Autores
Lopes, D.V. (UFMG) ; Pereira, L.F. (UFV) ; Oliveira, F.S. (UFMG) ; Schaefer, C.E.G. (UFV) ; Simas, F.N.B. (UFV)
Resumo
Durante o Holoceno teve-se modificações em áreas de ocupação de aves na Antártica, acarretando em significativas mudanças paisagísticas. O objetivo deste trabalho foi apresentar as singularidades dos solos ornitogênicos e das geoformas associadas da Península Barton e problematizar a questão da geodiversidade nas políticas de preservação. Três perfis representativos foram selecionados e analisados de acordo com métodos consagrados na ciência do solo. Identificou-se solos desenvolvidos e processos de intemperismo químico incomuns para os padrões antárticos. Registrou-se elevados teores de partículas finas, ambiente ácido (pH < 4), elevados teores de P (superior a 600 mg/dm3) e CO (55 dag/kg). Áreas com solos ornitogênicos representam heranças pedológicas e são patrimônios geomorfológicos que representam momentos marcantes da evolução da paisagem antártica. Estes solos ímpares, como parte da geodiversidade, podem ser subsídios para políticas de preservação ambiental.
Palavras chaves
Holoceno; Patrimônio natural; Ecossistemas costeiros
Introdução
No último período glacial, a disponibilidade de criadouros de aves na Antártica foi restrita devido a grande abrangência dos glaciares. Com as alterações no clima, áreas de nidificação ao longo da costa (praias e teraços) tornaram-se mais acessíveis durante o Pleistoceno tardio / Holoceno (TATUR; MYRCHA; NIEGODZISZ, 1997). Ao passo em que se teve aumento do nível do mar global, também houve soerguimento glácio-isostático de várias áreas, o que acarretou em significativas mudanças nas paisagens, as quais podem ser analisadas por suas heranças pedológicas e geomorfológicas (TATUR; MYRCHA; NIEGODZISZ, 1997). Durante o Holoceno, a Ilha Rei George foi elevada a mais de 50 m de altura, pinguins abandonaram áreas de nidificação e ocuparam novas praias rochosas acarretando em significativas mudanças nos ecossistemas terrestres, localidades abandonadas foram colonizadas pela densa vegetação antártica (líquens e musgos) (TATUR; MYRCHA, 1989). Cada vez mais estudos em áreas periglaciais buscam compreender como se desenvolvem os processos de intemperismo químico associado a áreas com influencia de atividades de aves na Antártica (CAMPBELL; CLARIDGE, 1987; MICHEL et al., 2006; SCHAEFER et al., 2017; SIMAS et al., 2007a; TATUR; MYRCHA; NIEGODZISZ, 1997). A atividade de aves durante o curto verão antártico promove a transferência de nutrientes e matéria orgânica entre os sistemas oceânicos e terrestres, originando os solos ornitogênicos, principalmente em ambientes costeiros. Nestas condições se tem favorecimento do crescimento da vegetação, aumento do teor de C orgânico no solo, formação de estruturas granular e sub-arredondadas, e mobilização de fosfatos (iluviação) com neoformação de minerais, caracterizando o processo de fosfatização (SIMAS et al., 2007a). O acúmulo do guano é o principal processo de aporte de matéria orgânica do continente (SIMAS et al., 2007b). Pinguineiras são as principais áreas em que se tem formação de solos ornitogênicos. Estas áreas são extremamente importantes pela abundância (diversidade) de fauna e flora, pela singularidade dos solos e pelas modificações da paisagem (destaque para as formas de relevo). Em 2009 a Coréia do Sul propôs a criação de uma nova ASPA (Antarctic Specially Protected Areas) localizada na Península Barton, Ilha Rei George, em razão do aumento do número de visitantes ao longo dos últimos anos, destinando-se a proteger os valores ecológicos, científicos e estéticos (ANTARCTIC TREATY CONSULTATIVE MEETING, 2009). Com a ampliação da interferência humana na Antártica, torna-se essencial que se façam considerações sobre as atuais políticas de conservação e proteção dos valores ambientais e científicos do continente (HUGHES; PERTIERRA; WALTON, 2013). A geodiversidade inclui rochas, geoformas, processos de formação de solos, entre outros (BRADBURY, 2014). Ela sustenta e oferece muitos serviços ecossistêmicos vitais, incluem conhecimentos de processos físicos e químicos, com base na compreensão de suas dinâmicas espaciais e temporais (GRAY; GORDON; BROWN, 2013). Em comparação a biodiversidade, ela ainda não possui o mesmo prestígio e posição política, sendo necessárias maiores reflexões a este respeito (CROFTS, 2014). Aspectos da geodiversidade ainda são incipientes nas políticas de preservação ambiental (BRILHA, 2005), esta afirmação também é válida para as políticas de preservação da Antártica. As geociências tem uma contribuição essencial para abordar as lacunas de conhecimento reconhecidas na avaliação dos ecossistemas e na implementação de soluções para questões ambientais (GRAY; GORDON; BROWN, 2013). Ainda existem várias brechas no entendimento dos processos de gênese e sistemas de transformação em ambientes fosfatizados e na sua importância na análise da paisagem. O objetivo deste trabalho foi apresentar as singularidades dos solos ornitogênicos e das geoformas associadas da Península Barton e problematizar a questão da geodiversidade nas políticas de preservação ambiental da Antártica.
Material e métodos
A Península Barton (PB) localiza-se no arco Meso-Cenozóico da Ilha Rei George, Arquipélago das Shetlands do Sul, Antártica Marítima (FIGURA 1). A Península compreende uma sequência do início do Terciário formado por lavas e rochas vulcanoclásticas, as quais sofreram intrusões de um maciço de granodiorito e quartzo-diorito na parte oeste (ARMSTRONG, 1995; YEO et al., 2004). A Formação Sejong composta por sedimentos vulcanoclásticos é mais antiga da área, a qual possui afloramentos distribuídos ao longo da costa. A área apresenta litologia diversa, diorito, granodiorito, tufos, com predominância de andesito e basalto (ARMSTRONG, 1995; YEO et al., 2004). A geomorfologia da área caracteriza-se pela presença de praias holocênicas ao longo da costa interronpidas por afloramentos de basalto. No centro da PB são encontradas extensas plataformas com ocorrência de patterned ground, ao sul estas são limitadas por escarpas e relevo mais ondulado, área de maior concentração de aves, destaca-se a existência da ASPA 171 (Narębski Point). A Península também apresenta ocorrência generalizada de extensas coberturas de depósitos glaciais (LOPEZ-MARTINEZ et al., 2012). Ao norte situa-se uma área glacial a qual exerce grande influência na dinâmica da paisagem local. Tálus rochosos, depósitos de sopé de escarpas, também são encontrados na Península Barton. Três perfis de solos ornitogênicos representativos foram selecionados na PB e classificados (SOIL SURVEY STAFF, 2014) (TABELA 1). Os perfis foram coletados em diferentes cotas altimétricas, dentro da ASPA 171. As amostras foram secas, destorroadas e peneiradas (malha de 2 mm). Separou-se as frações granulométricas pelo método da centrífuga com uso de solução de Na2CO3 em pH 9,5 como dispersante. O pH, nutrientes trocáveis e textura foram determinados em amostras de terra fina seca ao ar (TFSA) (EMBRAPA, 1997). Cátions trocáveis foram extraídas com 1M KCl e P, Na e K com extrator Mehlich-1 (EMBRAPA, 1997). Os cátions (Al3+, Ca2+ e Mg2+) nos extratos foram determinados por espectrometria de absorção atômica e emissão de chama (Na+ e K+) e fotocolorimetria (P). O carbono orgânico (CO) foi determinado via combustão úmida (YEOMANS; BREMNER, 1988).
Resultado e discussão
A fosfatização é condicionante da formação dos solos mais desenvolvidos e
com mais partículas finas (silte + argila) em comparação a outros solos da
Antártica. Na Península Barton registrou-se horizontes com até 57% de
partículas finas e textura Franco (TABELA 2). A classe textural dominante
foi Franco-Arenosa. Classificou-se os solos como Entisol (“Ornithogenic”
Cryorthent), Inceptisol (“Ornithogenic” Dystrocryept) e Gelisol
(“Ornithogenic” Lithic Sapristel) (SOIL SURVEY STAFF, 2014). Tiveram que ser
feitas adaptações na classificação para inserir a influência da ornitogênese
nos solos. Destaca-se a identificação de horizontes orgânicos e permafrost,
sendo relevantes para o estoque de carbono em ambiente periglacial.
A evolução da paisagem na Península Barton está diretamente ligada à
combinação de processos de intemperismo físicos e químicos (LOPES et al.,
2017). A decomposição do guano condiciona um perfil ácido (pH
predominantemente inferior a 4,0), o que favorece a degradação mineralógica
(SIMAS et al., 2007a). A iluviação de P no perfil do solo favorece a
neoformação de fosfatos secundários (SIMAS et al., 2007a; TATUR; MYRCHA;
NIEGODZISZ, 1997). Registrou-se elevados teores de P (superior a 600 mg/dm3)
e CO (55 dag/kg) (TABELA 3). Áreas com solos ornitogênicos constituem o
local mais importante de sequestro de carbono em ecossistemas terrestres
antárticos (SIMAS et al., 2007b). A concentração de aves e consequente maior
disponibilidade de nutrientes faz com que se formem oásis para ocupação da
vegetação, o que justifica os aspectos da biodiversidade nas políticas de
preservação. Níveis mais altos de P e umidade suficiente para promover a
percolação da solução lixiviada, parece ser um determinante importante para
cobertura vegetal contínua em área de fosfatização (MICHEL et al., 2006).
A abordagem tradicional à temática da conservação contempla essencialmente
aspectos relativos à biodiversidade (BRILHA, 2005). Estes aspectos são bem
sucedidos na busca pela preservação dos ecossistemas nas questões políticas
e pressionam governos na busca pela preservação dos recursos. A aplicação
das geociências no manejo da terra e conservação da natureza é prejudicada
pela falta de uma classificação sistemática abrangendo a totalidade da
geodiversidade (BRADBURY, 2014). Neste sentido há uma série de elementos-
chave no desenvolvimento da biodiversidade que funcionam como lições para
geodiversidade, sendo necessária maior valorização dos sistemas e processos
terrestres como suporte para existência da vida (CROFTS, 2014). É essencial
que estas caminhem juntas nas políticas voltadas à preservação ambiental,
funcionando como elo complementar (CROFTS, 2014).
As políticas de preservação da Antártica apresentam falhas é necessário um
sistema abrangente e robusto das áreas protegidas para fornecer um quadro
efetivo para a conservação dos valores ambientais e científicos (HUGHES;
PERTIERRA; WALTON, 2013). Solos singulares podem ser subsídios para
preservação ambiental dos ecossistemas com paisagens de exceção e formados
em condições climáticas extremas.
A – Antártica Marítima; B – Ilha Rei George; C – Península Barton na Ilha Rei George com representação da litologia e perfis de solo analisados.
Considerações Finais
Solos ornitogênicos apresentam desenvolvimento e processos de intemperismo químico incomuns para os ecossistemas terrestres antárticos. Nestes ambientes são formados solos mais profundos, com elevado teor de partículas finas e processos pedogenéticos que tornam singulares os ecossistemas influenciados pela atividade de aves e modificam as paisagens. Aspectos da geodiversidade ainda aparecem de forma incipiente nas políticas de preservação da Antártica. O solo como parte da geodiversidade pode auxiliar na preservação dos ecossistemas terrestres antárticos, em especial solo desenvolvidos em condições únicas como os ornitogênicos. Sítios de colonização de pinguins possuem heranças pedológicas e são patrimônios geomorfológicos que representam momentos marcantes da evolução da paisagem antártica. Durante o Holoceno populações de pinguins começaram a nidificar praias então, recentemente formadas por rochas emergentes, abandonando antigas colônias e deixando registros encontrados até hoje nos solos e geoformas associadas. São necessários mais estudos que valorizem a geodiversidade, em especial no continente antártico, pelo seu valor inerente a pesquisa científica. Ainda vale ressaltar que ecossistemas ornitogênicos oferecem múltiplos benefícios e serviços ambientais, como estoque de caborno e disponibilidade nutricional os quais só podem ser analisados a partir de uma abordagem holística que engloba aspectos entre o meio físico e biótico.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao CNPq, CAPES e a FAPEMIG pelo suporte financeiro. Agradecemos também ao INCT CRIOSFERA, TERRANTAR e MARINHA DO BRASIL (PROGRAMA PROANTAR) pelo apoio e assistência em campo.
Referências
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