Autores
Barbosa, D.R. (UNESA - RJ)
Resumo
O conceito de Geodiversidade vem cada vez mais sendo considerado nos estudos científicos e, no Brasil, a diversidade de elementos geológicos, geomorfológicos e pedológicos tem permitido o avanço de pesquisas dessa natureza. Dentro desse contexto, ganha destaque o Patrimônio Geomorfológico observado na Região do Jalapão, no Leste do Tocantins. O objetivo desse trabalho foi analisar os diferentes e destacados tipos de geomorfossítios que podem ser observados na Região do Jalapão e foram identificados cinco tipos de sítios geomorfológicos de grande relevância e que foram descritos e analisados através da revisão bibliográfica e trabalhos de campo, com discussão de sua evolução, atuais usos e impactos ambientais predominantes.
Palavras chaves
Geomorfossítios; Patrimônio Geomorfológico; Geodiversidade
Introdução
Considerado um país de dimensões continentais, o Brasil é cortado pela linha do Equador, o que o coloca em dois hemisférios diferentes, tem grande extensão litorânea e importante variabilidade de relevo, clima, vegetação e condições geológicas, o que o transforma em uma unidade federativa com forte Geodiversidade e importante Patrimônio Geomorfológico. A Geodiversidade fundamenta-se na diversidade de ambientes e elementos geológicos (rochas, minerais, fósseis), geomorfológicos (geoformas-formas da superfície terrestre, produzidas por feições geológicas e geomorfológicas) e pedológicos, incluindo as suas inter-relações que dão origem às paisagens, que servem de suporte à vida no Planeta Terra (Brilha, 2005). A segunda metade do século passado foi fundamental para a evolução das preocupações ambientais e a busca pela conservação dos recursos naturais. O grande problema é que os estudos e investimentos físico-financeiros têm sido concentrados nos cuidados com a biodiversidade. Gray (2004) apresenta uma proposta de valorização da Geodiversidade, colocando-a como um contraponto teórico à Biodiversidade, mas indicando que as duas fazem parte de um conjunto ambiental maior. A partir das inquietações da comunidade científica, principalmente geocientistas, o termo Geodiversidade tem ganhado notoriedade, sobretudo a partir da década de 90, quando termo foi inicialmente utilizado por Sharples (1993), com o objetivo de integrar os recursos abióticos na abordagem da natureza. No cenário nacional, o Serviço Geológico do Brasil (CRPM) e o Departamento Nacional de Pesquisas Minerais (DNPM) têm reunido esforços na discussão conceitual sobre a geodiversidade do Brasil e seu pronto mapeamento, em escala geral. O Serviço Geológico do Brasil tem disponibilizado cartogramas com a descrição da Geodiversidade de cada um dos Estados nacionais, nas escalas utilizadas para planejamento estadual e os mapas são acompanhados de texto explicativo e dos dados utilizados no estudo, organizados em Sistema de Informações Geográfica (SIG). Parte dos elementos constituintes da Geodiversidade e que são representativos da história e evolução do nosso planeta, na forma de paisagem, fazem parte dos patrimônios geológico e geomorfológico. O primeiro termo é entendido como a reunião de geossítios cientificamente levantados e caracterizados numa determinada área ou região e reúne os componentes de relevantes ou notáveis que constituem a Geodiversidade. Nesse caso, o legado inclui os patrimônios paleontológico, mineralógico, geomorfológico, hidrogeológico, dentre outros (BRILHA, 2005). Por sua vez, o patrimônio geomorfológico pode ser definido, de forma mais simplificada, como a reunião das formas de relevo a que um determinado valor pode ser atribuído e são organizados em sítios geomorfológicos ou geomorfossítios. Na Região do Jalapão, no leste do Estado de Tocantins, o conjunto de geomorfossítios vem sendo cada vez mais valorizado por seu rico potencial turístico e os esforços para a sua proteção foram reunidos na criação do Parque Estadual e da Área de Proteção Ambiental do Jalapão, sob a gestão do Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins). Mas, é fundamental que sejam realizados estudos sistemáticos sobre a geodiversidade e os específicos patrimônios geológico-geomorfológicos sejam levantados, caracterizados e analisados, no sentido servir de subsídios para o planejamento ambiental regional. Dentro desse contexto, o objetivo desse trabalho é analisar os diferentes e destacados tipos de geomorfossítios que podem ser observados na Região do Jalapão.
Material e métodos
A metodologia adotada no presente trabalho consistiu em etapas fundamentais. Em primeiro momento, foi realizado um levantamento bibliográfico com a discussão conceitual sobre Geodiversidade, Patrimônios Geológico e Geomorfológico, Exploração turística e sobre a região do Jalapão. Durante essa fase, também foi fundamental ampla pesquisa sobre a localização, caracterização e detalhamento jurídico regional sobre o Jalapão e entorno. Na segunda fase, foram realizados trabalhos de campo, onde as visitas permitiram a identificação e mapeamento, com uso do sistema de posicionamento global (GPS), dos principais geomorfossítios e seu registro fotográfico. Nessa fase, a conversa com turistas, proprietários locais, guias profissionais e funcionários governamentais serviram de subsídios para as pesquisas científicas. No dia 28 de abril de 2017, foram realizadas as visitas, no município de Ponte Alta, com análises do Cânion do Sussuapara, bem como as Cachoeiras do rio Soninho (Grande e Pequena) e a Pedra Furada, considera portal do Jalapão. A noite foi fundamental para discussões analíticas com guias profissionais e população local sobre as demandas regionais. No dia 29 de abril de 2017, as visitas foram realizadas no Município de Mateiros, onde foram visitados a Cachoeira da Velha, a Prainha do Rio Novo, as Dunas do Jalapão e a Serra do Espírito Santo. As conversas com representantes governamentais, no final do dia, contribuíram para o entendimento sobre as políticas públicas do município e do seu entorno. No dia seguinte, 30 de abril de 2017, foram realizadas as visitas no município de São Félix do Jalapão, onde foi possível conhecer os fervedouros de Buritis, Buritizinho, do Ceiça e a Cachoeira do Formiga. No mesmo dia, foi possível visitar também a Comunidade do Mumbuca, cujos habitante são responsáveis, originalmente, pela colheita do capim dourado e confecção de objetos de decoração, joias e arte em geral. O último dia, 1 de maio de 2017, ainda no município de São Félix do Jalapão, foram feitas as visitas ao fervedouro Bela Vista e à Serra da Catedral. Novamente, no gabinete, o mapeamento de geomorfossítios, com uso do Google Earth, bem como a reunião de dados estatísticos e analise final formaram a última etapa do trabalho científico.
Resultado e discussão
A Região do Jalapão é drenada pelos formadores do rio do Sono, bacia que faz
parte da região hidrográfica do Rio Tocantins-Araguaia (Figura 01). Na cabeceira
do rio do Sono, predomina o Grupo Urucuia, cuja litologia tem a presença de
arenitos conglomeráticos e pelitos, com estratificação cruzada (Brasil, 2014).
A consulta à carta geológica também revela que em pequenos trechos, o rio do
Sono corta as Formações Sambaíba (Permiano) e Pedra-do-Fogo (Permiano). A
primeira, originalmente desenvolvida em ambiente desértico, é caracterizada pela
presença arenito bimodal com estratificação cruzada de grande porte e a segunda
é formada por arenito, folhelho, calcário e silexito, litificados, desenvolvidos
em ambiente marinho raso e litorâneo.
Em seu médio curso, o rio do Sono atravessa a Formação Piauí (Carbonífero), onde
há a presença de arenitos, siltitos, folhelhos e calcário, onde é possível
identificar a origem de ambiente continental, fluvial e litorâneo com
intercalações marinhas; da Formação Poti (Carbonífero), constituída de arenitos,
siltitos e folhelhos, cujos sedimentos foram reunidos em um ambiente deltáico e
litorâneo; e da Formação Cabeças (Devoniano), cujas principais rochas são
arenitos e siltitos (ambiente fluvial estuarino e marinho raso). Nesse
ambiente, é comum a presença de plintossolos e solos litólicos (Brasil, 2014).
No que se refere ao patrimônio geomorfológico, a região apresenta inúmeros
geomorfossítios, com destaque para os relevos residuais, cânions, cachoeiras,
fervedouros e dunas.
A Serra do Espírito Santo, no município de Mateiros, bem como as Serras da
Muriçoca, da Estiva, da Jalapinha, entre outras são feições de Relevos Residuais
e formam um conjunto paisagístico predominantemente tabulares, decorrentes da
erosão regressiva ou recuo das escarpas do relevo sedimentar. Esses
geomorfossítios formam feições específicas esculpidas nos arenitos
conglomeráticos e pelitos, com estratificação cruzada do Grupo Urucuia, e a sua
porção superior, que resiste ao intemperismo, ao longo do tempo geológico são
cimentadas pela sílica e óxido de ferro, que têm permitido a manutenção parcial
de suas estruturas (Figura 02).
As visitas à Serra do Espírito Santo, no Parque Estadual do Jalapão, são
realizadas, invariavelmente, no sentido de vislumbrar o nascer do sol, e há a
necessidade de deslocamento vertical, durante aproximadamente sessenta minutos,
o que demanda preparo físico. São fundamentais a identificação de trilhas e a
atribuição de placas indicativas de locais com risco ambiental no sentido de
efetivo proveito turístico, reduzindo a degradação das escarpas arenosas da
Serra.
Por sua vez, os Cânions são formados a partir do encaixe da drenagem nas rochas
sedimentares, que são escavadas até o substrato geológico, formando patamares
laterais (superfícies de aplanamento exumadas) com alta inclinação e fundos
chatos. Nos Cânions do Sussuapara e da Garganta, localizados em cabeceira de
drenagem, a alta declividade contribui para o aumento da velocidade dos fluxos
que causam um incremento da intensidade do entalhe erosivo.
No Cânion do Sussuapara, os paredões rochosos, com até 15m de altura,
apresentam-se úmidos e o fluxo hídrico escoa pelas raízes das árvores,
permitindo o desenvolvimento de samambaias e musgos, tipo de vegetação distinto
daquele observado no bioma cerrado do Jalapão. Há a formação de um microclima,
menos quente e seco que o restante da região, onde o calor é significativo.
É importante que medidas de controle de fluxo turístico dos cânions possam ser
realizadas, porque as rochas escorregadias comprometem a segurança de seus
visitantes e o curso d´água local tem sofrido forte assoreamento, com o pisoteio
de rochas e sedimentos no fundo chato do vale.
As cachoeiras são resultantes dos desníveis altimétricos geológico-
geomorfológicos locais e são formadas pelas diferenças litológicas ou por zonas
de falhamentos, como é o caso das cachoeiras das Orquídeas, da Fumaça, do Prata
e das Araras e as duas mais famosas, que são as da Formiga e da Velha.
A Cachoeira da Velha é fruto de uma falha ou zona de cisalhamento transcorrente
sinistral (Brasil, 2014) e forma um conjunto paisagístico, no leito do Rio novo,
com 100m de largura e 15m de largura (rejeito da falha), onde o fluxo hídrico,
muito caudaloso, impede os banhos e permite apenas a explosão de fotografias. O
teto da falha é longo e largo e permite a prática de esportes aquáticos
variados, mas, por medidas de segurança, são permitidos apenas acompanhados por
guias locais (Figura 03).
Os fervedouros são feições geomorfológicas singulares que, de maneira geral, de
acordo com Cristo, Robaina e Morais (2013) caracterizam-se pela presença de
poços de águas cristalinas com formas circulares ou alongados, diâmetros
variados, originados basicamente pelo afloramento ascendente do aquífero
confinado (artesianismo).
Conforme Santos & Possapp (2013), fervedouro é um conjunto de nascentes
concentradas em um único poço de água levemente morna e constantemente
borbulhante, em decorrência da força das águas surgentes que brotam na areia,
com presença ou não de pequenos peixes, assim como fundo de areia mais ou menos
“cantante” quando friccionada. A “sensação de flutuação e aquecimento" denomina
esse importante geomorfossítio singular e regional e atrai visitantes variados e
potencializa o turismo do Jalapão.
A diversidade da vegetação do entorno, incluindo espécies típicas do cerrado e
cultivadas na região oferecem um ambiente de boa diversidade local e um
microclima propício ao lazer de nativos e visitantes. Os fervedouros dos
Buritis, Buritizinho, do Ceiça, do Mumbuca, da Formiga, do sono e do Alecrim são
os mais explorados comercialmente (Figura 04).
Os proprietários das terras do entorno têm intensificado a exploração turística
desses tipos de geomorfossítios, muitas vezes, alargando a área de visitação,
reduzindo a quantidade de água expelida e promovendo alterações que podem causar
a degradação ambiental, bem como causar a poluição desses corpos hídricos.
Por fim, vale mencionar a área de dunas que representam uma formação geológica,
sem precedentes, composta de areias finas e avermelhadas formada a partir do
acúmulo de material particulado, oriundo de erosão eólica e laminar da Serra do
Espírito Santo.
Na Serra do Espírito Santo, os friáveis arenitos são erodidos e suas escarpas
têm sofrido importante recuo, originando sedimentos que se acumulam no seu sopé
e são parcialmente carregados pelas águas das chuvas e pelo fluxo fluvial na
base do Geomorfossítio. Esses sedimentos são depositados na superfície aplainada
inferior, sob a forma de leque aluvial, formando as clássicas dunas do Jalapão.
As dunas são formas por areias muito claras e finas que são parcialmente
carregadas, durante as chuvas torrenciais, para os tributários do rio da Toca e,
posteriormente contribuem para a formação de dunas fluviais. No período de
estiagem, as areias fluviais são retrabalhadas pelo vento, dando origem a dunas
ativas e criando uma unidade de relevo do patrimônio geomorfológico, onde há a
ocorrência de interação de processos fluviais e eólicos na superfície do leque
aluvial.
Do alto do ponto turístico, em sua porção arenosa, é possível observar a
presença de um pequeno campo de dunas parabólicas inativas, parcialmente
cobertas pela vegetação local, formando um registro de um período mais antigo,
ainda não datado, quando o vento soprava para WNW, proveniente de ESE (Andrea
Bartorelli et al, 2010).
O número de visitantes que alcançam as Dunas do Jalapão cresceu mais que 20%
entre os anos de 2016 e 2017 (G1 Tocantins, 2017), o que pode ser um indicativo
do expressivo aumento de visitantes da região e, após as divulgações recentes
nos meios de telecomunicações, tende a potencializar ainda mais o turismo
regional.
Localização da Região do Jalapão e seus principais Geomorfossítios.
Serra do Espírito Santo, ao fundo e, em primeiro plano as areias das dunas e o tributário do Córrego da Toca.
Desnível altimétrico resultante da movimentação de falha geológica da Cachoeira da Velha.
Fervedouro Buritizinho de fundo arenoso e forma alongada.
Considerações Finais
Esse trabalho buscou analisar os diferentes geomorfossitios da Região do Jalapão e, dentro desse contexto, identificou-se as características gerais quanto à sua origem, ao desenvolvimento e às fragilidades ambientais. A região do Jalapão conta com grande de Geodiversidade, onde o patrimônio Geomorfológico destaca-se, apresentando importante riqueza e variedade de unidades de relevo, litologia e paisagens, que podem proporcionar potencialização do desenvolvimento econômico, baseado na complexa rede de turismo. Dentre os geomorfossitios regionais, vale ressaltar a presença de cânions, cachoeiras, relevos residuais tabulares, dunas (ativas e inativas) e fervedouros que compõem uma paisagem única de grande beleza, mas que precisam de estudos mais sistemáticos sobre a sua geração, evolução geomorfológica e fragilidades ambientais. O crescimento do turismo da região tem sido baseado, predominantemente, na implantação de uma infraestrutura pontual, financiada pela iniciativa privada local e associada ao trabalho das agências de turismo. Ainda é tímida a intervenção do poder público na potencialização não só do turismo, bem como no desenvolvimento econômico local, incorporando a população nativa, e práticas de conservação ambiental. É fundamental que práticas integradas de conservação do patrimônio geomorfológico do Jalapão possam realizadas nos próximos anos, para que a sua beleza e variedade possam ser preservadas para as futuras gerações.
Agradecimentos
Referências
BARTORELLI, Andrea; ASSINE, Mário L.; PIRES NETO, Antonio G. e AB’SÁBER, Aziz Nacir. Dunas Do Jalapão: Uma Paisagem Insólita No Interior Do Brasil. In: MODENESI-GAUTTIERI, May Christine; BARTORELLI, Andrea; MANTESSO-NETO, Virginio; CARNEIRO, Celso dal Ré & LISBOA, Matias Barbosa de Andrade Lima. A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber. São Paulo: BecaBALL edições, 2010.
BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Secretaria de Minas e Metalurgia. CPRM - Serviço Geológico do Brasil. Carta Geológica do Brasil ao Milionésimo: Rio São Francisco - Folha SC.23. Brasília: CPRM, 2004.
BRILHA, José. 2005. Patrimônio Geológico e Geoconservação: A Conservação da Natureza na sua Vertente Geológica. Palimage Editores, Viseu-PT. 2005.
CRISTO, Sandro Sidnei Vargas; ROBAINA, Luis Eduardo de Souza & MORAIS, Fernando. Patrimônio Geomorfológico Na Porção Leste Do Estado Do Tocantins – Região Do Jalapão. Geonomos, v. 21, n. 2, p. 92-96, 2013.
G1 Tocantins. Visitas às dunas do Jalapão crescem mais de 20% durante mês de julho. Publicado em 13/08/2017. Disponível em <https://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/visitas-as-dunas-do-jalapao-crescem-mais-de-20-durante-mes-de-julho.ghtml>. Acesso em 14 nov 2017.
GRAY, Murray. Geodiversity: Valuing and Conserving Abiotic Nature. 2nd Edition. New Jersey: Wiley-Blackwell, 2004.
SANTOS, Renato Prado & POSSAPP, James Jacques [Coords]. Plano de Manejo do Monumento Natural Canyons e Corredeiras do Rio Sono. São Félix do Tocantins: Agência Japonesa de Cooperação Internacional - JICA, 2013.
SHARPLES, Chris. Methodology for the Identification of Significant Landforms and Geological - Sites for Geoconservation Purposes: Report to Forestry Commission. Hobart: The Commission, 1993.