Autores
Leibão, P.C. (UFRJ) ; Silva, T.M. (UFRJ)
Resumo
A Geografia abrange conhecimentos que se dividem entre a chamada Geografia Física e a Geografia Humana. Tal subdivisão é visível na literatura acadêmica, nos cursos de formação de professores, nos livros didáticos e, por conseguinte, no imaginário dos alunos. No entanto, é necessário que o conhecimento geográfico não seja parcelado, a fim de garantir análises geográficas mais reais e, assim, garantindo aos alunos da educação básica uma melhor compreensão do espaço geográfico. Para tanto, recorreu-se a confluência do conhecimento geográfico na vertente chamada de Geomorfologia Urbana e, em especial, à paisagem da capital fluminense como exemplo de recurso didático e meio de se integrar este conhecimento. Foram propostos roteiros de atividades de campo, elaborados a partir da adaptação da metodologia de Pereira (2006), como práticas pedagógicas que ajudem na superação dessa dicotomia, bem como facilitem a compreensão dos fenômenos geográficos.
Palavras chaves
Geomorfologia urbana; Ensino de Geografia; Rio de Janeiro
Introdução
Superar a dicotomia entre Geografia Física e Geografia Humana é, ainda hoje, necessário. Tal dicotomia está presente em cursos de licenciatura, trabalhos acadêmicos e científicos, livros didáticos e, logo, no imaginário dos alunos do ensino básico (GERVASI, 2013). É inegável, pois, a ânsia por mais integração e diálogo entre as áreas de concentração da Geografia para evitar o parcelamento do conhecimento. Em vista disso, resgatou-se uma ideia da Geografia (urbana) francesa. Segundo Abreu (1994), a Geografia francesa dizia que a natureza prepara o sítio e o homem o organiza para que este permita responder a seus desejos e necessidades. Assim, entende-se que a Geografia urbana deveria se preocupar com o sítio das cidades que, modificado pela ação humana, tornava-se o principal elemento conceitual do estudo urbano. Deste modo, a cidade se torna o palco de exibição da superioridade da vontade humana sobre o jugo ambiental (ABREU, 1994). Pode-se ver que nem sempre houve separação no conhecimento geográfico, tendo esses estudos coligado informações sobre a morfologia do terreno e a organização espacial das cidades. Nessa perspectiva, este trabalho exibirá propostas de roteiro de campo para o ensino da Geografia que focam na morfologia do sítio da capital fluminense e conjugam-na com seu processo de urbanização, utilizando o cenário urbano do cotidiano de alunos como recurso didático e fonte de explicação e conhecimento. A importância do ensino de geomorfologia em áreas urbanas Geomorfologia urbana é uma subdivisão da geomorfologia que destaca a ação dos processos sobre um ambiente artificial (JORGE, 2011), combinando geologia ambiental, formas do relevo e processos geomorfológicos com a avaliação de impactos trazidos pela urbanização (GUPTA e AHMAD, 1999). É necessário explorar essa parte da geomorfologia devido “à preocupação com as diversas mudanças que o homem tem provocado no ambiente, já que grande parte dos problemas enfrentados pela sociedade refere-se a problemas visíveis nas cidades” (JORGE, 2011, p. 117). Ab’Saber (2007) ressalta que soluções urbanísticas renderam à cidade de São Paulo uma série de viadutos, ladeiras, túneis e escadarias como estratégias para se adaptar às colinas típicas da capital paulistana. No caso do Rio de Janeiro, a expansão urbana se deu à custa de mangues aterrados com lixo, desmonte de morros e alagados drenados (GALVÃO, 1992), que representaram uma “forma inicial de superação de barreiras físicas à conquista de novos espaços, sistema que viria a se perpetuar como estratégia usual do crescimento urbano” (op. cit.). É preciso frisar que muitas cidades no Brasil, sobretudo as inseridas no Planalto Atlântico Sul, não encontram espaço suficiente para se expandirem, uma vez que são compostas por morros mamelonares e maciços montanhosos acidentados (AB’SABER, 2007). Essa configuração morfológica, aliada a expansão urbana, submete muitas cidades a situações de perigo, ampliando a instabilidade das encostas, enchentes, subsidência de terra, etc., podendo levar a perdas materiais e de vidas humanas (GUPTA e AHMAD, 1999). Assim, o ensino de geomorfologia urbana apresenta-se como importante ferramenta de conscientização das características e condicionantes geomorfológicos a que as áreas urbanas estão sujeitas. Não se trata de incorporar um novo conteúdo à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), mas de integrar conteúdos que se apresentam isoladamente. Ao fazer isso, o professor contribui para atingir objetivos do ensino de Geografia previstos tanto na BNCC (BRASIL, 2017) quanto nos Parâmetros Curriculares Nacionais da educação básica. A junção dos estudos do meio urbano e meio natural, sociedade e natureza, “trás a geografia a retomada do seu objeto, sob foco metodológico mais definido e consistente, constituindo mesmo questão epistemológica de fundamental importância para o seu fortalecimento como ciência” (GALVÃO, 1992, p.15). Cabe aos professores colocá-la em prática.
Material e métodos
Para a elaboração dos roteiros de campo aqui propostos foram realizadas duas etapas distintas e complementares entre si: etapas de gabinete e etapas de campo. Em gabinete foi feita uma seleção preliminar de locais que poderiam vir a compor os roteiros de campo, levando-se em conta três parâmetros: ser uma geoforma representativa, sendo, um bom exemplar de feições morfológicas e/ou processos geológico-geomorfológicos; possuir visão panorâmica, contribuindo para trabalhar elementos vistos isoladamente e possibilitar uma discussão físico- ambiental de maneira integrada; ser uma Unidade de Conservação reconhecida pela administração municipal, estadual ou federal, resguardando-nos com infraestrutura de apoio, bem como contando com efetivo técnico capaz de acrescentar qualitativamente aos temas abordados junto aos alunos em campo. Juntamente com a seleção preliminar desses locais foi feito um levantamento, em artigos científicos e sites da internet de dados secundários, referentes a informações sobre localização, acessibilidade, horário de funcionamento, história do lugar, processos físico-ambientais e interações com processos de ocupação e crescimento da cidade do Rio de Janeiro, mapas temáticos e imagens do local. Tais informações foram de extrema relevância, uma vez que balizaram as avaliações e, por conseguinte, a decisão pela inclusão ou exclusão de determinadas localidades nos roteiros propostos. Uma vez de posse dessas informações, foram realizados dois trabalhos de campo, nos dias 7 de Outubro e 2 de Novembro de 2016, para checagem das informações levantadas em gabinete e para realizar coleta de informações, posteriormente inseridas nas fichas de avaliação dos locais de interesse geomorfológico da cidade do Rio de Janeiro. As fichas de avaliação dos locais de interesse geomorfológico da cidade do Rio de Janeiro perfazendo um total de vinte informações, a saber: autor, data, local, referência, tipo de local (isolado, área ou panorâmico), tema principal, temas agregativos, localização, valor (científico, ecológico ou cultural), acessibilidade, visibilidade, deterioração, condições de segurança, síntese, ilustrações, caracterização geobiofísica, usos atuais e horário de funcionamento, estatuto legal, ocupação e equipamentos e parecer final. Uma vez tendo todas as informações necessárias tendo sido coletadas e as fichas avaliativas tendo sido preenchidas para cada uma das localidades visitadas, chegou-se aos dois roteiros de campo que serão apresentados a seguir.
Resultado e discussão
As informações levantadas em gabinete e em campo foram responsáveis pelo
preenchimento das fichas de avaliação de cada localidade, a partir de cada
elemento avaliado como o modelo apresentado nos quadros 1 e 2 e geraram dois
roteiros de campo por duas áreas distintas da cidade do Rio de Janeiro: Zona
Oeste (Figura 1) e Zona Sul (Figura 2).
Ambos os roteiros de campo contam com pontos de parada estratégicos que auxiliam
na visualização e compreensão de feições e processos geomorfológicos (e.g.
lagoas costeiras, cordões arenosos, processos erosivos, deslizamentos de
encosta, etc.), bem como sua coligação com questões urbanas e ambientais, a
partir da análise da paisagem da cidade do Rio de Janeiro, contexto urbano em
que milhares de alunos da educação básica estão inseridos.
O primeiro roteiro de campo elaborado corta parte da Zona Oeste da cidade
(Figura 1). Para este roteiro foram selecionados sete localidades com potencial
de observação de feições e processos geomorfológicos e questões urbanas e
ambientais correlatas:
1. Santuário Nossa Senhora da Penna;
2. Parque Estadual da Pedra Branca – Morro Dois Irmãos de Jacarepaguá;
3. Mirante da baixada de Sepetiba e Restinga da Marambaia;
4. Parque Natural Municipal da Prainha;
5. Mirante do Roncador;
6. Laje do Pontal;
7. Parque Natural Municipal Marapendi.
Com relação ao roteiro proposto para a Zona Oeste do Rio de Janeiro, cabe
destacar que este corta os bairros de Jacarepaguá, Guaratiba, Grumari e Recreio
dos Bandeirantes, abrangendo as baixadas de Jacarepaguá e Sepetiba. Posto isso e
dadas as distâncias entre os pontos de parada, o percurso total e a duração dos
trajetos em condições normais de trânsito, torna-se inviável a realização deste
roteiro de campo sem o uso de veículo(s) automotivo(s). O quadro 3 apresenta a
distância e a duração do percurso entre os pontos e a distância e duração total
do percurso.
Quadro 3: Distância e tempo de duração dos percursos entre os pontos de parada e
distância e tempo de duração total do percurso (Zona Oeste).
PONTOS DE PARADA DISTÂNCIA DURAÇÃO (automóvel)
N.S. da Penna até 9,7 Km 30 min.
Morros Dois Irmãos
de Jacarepaguá
Morros Dois Irmãos 28,2 Km 50 min.
de Jacarepaguá até
Mirante da Baixada
de Sepetiba e Marambaia
Mirante da Baixada de
Sepetiba e Marambaia 8,5 Km 17 min.
até PNM Prainha
PNM Prainha até 900 m 03 min.
Mirante do Roncador
Mirante do Roncador 2,3 Km 05 min.
até Laje do Pontal
Laje do Pontal até 4,1 Km 08 min.
PNM Marapendi
Total: 53,7 Km Total: 1h 53 min.
O segundo roteiro de campo elaborado corta parte da Zona Sul do município do Rio
de Janeiro. Este conta com quatro pontos de parada para visitação, compondo uma
proposta de roteiro curto e que pode ser realizado a pé (Figura 2). O quadro 4
apresenta a distância e a duração dos percursos.
As quatro localidades selecionadas apresentam potencial de observação de feições
e processos geomorfológicos e questões urbanas e ambientais correlatas:
1. Parque da Catacumba (Mirante do Sacopã ou Mirante do Urubu);
2. Lagoa Rodrigo de Freitas;
3. Canal do Jardim de Alá;
4. Mirante do Leblon.
Quadro 4: Distância e tempo de duração dos percursos entre os pontos de parada e
distância e tempo de duração total do percurso (Zona Sul).
PONTOS DE PARADA DISTÂNCIA DURAÇÃO (a pé)
Mirante do Sacopã 350 m 05 min.
até Mirante do
Urubu
Mirante do Urubu 875 m 15 min.
até Lagoa Rodrigo
de Freitas
Lagoa Rodrigo de 2,1 Km 30 min.
Freitas até Canal
do Jardim de Alá
Canal do Jardim 1,7 Km 25 min.
de Alá até Mirante
do Leblon
Total: 5,025 Km Total: 1h 15 min.
Modelo de ficha de avaliação de locais de interesse geomorfológico. Adaptado a partir da proposta de Pereira (2006).
Continuação do modelo de ficha de avaliação de locais de interesse geomorfológico. Adaptado da proposta de Pereira (2006).
Proposta de campo pela Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro.
Proposta de campo pela Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro
Considerações Finais
Essa pesquisa buscou fomentar práticas pedagógicas que valorizem as experiências e o espaço vivido dos alunos baseada na observação e análise da paisagem urbana. No que concerne às experiências e o espaço vivido dos alunos, muitos são os trabalhos que ressaltam sua necessidade e que a valorizam no processo de ensino- aprendizagem. Nesse sentido, a opção por trabalhos de campo em meio urbano dialoga com o cotidiano de alunos que vivem nas cidades brasileiras e que, mesmo ainda não tendo adquirido o conhecimento teórico sobre os diversos fenômenos físico-ambientais e sociais que os cerca, observam-nos e vivenciam-nos no dia-a- dia. No que tange o trabalho de preparação do professor, cabe destacar que a metodologia utilizada para elaborar os roteiros de campo da Zona Oeste e Sul do Rio de Janeiro é capaz de ser aplicada em qualquer área e não se restringe ao conhecimento da disciplina de Geografia. Espera-se, portanto, que essa metodologia possa servir como um balizador, ou mesmo como um guia, na preparação de trabalhos de campo, facilitando o trabalho docente e, consequentemente, estimulando a realização de atividades pedagógicas para além dos muros das escolas. Esclarecemos que os roteiros apresentados são parte da pesquisa de mestrado da primeira autora, e que até o presente ainda não foram executados com alunos da educação básica, bem como de uma avaliação discente a fim de se verificar o aproveitamento da atividade, por parte dos alunos.
Agradecimentos
Referências
ABREU, M. A. O estudo geográfico da cidade no Brasil: Evolução e avaliação. Contribuição à História do Pensamento Geográfico Brasileiro. Revista brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, 56 (1/4): 21 · 122, jan./dez. 1994
AB’SABER, A. Geomorfologia do Sítio Urbano de São Paulo. Edição fac – similar – 50 anos. São Paulo: Ateliê editorial, 2007. 360p.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Geografia. (3º e 4º Ciclos do Ensino Fundamental). Brasília: MEC, 1998.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília. MEC, 2006.
GALVÃO, M. C. C. Focos sobre a questão ambiental no Rio de Janeiro. In: ABREU, M. A. (Org). Natureza e sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1992. p. 13 – 26.
GERVASI, A. T. S. A ruptura da dicotomia entre a Geografia Física e Humana: O entorno escolar e suas unidades de paisagem na construção dos arranjos espaciais. In: Secretaria de Estado da Educação do Paraná (Org.). Os desafios da escola pública paranaense na perspectiva do professor pde: Produções Didático-Pedagógicas. Paranaguá: Governo do Estado do Paraná, 2013. p. 21.
GUPTA, A.; AHMAD, R. Geomorphology and the urban tropics: building an interface between research and usage. Geomorphology, Amsterdã, n. 31, p. 133 – 149, 1999.
JORGE, M. C. O. Geomorfologia Urbana: Conceitos, Metodologias e Teorias. In: GUERRA, A. J. T. (Org.). Geomorfologia Urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. p. 117 – 145.
PEREIRA, P. J. S. Património geomorfológico: conceptualização, avaliação e divulgação. Aplicação ao Parque Natural de Montesinho. Minho (Portugal), 395p. Tese (Doutorado em Geologia) – Escola de Ciências, Universidade do Minho, 2006.