Autores

Ferreira, J.C.V. (UFRN) ; Maciel, A.B.C. (UFRN) ; Lima, Z.M.C. (UFRN)

Resumo

A criação de geomorfossítios pautada na conservação da geodiversidade embasou a ideia deste artigo, que tem como objetivo propor a integração da proposta metodológica de Ab'Sáber(1969) para a delimitação de geomorfossítios, atendendo as estratégias de geoconservação, tomando como exemplo a praia de Cacimbinha em Tibau do Sul/RN, Brasil. Como metodologia realizou-se uma revisão bibliográfica contemplando a temática da geodiversidade, os três níveis de tratamento para pesquisas geomorfológicas, além dos estudos de Ferreira (2012 e 2015). Portanto, observou-se que a metodologia recomendada pode ser integrada a delimitação de geomorfossítios, pois o autor desenvolve um percurso metodológico que permite entender as dinâmicas do sistema geomorfológico, considerando a compartimentação da área, o levantamento da estrutura da paisagem, bem como, a fisiologia da mesma, permitindo um entendimento dinâmico da modelagem do relevo da praia, e contribuindo para a inventariação dos geomorfossítios.

Palavras chaves

Inventariação, Valores da Geodiversidade; Geomorfossítios; Praia de Cacimbinha-Tibau/RN, Brasil

Introdução

Diante do crescente adensamento citadino atrelado a falta de planejamento urbano/ambiental, da busca pela sustentabilidade dos recursos naturais do planeta e popularizar o conhecimento sobre as dinâmicas terrestres, o enfoque na geodiversidade voltada para educação vem ganhando destaque no âmbito acadêmico nacional e internacional. O conceito de geodiversidade é considerado relativamente novo, uma vez que começou a ser discutido a partir da década de 1980 em países como Suiça, Itália, Portugal, França e Espanha. Merece destaque o trabalho de Sharples (1993), durante a Conferência de Malvern sobre a Conservação Geológica e Paisagística realizada no Reino Unido, onde o autor buscou debater a integração dos recursos abióticos na abordagem da natureza. Eberhard (1997) também merece destaque, pois foi o pioneiro em definir a geodiversidade como a diversidade natural entre aspectos geológicos, do relevo e dos solos.Desde então este conceito vem sendo trabalhado e ampliado por diversos autores, tais como: Xavier da Silva e Carvalho Filho (2001), Veiga (1999), Stanley (2000), Nieto (2001), Gray (2004), Koslowski (2004), Brilha (2005), Araújo (2005), CPRM (2006), Cañadas e Flaño (2007). Dentre os autores citados, o presente trabalho, atenta para definição conceitual da CPRM (2006) que trata a geodiversidade como sendo a natureza abiótica (meio físico) constituída por uma variedade de ambientes, fenômenos e processos geológicos que dão origem às paisagens, rochas, minerais, águas, solos, fósseis e outros depósitos superficiais que propiciam o desenvolvimento da vida no planeta Terra. Partindo dessa ideia, visando a geoconservação, Gray (2004) e Brilha (2005) consideram a necessidade da delimitação do patrimônio geológico que consiste no conjunto de geossítios, entendidos como lugares de interesse geológico que possuem características diferenciadas do entorno conforme os valores intrínseco, cultural, estético, econômico, funcional e científico/didático de uma região. Brilha (2005) estabeleceu algumas estratégias de geoconservação com o objetivo de conservar a geodiversidade e o patrimônio geológico, agrupadas nas seguintes etapas sequenciais: 1. Inventariação e avaliação: a inventariação consiste na identificação e caracterização de geossítios, enquanto a avaliação está voltada para quantificação desses geossítios, através dos valores intrínseco, cultural, estético, econômico, funcional e científico/didático de uma região. 2. Classificação: depende da legislação vigente em cada país, região ou estado para a proteção e gestão do patrimônio geológico. 3. Conservação: objetiva permitir o acesso do público ao geossítio, assegurando sua integridade física. 4. Valorização e divulgação: a valorização consiste no conjunto de ações para disponibilizar informações sobre o geossítio em seu local de origem, permitindo ao público reconhecer o valor do referido geossítio, enquanto a divulgação pode ser realizada através das informações acerca dos geossítios pré-dispostas a sociedade em geral. 5. Monitorização: avaliação periódica da relevância de um geossítio, que permite definir estratégias para que essa relevância seja mantida. Dentro dessa abordagem, insere-se o conceito de geomorfossítios (geomorphosites) entendido a luz de Panizza e Piacente (2008) e Oliveira e Rodrigues (2014) como formas de modelado terrestre detentoras de características geomorfológicas diferenciadas que agregam valor cultural, científico, socioeconômico e cênico. É, portanto, o geomorfossítio palco para o desenvolvimento das atividades antrópicas que incidem na susceptibilidade do terreno. Nesta perspectiva, a criação de geomorfossítios pautada na conservação da geodiversidade embasou a ideia deste artigo, que tem como objetivo propor a integração da proposta metodológica de Ab'Sáber (1969) a delimitação de geomorfossítios, atendendo as estratégias de geoconservação, tomando como exemplo a praia de Cacimbinha, Tibau do Sul/RN, Brasil.

Material e métodos

Para elaboração deste trabalho contou-se com uma revisão bibliográfica acerca dos temas: geodiversidade, geoconservação, patrimônio geomorfológico, com destaque para os métodos e técnicas que permeiam a delimitação de geomorfossítios. Além disso, utilizou-se da metodologia de Ab'Sáber (1969) onde consideram-se três níveis de tratamento para pesquisas geomorfológicas: Compartimentação morfológica, Levantamento da estrutura superficial e Fisiologia da paisagem. A Compartimentação morfológica consiste no nível no qual conta-se com a delimitação dos compartimentos de relevo da paisagem, sendo importante no tocante aos usos de um dado compartimento de relevo; Levantamento da estrutura superficial ou dos depósitos correlativos, de acordo com Casseti (2005), atrelados às dinâmicas climáticas, se constitui em um importante elemento para desvendar o histórico evolutivo das paisagens, além de contribuir na definição do grau de fragilidade do terreno; e a Fisiologia da paisagem consiste no entendimento da ação dos processos morfodinâmicos atuais, onde o homem atua enquanto sujeito modificador, que tem a capacidade de acelerar ou impedir os processos morfogenéticos. Considerou-se, também, o estudo desenvolvido por Ferreira (2012 e 2015) como base para delimitar a proposta do geomorfossítio tomando como referência, a praia de Cacimbinha, localizada no município de Tibau do Sul, estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Nesses trabalhos, observa-se que os três níveis de tratamento para pesquisas geomorfológicas foram contemplados, sendo possível obter um amplo entendimento do sistema praial. Assim, como foi dito, a ideia consiste em utilizar as metodologias e resultados destes trabalhos como base para contribuir na delimitação de geomorfossítios praiais, pois de acordo com Oliveira, Pedrosa e Rodrigues (2013) no Brasil existe uma escassez de estudos e procedimentos de inventariação e quantificação sobre o patrimônio geomorfológico.

Resultado e discussão

Como foi explanado, os geomorfossítios podem ser entendidos como as formas de modelado terrestre que assumem características geomorfológicas diferenciadas capazes de conter importância cultural, científica, socioeconômica e cênica. Nesse sentido, diante das metodologias voltadas para delimitação de geomorfossítios destacam-se os trabalhos de Grandgirard (1995 e 1996), Rivas (1997), Panizza (2001), Serrano e Gonzáles-Trueba (2005), Pereira (2006), Zouros (2007), García-Cortés e Urquí (2009), onde percebeu-se que a abordagem pauta-se, principalmente, na questão do valor científico dos geomorfossítios considerando aspectos singulares da geoforma, mapeamentos, riscos geomorfológicos, geotecnia e sua relação com impactos ambientais. Desse modo, entende-se que é possível agregar e divulgar conhecimento científico a essas propostas de delimitação dos geomorfossítios através do entendimento dinâmico das formas de relevos na perspectiva da metodologia proposta pelo geógrafo Ab'Sáber, autor de um arcabouço metodológico voltados para as dinâmicas terrestres e portanto, indicado para o entendimento da paisagem na perspectiva da inventariação geomorfológica, divulgação e monitoramento dos geomorfossítios. Geomorfossítio Mirante de Cacimbinha A proposta de geomorfossítio aqui apresentada está pautada na importância que a paisagem da praia de Cacimbinha tem para comunidade de Tibau de Sul, logo, diante dos valores da geodiversidade sugeridos por Brilha (2005), destacamos para praia em questão (Quadro 1): Os trabalhos de Ferreira (2012 e 2015) realizados na praia de Cacimbinha, litoral oriental do estado do Rio Grande do Norte, foram desenvolvidos com base na metodologia de Ab'Sáber (1969), onde realizou-se a compartimentação morfológica da praia representada por meio de mapa temático, o que auxiliou na caracterização da praia; o levantamento da estrutura superficial realizado por intermédio de tradagens ao longo do perfil praial, bem como, análises laboratoriais (granulometria, pipetagem, quantificação de teor de carbonato, calcinação, cor do sedimento, morfometria e morfoscopia), contribuíram para o entendimento do passado recente da praia; e por fim, foi contemplada a fisiologia da paisagem através dos perfis de praia realizados com auxílio de mira topográfica em períodos de maré baixa de sizígia, onde foi possível entender o comportamento da praia de Cacimbinha, conforme a sazonalidade climática, configurando-se em um monitoramento. Assim, entende-se que através deste estudo é possível transparecer a dinâmica do ambiente praial ou de quaisquer ambiente do ponto de vista geomorfológico, contribuindo para o entendimento científico da área (inventariação). Abaixo, segue a metodologia e os produtos gerados conforme as etapas metodológicas: • Compartimentação morfológica - Mapa na escala de 1:15.000 evidenciando os compartimentos de relevo. (Figura 3 A). • Levantamento da estrutura superficial da paisagem - Perfurações nos compartimentos praiais com auxílio de trados de caneco e holandês, onde foram coletadas amostras que foram analisadas em laboratório. (Figura 3 B). • Fisiologia da paisagem - Contemplou-se através do levantamento mensal de perfis topográficos e dos dados hidrodinâmicos, conforme maré de sizígia, atentando para o comportamento do perfil segundo a sazonalidade climática. (Figura 3 C). Por fim, cabe destacar que nesta localidade, ocorreram incidentes onde resultaram na perda de vidas, a exemplo, do surfista que se afogou ao adentrar no mar da praia de Cacimbinha; uma turista que perdeu a vida ao se chocar com as falésias durante um voo de parapente; e um acidente no qual um carro despencou de cima das falésias matando seu condutor. Desse modo, percebe-se que as notícias sobre esta localidade rementem a uma área de risco e, portanto, se torna necessária uma sinalização e proteção adequada capaz de proporcionar segurança aos visitantes e moradores do entorno.

Figura 1

Figura 1: Localização da praia de Cacimbinha, Tibau do Sul-RN. Malha digital: IBGE.

Quadro 1

Quadro 1: Valores da geodiversidade da praia de Cacimbinha, Tibau do Sul - RN.

Figura 2

A:Mapa de compartimentação geomorfológica conforme Ab’Sáber.B: Correlação das seções realizadas na praia.C:Perfis praiais da praia de Cacimbinha.

Considerações Finais

Diante da discussão apresentada, entende-se que a metodologia de Ab’Sáber pode ser integrada à metodologia para delimitação de geomorfossítios, pois o autor desenvolve um percurso metodológico que permite entender as dinâmicas do sistema geomorfológico, considerando a compartimentação da área, o levantamento da estrutura da paisagem, bem como, a fisiologia da mesma, proporcionando um entendimento dinâmico da modelagem do relevo. Assim, a praia de Cacimbinha localizada em Tibau do Sul - RN, por conter um apanhado de informações relevantes, serviu como proposta de geomorfossítio por agregar valor cultural, científico, socioeconômico e cênico. Outros pontos de interesse no município de Tibau do Sul podem ser sugeridos, como por exemplo, praia do Madeiro, praia da Pipa, Santuário Ecológico da Pipa, Chapadão, Praia do Amor, praia dos Golfinhos.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, ao Laboratório de Geografia Física da UFRN – LABGEOFIS, ao Programa de Pós- graduação e Pesquisa em Geografia - PPGE e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES pelo apoio e incentivo financeiro.

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