Autores

Silva, J.C. (UERJ) ; Rocha, T.B. (UFF)

Resumo

No estado do Rio de Janeiro, o Parque Estadual da Costa do Sol (PECSOL) se destaca como detentor de uma grande geodiversidade geomorfológica costeira. O presente trabalho tem por objetivo mapear a geodiversidade geomorfológica do núcleo Atalaia-Dama Branca do PECSOL, bem como seus vetores de pressão e possíveis geomorfossítios. Os resultados mostram que aproximadamente 50% dessa geodiversidade é decorrente de ação eólica, cujas características climáticas e de morfodinâmica de praia são os principais condicionantes. Destacam-se as dunas frontais, dunas parabólicas, dunas barcanas e dunas nebkas. Foram mapeados 5 pontos com potencial de geomorfossítios: duna Dama Branca; dunas barcanas fragmentadas por traçado viário; dunas frontais na Massambaba Leste e Monte Alto; e Pontal do Atalaia. Apesar dessa geodiversidade estar nos limites de uma unidade de conservação, foram mapeados vetores de pressão associados à ocupação e traçado viário dentro e fora dos limites do parque.

Palavras chaves

Geomorfossítio; Pressão antrópica; Mapeamento

Introdução

Segundo Gray (2004), a variedade de elementos abióticos, ou seja, elementos geológicos (minerais, rochas e fósseis), geomorfológicos (considerando também os processos que induzem a evolução do relevo) e pedológicos, englobando inter-relações, propriedades, interações e sistemas, é chamada de geodiversidade. Brilha (2005) aponta que a biodiversidade é condicionada pela geodiversidade e Araújo e Lopes (2011) mostram que os componentes da geodiversidade são registros e resultados da evolução geológica da Terra. Estas afirmações ajudam a entender sua importância. Um dos quatro componentes de geodiversidade propostos por Thomas (2012) é a geodiversidade geomorfológica, ou seja, a variedade de formas de relevo e processos atuantes que permitem a compreensão da evolução das paisagens. A geodiversidade geomorfológica está presente em todo o Brasil, destacando-se o seu litoral, com aproximadamente 8500 km de extensão. A justificativa desta diversidade de formas de relevo e paisagens na costa brasileira está centrada em seus condicionantes: herança geológica, condições climáticas e oceanográficas (BRANDÃO, 2008). Em relação à geodiversidade geomorfológica, existe o conceito de geomorfossítio ou local de interesse geomorfológico. Segundo Panizza (2001), um geomorfossítio é uma feição geomorfológica na qual determinados valores podem ser atribuídos. Pereira (2006) determina como possíveis valores destas feições os valores científico, cultural, econômico, ecológico e estético. Visando a conservação dessa geodiversidade e dos geomorfossítios, a geoconservação emerge como uma prática para conter a interferência da pressão antrópica sobre estes elementos que sofrem pelo fato de seus componentes não serem renováveis. Quando esses elementos são destruídos, a geodiversidade não se regenera e uma parte da memória do planeta é perdida para sempre (AZEVEDO, 2007). No litoral do Rio de Janeiro, parte dessa geodiversidade geomorfológica encontra-se protegida no Parque Estadual da Costa do Sol (PECSOL), ainda que esta não tenha sido a finalidade principal da criação dessa Unidade de Conservação (UC). O PECSOL é uma unidade de proteção integral segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, 2011). Por ser uma unidade de conservação fragmentada em núcleos, possibilita a conservação de uma gama maior de elementos abióticos e bióticos (FONTANELLE e CORRÊA, 2012). O núcleo Atalaia-Dama Branca do PECSOL, área de estudo deste trabalho, está inserido nos limites dos municípios de Arraial do Cabo e Cabo Frio. A parte localizada em Arraial do Cabo está na zona de influência da ressurgência (BABIÉRE e COE, 1999), apresentando valores pluviométricos abaixo de 1000 mm (FIGUEIREDO, 2015) com ventos predominantes de nordeste no verão e de sul durante o inverno (FERNANDEZ, 2008). A parte deste núcleo presente em Cabo Frio tem características semelhantes àquela encontrada em Arraial do Cabo. Também está na zona mencionada, com um microclima semiárido quente (BSh) conforme a classificação de Köppen (BABIÉRI, 1984). Os ventos de nordeste, associados à atuação do Anticiclone do Atlântico Sul, predominam o ano todo (BABIÉRI, 1984). Existem duas orientações de linha de costa na área de estudo. Em Arraial do Cabo há orientação Leste-Oeste (FIGUEIREDO, 2015). Já Cabo Frio tem orientação Nor-nordeste – Sul-sudoeste (FERNANDEZ et al. 2017). Tessler e Goya (2005) apontam que esta mudança de orientação ocorre devido à zona de Fratura do Rio de Janeiro. Resultado de uma herança geológica, as diferentes orientações influenciam os processos que atuam na geomorfologia, principalmente aqueles referentes à propagação de ondas e ação dos ventos. Tais diferenças geram diversidade de formas de relevo e paisagens. Nesse sentido, os objetivos principais deste trabalho são mapear a geodiversidade geomorfológica existente no núcleo Atalaia-Dama Branca assim como identificar potenciais geomorfossítios e vetores de pressão antrópica.

Material e métodos

Com o intuito de executar o mapeamento de geodiversidade geomorfológica e dos vetores de pressão área de estudo, foi realizado, primeiramente, um levantamento bibliográfico sobre as feições geomorfológicas presentes nos municípios com área correspondente ao núcleo Atalaia-Dama Branca. Em seguida, buscou-se por mapeamentos geomorfológicos já realizados para a mesma área produzidos pelo Laboratório de Geografia Física da Universidade Federal Fluminense (LAGEF- UFF) e publicados em Figueiredo (2015) e Fernandez et al. (2017). Além da obtenção dos mapeamentos prévios, houve a realização de download de ortofotos de 2005 da área de estudo no portal downloads do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Também foi necessário baixar os limites do PECSOL no portal do Instituto Estadual do Meio Ambiente (INEA), órgão responsável pela administração deste parque. No software ArcMap 10.2.2, os seguintes passos foram seguidos: 1) abertura das ortofotos e shapefile dos limites do parque; 2) exclusão de polígonos não participantes do núcleo Atalaia-Dama Branca através da ferramenta “editar”; 3) utilização dos shapefiles dos mapeamentos anteriores; 4) padronização do sistema de referência de coordenadas de todos os dados; 5) uso da ferramenta de geoprocessamento “recortar” para trabalhar apenas com as feições geomorfológicas e antrópicas inseridas no núcleo estudado; 6) utilização da ferramenta “editar” para delimitar algumas feições geomorfológicas e antrópicas, em uma escala de até 1:5.000, alterando as classes na tabela de atributos; 7) uso do “calcular geometria” para obter a área total do núcleo e das feições nele presentes. Para a identificação de possíveis geomorfossítios, foi utilizado uma parte do método proposto por Pereira (2006) para avaliação de patrimônio geomorfológico. Duas etapas são elencadas. Uma é voltada para inventariação e a segunda para quantificação. A identificação de potenciais locais de interesse geomorfológico, primeira subetapa de inventariação, foi a parte aqui utilizada. O autor aponta que esta subetapa deve estar baseada em caracterização geomorfológica da área estudada. Os seguintes critérios devem ser seguidos: Importância científica (reconhecida tanto na caracterização da geomorfologia quanto em trabalhos científicos anteriores), estética (com a valorização de peculiaridades e características de dimensão do local comparadas a outros locais em diferentes escalas), associação entre elementos geomorfológicos e culturais e associação entre elementos ecológicos e geomorfológicos (PEREIRA, 2006).

Resultado e discussão

Quatro mapas foram criados, sendo que 3 deles apresentam níveis de mapeamentos diferentes. O nível 1 mostra a geodiversidade geomorfológica distinguindo Feições Eólicas, Lagunas, Brejos, Costões Rochosos e Áreas antropizadas em uma escala de 1:60.000 (figura 1). Há também os pontos com os potenciais geomorfossítios. O nível 2 expõe a geodiversidade geomorfológica com mais detalhe dando enfoque para feições de origem eólica ou barreiras arenosas costeiras que estão sendo retrabalhadas pelo vento com escala de 1:32.000 para a planície costeira de Cabo Frio (figura 2A) e 1:45.000 para planície costeira da Massambaba, em Arraial do Cabo (figura 2B). Um quarto mapa mostra a pressão antrópica que o PECSOL sofre (figura 3, na qual as área 1,2 e 3 apresentam escalas de 1:12.500, 1:25.000 e 1:15.000 respectivamente). Analisando a figura 1, com nível 1 de mapeamento, percebe-se um predomínio de feições geomorfológicas com retrabalhamento eólico ou de origem eólica. O núcleo Atalaia-Dama tem aproximadamente 20,09 Km². Estas feições correspondem a um pouco mais da metade do núcleo, com 10,94 Km². No nível 2 de mapeamento (figura 2), estas feições correspondem a Dunas Frontais, Dunas Parabólicas, Dunas Barcanas e Barcanóides, Dunas Nebkas, Megaforma Parabólica, Rastros Eólicos, Acumulação Eólica Coberta por Vegetação Herbácea, e Barreiras Arenosas com Retrabalhamento Eólico. Outros elementos de geodiversidade geomorfológica encontrados foram os leques de transposição, brejos, lagunas, terraço marinho e costões rochosos ou colinas. A planície costeira de Cabo Frio (figura 2A) tem a norte e a sul presença de dunas frontais. Há uma megaforma parabólica, conhecida como Dama Branca onde ocorrem sucessivas dunas barcanóides (figura 4A). Ao norte desta megaforma encontram-se dunas barcanas e rastros eólicos, que são marcas de movimentação destas dunas. Ocorrem também dunas parabólicas de menores proporções, se comparadas à megaforma e às dunas nebkas. As dunas frontais são estabilizadas pela vegetação, cuja sedimentação é oriunda diretamente da praia (HESP, 2002). São bem desenvolvidas ao norte do arco de praia de Cabo Frio em função das características morfodinâmicas da praia, que tendem para o estado dissipativo, e que fornecem sedimentos finos. A megaforma se destaca por sua proporção. Fernandez et al. 2017 aponta que ela possui mais de 1000 m de comprimento e pontos com altura acima dos 20 metros. Comparando as dunas barcanas às parabólicas, é possível ver que seus pés e seus lóbulos deposicionais apresentam orientações opostas. No caso das parabólicas, os lóbulos estão voltados para sudoeste. Em alguns casos, há presença de dois lóbulos. Já nas barcanas, eles estão voltados para nordeste, direção preferencial dos ventos. Além disso, os pés das parabólicas são parcialmente cobertos por vegetação, ao contrário das barcanas que não apresentam vegetação fixadora. A morfologia das dunas nebkas está condicionada ao tipo de vegetação que as cobre (FERNANDEZ et al. 2017). No caso das que ocorrem no PECSOL há um aglomerado de espécies formando moitas. Na planície costeira da Massambaba (figura 2B), parte do núcleo Atalaia-Dama Branca que fica em Arraial do Cabo, encontra-se também as dunas nebkas que, segundo Fernandez et al. 2017, pode ser uma continuidade daquelas em Cabo Frio. No caso das dunas frontais, o diferencial desta tipologia de dunas em comparação àquelas que ocorrem em Cabo Frio encontra-se ancorado no processo de formação. Em Cabo Frio, as dunas frontais são formadas apenas através de ventos de NE, de mar para terra. Na Massambaba Leste, as dunas frontais são formadas a partir de ventos bidirecionais (NE e Sul), associado a um estado morfodinâmico de praia intermediário. Outro agente de formação são os leques de transposição que, segundo Fernandez (2003), são feições promovidas por ondas de tempestade que funcionam como um fornecedor de sedimentos para as dunas frontais, alimentando-as (figuras 4 D1 e D2). As barreiras arenosas com retrabalhamento eólico encontram-se logo a seguir das dunas frontais e estão presentes de oeste a leste neste trecho o parque. A formação destas barreiras está ligada à variação do nível relativo do mar na costa brasileira durante o Quaternário (FIGUEIREDO, 2015). Em ambas as planícies há uma classe denominada acumulação eólica coberta por vegetação herbácea. Suas características não as encaixam nas demais classes. Também estão presentes os brejos, que são áreas de deposição que não sofrem diretamente influência de sistemas lagunares (FIGUEIREDO, 2015), costões rochosos ou colinas, e lagunas. Somando estes elementos à diversidade de dunas, é possível determinar que o núcleo Atalaia-Dama Branca tem uma alta geodiversidade geomorfológica principalmente decorrente de ação eólica, cujas características climáticas e de morfodinâmica de praia são bastante relevantes. A figura 3 mostra que esta geodiversidade está pressionada por conta da ação antrópica. Na área 1A (figura 3) há presença de ocupação urbana antrópica dentro do parque. Além de ameaçar a geodiversidade, o avanço desta ocupação é um risco para a própria população que ao aproximar demais da praia compromete os processos que permitem a manutenção do balanço sedimentar positivo e fica mais exposta a eventos de tempestade. A área 2 (figura 3), mostra como o traçado viário do meio urbano pode interromper o fluxo de sedimentos entre as dunas. Com ação dos ventos de nordeste, as dunas barcanas podem alcançar a pista e impedir o fluxo de veículos (figura 4B). Na área 3 (figura 3), existe duas frentes de ocupação nos limites do parque, que ao se expandir, pode ameaçar a geoconservação das dunas costeiras. Em relação aos potenciais geomorfossítios (figura 4), a duna Dama Branca é um possível local de interesse geomorfológico na qual os valores estético e turístico se destacam. Suas proporções são encontradas novamente no estado do Rio de Janeiro apenas no Peró (Cabo Frio), fora do PECSOL. Do ponto de vista científico/ educacional é interessante abordar processos de formação de dunas costeiras no litoral fluminense e comparar diferentes geodiversidades de dunas. Para Pereira (2006), o valor educacional encontra- se inserido no científico. Dunas Barcanas fragmentadas por traçado viário é uma escolha potencial pelo seu forte apelo no ponto de vista educacional. Além da geodiversidade das formas eólicas, o traçado viário interrompe a dinâmica sedimentar do campo de dunas, uma vez que foi construído de forma ortogonal ao sentido da migração das dunas barcanas. Nesse sentido, é um ótimo exemplo de como a forma de ocupação pode interferir nos processos geomorfológicos. Em Monte Alto e na Massambaba Leste, o principal valor também é o científico/ educacional. É possível explorar o processo de formação de dunas frontais. Especificamente no caso de Monte Alto, também pode ser abordado o potencial de risco sobre as edificações decorrentes do alcance do processo de transposição de ondas, que ocorrem a partir de ressacas. Por fim, o Pontal do Atalaia tem valor estético, turístico e científico/ educacional. Com relação a esse último, este ponto possibilita a explicação da mudança na orientação de linha de costa e suas consequências na geomorfologia costeira fluminense. Segundo Muehe et al. (2006), esse ponto divide os dois principais Macro-Compartimentos (MC) do litoral do Rio de Janeiro: MC Bacia de Campos e MC dos Cordões Litorâneos. Todos os possíveis geomorfossítios têm suas feições abordadas em trabalhos anteriores, potencial para geoturismo e precisam ser geoconservados.

Figura 1: Geodiversidade geomorfológica do núcleo Atalaia-Dama Branca

Nível 1 de detalhamento. Mapa elaborado pelas autoras. Classificação adaptada de Figueiredo (2015) e Fernandez et al. (2017)

Figura 2: Geodiversidade geomorfológica no núcleo Atalaia-Dama Branca

Nível 2 de detalhamento. Mapas elaborado pelas autoras. Classificação adaptada de Figueiredo (2015) e Fernandez et al. (2017).

Figura 3: Pressão Antrópica

Nos arredores arredores e dentro do Núcleo Atalaia-Dama Branca

Figura 4: Potenciais locais de interesse geomorfológico

Fonte 4A: www.cabofrioturismo.com.br; Fonte 4B: www.folha1.com.br; Fonte 4C: IBGE; Fonte 4D1 e 4D2: LAGEF - UFF; Fonte 4E: www.criatives.com.br

Considerações Finais

A grande variedade de dunas costeiras somada aos outros elementos de diversidade abiótica presentes no Núcleo Atalaia-Dama Branca conferem a este núcleo do PECSOL a característica de detentor de uma alta geodiversidade geomorfológica. Esta riqueza, com forte valor científico/ educacional e, às vezes, estético, podem ser usadas para práticas de geoturismo, como ocorre no Pontal do Atalaia em Arraial do Cabo; mas ainda pouco explorado no caso da Dama Branca, em Cabo Frio. Como categoria parque, este é um dos usos incentivados. O reconhecimento de geomorfossítios e suas potencialidades é um caminho para a implementação do uso indireto do parque voltado para este modelo de turismo. Além disso, a pressão antrópica na área de estudo demonstra a necessidade de implementação de medidas de geoconservação e maior fiscalização por parte do INEA, responsável pela gestão do parque. Percebe-se que apenas o estabelecimento de uma unidade de conservação não garante a manutenção destes elementos. Desta forma, a população precisa compreender a importância da geodiversidade para evitar a sua degradação. Para isso é necessária ampla divulgação a partir de atividades de educação ambiental com a comunidade local, unindo escolas, universidades, guarda-parques, INEA e prefeituras.

Agradecimentos

Referências

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