NE e NW. O maior número de feições lineares em feixe ocorre no
quadrante NE, nas cabeceiras da margem esquerda do rio Coutinho. A pequena
quantidade destas feições determina uma tropia baixa para esta zona
homóloga. O controle estrutural é mais efetivo pelas feições lineares em
série, que bem distribuídas nos dois quadrantes (NW/NE), apresentam número
maior de linhas estruturais.
A angularidade das junções é de alta a moderada, onde as feições lineares em
série ocorrem menos. Nos casos de menor estruturação, os ângulos de junção
são mais agudos, ou seja, menores que 90°. Esta angularidade altera-se,
quando desembocam no Coutinho ou do contato entre as litologias, onde passam
a ângulos abertos a depender do trecho.
A zona homóloga B, corresponde aos riodacitos, entretanto, um trecho de
basaltos maciços avança nas cabeceiras a NE. A densidade de drenagem é alta
(2,58km/km2) e o padrão básico de drenagem é o subdendrítico, com
paralelismo dos tributários do Coutinho, especialmente na margem esquerda.
As feições lineares em feixe se concentram no quadrante NW e exercem
controle sobre os tributários da margem esquerda. As feições lineares em
série, embora em menor densidade controlam as drenagens de ordem mais alta,
dispondo-se, principalmente no quadrante NE, no sentido geral dos
alinhamentos estruturais regionais, como o do Piquiri (MINEROPAR, 2013).
As assimetrias de drenagem são moderadas, tendo os afluentes mais extensos,
nas margens esquerdas dos tributários do rio Coutinho. Esta maior densidade
cria uma disparidade entre as margens. Infere-se que os rios se
desenvolveram, mais ao longo do tempo, em função do controle exercido pelas
feições lineares em série, que mais alongadas promovem melhor a incisão
vertical dos canais. A formação de possíveis conjuntos de fraturas e falhas,
condicionam os canais, a partir da tectônica, sobretudo, nos afluentes da
margem esquerda do rio Coutinho (Figura, 3).
A zona homóloga C encontra-se no setor oeste da bacia hidrográfica do rio
Coutinho (Figura, 4), entre os basaltos maciços e hipoialinos. Isto impôs
diferenças nas propriedades texturais (Figura, 4, A-B).
A densidade de drenagem desta zona foi de 2,68 km/km2, alta dentre as demais
e o padrão de drenagem considerado complexo, em função das duas litologias,
sendo o padrão subdendrítico mais presente nos canais no setor norte. No
setor sul, a complexidade da drenagem aumenta, devido às feições lineares em
série sob os canais de terceira ordem que são orientados de NW para SE. As
feições lineares positivas, menos expressivas, ocorrem a norte e delimitam
interflúvios na área dos basaltos maciços (Figura, 4A). A angularidade dos
canais é alta a moderada, com tropia alta sobre os canais a norte e trecho
central. As assimetrias de drenagem dividem-se em pelo menos dois setores
distintos: a norte com assimetrias fortes, com direções para E e SE; e
assimetrias moderadas a baixas, no setor sul, a jusante do rio Coutinho
(Figura, 4B).
As propriedades texturais de drenagem selecionadas para o estudo, não
permitiu que uma propriedade apenas fosse determinante. Apenas a verificação
conjunta destas instituiu as zonas homólogas. Nadalin (2016) preconiza, por
exemplo, que a propriedade de assimetria de drenagem que revela o caimento
das camadas rochosas é verificada quando há diferenças de extensão e
angularidade dos canais. No caso das litologias estudadas, que possuem pouco
mergulho, não mais que 3° regional (MINEROPAR, 2013), as diferenças de
extensão e angularidade foram fundamentais para delimitar as duas zonas
homólogas A e B. Estas características somadas às diferenças de densidade
das feições lineares possibilitou a interpretação destas zonas homólogas.
A interpretação a partir das propriedades texturais relativas à drenagem
possibilitou uma divisão em zonas homólogas considerando não apenas a
divisão dos membros geológicos como previsto inicialmente. A observação das
propriedade texturais de drenagem influenciadas pela tectônica foi mais
determinante devido aos fatores de modificação das rochas ígneas no tempo.
Como as feições estruturais nos basaltos se desenvolvem também ao longo do
tempo geológico, os padrões de drenagem tendem a se modificar em função dos
rearranjos dos blocos rochosos que possam ocorrer neste tempo. Isso torna-se
um fator relevante, pois, a demarcação de zonas homogêneas da drenagem
visando o mapeamento, deve considerar esta evolução dos arranjos
litológicos, mesmo em rochas de natureza semelhante, mas distintas
estruturalmente.
Figura 1. Mapa de propriedades texturais da drenagem da bacia hidrográfica do rio Coutinho.
Figura 2. Mapa de geologia da bacia hidrográfica do rio Coutinho e detalhes da distribuição das propriedades texturais.
Figura 3. Mapa de propriedades texturais da drenagem das zonas homólogas A e B da bacia hidrográfica do rio Coutinho.
Figura 4. Zona homóloga C com detalhe do setor norte e sul da bacia hidrográfica do rio Coutinho, com a presença dos Basaltos Maciços.
Considerações Finais
A identificação das feições lineares levando-se em consideração os critérios de propriedade texturais do relevo e da rede de drenagem se mostrou adequadas por permitir a demarcação das feições lineares na determinação das assimetrias de drenagem, da angularidade das desembocaduras e demais propriedades texturais. Apenas a interpretação dos padrões básicos de drenagem indicou menor precisão. Estes pareceram depender de critérios mais arbitrários, mesmo seguindo a bibliografia. Mesmo assim, considerou-se a proposta uma forma conveniente de mapear e fotointerpretar as propriedades texturais de drenagem das bacias hidrográficas, a partir de uma interpretação da estruturação litológica. Sendo que esta deve ser realizada, considerando suas modificações no tempo. Trabalhos que visam o levantamento de base podem se beneficiar desta metodologia por se tratar de uma análise interpretativa, já a muito consolidada, que proporciona uma segurança ao pesquisador na condução dos procedimentos de pesquisa e avaliação dos dados produzidos. Os materiais cartográficos atuais e modernos aplicados portanto, a metodologia podem permitir maior facilidade e rapidez no estabelecimento de informações sobre a rede de drenagem conduzindo ao levantamento de dados mais específicos sobre a rede de drenagem e demais atributos físicos.
Agradecimentos
Agradecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento à pesquisa através da bolsa de doutoramento do primeiro autor (nº do processo: 162331/2015-0).
Referências
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HOWARD, A, D. Draynage analysis in geological interpretation: a summation. American Association of Petroleum Geologists Bull, vol. 51 no. 11 2246-2259, 1976.
NADALIN, R.J. (ORG.). Tópicos especiais em cartografia geológica. 2. ed. Curitiba: Departamento de Geologia – UFPR, 2016. 404 p.
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STRALHER, A.N. Hypsometric (area-altitude) analysis of erosional topography. Bulletin of Geological Society of American, no. 63, p. 1117-1142, 1952.
SUMMERFIELD, M. A. Global geomorphology. New York: John Wiley and Sons, 1991. 537p.