Autores
Araújo, M.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA) ; Rodrigues, S.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA)
Resumo
O Parque Nacional da Serra da Canastra (PARNA Serra da Canastra) está localizado no estado de Minas Gerais, sendo um exemplo do Domínio Morfoclimático do Cerrado e também composto e reconhecido pelos seus atrativos geomorfológicos como as cachoeiras. Diante disso, este estudo tem como objetivo o levantamento e identificação deste patrimônio, a partir do uso das geotecnologias e SIGs, de modo a resultar em mapeamentos que nos auxiliem na identificação e análise geomorfológica da área, envolvendo sua gênese, dinâmicas e processos atuais. Ressalta-se que a partir de estudos previamente realizados, a Serra da Canastra, demostrou um Patrimônio Geomorfológico peculiar, no entanto, o uso destes locais não é feito de forma direcionada causando a deterioração da área, podendo causar sérios problemas ambientais futuros. Ao final do trabalhos foi possível a identificação de 4 quedas que foram avaliadas quanto a sua acessibilidade e potencial científico, como demostrativo de possíveis geossítios.
Palavras chaves
Geomorfologia; Geodiversidade; Cachoeiras
Introdução
As pesquisas sobre Patrimônio Geomorfológico vêm ganhando cada vez mais destaque no contexto geográfico europeu. No entanto, no Brasil, estas pesquisas apresentam-se ainda como um estudo embrionário, sendo timidamente discutido e difundido. (BENTO, 2014) Isto posto, surge a seguinte indagação: o que vem a ser Patrimônio Geomorfológico e qual seria o seu valor no Brasil? Património Geomorfológico consiste em um conjunto de formas de relevo e depósitos correlativos que, pelas suas características genéticas e de conservação, pela sua raridade e/ou originalidade, pelo seu grau de vulnerabilidade, ou ainda, pela maneira como se combinam espacialmente, evidenciam claro interesse científico. (FORTE, J. P 2008) O termo Patrimônio Geomorfológico está relacionado ao conjunto de locais com amplo interesse geomorfológico e que seja dotado de algum valor oriundo da percepção humana, podendo ser chamado também de sítio geomorfológico, geomorfosítio (mais comumente usado pela comunidade geomorfológica), dentre outros. Ressalta-se que nos dias atuais existem algumas considerações essenciais a serem destacadas no que diz respeito ao conceito de locais de interesse geomorfológico. Uma definição mais ampla segundo considera os locais de interesse geomorfológico como sendo uma geoforma a que se atribui um valor, seja ele científico, ecológico, cultural, estético dentre tantos outros. (PEREIRA, P. J. S. 2006; PANIZZA ,2001) Neste ponto outro questionamento se faz necessário, porque falar de Patrimônio Geomorfológico? A questão do patrimônio está intimamente relacionada à estratégia de geoconservação, ou seja, tem-se uma geodiversidade ou componentes do meio abiótico, sejam eles de cunho geológico, geomorfológico, paleontológico e ligado a estes a necessidade de conservação, sendo que os mesmos possuem valores diversos como os supracitados, além de constarem também como um registro único da evolução da Terra. Diante disso, optou-se por trabalhar na região da Serra da Canastra uma das atrações turísticas mais visitadas em Minas Gerais, cercada de grande beleza cênica, onde se encontram indícios de uma vasta geodiversidade principalmente no que tange aos aspectos Geomorfológicos da paisagem. Grande parte deste potencial Geomorfológico encontra-se inserido em uma Unidade de Conservação (Parque Nacional da Serra da Canastra), porém não consta com nenhum geossítio consolidado tão pouco estratégias de manejo que corroborem com a conservação desta geodiversidade. A Serra da Canastra está localizada dentro do Parque Nacional da Serra da Canastra, sendo este uma unidade de conservação caracterizada como Unidade de Proteção Integral, onde, segundo o § 1º do Artigo 7º, da Lei No 9.985, Sistema Nacional de Unidades de Conservação de 18 de Julho de 2000, tem como objetivo básico a preservação da natureza, sendo admitido apenas o uso indireto de seus recursos naturais. Segundo o Artigo 11 da mesma lei, diz que este tipo de categoria destina-se a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, onde se é possível realizar pesquisas científicas, atividades de educação ambiental, bem como recreação e turismo ecológico. Desta forma, o objetivo do estudo preliminar é identificar as diversas feições geomorfológicas, com destaque para quedas d’água, a partir do uso das geotecnologias e SIGs, de forma a produzir um quadro comparativo com as características básicas e de acessibilidade dos geosítios relevantes. A partir deste levantamento preliminar será possível em pesquisas futuras, dar-se inicios ás analises referentes ás estratégias de geoconservação pertinente a este Patrimônio Geomorfológico.
Material e métodos
Sendo o objetivo principal deste trabalho o levantamento das quedas d’água existes na área pesquisada bem como suas características, a metodologia aplicada dividiu-se em 3 etapas, sendo elas: levantamentos em ambiente SIG, levantamento do potencial científico e de acessibilidade e análise teórica. a) Levantamentos em ambiente SIG Esta etapa iniciou-se com a extração da rede de drenagem da área de estudo através da manipulação de imagens SRTM em formato shapefile de forma a montar a principal base de dados necessárias para identificação das quedas. Posteriormente esses pontos foram convertidos em formato KML para visualização na plataforma Google Earth. Especificamente na plataforma Google Earth, foi possível a identificação visual de sítios com características compatíveis com a ocorrência de quedas d’água. Essa identificação visual deu-se através da visualização 3D que a plataforma oferece ressaltando as porções de bordas escarpas ou relevo acidentado, que dão forma a paisagem da canastra. Com o cruzamento da rede de drenagem e estas porções de borda, ficam ressaltadas as quedas d’água existentes na região uma vez que, em condições de relevo altamente declivoso com drenagem perene encaixada a formação de quedas d’água é inerente. Estes pontos extraídos do Google Earth, foram posteriormente exportados para o ambiente ArcGIS 9.3, sendo possível fazer a relações entre da localização dos pontos e contextos litológicos, lineamentos e análises dos dados de altimétricos. b) Levantamento do Potencial Científico de Acessibilidade A partir desta exportação foram então sobrepostos aos mapas litológicos disponibilizados pela CPRM (2013), retirando dados geológicos característicos de cada queda d’água identificada e também correlacionando com os processos de formação daquela paisagem. O auxílio da rede de lineamentos existentes na região e a variável altimétrica também corroboraram para o levantamento do potencial científico. Para a avaliação do Potencial Científico foram então escolhidos 4 sítios geomorfológicos baseando-se na popularidade turística dos mesmos, e a partir desta escolha verificou-se em campo a capacidade interdisciplinar principalmente entre conceitos geológicos-geomorfológicos e aspectos biológicos. Condições de acessibilidade também foram ressaltadas, no entanto, pelo alto índice de visitação esses 4 sítios demonstra-se de fácil acesso por já fazerem parte de uma rota turística consolidada. A proximidade dos sítios com o ambiente urbano também foi calculada através da plataforma Google Earth de modo a indicar a facilidade em se desenvolver atividades geoturísticas nas áreas de estudo. c) Análise Teórica A etapa de análise teórica consistiu na montagem do quadro comparativos com as variáveis pertinente a tornar um local favorável ou não a prática geoconservacionista e geoturística, sendo assim um norteador para pesquisas de implementação destas práticas.
Resultado e discussão
A região da Serra da Canastra encontra-se na zona limítrofe entre Cráton do
São Francisco e Província Tocantins(FIGURA 1), quando se classifica as
grandes feições do relevo. Estas estruturas são datadas do Proterozóico, no
entanto com algumas diferenciações no que tange a idade e gênese dos
afloramentos, sendo que nesta região a Província Tocantins refere-se às
faixas dobradas mesoproterozóicas, enquanto o Cráton pertence ao
neoproterozóico devido as suas coberturas sedimentares. (CPRM, 2010)
Segundo dados disponíveis nos mapas oferecidos pela Companhia de Pesquisas
dos Recursos Minerais (CPRM, 2010), na região da Serra da Canastra é
possível encontrar rochas pertencentes a três Unidades Geológicas
diferentes predominantes(FIGURA 2). Sendo estas o subgrupo Paraopeba
(pertencente ao Grupo Bambuí),
Formação Canastra ou Canastra Indiviso, e a Unidade Araxá. Encontram-se na
área também, na parte superior da Serra da Canastra, as chamadas Coberturas
Detríticas e Lateríticas, compostas por materiais parcialmente
lateralizados, correspondentes á idade Terciária e Quaternária.
A geologia local é composta basicamente por rochas pertencentes à Formação
Canastra ou Canastra Indiviso e rochas pertencente ao Subgrupo Paraopeba.
Desta forma, os aspectos litológicos relacionados a Formação Canastra
Indiviso indicam rochas do tipo quartzitos, micaxistos e filitos, enquanto o
Subgrupo Paraopeba é composto por rochas metassedimentares do tipo siltitos,
margas, calcários e conglomerados. (CPRM, 2010; MMA/IBAMA, 2005; RODRIGUES
et al., 2001).
Enquanto as rochas pertencentes ao subgrupo Paraopeba são do tipo
metassedimentos, composta por siltitos, margas, calcários e conglomerados,
compondo o contexto rochoso circundante a Serra da Canastra. Segundo dados
disponibilizados plano de manejo do PARNA Serra da Canastra (2005), o clima
da região é composto por um verão chuvoso e inverso seco, sendo que as
temperaturas variam em média de 18º C a mínima e 22º C a máxima. Os índices
de pluviosidade variam entre 1000 e 1500 mm por ano, onde os meses de
dezembro, janeiro e fevereiro são os mais chuvosos, havendo maior incidência
de eventos como escoamento superficial mais ativo devido ao excedente
hídrico.
Sobre a rede de drenagem principal é importante ressaltar que este em sua
maioria controlado pelo sistema de lineamentos de direção geral NW/SE
(FIGURA 3), sendo que a única exceção mais extraordinária constatada na área
de estudo é o rio São Francisco, que flui no sentido NE/SW até a altura da
cachoeira Casca D’anta seguindo depois na direção NW/SE. Souza & Rodrigues
afirmam que,na região, verifica-se que existem dois padrões de controle dos
lineamentos principais de drenagem, o primeiro referindo-se às estruturas
geológicas paralelas à zona de contato entre os xistos e quartzitos, e o
segundo refere-se aos alinhamentos coincidentes às juntas e fraturas. Nestes
padrões se desenvolvem uma rede de drenagem na forma de treliças, e nas
porções referentes ás rochas metassedimentares da parte baixa que contorna a
serra o padrão é do tipo dendrítico.
Sobre as formas de relevo, a região da Serra da Canastra é composta por
relevos suavemente dissecados, cristas e áreas dissecadas com altitudes
maiores, esculpidas sobre as rochas do Grupo Canastra. Ainda sobre a área os
autores ressaltam que sua formação rochosa associada ao tectonismo favoreceu
a formação das escarpas, sendo que estas são resultantes de falhamentos e do
alto índice de atividade erosiva, sobre rochas com resistência diferenciada.
(RODRIGUES et al., 2011; SOUZA, RODRIGUES, 2014)
Sobre a vegetação presente na Serra da Canastra podemos destacar que a mesma
representa a fitofisionomia de Cerrado, sendo coberta por formações
campestres, rupestres e cerrado sentido restrito. (MMA/IBAMA, 2005)
Na área pesquisada predominam altitudes que variam entre 900 a 1494 metros.
Onde se observou três padrões altimétricos diferentes nas localizações das
quedas d’água, que serão mais bem explorados nos resultados e discussões.
A partir de 3 pontos amostrais de perfis longitudinais da área de
pesquisa é possível ter uma visão geral do padrão de relevo escalonado, com
bordas escapadas que favorecem o surgimento das quedas d’água. Trata-se de
uma zona de contatos litológicos onde as porções relacionadas ao cráton
recoberto pela bacia sedimentar do São Francisco possuem altitudes menos
elevadas e um relevo mais dissecado enquanto as porções que correspondem a
área da faixa de dobramentos com altitudes mais elevadas relevo escarpado e
menos dissecado.
No estudo em questão foram levantadas as quedas d’água já conhecidas na
Serra da Canastra, bem como lugares potenciais, ou seja, aqueles onde seja
possível encontrar quedas ainda não exploradas, estes levantamentos foram
feitos a partir do uso do Google Earth. A partir deste procedimento foram
identificadas 39 possíveis quedas, as quais estão localizados em sua maioria
na borda da escarpa associados a canais pluviais ou aos rios que nascem no
topo da Serra da Canastra. Estas quedas foram separas em três setores de
acordo com as altitudes predominantes, ou seja, 1370 metros no setor SW, 911
a 1265 metros no setor NE e 908 a 1093 no setor SE.
A ocorrência de quedas d’água nestes locais de contato entre rios e
lineamentos se basicamente de dois modos. Onde os rios correm na mesma
direção do lineamento em que estão inseridos o surgimento de quedas ocorre
por conta da diferença litológica, e quando os rios correm
perpendicularmente ao lineamento há a formação de quedas por desnível
caraterístico deste tipo de relevo.
Ou seja, os altos índices de cachoeiras formadas na Serra da Canastra fazem
parte do sistema de drenagem relacionada ao padrão estrutural e litológico.
Onde rios são classificados como obsequentes, configurando os que correm em
sentido inverso à inclinação das camadas ou à inclinação original dos rios
consequentes, em geral, descendo das escarpas.
Quando observamos o padrão de relevo que compõe a Serra da Canastra é
possível constatar uma tendência na porção sudoeste de altitudes mais
elevadas do que nas demais porções. Esta característica pode estar
relacionada ao processo de direcionamento das falhas, diferenciação do tipo
de rochas e sua capacidade erosiva, dentre outros fatores. A altitude das
quedas quando identificadas e posicionadas no mapa apresentam um padrão
caracterizando uma faixa que varia entre 960 a 1370 metros no setor SW, 911
a 1265 metros no setor NE e 908 a 1093 no setor SE.
Diante deste cenário, o que se observa é uma quantidade significativa de
atrativos ou elementos geomorfológicos, sejam eles as quedas ou mesmo
corredeiras, afloramentos, etc., presentes em uma só feição do relevo. O
valor deste local é indiscutível, seja ele científicos, cultural, cênico, no
entanto algumas considerações acerca do manejo e estratégias de utilização
destes locais. Uma avaliação preliminar deste potencial indica que existe um
grande potencial Geoturístico de visitação ainda inexplorado. A avaliação de
4 pontos principais de visitação é apresentado na Figura 4.
A Serra da Canastra possui um grande volume de visitações, e hoje é uma
Unidade de Conservação, classificada como Parque Nacional da Serra da
Canastra, ainda assim, o fluxo de visitantes está direcionado, em função do
zoneamento existente no plano de manejo, apenas a algumas quedas, em
especial a Casca D’anta. No entanto a falta de estrutura tanto para os
potenciais já consolidados quanto para os ainda não explorados é bastante
evidente, sendo sido citado no plano de manejo, casos de degradação como
compactação do solo, alterações em micro-organismos, processos erosivos,
dentre outros causados pelo mau uso destes locais.
Área de estudo no contexto das morfoestruturas
Contexto Litológico da área de estudo
Mapa sobre lineamentos da área de estudo
Avaliação preliminar de 4 geosítios do PARNA Serra da Canastra
Considerações Finais
Após os levantamentos feitos neste trabalho, considerou-se que a Região da Serra da Canastra encontra-se dotada de um Patrimônio Geomorfológico muito rico, onde se possível desenvolver o geoturismo, desde que haja uma série de adequações ao uso para fins de menos degradação do meio. Observa-se também a necessidade de um investimento em estudos de reconhecimento em nível de detalhe do relevo mesmo com todo o patrimônio existente, ainda são escassas as informações de base científica sobre o local. A Serra da Canastra possui um grande potencial o qual já é utilizado, no entanto sem nenhuma orientação devida de modo a conservar o Patrimônio Geomorfológico existente, ainda que a área esteja localizada dentro de uma unidade de conservação. A comunidade local, ao desconhecer a riqueza geomorfológica em sua base científica, adota como estratégia de divulgação e conservação baseada na riqueza ecológica, focada em espécies ameaçadas de extinção, praticamente se esquecendo dos reais atrativos existente na área. Entretanto, quando se observa o movimento turístico na área, é nítida a orientação para a geodiversidade, em especial seu componente hidrológico, baseado na visitação de cachoeiras e como ponto notável a nascente histórica do Rio São Francisco.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao financiamento ofertado pelo CNPQ através dos projetos PQ 302654/2015-1 e Chamada MCTI /CNPq /MEC/CAPES N. 18/2012- No. 404648/2012- 6, bem como a FAPEMIG através do PROJETO PPM 0201/14.
Referências
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Companhia de Pesquisas dos Recursos Minerais (CPRM). Disponível em: <http://www.cprm.gov.br > Acesso em: 10 de Jan. 2013.
Forte, J. P. (2008). Patrimônio geomorfológico da Unidade Territorial de Alvaiázere: inventariação, avaliação e valorização. Dissertação de Mestrado. Lisboa: Universidade de Lisboa.
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