Autores

Barbosa, D.R. (UNESA - RJ)

Resumo

O conceito de Geodiversidade vem cada vez mais sendo considerado nos estudos científicos no Brasil e, dentro desse contexto, ganha destaque o Patrimônio Geomorfológico observado no Parque Estadual da Pedra Branca, no Rio de Janeiro. O objetivo desse trabalho foi analisar os seis geomorfossítios que podem ser observados no sul do Parque e que foram descritos e analisados através da análise bibliográfica e trabalhos de campo, com discussão de sua evolução, atuais usos e impactos ambientais predominantes.

Palavras chaves

Geomorfossítios; Patrimônio Geomorfológico; Parque Estadual da Pedra Branca

Introdução

De acordo com Brilha (2005), a geodiversidade fundamenta-se na diversidade de ambientes e elementos geológicos (rochas, minerais, fósseis), geomorfológicos (geoformas-formas da superfície terrestre, produzidas por feições geológicas e geomorfológicas) e pedológicos, incluindo as suas inter-relações que dão origem às paisagens, que servem de suporte à vida no Planeta Terra. A segunda metade do século passado foi fundamental para a evolução das preocupações ambientais e a busca pela conservação dos recursos naturais. E Gray (2004) apresentou uma proposta de valorização da Geodiversidade, colocando-a como um contraponto teórico à Biodiversidade, mas indicando que as duas fazem parte de um conjunto ambiental maior. Parte dos elementos constituintes da geodiversidade e que são representativos da história e evolução do planeta Terra, na forma de paisagem, fazem parte dos patrimônios geológico e geomorfológico. O primeiro termo é entendido como a reunião de geossítios cientificamente levantados e caracterizados numa determinada área ou região e reúne os componentes de relevantes ou notáveis que constituem a geodiversidade. Nesse caso, o legado inclui os patrimônios paleontológico, mineralógico, geomorfológico, hidrogeológico, dentre outros (BRILHA, 2005). O patrimônio geomorfológico pode ser definido, de forma mais simplificada, como a reunião das formas de relevo a que um determinado valor pode ser atribuído e são organizados em sítios geomorfológicos ou geomorfossítios. O Parque Estadual da Pedra Branca localiza-se na parte central da Cidade do Rio de Janeiro e foi criado pela lei estadual nº 2.377, de 28 de junho de 1974, com aproximadamente doze mil hectares. A unidade de conservação abrange parte dos bairros das Zonas Oeste e Norte da Cidade e busca preservar a rica biodiversidade e os ecossistemas naturais nela contidas, bem como mananciais que abastecem parte da população da cidade. A diversidade biológica da Mata Atlântica, bioma predominante do Parque Estadual, vem sendo documentada, na história recente, em trabalhos acadêmicos, científicos e institucionais, como é o caso de Santos (2010), Brasil (2010), Galinho-Leal e Camara (2005) e Ilha et al (2013). O usufruto do parque é bastante estimulado e orientado, uma vez que conta com atributos paisagísticos e ecológicos, como trilhas, cachoeiras, nascentes e montanhas, atrativos histórico-culturais, como a capela de São Gonçalo do Amarante, construída em 1625 por Gonçalo Correia de Sá. Sua história acompanha a expansão urbana da Cidade do Rio de Janeiro. Os trabalhos com discussão sobre a sua geodiversidade têm sido desenvolvidos ao longo dos anos, muitas vezes associados aos atrativos turísticos de grande apelo histórico-paisagístico ou de sistematização geográfica (SIG), como aqueles presentes nos trabalhos de Pereira (2010) e Santos (2014). O Parque apresenta um grande patrimônio geomorfológico que precisa de estudos detalhados e sistematização dos trabalhos, no sentido de servir de subsídios para o seu mapeamento, planejamento e publicitação dos dados. Dentro desse contexto, o objetivo desse trabalho é analisar o Patrimônio Geomorfológico do trecho sul do Parque Estadual da Pedra Branca, na cidade do Rio de Janeiro.

Material e métodos

A metodologia adotada no presente trabalho consistiu em etapas fundamentais. Em primeiro momento, foi realizado um levantamento bibliográfico com a discussão conceitual sobre geodiversidade, Patrimônios Geológico e Geomorfológico, Exploração turística e informações sobre o Parque Estadual da Pedra Branca. Na segunda fase, foram realizados trabalhos de campo, onde as visitas permitiram a identificação e mapeamento, com uso do sistema de posicionamento global (GPS), dos principais geomorfossítios e seu registro fotográfico. Nessa fase, as entrevistas informais com turistas, proprietários e guias locais, bem como reuniões com pesquisadores da localidade serviram de subsídios para as pesquisas científicas. Os trabalhos de campo aconteceram em anos subsequentes. Em 2015, os meses de maio e junho serviram para as discussões acadêmico-pedagógicas com turmas da disciplina de Geologia, das instituições Estácio de Sá (UNESA-RJ) e Fundação Educacional Unificada Campograndense (FEUC), onde a pesquisadora ministra aulas, nos respectivos cursos de Geografia. No final do mesmo ano, as visitas técnicas aconteceram em setembro e dezembro, no sentido de obter registros fotográficos e confirmação dos dados de substrato geológico e evolução geomorfológica local, após a análise dos trabalhos de Silva e Cunha (2001), GERJ (1965) e Dantas (2000). Os trabalhos de campo pedagógico-acadêmicos de abril de 2016 e maio de 2017 contribuíram para a consolidação dos conhecimentos do patrimônio geomorfológico e serviram de base para esse estudo científico. Novamente, no gabinete, o mapeamento de geomorfossítios, com uso do Google Earth, bem como a reunião de dados estatísticos e analise final formaram a última etapa do trabalho científico.

Resultado e discussão

Parque Estadual da Pedra Branca apresenta uma grande geodiversidade, marcada por um conjunto rochoso composto de granitos e gnaisses (entrecortados por rochas básicas, como o diabásio, basalto e gabro), predominantemente, com idades e estruturas diversas. Essa diversidade revela um passado geológico moldado pela colisão de placas tectônicas, com a formação do supercontinente Gondwana, e por sua posterior separação e consequente abertura do oceano Atlântico. As rochas que compõem o trecho sul do Parque Estadual da Pedra Branca são representadas por alguns corpos plutônicos associadas aos estágios evolutivos do Arco Magmático Rio Negro. Com o Mapa Geológico de Silva e Cunha (2001) e GERJ (1965) é possível identificar, no trecho sul-oeste, a presença de um conjunto rochoso que data do Período Cambriano (Paleozóico). São Granitóides pós- tectônicos formados por (Hornblenda)-biotita que ocorrem como corpos tabulares, diques, e pequenos batólitos cortando as rochas regionais (Figura 01). Em sua porção sul-leste, há os ortognaisses da Unidade Rio Negro (Formação Rio Negro), que datam do neoproterozoico, bandados, que sofreram intrusões de basaltos e gabros, na forma de diques (associados a um sistema de fraturas com direções NE-SW e NW-SE). Através do Mapa Geomorfológico, presente no trabalho de Dantas (2000), é possível destacar dois sistemas de relevo no trecho pesquisado: Relevos de Degradação em áreas de Montanha e de Agradação Litorâneo. O primeiro caso é representado pelo próprio Pedra Branca, que é um Maciço Costeiro, que apresenta relevo montanhoso, acidentado, localizado em meio ao domínio das baixadas e planícies costeiras. Suas vertentes são predominantemente retilíneas a côncavas e escarpadas, onde a altitude pode alcançar até 350m. Os cumes mais pronunciados estão nos Morros de Guaratiba (355m), Guaratiba-Mirim (331m), São João da Mantiqueira (266m), do Grumari (224m), onde as encostas apresentam a ocorrência de colúvios e depósitos de tálus, solos rasos e afloramentos de rocha. Os relevos de agradação são representados pelas planícies costeiras e colúvio- alúvio-marinhas. As primeiras estão localizadas a leste das encostas do maciço montanhoso, formando superfícies suborizontais recobertas por sedimentos arenosos gerados pela sedimentação marinha, de Idade Quaternária. São exemplos, as praias de Búzios (ou das Conchas), do Perigoso, do Meio, Funda e do Inferno, separadas pelos costões rochosos da área montanhosa. No oeste do Maciço da Pedra Branca, é possível observar a planície colúvio- alúvio-Marinhas, em superfícies subhorizontais, formando terrenos argilo- arenosos de baixada de Guaratiba. Esses terrenos mal drenados são cortados pelos rios João Correia e do Portinho e os canais do Bacalhau, do Piracão, do Portinho e da Varzinha e prolonga-se em direção à Restinga da Marambaia. O trinômio Geodiversidade, Geoturismo e Geoconservação está em voga no atual contexto mundial e os estudos que abordam essa temática são relevantes e necessários para um planejamento turístico mais eficaz. No Parque Estadual da Pedra Branca, o turismo que explora as riquezas da geodiversidade têm crescido nos últimos temos, com visitas a geomorfossítios importantes, como é o caso das Praias do Perigoso e das Conchas, bem como as áreas elevadas representadas pelas Pedras do Telégrafo e da Tartaruga (Figura 02). A partir da Praia de Barra de Guaratiba, é possível acessar o Morro homônimo, a partir da Rua Chico Buarque de Holanda. Nesse lado da encosta do Maciço da Pedra Branca, a população tem ocupado de forma desordenada, destruindo a vegetação de grande porte, mas, doravante, a subida pelo terreno permite uma visão ampla da Restinga de Marambaia, uma extensa faixa arenosa, composta por trechos de floresta atlântica, manguezais e restingas, resultando em uma fisionomia única. De acordo com Carelli et al (2011), esse geomorfossítio é um cordão litorâneo com mais de 40 quilômetros de comprimento, que, após sucessivos eventos eustáticos pré e pós Holocênicos Superior, formou a baía de Sepetiba. Após a subida de aproximadamente 300m em direção ao Morro de Guaratiba, é possível visualizar mais um geomorfossítio, representado pela baixada de Guaratiba, uma planície costeira e colúvio-alúvio-marinha, protegida pela Reserva Biológica Estadual de Guaratiba, que guarda importante remanescente de manguezal. A poluição dos cursos d´agua e da Baía de Sepetiba têm sido fundamentais para a degradação desse ecossistema, assim como o avanço da urbanização e especulação imobiliária em sua direção (Figura 03). Caminhando 50m para sul é possível alcançar o topo do Morro de Guaratiba, que também é conhecido como Pedra do Telégrafo, possivelmente pelo fato de ter recebido, durante a Segunda Guerra Mundial, um posto avançado, com rádio, para observação de submarinos inimigos e prevenção de ataques às embarcações brasileiras (Ilha et al, 2013). O bloco rochoso é bem alcantilado, de difícil ascensão, muito utilizado pelos praticantes do geoturismo para registros fotográficos. A Rua Chico Buarque de Holanda também permite o acesso a face sudeste do setor geográfico, onde é possível encontrar importantes componentes da geodiversidade local, como as praias das Conchas e Perigoso, bem como a Pedra da Tartaruga, seguindo pela trilha ecológica da Praia do Perigoso. A Pedra da Tartaruga é composta por uma elevação, na forma do animal homônimo, cujo substrato é um ortognaisse de granulação grossa e com texturas porfiríticas recristalizadas, compondo um cenário de 98m de altitude, que permite a observação das praias selvagens do entorno do Parque e com espaço para a prática de rapel. Por sua vez, a Praia do Perigoso é cercada por ortognaisses e apresenta um fundo arenoso, de granulação fina, formando uma enseada de águas calmas e transparentes e íngremes costões rochosos que convidam à prática do banho e lazer. Nesse cenário, destaca-se a praia dos Corais (ou das Conchas), onde parte do sedimento arenoso dá lugar à uma intrusão basáltica entre os ortognaisses da Unidade Rio Negro, criando um geomorfossítio propício para as discussões de formações geológicas, diferenças litológicas e tempo geológico, nas aulas de Geociências das universidades locais, mas que ainda não foi documentado em estudos sistemáticos de Geologia, dado ao seu caráter pontual. O contato entre as rochas félsicas, dos gnaisses, com aquelas de coloração máficas, representadas por basaltos, diabásios e gabros, bem como as intrusões de quartzo e feldspato, na forma de largos e extensos diques, criam um cenário de boa geodiversidade local (Figura 04). De acordo com Silva e Castro (2015), a trilha ecológica da Praia do Perigoso, que dá acesso aos geomorfossitios descritos, vem recebendo, cada vez mais, um maior número de visitantes, atraídos principalmente pelo acesso às praias ainda não urbanizadas na cidade do Rio de Janeiro. A beleza cênica, a tranquilidade e a possibilidade de prática de diversas atividades esportivas e de lazer fazem do local, um ponto de atração para moradores de diversas regiões da cidade e até do exterior. O intenso e recorrente uso da trilha, somado aos fatores geoambientais (solo, precipitação, vegetação e flora) têm acarretado em uma série de impactos negativos no seu uso, sobretudo na formação e intensificação da compactação do solo, aprofundamento de sulcos e ravinamentos.

Vista superior da planície costeira e colúvio- alúvio-marinha de Guaratiba


Geodiversidade da Praia dos Corais


Localização do trecho sul do Parque Estadual da Pedra Branca e geologia local. Adaptado de GERJ (1965)


Geomorfossítios do sul do Parque. Adaptado de PCRJ (2013)

Considerações Finais

Ao longo das últimas décadas, o termo Geodiversidade tem ganhado notoriedade, e vem sendo utilizado com o objetivo de integrar os recursos abióticos na abordagem da natureza. Dentro desse contexto, tem crescido os estudos sobre o Patrimônio Geológico do Brasil, com destaque para a discussão do Patrimônio Geomorfológico no entorno dos Maciços Costeiros da Cidade do Rio de Janeiro. A partir da segunda metade do século passado, tem crescido as ocupações irregulares das favelas nas encostas inclinadas, inadequadas à edificação, e que tem sido agente promotor de incidentes associados aos escorregamentos de pequena e grande magnitude, nos maciços cariocas. O avanço da degradação das encostas dos Maciços costeiros do Rio de Janeiro serviu de elemento incentivador para a criação de unidades de conservação e constantes movimentos de fiscalização de suas encostas, no sentido de promover a sua proteção jurídica e socioambiental. A criação do Parque Estadual da Pedra Branca tem buscado a proteção de sua geodiversidade e esse trabalho buscou analisar os diferentes geomorfossitios do setor de Praias do Parque Estadual e, dentro desse contexto, identificou-se as características gerais quanto à sua origem, ao desenvolvimento e às fragilidades ambientais. O crescimento do geoturismo na Unidade de Conservação, sobretudo em sua porção sul, entre os bairros de Barra de Guaratiba e Vargem Grande tem sido baseado, predominantemente, no uso de trilhas estreitas e sem proteção contra os riscos

Agradecimentos

Referências

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