Autores
Degrandi, S. (UFSM) ; Ziemann, D. (UFSM) ; Cechin, D. (UFSM) ; Figueiró, A. (UFSM)
Resumo
Desde a criação da Rede Européia de Geoparques e da Rede Global de Geoparques, muitas são as iniciativas ligadas à geoconservação, que vem sendo difundidas e consequentemente potencializado a valorização e o desenvolvimento local de diversos territórios. Uma das estratégias que toma força nos últimos anos, é a criação de produtos turísticos ligados à geodiversidade local, os chamados geoprodutos. Esta estratégia se fortalece dentre muitos geoparques filiados às redes e representa uma forma de valorizar o trabalho da comunidade local, sua geodiversidade e ainda, promover o desenvolvimento local sustentável. Este trabalho apresenta o geoproduto, como artesanto inovador capaz de desenvolver a economia local, a partir de exemplos já utilizados em geoparques consolidados. Além de apresentar o potencial e as possibilidades de geoprodutos a serem utilizados no território da proposta do Geoparque Quarta Colônia (RS).
Palavras chaves
Geoparques; Geoprodutos; Valorização
Introdução
A implementação dos geoparques tem promovido uma grande visibilidade internacional para a conservação do geopatrimônio e o desenvolvimento sustentável, baseados no geoturismo. Tanto a Rede Europeia como a Rede Global de Geoparques sob os auspícios da UNESCO, têm proporcionado a difusão em nível mundial do conceito de geoparques e conjuntamente a criação de empregos que beneficiam comunidades locais através do geoturismo (Mc KEEVER; ZOUROS, 2005). O caráter holístico dos geoparques, que abrange aspectos territoriais, como a paleontologia, história, cultura, arqueologia e vegetação apresenta-se de suma importância para proporcionar impactos positivos sob a comunidade onde estão instalados, de forma a permitir a reapropriação dos valores do patrimônio da região pelos habitantes, e a ação contínua destes na revitalização da cultura (ZOUROS, 2004). Assim, um geoparque tem importância significativa em um território pouco desenvolvido economicamente e com potencialidades ligadas ao geopatrimônio e às atividades culturais deste, pois além de divulgar o imponente patrimônio, está proporcionando a geoeducação para a população local, os estudantes e visitantes da área, proporcionando, através do conhecimento do patrimônio, uma construção simbólica e de valor. Após a implantação de um geoparque, as comunidades passam a ter participação ativa nas atividades, não somente através dos ganhos em emprego e renda gerados pelo geoturismo, mas também através dos produtos culturais gerados através das festas, do artesanato e da culinária, denominados de “geoprodutos”. Estes produtos, apresentam a possibilidade de promover a difusão e valorização da cultura de um determinado território, além de promover o desenvolvimento local e a geoconservação do geopatrimônio presente no território. Este tipo de iniciativa já é fortemente difundida em Geoparques de todo o mundo (ex: Arouca, em Portugal e Jeju na Coréia) e apresenta resultados significativos, quanto a valorização e divulgação do patrimônio presente no território. Ao geoprodutos, além de divulgar o patrimônio local, são meios de gerar emprego e renda para a comunidade, através da adaptação de já realizadas, relacionadas a gastronomia, artesanato e diversas outras que geram produtos turísticos, para se transformarem em produtos relacionados à geodiversidade do território. Neste sentido, este trabalho tem como objetivo, apresentar geoprodutos como artesanato inovador capaz de desenvolver a economia local, a partir de exemplos já utilizados em geoparques consolidados. Além de apresentar o potencial e as possibilidades de geoprodutos a serem utilizados no território da proposta do Geoparque Quarta Colônia (RS), que apresenta uma notável beleza cênica, devido à geodiversidade que se apresenta contrastante na paisagem de sul a norte com a ocorrência de processos geomorfológicos associados às rochas vulcânicas da Formação Serra Geral, com vales e paredões, onde ocorrem os últimos remanescentes de floresta estacional caducifólia da região. Na parte sul da Quarta Colônia vislumbra-se rochas sedimentares da Bacia do Paraná com coberturas cenozóicas erodidas, perfazendo coxilhas, cobertas por campos relacionados ao Bioma Pampa (GODOY et al., 2012). Este artigo, foi norteado, inicialmente por uma breve introdução sobre a estratégia de geoconservação dos geoparques pelo mundo, seguida da apresentação da temática quanto aos produtos turísticos ligados à geodiversidade local, conhecidos como geoprodutos, após foram apresentados os objetivos do presente trabalho. Em um segundo momento, foram expostos os caminhos metodológicos, delineados durante as discussões e reflexões referentes a temática. As discussões e resultados trataram sobre consumo de produtos inovadores: a ideia dos geoprodutos e geoprodutos para o território da Quarta Colônia e, posteriormente, foram expostas às considerações finais.
Material e métodos
Metodologicamente o presente trabalho, caracteriza-se como uma pesquisa descritiva, através do aporte teórico. Utilizou-se de pesquisa bibliográfica acerca do tema, além da pesquisa em sites dos geoparques credenciados a GGN, que utilizem a iniciativa dos geoprodutos como estratégia de promoção do território.
Resultado e discussão
CONSUMO DE PRODUTOS INOVADORES: A IDEIA DOS GEOPRODUTOS
O turismo nos remete a ideia de consumo e muitas pessoas o interpretam como, o
consumo de algo mais profundo: sentimentos, lembrança agradável de locais visitados,
a hospitalidade, dentre outros (DA MATTA, 1996 e URRY, 2001). Atualmente, conforme
Barbosa (2003), tem-se o turismo como um meio de compartilhar significados da
cultura e conhecimentos, enquanto, tem-se nos souvenires, um meio de se memorar
materialmente o local visitado.
Moesh (2000), elucida que os souvenires são procurados pelos turistas para se
presentear alguém que não esteve presente na viajem ou para relembrar o local
visitados, enfoca-se que no momento da compra, os turistas estão expostos à cultura
local, os símbolos e códigos utilizados. Assim, este momento permite um maior
entendimento quanto aos significados, através do diálogo com os vendedores e o
interesse por produtos locais, é sempre mais representativo (ARAÚJO, 2002 e LARAIA,
1993).
Ao encontro da ideia, de transmitir sensações diferenciadas através dos locais
visitados, alguns geoparques pelo mundo, vem promovendo a ideia dos geoprodutos.
Este, apresentam-se como uma forma de difundir a cultura e geodiversidade local,
através de um souvenir. Ainda são poucas as publicações que falam sobre esta
temática, todavia, são numerosos os geoparques que vêm utilizando com sucesso esta
ideia.
De acordo com a definição da UNESCO (1999, p.2) os geoprodutos podem ser
conceituados como “a produção sustentável de artesanatos inovadores que tem a
conotação geológica, por exemplo, comercialização de fósseis e souvenirs”.
Salienta-se que fósseis são considerados pela legislação brasileira como Patrimônio
Natural e Cultural (artigo 216 da Constituição Federal), incluídos como “Bens da
União” a serem protegidos (lei 4.146/42), sendo, portanto, proibida a sua
comercialização. Desta forma, a ideia de geoprodutos no Brasil, é ligada à maneira
de reinventar produtos tradicionais, relacionando estes com a geodiversidade local,
seja pelo seu formato, no caso de artesanatos ou produtos gastronômicos ou como
selos com nomes que remetam a geodiversidade, no caso de bebidas, chás e outros
produtos.
Conforme mencionado anteriormente, os geoprodutos são versáteis, podendo se tratar
de um souvenir tradicional ligado ao artesanato, ou de um souvenir gastronômico.
Quando os geoprodutos remetem-se a gêneros alimentícios e bebidas, podem ser
chamados de geo.food ou geocomidas. Logo, estes devem ser elaborados de maneira
criativa, com sua apresentação voltada à elementos locais da geodiversidade (COSTA,
2017).
Sendo assim, capazes de atingirem o gosto dos mais variados perfis de turistas,
contribuindo com um enriquecimento da oferta turística, além de torná-la única e
oferecer experiências ímpares de rememorar o local visitado. Ainda, os geoprodutos,
contribuem significativamente para o desenvolvimento local sustentável, seja pela
formação de novas equipes de trabalho, através da associação entre diferentes
setores da sociedade, como hotéis, restaurantes, artesãos e pequenos produtores
locais.
Alguns geoparques pelo mundo já tem a iniciativa da promoção do território pelos
geoprodutos, tais como Geopark Araripe (Brasil); Geopark Jeju (Coréia); Geopark Hong
Kong (China);Geopark Arouca (Portugal), dentre outros.
No Brasil, tem-se além do artesanato local voltado a geodiversidade, a proposta de
se transformar, tortas, crepes, tapiocas e pizzas, às imagens de fósseis que já
foram descobertos naquele território (Figura 1a).
O Geopark Jeju, desenvolveu receitas de maneira conjunta com a comunidade e
comercializa junto aos hotéis, restaurantes e cafés (Figura 1b). Estas receitas são
relacionadas ao um arquipélago local formado por erupções freáticas e outras
formações geológicas.
Figura 1: a) Geoprodutos do Geopark Araripe, representado os fósseis do Período
Cretáceo;b) Fondant inspirado em Seongsan Ilchulbong, um arquipélago formado por
erupções freáticas produzido no Geopark Jeju (Coréia).
Fonte: Geopark Araripe (2016); GGN (2016).
Salienta-se que apesar de seu caráter inovador e efetivo quanto a valorização, este
tipo de ação, ainda é rara em território brasileiro, todavia, muitos locais
apresentam as características geológicas e geomorfológicas proeminentes, além de uma
cultura local pautada no artesanato e culinária típicos, podendo ser facilmente
adaptados para a criação de novos produtos turísticos, gerando assim, o
desenvolvimento local sustentável.
GEOPRODUTOS PARA O TERRITÓRIO DA QUARTA COLÔNIA
Neste contexto, a região da Quarta Colônia, localizada na Mesorregião Centro-
Oriental Rio-Grandense, composta por 9 municípios (Agudo, Dona Francisca, Restinga
Seca, Ivorá, Nova Palma, Faxinal do Soturno, Pinhal Grande e Silveira Martins),
apresenta uma notável beleza cênica devido à geodiversidade que se apresenta
contrastante na paisagem de sul a norte com a ocorrência de processos
geomorfológicos associados às rochas vulcânicas da Formação Serra Geral, com vales e
paredões, onde ocorrem os últimos remanescentes de floresta estacional caducifólia
da região. Na parte sul da Quarta Colônia vislumbra-se as rochas sedimentares da
Bacia do Paraná com coberturas cenozóicas erodidas, perfazendo coxilhas, cobertas
por campos relacionados ao Bioma Pampa (GODOY et al., 2012). Além disso, esta região
apresenta uma singularidade referente ao patrimônio cultural, leiam-se os fósseis e
a diversidade cultural do povo. Os fósseis da Quarta Colônia encontram-se
preservados nos afloramentos rochosos datados do período Triássico, o qual abrange o
intervalo temporal de 250 a 200 Ma (WALKER et al., 2013). Tal período é reconhecido
por Sues e Fraser (2010), como a “Aurora dos Ecossistemas Modernos”, pois
corresponde ao surgimento de muitos grupos de animais e plantas que existem nos dias
de hoje.
Os aspectos culturais das cidades que compõem a Quarta Colônia, com colonização
italiana, alemã e portuguesa, apresentam potencialidades ligadas à diversidade
cultural, e ao patrimônio histórico e arquitetônico (FIGUEIREDO, 2014). Na região
podem ser observadas muitas manifestações culturais por meio do artesanato, das
festas e da gastronomia (SANTOS, CERETTA, ZIEMANN, 2015).
Aliando as peculiaridades da gastronomia local com a proposta dos geoprodutos,
apresenta-se a sugestão da adaptação das tradicionais cucas alemãs, que já possuem
fama consolidada na região, onde podem ser colocadas pegadas de dinossauros, datadas
do período Triássico, atribuídas a terópodes do icnogênero Eubrontes, feitas com as
frutas que geralmente são utilizadas na cobertura (morangos ou maça) (Figura 2a),
além disso, podem ser produzidas bolachas de manteiga ou a famosa palha italiana no
formato dos vertebrados fósseis, principalmente os dinossauros encontrados nos
afloramentos da Quarta Colônia, sendo estes os primeiros a habitarem o planeta,
datados do período Triássico, sendo que diversos deles apenas com registro neste
ponto do planeta (Figura 2b) e também a sfogliatella, pode receber apenas as
informações necessárias em sua embalagem, sugerindo o formato dos conchostráceos,
datados entre os períodos Jurássico e Cretáceo. A criação de geoprodutos no
território, ainda pode ser realizada através da colocação de rótulos com nomes
relacionados a geodiversidade local, nos vinhos e sucos que são produzidos, além de
sua utilização no artesanato local (ZIEMANN, FIGUEIRÓ, 2014).
Assim, mostra-se que a potencialidade já existe no território da proposta Geoparque
Quarta Colônia, todavia, ainda não é explorada, perdendo a oportunidade de uma
geração de empregos e renda significativos, além de não contribuir com a conservação
do inestimável patrimônio presente naquele território.
Figura 2: a) Pegada fóssil de vertebrado Triássico da Quarta Colônia e, uma cuca com
pegadas esculpidas no morango; b) bolachas amanteigadas, típicas da região no
formato de dinossauros; c) Fósseis de conchostráceos e o doce típico sfogliatella.
Fonte: os autores.
Considerações Finais
A materialização da experiência do turista em um local, é dotada de muito simbolismo e valor, portanto, enfatiza-se a importância de se investir em artesanatos inovadores, capazes de agregar um valor ainda maior aquela experiência. A possibilidade de se transpor a realidade local em um produto turístico, deve ser explorada, haja vista que além de ser um souvenir, o geoproduto estará vaorizando a geodiversidade local, o saber fazer da comunidade. A exploração turística, quando utilizados os geoprodutos, ganha uma nova perspectiva, além de facilitar a disseminação de preceitos de geoconservação em geoparques. A realização desta atividade, no território da proposta Geoparque Quarta Colônia, pode alavancar consideravelmente às características naturais e culturais presentes, proporcionando desta forma, um desenvolvimento local sustentável. Salienta-se também, que a abordagem desta temática, deve ser realizada em outros trabalhos, visto que ainda são raras as bibliografias.
Agradecimentos
Referências
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