Autores

Brito, A.F.S. (UFRJ) ; Pacheco, F.F. (UFRJ) ; Nascimento, R.C.G. (UFRJ) ; Oliveira, S.A. (PPGG/UFRJ) ; Peixoto, M.N.O. (UFRJ)

Resumo

A crescente divulgação do termo Antropoceno em diversos veículos de divulgação científica tem alimentado inúmeros debates e estudos sobre a amplificação da ação humana sobre a natureza. Trabalhos publicados no campo da História, da Arqueologia, das Ciências Sociais, da Geografia, Geologia e Pedologia tornam- se cada vez mais frequentes no cenário científico internacional, colocando o Antropoceno em posição cada vez mais relevante também para as Geociências e a Geomorfologia. Considerando-se estes aspectos, apresentamos neste trabalho uma análise sobre a inserção do tema Antropoceno/Tecnógeno nas publicações científicas relacionadas à Geomorfologia no Brasil, durante os últimos 20 anos, traçando uma primeira aproximação com as concepções utilizadas pelos pesquisadores envolvidos.

Palavras chaves

Antropoceno; Tecnógeno; Artigos Científicos

Introdução

A introdução e crescente divulgação do termo Antropoceno em diversos veículos de divulgação científica tem alimentado inúmeros debates e estudos sobre a amplificação da ação humana sobre a natureza, aproximando cientistas sociais e naturais em torno do tema. Trabalhos publicados no campo da História, da Arqueologia, das Ciências Sociais, da Geografia, Geologia e Pedologia tornam-se cada vez mais frequentes no cenário científico internacional (vide EDGEWORTH, 2014; BUCK, 2015; HARAWAY, 2015, por exemplo), colocando o Antropoceno em posição cada vez mais relevante também para as Geociências e a Geomorfologia. Considerando a ampla disseminação do termo e dos debates, que levaram inclusive a Comissão Estratigráfica Internacional a formar uma comissão para discutir sua possível inserção na coluna cronoestratigráfica, entendemos que se torna importante dimensionar, também, sua utilização em estudos desenvolvidos no Brasil. O caráter notável dos depósitos antropogênicos ou tecnogênicos, cujas características e processos geradores estão associados a uma grande variedade de ações e atividades humanas, além de trazer elementos para a discussão da subdivisão do Período Quaternário, abre espaço para a reflexão sobre as implicações dos conhecimentos e metodologias envolvidos no seu estudo para as pesquisas geomorfológicas, como apontam Oliveira et al. (submetido). Deste modo, procuramos apresentar neste trabalho uma análise sobre a inserção do tema Antropoceno/Tecnógeno nas publicações científicas relacionadas à Geomorfologia no Brasil, durante os últimos 20 anos, traçando uma primeira aproximação com as concepções utilizadas pelos pesquisadores envolvidos.

Material e métodos

A análise foi realizada com base em um levantamento de periódicos efetuado na Plataforma Sucupira (https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/). Nesta, identificou-se, inicialmente, na avaliação Qualis Periódicos do quadriênio 2013-2016, utilizando como filtro a área de avaliação referente à Geografia, os grupos de revistas presentes em cada um dos sete níveis de classificação (A1, A2, B1, B2, B3, B4, B5 e C). Foi feita então uma seleção que buscou priorizar revistas do Brasil (em língua portuguesa) que tratam de temas ligados à Geomorfologia, à Geografia e à Geologia, que resultou em um conjunto selecionado de 60 (sessenta) revistas, sendo: 4 (quatro) revistas Qualis A1; 10 (dez) revistas Qualis A2; 8 (oito) revistas Qualis B1; 8 (oito) revistas Qualis B2; 6 (seis) revistas Qualis B3; 8(oito) revistas Qualis B4; 6 (seis) revistas Qualis B5 e 10 (dez) revistas Qualis C. Dentro deste conjunto de periódicos, foram desenvolvidas pesquisas através dos mecanismos internos de busca existentes em cada um deles, utilizando-se os termos Antropoceno e Tecnógeno, visando identificar artigos que tratam da temática utilizando esta terminologia. Foram analisados o perfil das revistas onde se encontram os artigos científicos selecionados para análise, a vinculação institucional dos autores e a unidade da federação em que estão localizadas suas instituições.

Resultado e discussão

Com base no levantamento efetuado nos 60 (sessenta) periódicos científicos selecionados dentro do âmbito da Geografia, foram identificadas, em 11 (onze) revistas, 14 (quatorze) artigos publicados com a presença dos termos Antropoceno e/ou Tecnógeno, ou ainda, ocasionalmente, dos adjetivos correspondentes - antropocênico e/ou tecnogênico. As 11 (onze) revistas foram: Sociedade e Natureza, GEOUSP, Revista Brasileira de Geomorfologia, Ra'e Ga , Revista Brasileira de Geociências (Brazilian Journal of Geology), Ambiente & Sociedade, Revista Espaço Aberto, Revista Geografar, Quaternary and Environmental Geosciences, Desenvolvimento e Meio Ambiente e Geonorte (Quadro 1). Observa-se, no Quadro 1, que estas revistas vinculam-se predominantemente a programas de pós-graduação de Geografia e Meio Ambiente, bem como a associações científicas, com destaque para a Associação Brasileira de Estudos do Quaternário (ABEQUA) e a União da Geomorfologia Brasileira (UGB). No conjunto de artigos analisados, foram identificados, tomando como base o 1o. autor, 5 (cinco) autorias vinculadas a instituições de ensino e pesquisa localizadas no estado de São Paulo, 2 (dois) autores ligados a instituições do Rio Grande do Sul, 2 (dois) do Paraná, e 1 (um) autor vinculado a instituições dos estados da Paraíba, Rio de Janeiro e Minas Gerais, além do Distrito Federal, como pode ser visto no Gráfico 1. Analisando-se a vinculação, na data de publicação do artigo, de todos os autores de cada um dos artigos analisados (32 no total), verificou-se que 19 (dezenove) eram professores ligados a universidades públicas - do Nordeste, a UFBA e a UFPB; do Sudeste, a UFJF, UFRJ, a UFMG, a UNESP e a USP; do Sul, a UFPR, a UFRGS e a UNIOESTE; e no Distrito Federal, a UNB - assim como à Universidade de Guarulhos, universidade privada localizada na grande São Paulo. Além dos professores, 9 (nove) autores eram pós graduandos (mestrandos e doutorandos), 2 (dois) eram graduandos e 2 (dois) eram pesquisadores independentes. Observou-se ainda, na análise dos artigos, que a quase totalidade utiliza os termos Tecnógeno/Tecnogênico, por vezes associando-o ao termo Antropoceno. Este fato evidencia a importância dos trabalhos de Peloggia e Oliveira como pioneiros na fundamentação dos conceitos e discussão das classificações de terrenos e depósitos tecnogênicos. Peloggia (1997), Oliveira et al. (2005), e Peloggia et al (2014) identificam o Tecnógeno como um período da história humana em que as alterações na paisagem passaram a ser mediadas pela técnica. A apropriação da técnica e sua utilização na modificação das paisagens revela, segundo estes autores, que as ações humanas equiparam-se aos outros agentes dos processos geológicos/geomorfológicos. O homem passa então a se configurar como importante agente geológico-geomorfológico condicionador de processos, formas e da gênese de depósitos correlativos (OLIVEIRA et al, 2005), sendo os modelados tecnogênicos especialmente destacados nos espaços urbanos (PELOGGIA, 1998). O termo Antropoceno, quando mencionado nestes trabalhos, figura de modo similar ao termo Tecnógeno (como em PRICE et al., 2011), não tendo como foco a discussão de questões ligadas aos marcadores do tempo geológico, por exemplo (CRUTZEN e STORMER, 2002; ZALASIEWICZ et al., 2011), que permanecem distantes do campo de discussão. O uso do termo Antropoceno, quando aparece de forma não associada ao Tecnógeno, nos artigos consultados, evidencia uma abordagem vinculada à discussão de temáticas ambientais mais amplas e mais próximas às ciências sociais e humanas, não se articulando, assim, a temáticas geomorfológicas.

Quantidade de autores por Unidade da Federação (UF) que abordam o tema Antropoceno/Tecnógeno nos artigos científicos analisados.


Revistas pesquisadas em que foram identificados artigos com presença dos termos Antropoceno/Tecnógeno.

Considerações Finais

Neste trabalho apresentamos uma análise preliminar sobre a inserção dos termos Antropoceno e Tecnógeno em artigos científicos publicados em periódicos nacionais ligados à Geografia. Foram selecionadas revistas científicas que abarcam temas ligados à Geomorfologia, tendo sido encontrados, nas 11 (onze) revistas selecionadas, 14 (quatorze) artigos publicados com a presença dos termos Antropoceno e/ou Tecnógeno, durante os últimos 20 anos. Verificou-se que predomina, nestes artigos, a utilização dos termos Tecnógeno/Tecnogênico, por vezes associado ao termo Antropoceno, atribuída à importante base de discussão lançada pelos trabalhos pioneiros de Peloggia e Oliveira, especialmente quanto aos conceitos e classificações de terrenos e depósitos tecnogênicos utilizados na literatura internacional. Por outro lado, o uso do termo Antropoceno, desvinculado do termo Tecnógeno/Tecnogênico, liga- se à discussão de temáticas ambientais mais amplas e próximas às ciências sociais, não se articulando, assim, à Geomorfologia.

Agradecimentos

Referências

ARAUJO, C. L.; NASCIMENTO, E. P. ; VIANNA, J. N. S. Para onde nos guia a mão invisível? Considerações sobre os paradoxos do modelo econômico hegemônico e sobre os limites ecológicos do desenvolvimento. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 13, p. 9-18, 2014.
BARBOSA, T. S.; FURRIER, M. A geomorfologia antropogênica e a relação uso da terra com o risco geológico no município de João Pessoa-PB, Revista Brasileira de Geomorfologia,São Paulo,v.18, nº1, p.169-184,2017
BUCK, H.J. On the possibilities of a charming Anthropocene. Annals of the Association of American Geographers, v. 105, n. 2, p. 369-377, 2015.
CRUTZEN, P.. J.; STOERMER, E. F. The “Anthropocene.” Global Change Newsletter 41, 17–18. International Geosphere–Biosphere Programme (IGBP), 2000.
EDGEWORTH, M. Archaeology of the Anthropocene. Journal of Contemporary Archaeology, v. 1, n. 1, p. 73-132, 2014.
FELIPPE, M. F.; MAGALHÃES JR., A. P.; PESCIOTTI, H.; COELI, L. Nascentes Antropogênicas: processos tecnogênicos e consequências hidrogeomorfológicas em meio urbano. Revista Brasileira de Geomorfologia , v. 14, p. 279-286, 2013.
FUJIMOTO, N. S. V. M.. Implicações ambientais na área metropolitana de Porto Alegre - RS: Um estudo geográfico com ênfase na geomorfologia urbana. GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, n° 12, pp. 141-177, 2002.
HARAWAY, D. Anthropocene, capitalocene, plantationocene, chthulucene: Making kin. Environmental Humanities, v. 6, n. 1, p. 159-165, 2015.
KORB, C. C.; SUERTEGARAY, D. M. A. Identificação de depósitos tecnogênicos em um reservatório de abastecimento de água da cidade de Pelotas (RS). Quaternary and Environmental Geosciences , v. 5, p. 41-54, 2014.
MARÇAL, M. S.; LIMA, R. N. S. Abordagens Conceituais Contemporâneas em Geomorfologia Fluvial. Espaço Aberto, UFRJ, v. 6, p. 17-33, 2016.
MURATORI, A. M. Os microdesertos edáficos na neopaisagem da região noroeste do estado do paraná - Brasil, como registro de um novo período geológico (Quinário?). RA EGA, UFPR, v. 1, p. 133-142, 1997.
OLIVEIRA, S. A.; PEIXOTO, M. N. O.; MELLO, E. V. O Tecnógeno/Antropoceno e a Geomorfologia: aproximações teóricas. In: Simpósio Nacional de Geomorfologia, 2018 (submetido).
PELOGGIA, A. U. G. Ação do homem enquanto ponto fundamental da geologia do tecnógeno: proposição teórica básica e discussão acerca do caso do município de São Paulo. Revista Brasileira de Geociências , SÃO PAULO, v. 27, n.3, p. 257-268, 1997.
PEREIRA, J. S.; GUERRA, S. Caracterização Estratigráfica de cabeceira de drenagem localizada no planalto das Araucárias - Sul do Brasil. Revista GEONORTE, Edição Especial 4, v.10, nº.1, p.42–47, 2014.
PRICE, S. J. ; FORD, J. R.; COOPER, A. H.; NEAL, C. Humans as major geological and geomorphological agents in the Anthropocene: the significance of artificial ground in Great Britain. Philosophical Transactions of the Royal Society of London A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, v. 369, n. 1938, p. 1056-1084, 2011.
SANTOS, Q. G.; FERREIRA, A. T. S.; PELOGGIA, A. U. G.; SAAD, A. R. ; OLIVEIRA, A. M. S; SANTOS, M. S. T. Terrenos e processos tecnogênicos na área de proteção ambiental Cabuçu-Tanque grande, Guarulhos (SP): análise, mapeamento e quantificação. Revista Brasileira de Geomorfologia, São Paulo, v.18, nº4, p.825-839, 2017.
SILVA, É. C. N.; DIAS, M. B. G.; MATHIAS, D. T. A abordagem tecnogênica: reflexões teóricas e estudos de caso. Quaternary and Environmental Geosciences , v. 5, p. 01-11, 2014.
SILVA, E. C. N ; NUNES, J. O. R . O Tecnógeno na cidade de Presidente Prudente-SP. Sociedade & Natureza, v. 26, p. 483-496, 2014
VEIGA, J. E. A primeira utopia do Antropoceno. Ambiente & Sociedade, v. 20, p. 61-80, 2017.
ZALASIEWICZ, J.; WILLIAMS, M.; FORTEY, R.; SMITH, A.; BARRY, T. L.; COE, A. L.; BROWN, P. R; RAWSON, P. F.; GALE, A.; GIBBARD, P.; GREGORY, F. J.; HOUNSLOW, M. W.; KERR, A. C.; PEARSON, P.l; KNOX, R.; POWELL, J.; WATERS, C.; MARSHALL, J.; OATES, M.l; STONE, P. Stratigraphy of the Anthropocene. Philosophical Transactions of the Royal Society of London A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, v. 369, n. 1938, p. 1036-1055, 2011.