Autores
Oliveira, K.A. (UEPG) ; Pereira, D.C. (UEPG) ; Cassol Pinto, M.L. (UEPG)
Resumo
A região dos Campos Gerais, Paraná, possui rica geodiversidade decorrente da geologia e morfologia ligadas a borda oriental da Bacia Sedimentar do Paraná, região submetida, no Mesozoico, às tensões e movimentos verticais regionais, relacionados ao evento tectônico do Arco de Ponta Grossa. O arqueamento atingiu o embasamento e as formações sedimentares do Grupo Paraná, produzindo estruturas lineares, hoje feições peculiares da paisagem regional, associados aos sistemas de drenagem, caracterizando-se como cânions. Assim, o objetivo deste trabalho foi demonstrar que os lineamentos estruturais dos Campos Gerais constituem-se em componentes especiais da geodiversidade regional, com grande potencial ao geoturismo. A classificação dos lineamentos foi feita em ambiente SIG e em campo, bem como frequências e direções principais foram determinadas, resultando no predomínio de direção SE-NW; detendo vocação ao geoturismo, também por serem locais importantes à pesquisa e à geoconservação.
Palavras chaves
Geomorfologia Estrutural; Arco de Ponta Grossa; Bacia Sedimentar do Paraná
Introdução
A região dos Campos Gerais, situada na porção leste do estado do Paraná, estende-se sobre a borda oriental da Unidade Morfoestrutural da Bacia Sedimentar do Paraná. Reconhecidamente, esta é a região fitogeográfica dos campos gerais, a qual se refere Maack (1948), por guardar remanescentes da fisionomia de campos, relíctos de épocas mais secas do Quaternário, em uma zona bioclimática típica de Mata Atlântica. Detentora de uma rica geodiversidade, ressaltam-se, de um lado a presença desta vegetação marcada pela distribuição dos remanescentes de campos e cerrados - estepes arbustivas - e de campos limpos - estepes de gramíneas baixas com capões - cuja existência tem fortes relação com os fatores abióticos; e de outro, um relevo colinoso com feições ruiniformes e recortado por um enxame de lineamentos estruturais associados ao Arco de Ponta Grossa. A geodiversidade regional é decorrente da história geológica e geomorfológica da borda oriental da Bacia Sedimentar do Paraná, submetida às tensões e movimentações extensionais e verticais, relacionadas ao evento tectônico-estrutural do Arco de Ponta Grossa, cujas maiores atividades ocorreram no final do Mesozoico, em associação com a separação entre América do Sul e África (FERREIRA, 1982; FRANCO-MAGALHÃES, 2010). Do ponto de vista geomorfológico, têm-se como produtos destes eventos a presença de lineamentos estruturais associados às litologias do Grupo Paraná, em especial à da Formação Furnas. Tais lineamentos resultantes da ação dos processos exógenos, estão associados, em sua maioria, a uma densa rede hidrográfica que imprime um toque de beleza cênica à paisagem regional, expressadas por feições estruturais e ruiniformes singulares ladeadas por feições cársticas como lapiás, cavernas e dolinas. Entende-se por lineamentos estruturais, a feição isolada ou conjunto de feições de topografia, de drenagem, de variação de tonalidade em imagem (foto aérea ou de satélite) ou em mapa topográfico, que se apresentam como um alinhamento e que refletem elementos da estrutura geológica, como direções de camadas, de xistosidade, de falha, de cinturão de cisalhamento, de sistema de fratura (WINGE, 2014; FOSSEN, 2012). Nos Campos Gerais, os lineamentos negativos revelam a força dos processos denudacionais sobre as descontinuidades estruturais, uma vez que os principais rios da região como rio Tibagi, Pitangui, Iapó, das Cinzas, Jaguariaríva, são caracterizados como rios antecendentes, que entalharam o degrau topográfico da Escarpa Devoniana. Isto explica que, de sul a norte desta região paranaense encontre-se uma geodiversidade marcada pela presença de cânions, escarpas e quedas de água. Esta morfologia que progressivamente tem atraído os apreciadores das belezas naturais, também estimula as pesquisas cientificas e a divulgação de seu potencial ao geoturismo. Ela chama a atenção dos turistas em geral por sua beleza, mas pouco a pouco vêm despertando o interesse de outros públicos, principalmente por seus atrativos culturais, históricos e científicos. A beleza cênica dos Campos Gerais já havia impressionado Saint Hilaire (1978) quando em sua visita ao Brasil, ao afirmar que essas paisagens era, inegavelmente, uma das mais belas já percorridas da América do Sul. Estas feições, assim como outras tantas encerram, em si, valor cultural e didático por sua relação direta com a história de formação e ocupação do território brasileiro. Muitos destes caniôns representavam obstáculos de difícil transposição aos tropeiros e seu comércio de muares, que durante os séculos XVIII, XIX e inicio do século XX, passavam pelos campos gerais, vindos de Viamão, no Rio Grande do Sul em direção à Sorocaba, em São Paulo(CASSOL-PINTO; LICCARDO,2010). Por isso, objetivo deste trabalho foi demonstrar que os lineamentos estruturais dos Campos Gerais do Paraná constituem-se em componentes especiais da geodiversidade regional, com grande potencial ao geoturismo.
Material e métodos
O referencial teórico esteve pautado em levantamentos de dados bibliográficos em periódicos científicos geográficos e geológicos, bem com em buscas nos documentos cartográficos em sítios especializados sobre a constituição geológica da área de estudo para a caracterização da borda leste da Bacia Sedimentar do Paraná. Neste sentido, priorizaram-se as obras de Maack (1948), Sabins Jr. (1978), Zalán et. all (1990), Mineropar (2001), Bizzi, et. all (2003), Fossen (2012) e Winge (2014). Para interpretação de lineamentos estruturais na área de estudo foi utilizado o banco de dados do TOPODATA de relevo sombreado e altitude, de resolução espacial ajustada de 30 metros missão SRTM de 90 metros, nas cenas 24s51, 25s51, 24s49, 23s51 e 26s51, disponibilizadas Instituto Nacional de Espaciais (MIRANDA, 2005). A partir de realces de azimute no software ArcGis 10.1 as feições retilíneas ou levemente encurvadas, associadas à rede de drenagem e cristas lineares, foram interpretadas visualmente e mapeadas. Estes lineamentos são linhas significantes do relevo que revelam certa arquitetura oculta que se alinha de forma retilínea ou suavemente encurvada. Incluem feições lineares topográficas ou tonais no terreno que podem representar zonas de fraqueza estrutural, como trechos retilíneos de drenagem (feições negativas) que devem refletir o encaixe dos cursos d’água em descontinuidades estruturais ou ainda cristas lineares de relevo (feições positivas), que podem representar escarpa de falhas ou mesmo zonas de cimentação mais resistente em fraturas ou foliações (SABINS JR.,FREEMAN; 1978). Posteriormente, foram extraídos os azimutes referentes à direção de cada lineamento e seu comprimento. As informações geradas foram organizadas em gráficos de rosáceas de frequência absoluta e comprimento absoluto no software Spring 5. 2. 6, o que permitiu a elucidação das direções preferenciais dos lineamentos, bem como sua correlação com as estruturas geológicas contidas na carta geológica referente à área de estudo.
Resultado e discussão
A partir da revisão de literatura, tomou-se os conceitos de Geodiversidade e
de Geoturismo como necessários à valorização dos lineamentos estruturais no
contexto da região dos Campos Gerais (Figura 1).
Entendeu-se que geodiversidade deve ser, conforme defendeu Gray (2004), todo
e qualquer conjunto natural de feições geológicas (rochas, minerais,
fósseis), geomorfológicas (formas, depósitos, processos) e o solo, mas
considerando suas inter-relações, suas propriedades e seus processos, numa
lógica sistêmica. Ainda, que a sua avaliação deva aparecer vinculada às
questões relacionadas com o patrimônio natural (geológico) e à
geoconservação (GRAY, 2004).
Em relação ao geoturismo, tomou-se por base a ideia do inglês Thomas A.
Hose, que introduz tal conceito na literatura científica, afirmando
inicialmente, que este diz respeito a “provisão de serviços e facilidades
interpretativas a fim de possibilitar aos turistas a compreensão e aquisição
de conhecimentos de um sítio geológico e geomorfológico ao invés da simples
apreciação estética” (HOSE, 1995).
Mas, em 2000, o referido autor, ao revisar sua conceituação inicial, propôs
que o termo geoturismo fosse usado no sentido de “disponibilização de
serviços e meios interpretativos que promovem o valor e os benefícios
sociais de lugares com atrativos geológicos e geomorfológicos, assegurando
sua conservação, para o uso de estudantes, turistas e outras pessoas com
interesses recreativos e de ócio” (HOSE, 2000).
Assim fundamentada, defende-se que geoturismo deva ser considerado como um
turismo baseado no conhecimento com uma interpretação interdisciplinar, que
inclua a indústria do turismo bem como a conservação dos atributos da
natureza abiótica e as questões culturais relativas aos sitios em questão.
Sadry (2009) ressalta que ele é uma forma de turismo de área natural que se
dedica especificamente à paisagem e à geologia.
A região dos Campos Gerais, situada na zona de transição das unidades
morfoesculturais do Primeiro com o Segundo Planaltos Paranaenses, se destaca
no ressalto topográfico do Escarpamento do Arenito Devoniano da Formação
Furnas, reconhecido regionalmente como Escarpa Devoniana. A variedade
litoestatigráfica e estrutural da supersequência do Grupo Paraná
(Devoniana), do ciclo transgressivo-regressivo da Formação Furnas, de
deposição em ambiente fluvial e transicional, conforme Bizzi et. all (2003),
quando sob a interferência do Arco de Ponta Grossa (Mesozoico),
proporcionaram um relevo peculiar modelado a partir de seu enxame de
lineamentos. A presença destes lineamentos estruturais quando em associação
com a rede hidrográfica, marca o desenvolvimento de formas e feições
conhecidas como os cânions dos Campos Gerais.
Os lineamentos estruturais identificados se referem tanto aos trechos
retilíneos de drenagem e vales secos, quanto às cristas lineares do relevo,
sendo a maioria deles vales localizados principalmente sobre o arenito da
Formação Furnas. Foi identificado um conjunto de 962 lineamentos estruturais
(Figura 1) que possuem um comprimento que variam entre 500 m a 10 km com
direções preferenciais NW-SE, NE-SW, como descritas por Zalán et. all
(1990).
Ao observar o diagrama de rosáceas (Figura 2) no conjunto total dos 962
lineamentos percebe-se que a maioria possui direção NW-SE e estão
diretamente ligados aos movimentos do Arco de Ponta Grossa, ocorrendo com
frequência maior sobre os arenitos da Formação Furnas, na maioria das vezes
expressos pelos diques de diabásio, intrudidos durante a separação América
do Sul-África.
A rosácea permite ainda identificar a presença de lineamentos de direção NE-
SW com uma menor frequência e comprimentos inferiores aos demais, que se
mostram importantes no contexto geológico regional, sendo que sua presença
relaciona-se as estruturas do embasamento cristalino, reativadas durante as
atividades de arqueamento.
Encontram-se, também, os lineamentos com direção E-W que possuem menor
frequência e comprimento em relação aos demais, com origem no rifteamento
mesozoico que resultou na separação do supercontinente Gondwana originando
os continentes sul-americano e africano.
Estes conjuntos de falhas e fraturas, identificados como lineamentos
negativos, exerce um forte controle estrutural sobre a rede hidrográfica,
condicionando o desenvolvimento de vales encaixados que cortam os sets de
rochas sedimentares, produzindo um relevo acidentado com topos aplainados,
caracterizado por uma drenagem em cânions e trechos de rios encaixados,
entremeada de cachoeiras e paredões rochosos, uma paisagem notável com um
enorme potencial ao geoturismo.
Ao separar os lineamentos entre cristas e vales, observa-se que os 864
lineamentos de vales, que variam de 500 m a 10 km, apresentam uma direção
predominante NW-SE com maior frequência e comprimento, e com menor
frequência e comprimento aparecem os lineamentos com direção NE-SW, e ainda
parecem alguns lineamentos de direção E-W. Cabe ressaltar que a maioria
desses lineamentos de vales são representados por rios encaixados em cânions
paralelos controlados por um enxame de diques de diabásio, de idade
mesozoica. Compondo uma paisagem singular, onde se sucede o relevo de
escarpamento, cânions profundos e topos relativamente aplainados, com
frequentes exposições do substrato rochoso de arenitos da Formação Furnas e
belas cachoeiras, alguns exemplos dessas feições de destaque de relevo
profundamente recortado são os cânions do Rio Iapó (Cânion do Guartelá,
situado no Parque Estadual do Guartelá), com desnível de até 450 metros
(MELO, 2000), e cânions menores nos vales dos rios Jaguaricatu, Jaguariaíva,
Pitangui, Verde e alto Tibagi, além de muitas reentrâncias e ramificações da
Escarpa Devoniana.
Já os lineamentos de crista são representados por 98 estruturas que variam
de 1,5 km a 10 km, e apresentam uma distribuição heterogênea, ou seja, com
ocorrência de lineamentos em todas as direções. No que se refere à
frequência dos lineamentos, eles aparecem principalmente na direção N20-30E,
N40-60E, N30-40W e N50-60W, já no comprimento a principal direção é N30-40E,
N20-30E, N40-60E. Percebe-se que influência morfoestrutural da região dos
Campos Gerais controlam essas áreas de topos de colinas, sendo que algumas
dessas cristas são representadas por diques entre cobertos.
A geomorfologia regional dos Campos Gerais está ligada ao tropeirismo do
século XVIII, que ao longo da Rota dos Tropeiros - de sul a norte dos Campos
Gerais – essas tropas de muares escolhiam locais para montar acampamento
onde as passagens eram permeadas por extensas áreas de campos e água em
abundância, devido à alimentação e descanso dos tropeiros bem como para o
gado muar. A região é marcada por feições com predominância de cânions,
escarpas, relevos de exceção em arenitos, quedas d’água e antigas minerações
de diamante, ferro e ouro que se caracterizam como importantes áreas de
geodiversidade e potencial geoturístico devido aos seus atrativos
históricos, científicos e naturais (PIEKARZ; LICCARDO, 2007).
Localização da Região dos Campos Gerais, PR e espacialização dos lineamentos estruturais e seu potencial ao geoturismo. Elaboração: Oliveira (2017)
Frequência e comprimento dos lineamentos estruturais, selecionados na Região dos Campos Gerais, PR. Elaboração: Oliveira (2017)
Considerações Finais
Avaliando a realidade da região dos Campos Gerais, que se destaca no ressalto topográfico do Escarpamento do Arenito Devoniano da Formação Furnas, compondo a APA Escarpa Devoniana, tem-se a comprovação de sua riqueza em termos de geodiversidade, pois inclui no conjunto natural de feições geológicas- geomorfológicas, um enxame de lineamentos marcados de história, cultura regional e com atrativos à realização de esportes radicais, quando se considera suas dimensões, além de sua beleza cênica. Por suas peculiaridades ou condições geoecológicas, as áreas dos lineamentos, especialmente os do tipo negativo sugerem seu enquadramento enquanto áreas de preservação permanente, reduzindo, desta forma, as áreas destinadas aos usos agropastoris. Tal situação tende a reduzir também os benefícios econômicos dos proprietários rurais. Com alternativa econômica, a inclusão destas áreas atingidas pelos lineamentos estruturais do tipo negativo, num roteiro destinado as atividades do geoturismo, poderiam minimizar as perdas econômicas, além de garantir a qualidade cênica das paisagens em questão, especialmente em relação aos grandes rios regionais, Iapó, Jaguariaíva, como também, cursos de águas de hierarquia menores, como o Rio São Jorge e o Verde, situados no município de Ponta Grossa.
Agradecimentos
Agradecimento especial ao Emerson Farias dos Santos por ceder as fotografias para o artigo.
Referências
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