Autores
Lopes, D.V. (UFMG) ; Souza, J.J.L.L. (UFRN) ; Oliveira, F.S. (UFMG) ; Pereira, L.F. (UFV) ; Schaefer, C.E.G. (UFV) ; Simas, F.N.B. (UFV)
Resumo
Os processos e geoformas de domínios periglaciais, juntamente com a presença de permafrost, estão entre os principais elementos geomorfológicos da Antártica Marítima. O relevo tem importante papel na dinâmica e mobilidade dos constituintes do solo. Neste trabalho, foram analisadas as interações pedogeomorfológicas na Ilha Rei George, os processos atuantes e sua influência na modificação da paisagem. Foram descritos, analisados e classificados (Soil Taxonomy e WRB/FAO) 3 perfis em uma toposequência. Registraram-se solos desenvolvidos para os padrões antárticos (até 70 % de partículas finas), fortes interações pedogeomorfológicas, tais como patterned ground (PG), mobilidade iônica ao longo da vertente e feições relacionadas a esta dinâmica. A existência de uma superfície relativamente plana, presença de peramfrost e crioturbação são fatores importantes para ocorrência de PG. A crioturbação promove horizontes irregulares, descontínuos e involução de compostos no solo.
Palavras chaves
crioturbação; patterned ground; permafrost
Introdução
A Antártica é conhecida como um ambiente de condições climáticas extremas, porém estas condições não são homogêneas. Em comparação a porção continental a Antártica Marítima é uma região de clima menos severo, apresenta temperaturas mais elevadas e maiores índices precipitação em forma líquida. A maior existência de áreas livres de gelo, em particular no Arquipélago das Shetland do Sul, favorece a ocorrência de geoformas típicas de domínios periglaciais (LOPEZ-MARTINEZ et al., 2012). Estas condições permitem o desenvolvimento de solos mais profundos, maior cobertura vegetal, e intemperismo químico mais significativo (CAMPBELL; CLARIDGE, 1987). Além do clima, a geologia e a geomorfologia do continente devem ser entendidas em termos de influência nos processos pedológicos. Como em outras partes do mundo, o tipo de rocha condiciona a taxa de alteração e os produtos intempéricos, influenciado nas características químicas e físicas dos solos (CAMPBELL; CLARIDGE, 1987). As mudanças no clima interferem diretamente nos processos e geoformas destes ambientes, sendo tema de grande interesse científico (LOPEZ-MARTINEZ et al., 2012). Alterações no clima regional, especialmente oscilações em torno do ponto de congelamento da água , causam importantes mudanças na atividade biológica, processos químicos, físicos e geomórficos (MICHEL et al., 2014). Os processos e as formas de relevo de domínios periglaciais, juntamente com a presença de permafrost, estão entre os mais relevantes elementos geomorfológicos nas Shetlands do Sul, norte da Península Antártica, sua distribuição afeta a hidrologia e tem consequências para os ecossistemas em que se inserem (LOPEZ-MARTINEZ et al., 2012). Estudo anterior na Península Barton já apresentou um importante papel do relevo, principalmente no que se refere à dinâmica e mobilidade dos constituintes, resultante na formação de distintas feições conforme a posição na paisagem (LOPES et al., 2017). Neste trabalho, foram analisadas as interações entre o solo e o relevo em uma toposequência na Ilha Rei George, os processos atuantes e sua influência na modificação da paisagem a partir de atributos morfológicos, fisicos e químicos.
Material e métodos
A Península Barton (PB) (62º14’S 58º46’W) localiza-se a sudoeste da Ilha Rei George, na Baía de Maxwell, Antártica Marítima. A Península possui área aproximada de 12 km2, na localidade é comum encontrar afloramentos de rochas sulfetadas e solos derivados deste material de origem. A área apresenta litologia diversa como diorito, granodiorito, tufos, com predominância de andesito e basalto (ARMSTRONG, 1995; YEO et al., 2004) (FIGURA 1). A geomorfologia da área caracteriza-se pela presença de praias holocênicas ao longo da costa, plataformas com ocorrência de patterned ground no centro da Península, limitadas por escarpas íngremes, principalmente na porção sul. A Península Barton também apresenta ocorrência generalizada de extensas coberturas de depósitos glaciais (LOPEZ-MARTINEZ et al., 2012). Três perfis de solos foram coletados em uma toposequência e classificados de acordo com os principais sistemas internacionais (IUSS WORKING GROUP WRB, 2014; SOIL SURVEY STAFF, 2014) (TABELA 1). As amostras foram secas, destorroadas e peneiradas (malha de 2 mm). Separou-se as frações granulométricas pelo método da centrífuga com uso de solução de Na2CO3 em pH 9,5 como dispersante. O pH, nutrientes trocáveis e textura foram determinados em amostras de terra fina seca ao ar (TFSA) (EMBRAPA, 1997). Cátions trocáveis foram extraídas com 1M KCl e P, Na e K com extrator Mehlich-1 (EMBRAPA, 1997). Os cátions (Al3+, Ca2+ e Mg2+) nos extratos foram determinados por espectrometria de absorção atômica e emissão de chama (Na+ e K+) e fotocolorimetria (P). O carbono orgânico (CO) foi determinado via combustão úmida (YEOMANS; BREMNER, 1988).
Resultado e discussão
O perfil P1 foi classificado como Glacic Psammoturbel, P2 como Typic
Psammoturbel e P3 como Typic Petraquept (SOIL SURVEY STAFF, 2014). Na
toposequência analisada registrou-se presença de permafrost, crioturbação,
horizontes descontínuos e irregulares (TABELA 1).
Os perfis P1, P2 e P3 apresentam maior acúmulo de partículas finas em
subsuperfície. A classe textural predominante do P1 foi Franco, no P2 variou
entre Franco-Arenosa no horizonte A e Franco-Argilosa no horizonte B1 e P3
foi Franco-Arenoso (TABELA 2). Para os padrões antárticos estes solos
apresentam elevados teores de partículas finas (chegando a apresentar 70% de
silte mais argila). Estes teores estão diretamente relacionados ao processo
de oxidação de sulfetos que ocorre em várias partes da Ilha Rei George, onde
a oxidação de sulfeto ocasiona um ambiente com taxas mais elevadas de
intemperismo químico (LOPES et al., 2017).
As propriedades químicas dos solos analisados retratam ambiente com pH
próximo a neutralidade, baixo teor de carbono orgânico e altos valores de
alumínio. O perfil P1 foi o único a apresentar valores elevados de bases
trocáveis (Na+, K+, Ca2+ e Mg2+) (Tabela 3). A maior fertilidade aliada a
maior presença de água (TABELA 1) condiciona um ambiente mais propício para
ocupação vegetal, a qual é mais abundante nesta unidade.
O perfil P2 apresenta os menores valores de soma de bases (SB) (4,1
cmolc.dm-3) e saturação por bases (V) (24,5%). Tais resultados podem ser
atribuídos à maior inclinação desta área, que pode favorecer a lixiviação de
nutrientes. O perfil 3 apresenta os maiores valores de Na+ (159,4 mg.dm-3),
como se localiza mais próximo ao nível do mar, este perfil sofre grande
influência do spray marinho. Registrou-se neste perfil ocorrência de
concreções, possivelmente relacionadas à mobilidade de íons metálicos das
partes mais altas e sua concentração na base do perfil P3. Os baixos valores
de P-rem, mesmo em horizontes arenosos, indicam a existência de óxidos de Fe
e Al, os quais são excelentes adsorventes de fosfatos.
Na toposequência analisada as propriedades dos solos se relacionam
diretamente com aspectos geomorfológicos (FIGURA 1). O perfil P1 (Glacic
psammoturbel) apresenta permafrot (75 cm de profundidade), cimentação por
gelo, horizontes descontínuos e irregulares por efeito da crioturbação. Esta
é caracterizada como movimento do solo causado pela ação do congelamento,
sendo tido como o principal processo pedológico em áreas afetadas por
permafrost (BOCKHEIM; TARNOCAI, 1998).
A crioturbação é na maioria dos solos, evidenciada por cunhas de gelo,
involução de partículas, transições entre horizontes onduladas e
irregulares, distribuição errática de argila e silte ao longo do perfil,
segregação de partículas, entre outros (HAUS et al., 2015). Na Antártica
solos com baixos teores de argila e silte, não demonstraram feições de
crioturbação devido a baixo umidade na camada ativa (BLUME; BÖLTER, 2015).
Nas Shetlands do Sul a crioturbação é um fenômeno generalizado resultando na
intensa crioclastia, superfícies com padrão e gelifluxão (SIMAS et al.,
2015).
A migração mecânica de partículas finas no solo está relacionada aos ciclos
anuais de congelamento e descongelamento (CAMPBELL; CLARIDGE, 1987). A
crioturbação é um requisito para gênese dos Turbels (solos crioturbados com
permafrost dentro de 2 m de profundidade) (SOIL SURVEY STAFF, 2014). Ocorre
em diversas áreas da Antártica, nas Ilhas Windmill foi registrado permafrost
contínuo, patterned ground e crioturbação como processo predominante, em
destaque para áreas ausentes de vegetação (BLUME; BÖLTER, 2015).
O congelamento do solo promove a expulsão de fragmentos rochosos originando
uma superfície pedregosa, a qual apresenta leve inclinação no centro. Deste
modo os fragmentos expulsos do solo se concentram na borda, dando gênese a
geoforma típica de ambientes periglaciais, conhecida como patterned ground,
na área registrou-se padrão em forma circular (FIGURA 2). Na borda dos
círculos da Península Barton identificou-se fragmentos orientados na
vertical por efeito do congelamento. French (2007) aapresenta que em
superfícies relativamente planas com depósitos não consolidados, contração
térmica induzida pelo abaixamento da temperatura pode gerar formas
poligonais.
Estas geoformas correspondem a formas de relevos padronizados de pequena
escala, as quais podem ser poligonais (FRENCH, 2007). Estas formas de
terreno modelado é uma característica muito difundida na paisagem antártica
(CAMPBELL; CLARIDGE, 1987). De acordo com Lopez-Martinez et al., (2012) são
as geoformas mais frequentes no Arquipélago das Shetlands do Sul, onde
ocorrem em diversas altitudes, mas são dominantes em plataformas mais altas
(superiores a 90 m de altitude).
A – Península Barton (PB), Ilha Rei George, Antártica Marítima; B – PB com representação da litologia e perfis de solo. C - Perfis na toposequêcia.
Considerações Finais
Na Península Barton, Ilha Rei George os solos mais desenvolvidos localizam-se situados na superfície com ocorrência de patterned ground. Registraram-se solos profundos e com elevados teores de partículas finas, propriedades intimamente relacionada com o processo de oxidação de sulfetos e consequentemente maior atuação de intemperismo químico. Patterned ground é uma geoforma típica de ambiente periglacial em que tem sua gênese relacionada a interações pedogeomorfológicas. A existência de uma superfície relativamente plana, presença de peramfrost e crioturbação, promove a expulsão de fragmentos rochosos do solo e sua concentração em superfície, muitas vezes orientados na vertical, originando geoformas com processos singulares. São necessários avanços no conhecimento sobre interações pedogeomorfológicas em áreas de ocorrência de patterned ground, as técnicas micromorfológicas e microquímicas podem ser muito úteis na identificação de microfeições relacionadas ao congelamento, involução de compostos e partículas, e efeitos da crioturbação no solo.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao CNPq, CAPES e a FAPEMIG pelo suporte financeiro. Agradecemos também ao INCT CRIOSFERA, TERRANTAR e MARINHA DO BRASIL (PROGRAMA PROANTAR) pelo apoio e assistência em campo.
Referências
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