Autores
Coelho, J.M. (UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - UPE, CAMPUS PETROLINA) ; Lyra, L.H.B. (UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - UPE, CAMPUS PETROLINA) ; Pereira, L.A. (EMBRAPA/SEMIÁRIDO) ; França, L.F.O. (UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - UPE, CAMPUS PETROLINA) ; Calado, D.V. (UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - UPE, CAMPUS PETROLINA)
Resumo
O presente trabalho avaliou a gênese morfológica de uma barra fluvial de soldamento na margem esquerda da ilha do Maroto, situada em um trecho do leito do rio São Francisco, no recorte Alto Submédio. Foi adotada uma metodologia baseada na estruturação e fisiologia da paisagem, utilizando-se procedimentos que enfatizam a dinâmica evolutiva da feição de relevo em períodos de eventos críticos hídrico-climáticos, como secas e grandes cheias. Neste sentido, foram analisadas fotografias aéreas dos anos de 1950 e 1998 e imagens de satélites nas mesmas proporções, de 1969, 2003, 2005, e 2011 a 2017 (Google Earth), a vazão hídrica e a sedimentação, com posterior inspeção de campo para corroboração dos dados. Constatou-se que a barra tem uma gênese recente, mas com uma dinâmica espaço-temporal e processual relativamente rápida e intensa, sobretudo nos últimos cinco anos, com destaque entre os anos de 2015 a 2017.
Palavras chaves
Barra de soldamento; dinâmica fluvial; sedimentação
Introdução
A morfologia e as feições geomorfológicas fluviais estão condicionadas a ação do escoamento d´água sobre os sedimentos do leito do rio, propiciando os processos de intemperismo, denudacional, de transporte e acumulativo. A fonte deste processo é a erosão e a carga detritica das margens, do fundo do leito e da remoção das vertentes, controlado pelos fatores hidrológicos, dentre os quais se destacam a distribuição e a quantidade da precipitação, a estrutura geológica, as condições topográficas, a cobertura vegetal e as derivações antrópicas que direcionam as formas de uso e ocupação das terras e engendram profundas alterações na paisagem. Portanto, constituem sedimentos correlativos e vestígios das condições morfoclimáticas imperantes nas áreas continentais (CHRISTOFOLETTI, 1981). Neste sentido, utilizou-se da estruturação fisiográfica em uma perspectiva dinâmica e evolutiva para estimar as condições ambientais recentes da paisagem, presumindo-se de processos morfoclimáticos e pedogenéticos contemporâneos em escalas espaço-temporais abrangentes para desvelar os processos epidérmicos terrestres, como o caso das condições hídrico- climáticas temporais e atemporais, eventos espasmódicos como cheias ou secas, processos biogênicos, químicos e derivações antrópicas (AB’ SABER, 1969; CONTI, 2001). O presente estudo teve como intuito avaliar a gênese morfológica recente de uma formação de “barra de soldamento”, situada no leito do rio São Francisco, em sua porção submédia, na margem esquerda da ilha do Maroto. As barras são resultantes de processos agradacionais de materiais e detritos (sedimentos) do escoamento das águas nos canais fluviais que ao se acumularem adquirem um perfil topográfico elevado em relação ao nível médio do rio, permanecendo emerso durante a maior parte do ano e recoberto ou não por vegetação gramínea ou arbustiva sendo frequentemente retrabalhadas no canal fluvial (SANTOS, 2005).
Material e métodos
A área faz parte do Cráton do São Francisco constituído por rochas cristalinas Pré-cambrianas e Cretácicas, sobretudo gnaisses, micaxistos e quartzitos em condições geomórficas atuais de sedimentação contínua e estratificada (BRITO NEVES, 1975). O clima é semiárido, quente e seco com chuvas irregulares e concentradas no período de verão (ANDRADE e LINS, 1970). Os solos predominantes são os Neossolos Flúvicos e Quartzarênicos associados à Planossolos, Agissolos e Vertissolos revestidos por florestas caducifólias de várzea, vegetação riparia nas áreas marginais e a caatinga predominante hiperxerófila na superfície pediplanada (EMBRAPA, 2006). O trecho do curso hídrico estudado possui uma altitude de 363m e uma profundidade aproximada de 2,0m, largura marginal de 1000m, possuindo, segundo dados da ANA/GEF/PNUMA/OEA (2004), uma vazão média anual de 2600 m3/s, máxima de 4.928 m3/s e regulada a 1815 m3/s pela barragem de Sobradinho a montante. Exibe padrão de drenagem dentrítico e canais com baixa meandrância e anastomasado, leito entrecortado por soleiras rochosas, barras areno-argilosas e ilhas de grande e médio porte, e margeado por diques, terraços e superfícies alagáveis, típicas de planície de inundação aluvial. Segundo a descrição do relevo apresentada no índice de Geodiversidade da região (FERREIRA et al, 2014) estas planícies estão dispostas em superfícies sub-horizontais, constituídas de depósitos areno- argilosos e argilo-arenosos, com terrenos deficientemente drenados e sujeitos a inundações periódicas, e campos de dunas situados a sudoeste de Petrolina. A barra fluvial estudada, por se tratar de uma unidade geomórfica recente, mas com uma dinâmica espaço-temporal e processual relativamente rápida e intensa, sobretudo nos últimos cinco anos, com destaque entre os anos de 2015 a 2017, foram utilizados dados de vazão média do Submédio São Francisco e de sedimentação locais extraídas de estações fluviométricas instaladas pela ANA (Agencia Nacional das Águas) a jusante da barragem de Sobradinho, assim como as fotografias áreas cedidas pela CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), respectivamente dos anos de 1950 e 1998 (escalas de 1:25000 e 1:12500), e imagens de satélites nas mesmas proporções, de 1969, 2003, 2005, 2011, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 (Google Earth), corroboradas pela observação e registro fotográfico em campo, para avaliar sua dinâmica evolutiva em relação ao sistema fluvial e ambiental que se encontra inserido.
Resultado e discussão
Os dados obtidos no mapeamento evolutivo da barra demonstram um crescimento
rápido e recente concomitantemente ao processo de sedimentação do canal
neste trecho do rio como em todo seu leito menor. Ao longo dos anos
monitorados, sobretudo nos períodos de estiagem prolongada, como nos
últimos cinco anos, com ênfase em 2012 onde a precipitação atingiu uma média
anual de apenas 107,2 mm e houve forte sedimentação com picos nos meses
secos (março e agosto), a vazão e a competência de transporte foram afetadas
aumentando o assoreamento do leito e a expansão das barras (Tabela 01 e
Figura 01).
A barra em questão à medida que se sucede períodos de chuva e períodos secos
assume um caráter transitório podendo inclusive ser removida ou submergir
(Figura 02). Contudo, soleiras rochosas a jusante do canal proporcionam uma
concentração de sedimentos mais coesos com feições intermitentes e até
permanentes em que a vegetação se coloniza rapidamente, além do
anastomasamento do canal culminando com o soldamento e a formação de uma
pequena lagoa interior. Esta lagoa, por sua vez, também se encontra ameaçada
pelo uso e ocupação desordenado das terras, degradação da mata ciliar e
erosão do solo, e o consequente assoreamento de seu leito.
Ao longo do leito do rio, onde está situada a barra fluvial, ocorre carga de
materiais de siltes, argilas e areias, predominando areia, ou seja,
sedimentos de granulometria média a maior. Segundo Chistofoletti (1980, p.
73), “a carga do leito move-se mais lentamente que o fluxo da água, porque
os grãos deslocam-se de modo intermitente”, provavelmente acumulando-os e
formando bancos de areia, desencadeando o assoreamento fluvial.
Um registro importante foi a grande quantidade de afloramentos rochosos
sobretudo gnaissicos no leito do rio, configurando soleiras, bancos e barras
arenosas em forma de parábulas, contribuindo para o seu entulhamento e um
possível anastomasamento dos canais. Em muitos casos o acumulo destes
sedimentos favorece a formação de mantos intemperizados e até solos
subsuperficiais com revestimento vegetal, e consecutivamente podem
constituir ilhas. Esse processo se intensificou nos trechos mais largos a
jusante da barragem de Sobradinho e a jusante das ilhas do Massangano e
Rodeadouro, rio abaixo, ou então rente as suas margens, o que indica uma
forte atuação antrópica na paisagem e no recorte hidrográfco em que se
encontram. A construção da barragem interceptou e passou a controlar sua
vazão e seu regime sazonal, interferindo no ciclo natural erosivo e
deposicional. Portanto, todo o rio a jusante da barragem perdeu força
hidrodinâmica e capacidade de transporte, tanto de carga de fundo como
principalmente dos sedimentos em suspensão e detritos carreados pelo
escoamento pluvial dos solos e de seus afluentes (PEREIRA e BRAZ, 1993).
A análise das fotografias aéreas e imagens de satélites da região, e a
averiguação in loco, constatam a expansão da barra arenosa com sedimentos em
consolidação e solos subsuperficiais recobertos por vegetação herbácea e
herbáceo-arbustiva, sobretudo nos últimos 18 anos, de 1998 a 2016 (Figuras
03 e 04). A barra, por sua vez, assume uma configuração transversal ou
lateral em processo de soldamento. Segundo Smith (1974 apud Santos et al.,
1992), estas barras possuem formas deposicionais retilíneas, lombadas ou
sinuosas, situadas perpendicularmente ao fluxo, com baixo mergulho a
montante e uma face tipo avalanche (foreset) à jusante. Geralmente possuem
uma posição lateral (barras laterais).
A formação e a dinâmica das barras no alto Submédio São Francisco e
especificamente da calha principal e pequenos afluentes, ocorre com o
acúmulo de sedimentos em direção lateral da margem das ilhas. Wyrick (2005),
ao relacionar a gênese das ilhas e sua influencia nos padrões e energia do
fluxo de canais, reconhece as barras como fatores interativos, pois ao mesmo
tempo em que são unidades geomórficas resultantes deste processo também
contribuem para sua ocorrência. Uma barra ou ilha, pode se converter em um
obstáculo e afetar o fluxo de canal e seu padrão morfológico, mudando-o de
único retilíneo ou meandrante para múltiplo anastomosado ou entrelaçado.
Segundo Rocha (2006), as formas de barras no rio Paraná que surgiram no
período de muito transporte de sedimentos, são simplesmente diques
marginais, leques de rompimento de diques (crevasse), áreas mais baixas e em
baixios de bacia de inundação. A partir disso irão originar as paleobarras
ou paleocanais, reconstruídos pelo anastomosamento. Nisso, em períodos de
cheia do rio, essas áreas de alagamento acumulam muita sedimentação, o que
torna o solo dessa região aluvial rico em nutrientes. Com o baixo índice
pluviométrico do rio, esse local se torna um ponto de acumulação da água, na
qual forma lagoas, muitas vezes no centro da ilha ou barra. No caso a da
Ilha do Maroto também se trata de uma barra lateral que formou uma lagoa,
mas sofreu um processo de soldamento por um maior volume de
sedimentos configurando o assoreamento do canal de ligação com o rio e a
própria lagoa. A continuidade deste processo agradacional poderá culminar
com a formação de outra ou mais ilhas, sendo denominando de anexação de
Ilhas.
FERNADES; SANTOS e STEUVAX (1993) elucidam que este processo se inicia a
partir de barras arenosas nas partes do canal menos afetadas pelas
principais linhas de fluxo, acumulando grande quantidade de sedimentos de
carga de fundo, após enchentes e dependendo das condições hidrodinâmicas do
fluxo, permanecendo estáveis por vários anos e aumentando de altura e
extensão pela superposição de novas formas de leito geradas nas cheias
subsequentes. Elas, por sua vez, são densamente vegetadas por gramíneas que
reduzem a energia do fluxo durante a cheia e possibilitam a produção de
depósitos de acreção vertical que podem atingir vários metros de espessura
em forma de diques nas margens da barra ou futura ilha. Para os mesmos
autores (Op Cit, 1993), o processo de soldamento, ocorre associado a zonas
de sombra, onde a velocidade da corrente é menor, devido ao barramento que
as próprias ilhas fazem no fluxo principal, desviando-o e criando atrás
delas uma zona com menor capacidade de transporte, propiciando a formação de
outras barras que sucessivamente se agregam as ilhas. A anexação de Ilhas é
o processo principal para sua expansão. As ilhas, em cada conjunto, estão
separadas por estreitos canais de geometria meândrica, cujo assoreamento
gradual acarreta a aproximação das ilhas até o soldamento definitivo.
Localização da Barra Fluvial no rio São Francisco. Fonte: IBGE, 2015; Google Earth, 2016 (Organização Barros, 2017).
Vazão média mensal do Submédio São Francisco de 1949 a 2015. Fonte: ANA, 2017.
Estação fluviométrica da Ilha do Fogo, Juazeiro-BA (código 48020000), Volume de sedimentos do recorte do rio estudado, 2015. Fonte: ANA, 2015.
Quadro evolutivo da barra de Soldamento nas Margens da Ilha do Maroto. Fonte: Organização Barros, 2017 (bases cartográficas CODEVASF e Google Earth).
Considerações Finais
A barra da ilha do maroto e as demais situadas no Alto Submédio São Francisco são indicadoras da estrutura, da fisiologia e dinâmica evolutiva de sua paisagem, evidenciando a condição hídrico-ambiental que vem se modificando numa escala espaço-temporal e processual relativamente rápida e intensa, sobretudo nos últimos cinco anos, com destaque entre os anos de 2015 a 2017. Esta dinâmica corresponde tanto as oscilações climáticas, como fenômenos de pluviosidade local, com uma vazão irregular, maior durante as chuvas e bem menor nos secos, como também as intervenções antrópicas ao longo do rio São Francisco e seus tributários, destacando-se o desmatamento ciliar e a consequente erosão do solo nas margens, e a instalação à montante do trecho estudado da barragem de Sobradinho. No primeiro à atuação do El Niño e atuação conjunta de sistemas atmosféricos episódicos convectivos térmicos e ciclônicos, ao exemplo de chuvas torrenciais associadas a anomalias climáticas locais como sistemas convectivos e vórtices ciclônicos de altos níveis (VCAN) reduzem ou aumentam momentaneamente a vazão com períodos de secas e cheias que se propagam por toda bacia hidrográfica, como também, a competência erosiva e o transporte de sedimentos. No segundo afetam diretamente o leito do rio e os locais a jusante com alterações nos padrões e fluxo dos canais, sedimentação com o assoreamento do rio, os nutrientes e a qualidade da água.
Agradecimentos
A EMBRAPA/SEMIÁRIDO pelo apoio logístico e técnico de pesquisa.
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