Autores
Santos, M.B. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS) ; Bentes, A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS) ; Rodrigues, D.L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS) ; Silva, G.B. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS) ; Lima, G.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS)
Resumo
O processo de ocupação do Cerrado no Estado de Goiás iniciou-se por volta do século XVIII com a descoberta das minas de ouro. Mas foi a partir da metade do século XX, devido ao incentivo de políticas públicas para modernização da agricultura, que o Cerrado sofreu uma grande pressão em seu território em detrimento da expansão agrícola. A partir da metodologia proposta por Lepsch (1991) este trabalho analisou a capacidade de uso dos solos na vertente do Córrego do Jacaré, área limítrofe com o Parque Estadual de Paraúna, no município homônimo em Goiás. Nesse contexto, constatamos que os pontos visitados podem ser classificados como Classe II, VI, VII e VIII, seguindo a vertente norte do Córrego do Jacaré e estando as áreas mais sensíveis na parte baixa da vertente.
Palavras chaves
uso e ocupação; Paraúna-GO; sistema de capacidade de uso
Introdução
O processo de ocupação do Cerrado no Estado de Goiás iniciou-se por volta do século XVIII com a descoberta das minas de ouro. Por muito tempo a mineração foi a principal atividade desenvolvida no território goiano, a qual estimulou a migração de milhares de pessoas de todas as partes do país e acelerou o processo econômico de Goiás. A mineração foi de fato a precursora da ocupação desordenada do Cerrado, causando-lhe impactos ambientais e que teve duração de aproximadamente 150 anos antes de entrar em declínio. Após a decadência da mineração, a ocupação do Cerrado intensificou-se com a implantação das atividades agrícolas e pecuárias. A partir da década de 1960 e 1970, devido ao incentivo de políticas públicas para modernização da agricultura, o Cerrado sofreu uma devastação excessiva de suas áreas para dar lugar à expansão da fronteira agrícola. Os programas governamentais POLOCENTRO e PRODECER foram criados para estimular os pequenos produtores rurais a investirem em produção em grande escala e como forma de inserir o capital internacional na agricultura. Dentro do cenário goiano, destaca-se o uso das terras na microrregião Vale do Rio dos Bois (inserida na Mesorregião Sul Goiano) que é composta por treze municípios, sendo eles: Acreúna, Campestre de Goiás, Cezarina, Edealina, Edéia, Indiara, Jandaia, Palmeiras de, Palminópolis, Paraúna, São João da Paraúna, Turvelândia e Varjão. Nessa região, há presença de prática agropecuária, porém o cultivo da cana-de açúcar tem sido a principal atividade exercida. No entanto, não são todos os municípios da microrregião que praticam a agricultura, na área de estudo, por exemplo, predomina outro tipo de atividade, sendo essa causadora de muitos efeitos negativos. O município de Paraúna destaca-se não pela atividade canavieira, mas pelas imensas áreas de pastagens que se concentram na região. As áreas visitadas encontram-se limítrofes ao Parque Estadual de Paraúna e apresentam diversas modificações na paisagem provocadas pela atividade humana. O primeiro detalhe identificado, além do relevo plano, é o fato de que na região os solos apresentam textura predominantemente arenosa e que são mais suscetíveis à ocorrência de processos erosivos (BERTONI; LOMBARDI NETO, 1985). Além dos processos erosivos, há o manejo inadequado do solo que, entre outros fatores, destaca-se a compactação física dos mesmos. De acordo com Caputo (1988), entende-se como compactação de um solo, o processo manual ou mecânico que visa reduzir o volume de seus vazios e, assim, aumentar sua resistência, tornando-o estável. Para contribuir no procedimento de avaliação do potencial das terras na área de estudo, utilizou-se o Sistema de Capacidade de Uso do Solo, o qual consiste em uma classificação técnico-interpretativa, originalmente desenvolvida nos Estados unidos, representando um grupamento qualitativo de tipos de solos sem considerar a localização ou características econômicas da terra (LEPSCH, 1991). Diversas características e propriedades são sintetizadas, visando a obtenção de classes homogêneas de terras, em termos do propósito de definir sua máxima capacidade de uso sem risco de degradação do solo. Lepsch et al (1991) diz que o uso adequado da terra é o primeiro passo em direção à utilização de uma agricultura correta. Para isso, deve-se empregar cada parcela da terra de acordo com a sua capacidade de sustentação e produtividade econômica de forma que os recursos naturais sejam colocados à disposição do homem para seu melhor uso e benefício e, ao mesmo tempo, preservar estes recursos para gerações futuras. Portanto, o presente trabalho tem como objetivo realizar uma comparação entre o uso atual do solo e sua capacidade na vertente norte do Córrego do Jacaré, situado no município de Paraúna.
Material e métodos
O município de Paraúna localiza-se na microrregião do Vale do Rio dos Bois, e está situado na borda central da porção norte da Bacia Sedimentar do Paraná e suas coordenadas geográficas são: 16°57’23”S 50°26’24”O. No último censo demográfico realizado pelo IBGE, o município contava com 10.863 habitantes, entre urbanos e rurais. Possui uma Unidade de Conservação, o Parque Estadual de Paraúna criado pelo decreto Nº 5.568 de 18 de março de 2002, com o intuito de preservar monumentos geológicos que se encontram nas áreas do parque, Serra das Galés e Serra da Portaria. A geologia da região corresponde às Formações Aquidauana e Serra Geral. Segundo Schiavo et al (2010), a Formação Aquidauana consiste em depósitos de sedimentos que podem chegar a 500 metros de espessura, compostos prioritariamente por arenitos. A deposição desses sedimentos remonta ao Carbonífero-Permiano e são semelhantes à formação Botucatu, porém de origem Flúvio-lacustre. A Formação Serra Geral é resultado de uma intensa atividade vulcânica de caráter fissural e/ou intrusivo ocorrida na Bacia do Paraná ocasionando derrames basálticos datados do período Cretáceo. Os derrames basálticos da Serra Geral estão sobrepostos aos sedimentos da Bacia do Paraná, no entanto em algumas regiões da bacia é possível notar uma maior predominância de formas intrusivas, como os diques, por exemplo. Embora esteja na borda de uma bacia sedimentar, o relevo de Paraúna não apresenta cuestas bem definidas, isso se deve ao fato de estar localizada na parte central da bacia. Suas formas, portanto, variam entre chapadas e relevo suave ondulado (SANTOS, 1977). A elaboração do mapa de capacidade de uso do solo foi realizada com base no Sistema de Capacidade de Uso do Solo (LEPSCH et al, 1991). Este sistema consiste no estabelecimento de categorias (A, B e C) de acordo com as classes de capacidade de uso. Essas classes ainda são subdivididas em subclasses e unidades de uso. As classes de capacidade de uso são divididas em oito, e agrupadas em três subdivisões: A – Terras impróprias para todos os usos, inclusive cultivos intensivos, compreendendo as classes I, II, III e IV; B – Terras impróprias para cultivos intensivos, mas aptas para pastagens e reflorestamento ou para manutenção da vegetação natural, compreendendo as classes V, VI e VII; C – Terras impróprias para cultivo, recomendadas (pelas condições físicas) para proteção da flora, da fauna ou para recreação, compreendendo a classe VIII. Por fim, a confecção dos mapas de uso do solo e capacidade foram elaborados a partir do software de plataforma GIS (Geographic Information System) o ArcMap 10.3, agrupando as informações coletadas em campo em um banco de dados. Além disso, foram usadas imagens de alta resolução do satélite do software World View – 2, lançado em 2009, com resolução espacial de 1.85 metros nas bandas multiespectrais. Dessa maneira, foi possível cruzar as informações entre o mapa de capacidade de uso do solo, com o mapa de uso da área e estabelecer uma comparação entre os dois produtos.
Resultado e discussão
O mapa de uso do solo e cobertura do solo (figura 1) fornece uma visão da
situação na
área pesquisada e confrontando com o mapa de capacidade do solo, permite uma
visão de segmentos podendo haver, ou não, conflitos entre as classes.
Nota-se que a área de estudo apresenta um predomínio de pastagem sobre quase
toda a vertente. Além disso, em áreas específicas, encontram-se remanescentes
de fitofisionomias do bioma cerrado, como Cerradão, na parte alta, alternando
para uma área de campo úmido em uma zona de transição da alta para a média
vertente. Na média vertente o predomínio é de pastagem e apenas fragmentos de
cerrado, porém degradado. Na baixa vertente, se encontra a mata de galeria,
protegendo o curso do rio, além de ser um ambiente hidromórfico.
A partir dos dados coletados em campo, foi possível realizar um mapa contendo
as classes de capacidade de uso do solo para a área trabalhada, conforme pode
ser observado na figura 2.
Em relação ao mapa de capacidade de uso do solo elaborado, nota-se que a área
de topo com Cerradão e pastagem, fora classificada como Classe II.
O uso classificado como Cerradão condiz com sua classe de capacidade, pois se
encontra em área de relevo suave, com declividade entre 3 e 8% e sulcos
ocasionais de erosão, causados pelo tipo de textura do solo. Isso ocasiona
problemas simples de conservação, conforme a descrição da classe no Sistema de
Capacidade de Uso do Solo. Foi encontrado no local da tradagem um solo do tipo
Latossolo Vermelho-Amarelo, com textura arenosa.
Com relação à área da classe VII, esta apresentou declividade acentuada em
comparação com as outras e um solo do tipo Plintossolo. Além disso, foi
observado um nível freático elevado pelo fato de a área encontrar-se na média-
alta vertente, com presença de crosta ferruginosa na subsuperfície, que faz
com que a água fique retida e propicie o desenvolvimento desse tipo de solo.
De acordo com a classificação elaborada e com o atual uso, percebe-se que a
área apresenta uma atividade compatível com sua capacidade, pelo fato de não
haver atividades que propiciem processos erosivos na área declives mais
acentuados.
A área da Classe VI caracteriza-se por apresentar cobertura vegetal do tipo
Cerrado stricto sensu, horizonte A decapitado, crosta de batimento e relevo e
declividade média a forte. Além disso, o solo foi classificado como Latossolo
Amarelo, de textura arenosa, estrutura laminar em superfície.
Essas características associadas ao uso da área indicam que o local apresenta
impactos ligados ao efeito splash, por exemplo, que compacta e sela os poros
do solo, favorecendo assim o escoamento superficial da água. Dessa maneira, a
área está compatível com a classificação do Sistema de Capacidade de Uso, pois
apresenta problemas ligados à conservação, pelo fato de a camada superficial
do solo já ter sido removida.
Por fim, a área da classe VIII caracteriza-se por apresentar solo hidromórfico
do tipo Gleissolo, com fitofisionomia de Vereda, presença de matéria orgânica
no horizonte superficial e textura argilosa próxima ao nível freático. Além
disso, em subsuperficie foi constatada a presença de mosqueados de plintita, o
que indica a condição imperfeita de drenagem.
Essas características associadas ao uso do solo indicam que a área apresenta
suscetibilidade acentuada em comparação com as anteriores, principalmente por
estar localizada em zona de convergência de fluxos provenientes da área a
montante da vertente. Dessa maneira, a área encontra-se imprópria para cultivo
e pastagem, destinando-se à proteção permanente, estando de acordo com a
classe de Capacidade de Uso adotada.No decorrer do trajeto, também foram
observados terraços construídos nas áreas de Cerrado stricto sensu com
Latossolo Amarelo, de classe VI, com presença de feições erosivas, com
objetivo de conter os processos erosivos presentes no local. Além disso, foram
notadas marcas de maquinários no solo, o que também pode ser um indício de
tentativa de contenção dos processos erosivos.
Figura 1: Mapa de uso e cobertura do solo da área de estudo
Figura 2: Mapa de Capacidade de Uso do Solo da área estudada
Considerações Finais
A classificação de capacidade de uso do solo é amplamente utilizada no Brasil, embora pouco adotado pelos proprietários das terras, principalmente no Cerrado. A partir dele, nota-se que algumas áreas da região estudada estão impróprias para a ocupação, inclusive desrespeitando a área de proteção permanente da vereda. Apesar de o estudo ser realizado apenas em um recorte do município de Paraúna, esse sistema de capacidade possui uma grande importância para a adoção de planos de manejo e adoção de zoneamentos ecológicos, bem como permite ao produtor um desenvolvimento economicamente sustentável. Pelo fato da área estudada estar localizada no entorno do Parque Estadual de Paraúna, se torna ainda mais importante a avaliação e a ocupação de forma consciente dessas áreas, com o intuito de conservá-lo. Sendo assim, é possível visualizar que o mesmo se encontra em condições semelhantes de litologia, solo e processos morfogenéticos, portanto, a pressão de ocupação exercida no entorno terá como resultado maior pressão no Parque.
Agradecimentos
Referências
BERTONI, José. & LOMBARDI NETO, Francisco. Conservação do Solo. São Paulo: Icone, 1985. 355 p.
CAPUTO, Homero Pinto. Mecânica dos Solos e suas Aplicações. 6. ed. Rio de Janeiro: Jc, 1988.
Climate-data.org. Clima: Paraúna. Disponível em: <https://pt.climate-data.org/location/43426/>. Acesso em: 08 nov. 2017.
LEPSCH, Igo Fernando et. al. Manual para levantamento utilitário do meio físico e classificação de terras no sistema de capacidade de uso. 4a Aproximação. 2. ed. Campinas: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 1991.175p.
NIEMANN, Rafaela Soares. Levantamento do meio físico e classificação das terras no sistema de capacidade de uso da Microbacia do Ribeirão Putim. 2012. Disponível em: <http://wiki.dpi.inpe.br/lib/exe/fetch.php?media=monografia_rafaela_final.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2017.
PAUL, Carlos Rudolfo; WERLANG, Mauro Kumpfer. Análise da predisposição à erosão laminar (entressulcos) em um planossolo na Várzea do Agudo, Agudo-RS. Ciência e Natura, Santa Maria - RS, v. 2, n. 34, p.211-237, jan. 2012. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/cienciaenatura/article/viewFile/9350/5501>. Acesso em: 03 nov. 2017.
PENTEADO, Margarida Maria. Fundamentos de Geomorfologia. Rio de Janeiro: Fundação IBGE, 1974.
PEREIRA, Lauro Charlet; TÔSTO, Sérgio Gomes. Capacidade do uso das terras como base para a avaliação do desenvolvimento rural sustentável. Disponível em: <https://www.alice.cnptia.embrapa.br/alice/bitstream/doc/926162/1/Tosto.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2017.
PRADO, H. Manual de Classificação de Solos do Brasil. 3 ed. Jaboticabal: FUNEP, 1996. 195p.
RIBEIRO, J. F.; WALTER, B. M. T. Fitofisionomias do Bioma Cerrado. In: SANO, S. M.; ALMEIDA, S. P. de. Cerrado: ambiente e flora. Planaltina: Embrapa-CPAC, 1998. p. 89-166.
RODRIGUES, Hellbia Samara M. de Carvalho. A expansão da cana-de-açúcar na microrregião do Vale do Rio dos Bois - Goiás. Disponível em: <https://repositorio.bc.ufg.br/tede/bitstream/tede/5574/5/Dissertacao - Hellbia Samara M de Carvalho Rodrigues - 2014.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2017.
SANTOS, Humberto Gonçalves dos et al (ed.). Sistema Brasileiro de Classificação de Solos. 4. ed. Brasília: Embrapa, 2014.
SANTOS, Maria Helena M. C. Compartimentação e Estruturação da paisagem de Paraúna - GO. Boletim Goiano de Geografia, [S.l.], v. 1, n. 1, p. 70-92, jul. 2008.