Autores

Cardoso, E.S. (UFOB) ; Santos, G.B. (UFJF) ; Barbosa, A.S. (UFOB)

Resumo

O rio de Ondas pertence a um local que reúne particularidades do ponto de vista geológico e geomorfológico, no noroeste do Cráton do São Francisco. A partir da investigação de elementos de elementos da geomorfologia fluvial, pretendeu-se apresentar uma relação entre a dinâmica do rio e as atividades turísticas em seu baixo curso. Mediante o uso de imagem de satélite e georrefenrenciamento dos empreendimentos, procurou-se estabelecer a influência da dinâmica fluvial e o aproveitamento destas para o turismo. Os resultados revelaram a presença de feições como anomalias de drenagem e a correspondências destas com os locais onde são oferecidas serviços ligados ao turismo. Aos elementos da geomorfologia fluvial podem ser atribuídos valores patrimoniais do ponto de vista de sua geodiversidade, ligados aos valores científicos, ambientais, econômicos e turísticos. Ainda são necessários estudos sistemáticos para que se vislumbre a geoconservação do local.

Palavras chaves

Anomalias de Drenagem; Encachoeiramento; Patrimônio Geológico

Introdução

Ao analisar a paisagem do baixo curso do rio de Ondas, localizado na cidade de Barreiras, no oeste do estado da Bahia (Figura 1), é possível assegurar que existe um elemento geomorfológico que chama atenção, representado pelo seu leito rochoso e energético responsável pelo nome dado ao canal.O rio de Ondas percorre três unidades geomorfológicas, suas nascentes se localizam no Chapadão do Urucuia, considerado uma das maiores expressões de áreas morfologicamente planas no centro-leste brasileiro, que constituem superfícies estruturais relacio¬nadas à arenitos com acamamento sub- horizontal do Grupo Urucuia (GROHMANN e RICCOMINI, 2012). Seu baixo curso passa pelos Planaltos em Patamares, que apresentam relevo forte ondulado e montanhoso com predomínio de dissecação, onde afloram as rochas do Grupo Bambuí, apresentando feições como escarpas, colúvios e formas ruiniformes (SANTOS e CASTRO, 2016). A última unidade é representada pela Depressão do São Francisco, sendo restrita ao extremo leste do canal, em sua confluência com o rio Grande (NEPOMOCENO Jr. et al., 2016). O canal do rio de Ondas possui um fluxo turbulento, causadas por alterações abruptas de sua direção e encaixamento do canal. Para Janoni et al. (2016), tais mudanças de direção são forte indício de reativações tectônicas. Dentro deste panorama geomorfológico apresentado pretende-se interligar a Geodiversidade (geomorfologia fluvial) com os aspectos de uso e ocupação, ou seja associados às potencialidades locais, os atrativos cênicos relativos à paisagem natural quanto cultural com vistas à conservação do relevo e de seus atributos. Onde visa-se contribuir com a discussão e possibilidades de valorização cultural e Geodiversidade do rio de Ondas. De acordo com Cardoso (2009) as modificações que a bacia do rio de Ondas em uma curta escala de tempo, especialmente nos últimos vinte e cinco anos, pode estar principalmente à modernização agrícola que resultou numa acelerada urbanização em seu entorno refletida em empreendimentos imobiliários e de lazer. Ainda de acordo com este autor, tais atividades vêm gerando conflitos característicos de um ambiente que tem passado por mudanças intensas nas suas condições naturais, culturais e socioeconômicas. A demanda humana por recursos naturais provoca direta ou indiretamente mudanças no espaço natural, tornando importantes, pesquisas voltadas para a temática de recursos do meio físico e ocupação territorial. Silva (2010) chama atenção para o potencial da utilização de variáveis da geomorfologia fluvial como indicadores de geodiversidade. A definição mais difundida na comunidade científica, segundo Brilha (2005), para Geodiversidade, é a adotada pela Royal Society for Nature Conservation do Reino Unido: “Consiste na variedade de ambientes geológicos, fenômenos e processos ativos que dão origem a paisagens, rochas, minerais, fósseis, solos e outros depósitos superficiais que são suporte para a vida na Terra”. Para Silva (2010) os canais fluviais desempenham um importante papel de suporte para a biodiversidade, chamando atenção para Rio Xingu, que em seus trechos de leitos rochosos possuem condições ideais para espécies de peixes ornamentais. Diante disso, é de suma importância o desenvolvimento de pesquisas que visem entender os mecanismos ligados à dinâmica fluvial, visto que Meneguel e Etchebeher (2012) afirmam que o turismo fluvial é uma prática que vem se desenvolvendo no país, e, para alcançar sua sustentabilidade, diversos estudos pertinentes devem ser realizados. Diante do exposto, o principal objetivo deste trabalho é identificar como as características estruturais no baixo curso do rio de Ondas se relaciona com as atividades de apropriação do espaço destinadas ao lazer, por se tratar de uma área que absorve a população urbana de Barreiras, que se apropria dos atrativos naturais, no entanto, poucos trabalhos são realizados com o intuito de entender a dinâmica fluvial, para que tais atividades não prejudiquem ou impactem a geodi

Material e métodos

Para a análise estrutural da área foram traçados os lineamentos da rede de drenagem e identificados os pontos de inflexão abrupta do canal do rio de Ondas. Os lineamentos foram extraídos de imagens do satélite Rapideye com resolução espacial de 5 metros com aquisição entre 2009 e 2010. O diagrama em roseta representativos das orientações dos lineamentos da drenagem foram obtidos por análise automática com o aplicativo Polar Plots ArcGis Extension, que forneceu também a direção média dos lineamentos (JENNESS, 2014). Para a identificação das atividades de geoturismo foram realizados trabalhos de campo com intuito de georreferenciar estabelecimentos relacionados ao lazer e turismo, bem como para adquirir um acervo fotográfico das atividades. Além disso, foram realizadas entrevistas com comerciantes locais, com intuito registrar qual a percepção deste grupo sobre a importância da dinâmica do rio de Ondas para suas atividades.

Resultado e discussão

Os lineamentos da drenagem Ao traçar o lineamentos da rede de drenagem foi possível perceber duas direções preferenciais e opostas, o que evidencia mudanças bruscas no curso do rio (Figura 2). O ponto onde ocorre a inflexão do canal denomina-se cotovelo, sendo referida também como anomalia de drenagem. Identificou-se um total de 13 lineamentos no baixo curso do rio de Ondas. Verificam-se duas situações: 1) anomalias no traçado do canal, cujo curso, alinha-se preferencialmente nas direções N40-50E e N40-50W e secundariamente nas direções N50-60W e N50-60E (Figura 3); e 2) a maioria dos estabelecimentos de turismo e lazer encontram-se localizados próximo aos cotovelos do canal (Figura 2). Estas duas direções preferenciais já foram registradas em outros trabalhos desenvolvidos na região oeste da Bahia e correspondem com lineamentos regionais relacionados com a Faixa Rio Preto (NW-SE) e com o Aulacógeno de Santo Onofre (NE-SW) (CRUZ e ALKMIM, 2006; UHLEIN et al., 2011; JANONI et al, 2016; SANTOS e CASTRO, 2016). Portanto, estas mudanças bruscas de direção da drenagem podem estar relacionadas à reativação de antigas falhas. Para Furrier (2007) inflexões de canal são indicativas de falhamento rápido e contrário ao escoamento da drenagem. Pode-se associar a estes ambiente uma maior energia do canal, bem como leitos encachoeirados e rochosos e bastante energia (SOUZA-FILHO et al, 1999; SANTOS et al., 2010; HAYAKAWA e ROSSETTI, 2012). Por meio do georeferenciamento pode-se constatar a proximidade dos principais empreendimentos relacionados às atividades turísticas com os pontos de anomalias do canal. Portanto, as anomalias são elementos fluviais da geodiversidade, as quais podem ser atreladas a um valor patrimonial, principalmente quanto aos valores científicos, ambientais, estéticos, econômicos, culturais, e turísticos. A bacia e os circuitos turísticos A área de maior ocupação de empreendimentos ligados ao turismo e lazer do rio de Ondas compreende seu baixo curso onde se destacam os seguintes pontos turísticos: Country Clube, Hotel Chalé dos Buritis, Casa do Rio Bar e Restaurante, Clube dos Cabos e dos Soldados, Grêmio Recreativo da Cargil, Pousada Beira Rio, Pousada Água Viva e o Balneário Três Bocas. Sendo este último, o único empreendimento no qual seus frequentadores são pertencentes em sua maioria a uma classe social economicamente inferior àqueles que frequentam os demais espaços citados. A Figura 4 ilustra algumas atividades comuns ligadas à estes empreendimentos, como o passeio de bote ligados ao turismo de aventura (figura 4A); turismo de contemplação ligado à beleza cênica da paisagem do rio (figura 4B); instalação de estruturas de parque aquático (figura 4C); turismo gastronômico, onde pratos típicos da comida baiana são oferecidos aos frequentadores dos bares e restaurantes (figura 4D). Dentre este último grupo destaca-se o Country Clube, por ser um ambiente que se destina a um público mais seletivo em termos de renda e poder aquisitivo mesmo porque é necessário estar cadastrado como sócio. Trata-se de um espaço que reúne restaurante, churrasqueiras, quadras de esporte, piscinas, toboáguas, estacionamento privativo e áreas de banho às margens do rio (Figura 4C).Segundo os questionários aplicados com comerciantes a água utilizada é bombeada diretamente do rio, geralmente fervida, filtrada ou utilizam água mineral. Em relação ao lixo, o problema é “resolvido” através da coleta da Prefeitura Municipal. Quando perguntados sobre a importância do rio para o comércio a maioria destaca como principal atrativo para atrair os visitantes é a paisagem que o mesmo proporciona. Outras situações relativas ao domicílio revelaram que há falta de escritura dos imóveis, e se encontram sem licença ambiental para funcionar enquanto outros estão sem escritura. Os comerciantes destacaram ainda que os principais órgãos que se preocupam com o meio ambiente são as Universidades e que deveria haver campanhas de conscientização ambiental, visto que, segundo os mesmos, os banhistas são os principais poluidores. Essas condições destacadas do grau de uso e ocupação podem causar impactos consideráveis na dinâmica fluvial, pois os empreendimentos são construídos às margens do canal, não respeitando a legislação que prevê uma faixa mínima de 30 metros em cada margem destinada à Área de Preservação Ambiental (BRASIL, 2012).

Figura 1

Localização da área de estudo.

Figura 2

Empreendimentos de Turismo e Lazer e Lineamentos da Rede de Drenagem.

Figura 3

Diagrama de rosetas com as direções dos lineamentos da rede de drenagem.

Figura 4

(A) Turismo de Aventura; (B) Turismo de Contemplação; (C) Intervenção com Infraestruturas; (D) Turismo Gastronômico.

Considerações Finais

As anomalias de drenagem mostraram-se como um fator importante da geodiversidade do baixo curso do rio de Ondas. Estas anomalias são responsáveis pela alta energia do rio, mesmo já estando em seu baixo curso, já próximo ao seu exutório. Tais condições favorecem a prática de diversas atividades relacionadas ao turismo de aventura, gastronômico e de contemplação. A trecho estudado do rio de Ondas necessita de um ordenamento territorial quantos às suas formas de uso e ocupação com a participação de vários setores governamentais e não governamentais adotando-a como uma unidade de paisagem para o desenvolvimento do turismo sustentável de qualidade. Estudos pertinentes à capacidade de carga devem ser realizados partindo dos pressupostos das singularidades de ambientes encachoeirados e energéticos de canais fluviais. Recomenda-se também o monitoramento contínuo do efeito dos usos relacionados ao turismo e lazer para aumentar as chances de garantia da qualidade ambiental.

Agradecimentos

Os autores agradecem Os autores agradecem a PROPGPI/UFOB mediante financiamento do projeto “Análise Socioambiental da Bacia Hidrográfica do Rio de Ondas, Oeste da Bahia: Dinâmicas do Uso e Ocupação do Espaço” e pela concessão de Bolsa de Iniciação Científica da última autora.

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