Autores
Delpupo Souza, C. (INSTITUTO FEDERAL DE MINAS GERAIS) ; Schaefer, C.E. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA)
Resumo
O objetivo deste trabalho foi analisar taxas de intemperismo e pedogênese na porção sul das Montanhas Ellsworth. Para isso, foram utilizadas propriedades morfológicas, físicas e químicas, mineralógicas; pedregosidade superficial; morfogênense e química dos sais; e classificação pedogenética dos solos. Os solos estudados enquadram-se nos estágios 2, 3 e 3,5 de intemperismo, condizente com a região climática na qual Ellsworth se encontra. Os solos mais desenvolvidos localizam-se em cotas mais elevados, superfícies mais antigas devido ao processo de retração da geleira local. Os solos apresentam limitada evolução pedogenética, mesmo para os padrões de pedogênese da Antártica, pois experimentam um contexto climático de frio extremo e umidade restrita. No entanto, mesmo atuando em taxas mais lentas, seus solos sofrem com a ação de processos de intemperismo e pedogênese típicos de outras áreas periglaciais pelo mundo, tais como a crioturbação, salinização e oxidação de sulfetos.
Palavras chaves
Cronossequência de solos; Salinização; Pavimento pedregoso
Introdução
O entendimento pleno das taxas de formação do solo de uma área geralmente é limitado pela pobreza de dados numéricos e pela grande diversidade de fatores envolvidos na formação do solo. Nesse sentido, os solos de deserto polar de regiões como as Montanhas Ellsworth, Antártica Continental, são ideias para o desenvolvimento de trabalhos dessa natureza, já que possuem dados numéricos das propriedades do solo em bom número (Bockheim and Schaefer, 2015; Schaefer et al., 2016; Delpupo et al., 2016); os solos têm se desenvolvido sob condições de deserto polar desde o Plioceno (Campbell e Claridge, 1987; Denton et al., 1992); e o agente biológico assume papel secundário na formação do solo. Os desertos polares da Antártica estão situados em um dos mais severos ambientes da Terra, caracterizados pelas baixas temperaturas, fortes ventos e escassez de água na fase líquida. Estas condições são responsáveis pelas baixas taxas de intemperismo. A lenta remoção de detritos por gravidade, por ação fluvial ou do gelo, no entanto, têm servido para preservar esta paisagem, o que possibilita estudos detalhados dos processos de alteração superficial nessas áreas (Matsuoka, 1995). Jenny (1941, 1961) define cronossequência de solos como um ordenamento de solos de uma determinada área onde as diferenças nas características dos solos são impostas principalmente pelo fator tempo. Essa análise vem sendo frequentemente utilizada em ambientes de deglaciação da Antártica, entendendo que as diferenças mais marcantes entre as características dos solos destas regiões são altamente dependentes do tempo de exposição destas superfícies condicionadas à regressão do gelo (Bockheim, 1979). Além das propriedades morfológicas, físicas, químicas e mineralógicas utilizadas para descrever o grau de desenvolvimento dos solos de regiões tropicais e subtropicais, características relativas à pedregosidade superficial e à salinidade também são utilizadas para estudos de cronossequências de solos de regiões polares (Bockheim, 1979; Campbell e Claridge, 1987). As análises de cronossequências de solos devem ser feitas em ambientes com pouca variabilidade ambiental, bom como, são limitadas a locais muito distantes entre si. Mesmo assim, essa análise traz valiosas informações sobre o relacionamento entre os sítios como a extensão ou a falta de deflação superficial, a existência ou ausência de crioturbação etc. As informações são altamente correlacionadas com o nível de intemperismo e grau de desenvolvimentos pedogenético, permitindo inferências bastante realísticas sobre as idades relativas dos solos (Campbell e Claridge, 1975; Bockheim et al., 1990; Campbell e Claridge, 1987). Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi analisar as taxas de intemperismo e formação dos solos de deserto polar desenvolvidos sobre superfícies recentemente deglaciadas da Geleira Union, Montanhas Ellsworth, Antártica Continental. Especificamente, buscou-se descrever as principais propriedades morfológicas, físicas, químicas e mineralógicas dos solos da área de estudo. Buscou-se ainda, caracterizar a pedregosidade superficial dos solos e sais superficiais e subsuperficiais, química e morfogeneticamente. Por fim, buscou-se classificar tais solos de acordo com o sistema americano de classificação de solos (Soil Taxonomy) e sob o ponto de vista de seu estágio de intemperismo.
Material e métodos
As Montanhas Ellsworth formam o acidentado grupo de montanhas da região central da Antártica Ocidental, tendo 350 km de extensão por 80 km de largura (Figura 1). É composta pela Cadeia Sentinel, ao norte, e Cadeia Heritage, ao sul, sendo divididas pela Geleira Minnesota, no centro (Webers et al., 1992a). Possui uma orientação NNW-SSE e se limita pelas longitudes 78° e 87°W e latitudes 80°30’ e 77°15’S (Denton et al., 1992). As amostras de solo foram descritas e coletadas com base nos critérios estabelecidos por Antarctic Permafrost and Soils (ANTPAS, 2006). Além disso, próximo a cada um dos perfis de solo, foram coletados clastos e sais superficiais dentro de um quadrante com área conhecida, nas quais também foram tomadas várias fotos para análises posteriores. As feições de crioturbação foram identificadas e classificadas de acordo com Bockheim e Tarnocai (1998). Os solos foram classificados segundo a Soil Taxonomy (Soil Survey Staff, 2010). Para este estudo foram selecionados solos de diferentes cotas altimétricas entendendo que o processo de expansão e retração das geleiras se dá também em gradiente altitudinal. Além disso, os solos estudados se desenvolveram em duas geoformas distintas: (i) campo de solo poligonal em fundo de vale glacial e (ii) drift em encosta de detritos. Além das propriedades morfológicas, físicas, químicas e mineralógicas dos solos (Embrapa, 2011), foram utilizadas para descrever o grau de desenvolvimento dos solos características relativas à pedregosidade superficial e à salinidade (Bockheim, 1979; Bockheim, 1980; Campbell e Claridge, 1987; Bockheim, 1990; Bockheim et al., 1990; Bockheim, 1997; Beyer at al., 1999; Bockheim, 2002; Bockheim e McLeod, 2006; Bockheim e Ackert Jr., 2007; Bockheim, 2007; Bockheim et al., 2008a; Bockheim et al., 2008b; McLeod et al., 2009). Foram analisadas propriedades relativas ao grau de intemperismo das rochas superficiais que representa os primeiros indícios sobre a idade relativa das coberturas pedológicas. O tipo e a natureza dos clastos superficiais também foram analisados, pois podem dar uma indicação direta da intensidade e tempo de atuação dos processos atmosféricos de transformação. As principais características utilizadas para dimensionar esse grau de intemperismo são: intemperismo cavernoso; frequência e distribuição por classes de tamanhos dos clastos; trabalho de erosão eólica sobre os clastos como a corrasão, esculturação, esfoliação; grau de arredondamento e polimento dos clastos; oxidação da superfícies dos clastos; formação de pavimento pedregoso etc. (Campbell e Claridge, 1975; Campbell e Claridge, 1987).
Resultado e discussão
Os parâmetros utilizados para avaliar o grau de alteração do substrato e desenvolvimento
pedogenético dos solos desenvolvidos na porção sul das Montanhas Ellsworth mostraram-
se bastante sensíveis e revelaram três grandes grupos de solos com idades/grau de
desenvolvimento diferentes.
Os perfis desenvolvidos em Mount Dolence (EL1), Elephant Head (EL5), Rossman Cove
(EL16 e EL24) e na encosta do vale glacial Edson Hills (EL20) foram os solos menos
intemperizados (estágio 2 de intemperismo). Eles são fracamente desenvolvidos, mesmo
para os padrões da Antártica, embora apresentem alguma evidência de formação de
horizontes. Os clastos superficiais apresentam pouca oxidação, baixo ou nenhum grau de
arestamento e são bastante grossos (matacões e calhaus), demostrando o pequeno nível de
alteração química (oxidação) e física do substrato original.
Os principais indícios de desenvolvimento morfológico apresentados são um pequeno
aumento da intensidade da cor nos horizontes superficiais, um ligeiro aumento da
espessura do perfil e ocorrência de algum sal, geralmente como crostas salinas sobre
rochas, abaixo de clastos e raras acumulações na superfície do solo (estágio de sal 2 e 3).
Tais características são frequentemente relacionadas aos solos no estágio 2 de
intemperismo desenvolvidos no vale Wright (Bockheim, 1979; Bockheim e McLeod, 2006;
Bockheim e McLeod, 2008; McLeod et al., 2009), no vale Taylor (Bockheim, 2007;
Bockheim et al., 2008a), na região da Geleira Beardmore (Bockheim et al., 1990) e na região
do vale McMurdo (Bockheim, 2002; Bockheim et al., 2008b) todos nas chamadas área dos
vales secos (Dry Valleys) entre as Montanhas Transantárticas.
Assim como Bockheim et al. (2008b) e McLeod et al., (2009) identificaram nos vales Taylor
e Wright, na região dos vales secos (Dry Valleys) entre as Montanhas Transantárticas, os
solos classificados como estágio 2 de intemperismo em Ellsworth são encontrados
principalmente em altitudes mais baixas como os perfis EL24 (729 m) e EL20 (820 m) e em
drift em encosta de detritos como os perfis EL1 (886 m) e EL5 (856 m).
Os solos desenvolvidos no fundo do vale glacial Edson Hills (EL15) e em Kosco Peak (EL25)
representam os solos em estágio intermediário de intemperismo e desenvolvimento
pedogenético em Ellsworth (estágio de intemperismo 3). O pavimento pedregoso desses
solos é formado por clastos de classes de tamanho menores (cascalho e calhau), mais
frequentemente arredondados e menos arestados e com alguma formação de intemperismo
cavernoso e ventifactos. Embora não possuam grande distinção entre horizontes, os solos
em estágio 3 de intemperismo demostraram maior incremento de partículas finas (silte +
argila) ao longo do perfil.
No entanto, as características mais marcantes do maior tempo de exposição destas
superfícies revelaram-se na maior oxidação e maior acumulação de sal. Tanto nos clastos
superficiais, quando ao longo do perfil, os solos EL15 e EL25 apresentaram maior
desenvolvimento de cores com cromas maiores, demostrando maior oxidação de ferro
presente nos minerais primários e formação de fases menos cristalinas. Além disso, a
acumulação de sal foi mais frequente, aparecendo além das crostas salinas sobre rochas e
abaixo delas, também na superfície do solo e dispersos no perfil (estágio de sal 4). Apesar
de apresentar condutividade elétrica ligeiramente maior do que os demais perfis
enquadrados no estágio de sal 3, o perfil EL15 não apresentou valor suficiente para ter o
caráter salic (Soil Survey Staff, 2010). Por outro lado, o perfil EL25 apresentou o caráter
calcic, sendo classificados como Calcic Anhyorthel (Soil Survey Staff, 2010). Também essas
características foram bastante compatíveis com solos classificados no estágio 3 de outras
regiões de deserto polar na Antártica (Bockheim, 1980; Bockheim et al., 2008a; Bockheim,
2002).
Apesar do perfil EL15 estar localizado em uma cota altimétrica não muito elevada (808 m),
ele apresentou características compatíveis com solos com maior tempo de exposição. Já o
perfil EL25 se localiza a 893 m de altitude, indicando ser uma superfície mais antiga do que
o restante dos solos com menor estágio de intemperismo.
O perfil EL28 coletado em Conglomerate Ridge apresentou um conjunto de características
que indicou o maior grau de desenvolvimento pedológico entre os solos analisados. Muitas
dessas características foram compatíveis com o estágio 3 de intemperismo, notadamente o
grau de alteração dos clastos superficiais (redução de tamanho e oxidação), produção de
fração fina (silte + argila) e formação de minerais autigênicos na fração argila. A esse
respeito, Bockheim (1980) afirma que ilitas secundárias são frequentemente mencionadas
em solos de deserto polar, pois este mineral se forma em solos de pH elevado e limitada
lixiviação, condição experimentada pelos solos de Ellsworth.
No entanto, no que diz respeito à acumulação de sal, o perfil EL28 apresentou visível
superioridade na forma e conteúdo de acumulações de sais, sendo por isso, enquadrado no
estágio de intemperismo 3,5. Além de acumular sal nas formas anteriormente citadas nos
outros solos, este solo apresentou manchas mais frequentes de sal ao longo do perfil e uma
leve cimentação por sódio no seu horizonte superficial, apresentando estágio de sal 5.
Acumulações estas que foram fundamentais para o desenvolvimento de estrutura em
blocos (mesmo que fraca) nos dois horizontes. Além disso, por conta da grande acumulação
de sódio no horizonte superficial, este solo caracterizou-se pela presença do caráter sodic,
sendo classificado como Sodic Anhyorthel (Soil Survey Staff, 2010).
O estágio de intemperismo 3,5 de fato não existe, mas foi adaptada para melhor classificar
os EL28. Tal denominação se explica pela abundância de características típicas
concernentes ao estágio 3 de intemperismo presentes neste solo, porém, com algumas
propriedades condizentes com o estágio 4, notadamente àquelas relacionadas à salinidade.
Localmente, Campbell e Claridge (1987) indicam subdivisões como esta para alguns indícios
de maior nível de intemperismo. Por outro lado, tais subdivisões não são indicadas
regionalmente, por conta de possíveis grandes diferenças do controle glacial local, material
de origem e clima (Campbell e Claridge, 1987).
Corroborando a ideia de que a idade do solo acompanha o aumento da altitude, o EL28 foi o
solo coletado na cota altimétrica mais elevada de Ellsworth, em 959 m. Suas características
de alteração do substrato e grande acumulação de sal em superfície e em subsuperfície
reforçam a hipótese que esta superfície foi exposta pelo recuo da geleira local há mais
tempo que o restante dos solos.
Localização das Montanhas Ellsworth em diferentes contextos.
Descrição geral, localização e classificação dos perfis de solos da porção sul das Montanhas Ellsworth, Antártica Continental.
Características da pedregosidade superficial dos solos da porção sul das Montanhas Ellsworth, Antártica Continental.
Estágio morfogenético e composição química dos sais solúveis dos solos da porção sul das Montanhas Ellsworth, Antártica Continental.
Considerações Finais
A cronossequência de solos revelou que os solos da porção sul das Montanhas Ellsworth se enquadram nos estágios 2, 3 e 3,5 de intemperismo, condizente com a região climática na qual Ellsworth se encontra. Os solos mais desenvolvidos de Ellsworth estão localizados em cotas altimétricas mais elevados por se tratarem de superfícies mais antigas que estão expostas há mais tempo pela retração da geleira local. Solos dos estágios 2 e 3 de intemperismo mostraram pequena redução de tamanho e oxidação dos clastos componentes do pavimento pedregoso. Além disso, apresentaram menor acúmulo de sal em superfície e raras acumulações em subsuperfície. Por outro lado, o solo classificado no estágio de intemperismo 3,5 indicou maior grau de alteração do substrato, maior desenvolvimento de cores cromadas e maior acumulação de sal, que apresentou mobilidade para porções mais subsuperficiais do perfil. Quando comparados com solos desenvolvidos em outras regiões da Antártica, os solos de Ellsworth apresentam limitada evolução pedogenética, pois experimentam um contexto climático de frio extremo e umidade restrita. No entanto, mesmo atuando em taxas mais lentas, seus solos apresentam processos de intemperismo e pedogênese típicos de outras áreas periglaciais da Antártica, como a crioturbação, salinização e oxidação de sulfetos.
Agradecimentos
Referências
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