Autores
Silva, R.R. (UFC) ; Câmara, I.F. (UFC) ; Lima, K.S.F. (UFC) ; Pinheiro, L.S. (UFC)
Resumo
A ocupação do litoral cearense é crescente devido aos atrativos naturais e políticas públicas voltadas ao incentivo do turismo. Diante disso, o trabalho teve como objetivo mapear e quantificar a ocupação das falésias arenosas nas praias do litoral leste do Ceará de Morro Branco e Canoa Quebrada nos anos de 2004 e 2017. Foram utilizadas quatro imagens do satélite Landsat 8 nos anos de 2004 e 2017 das duas praias disponíveis no software Google Earth Pro. Foram feitos shapes poligonais para contabilizar a ocupação na base e no topo das falésias, utilizando o software QGIS 2.18. Os resultados em Morro Branco (2004) foram de um crescimento de 4,2% na ocupação do topo e redução de 9% na base. Em Canoa Quebrada, por sua vez, houve um crescimento de 110% da ocupação no topo e redução de 11% na base. Um resultado que mostra a importância da criação de unidades de conservação de proteção integral como ferramentas de preservação de ecossistemas e paisagens.
Palavras chaves
Voçorocas; Impermeabilização; Gestão Costeira
Introdução
A ocupação do litoral é crescente em todo o mundo, onde cerca de 50,7 milhões de brasileiros seguem a tendência mundial da população de ocupar áreas predominantemente próximas ao litoral e moram em municípios da zona costeira brasileira, o que representa 26,6% dos habitantes do País (IBGE, 2011). No Ceará, por sua vez, devido à presença de inúmeros atrativos naturais, como praias paradisíacas, falésias, dunas, recifes, manguezais e lagoas costeiras, além de uma adoção de políticas públicas voltadas ao incentivo do turismo realizada pelo governador Tasso Jereissati antes dos anos 2000, houve um aumento iminente da ocupação do litoral cearense. Os municípios de Beberibe e Aracati são localizados no litoral leste do Ceará a aproximadamente 85 km e 120 km, respectivamente, de Fortaleza. A partir da década de 1970, quando se implantou a CE-040, passou por um intenso crescimento demográfico (SEMACE, 2003). Diversos atrativos naturais, associados a uma forte política de promoção do turismo no Estado (CORIOLANO, FERNANDES, 2005, p. 400), contribuíram para que o fluxo de turistas via Fortaleza saltasse de 762 para 1,969 mil, entre 1995 e 2005, apresentando uma taxa média de crescimento anual de 11,7% e, com isso, uma evolução rápida da ocupação litorânea cearense. Devido à crescente ocupação, em 1997 foi criada a Área de Proteção Ambiental de Canoa Quebrada através da Lei municipal Nº 40/98 que regulamenta a exploração e ocupação da região. Poucos anos depois, em 2004 foi criado o Parque Monumental das Falésias de Morro Branco, através do decreto Nº 27.461/2004 que estabelece uma unidade de conservação de proteção integral com o intuito de proteger e conservar as formações naturais do litoral cearense e contribuir para o uso e ocupação do solo em seus limites e em zona de amortecimento (SEMACE, 2017). As praias de Morro Branco e Canoa Quebrada compartilham das mesmas características climáticas, oceanográficas, geológicas e geomorfológicas. São conhecidas e caracterizadas pela presença de falésias vivas e campos de dunas em processo de fixação. As escarpas da região pertencem ao Grupo Barreiras, constituída de rochas semiconsolidadas, compostas de arenitos de coloração avermelhada e alaranjada, formadas no período do Quaternário entre o Plio e o Pleistoceno (MORAIS, SOUZA E COUTINHO, 1975; SUGUIO, 2003; MORAIS et al. 2006). Os perfis longitudinais das falésias apresentam trechos de paredes retilíneas, reentrâncias e pontas mais acentuadas. As falésias de Morro Branco diferem um pouco das falésias de Canoa Quebrada, pois apresentam quatro camadas com características texturais e estruturais próprias, segundo Morais, Sousa e Nóbrega (1975). Cada uma dessas camadas possui características particulares dentro do Grupo Barreiras. Os impactos da ocupação desordenada nessas feições geológicas podem ser divididos em dois: basal e subaéreo. Na região basal domina a erosão causada pelas ondas, marés e correntes. Na parte subaérea a erosão é regida pelo clima (pluviosidade, ventos e temperatura) e impermeabilização do solo. Com isso, o objetivo do trabalho foi mapear e quantificar a ocupação das falésias arenosas do Ceará nos anos de 2004 2017, nas praias de Morro Branco e Canoa Quebrada, fazendo um comparativo entre os impactos nas falésias das unidades de conservação de uso integral e sustentável. Esse trabalho é de suma importância, pois os impactos socioeconômicos e ambientais causados por ocupações e manejo irregulares são as principais estruturas de base para um planejamento ambiental adequado.
Material e métodos
Para obtenção dos resultados foram utilizadas imagens do satélite Landsat 8, disponível gratuitamente no software Google Earth Pro, no qual disponibiliza imagens com alta resolução (4.800 pixels). Dessa forma é possível contrastar mais detalhes, mesmo em uma boa altitude, distinguindo construções, trajetos de rios, espaços arborizados, voçorocas e mais pontos geoespaciais. Foram obtidas quatro imagens, duas da praia de Morro Branco, nos anos de 2004 e 2017, e duas da praia de Canoa Quebrada, também nos anos de 2004 e 2017. As imagens de 2004 foram selecionadas devido a disponibilidade do software ter imagens a partir deste ano. Além da criação da Unidade de Conservação de uso integral nas falésias de Morro Branco ocorrer em 2004 e após poucos anos da requalificação da zona urbana de Canoa Quebrada, que ocorreu em 2001. As imagens obtidas no Google Earth Pro foram georreferenciadas e processadas em um Notebook Dell com processador intel core i3 e sistema Windows 7, por meio do software QGIS 2.18 disponível gratuitamente para download. No QGIS foram feitos shapes poligonais no entorno da área urbana no topo, na base da falésia e ao redor do voçorocamento nas duas praias, identificando e quantificando a ocupação com auxílio da ferramenta ‘régua’, a ocupação em hectares. Devido às áreas de estudo serem pequenas (escala de 1:9000 em Morro Branco e 1:12000 em Canoa) não houve um detalhamento na ocupação, sendo identificado toda a malha urbana do local, representado por casas, ruas, pousadas, restaurantes, barracas de praia, praças, entre outros tipos de ocupação urbana, no topo da falésia e nas dunas fixas adjacentes.
Resultado e discussão
A taxa de ocupação em Morro Branco em 2004 era de 2,9 hectares na base das
falésias, distribuída desde as proximidades do Parque Monumental das
Falésias, recém-criado na época, até as barracas de praias, localizadas na
parte oeste da praia. No topo, a ocupação representava cerca de 38,72
hectares. Em 2017, a ocupação na base passou para 2,27 hectares, reduzindo
9% em relação à 2004, e no topo de 40,39 ha um crescimento de 4,2% em
comparação à 2004.
Isso ocorreu devido, principalmente, a dois motivos: O primeiro foi a
criação da unidade de conservação de proteção integral do Monumento Natural
das Falésias de Morro Branco, que dificultou a construção e expansão de
edificações no local e, os graves problemas de erosão que o município de
Beberibe vêm apresentando nos últimos anos, como nas praias de Parajuru e
Morro Branco, que atingem residências, barracas de praias e hotéis mais
próximos à região de espraiamento, culminando no recuo e diminuição de área
construída das edificações erguidas.
Além disso, em 2004, as falésias apresentaram maiores processos de
degradação, como a presença de grandes voçorocas comparando-se ao ano de
2017. Isso ocorreu devido ao grande fluxo desordenado de turistas,
circulação de veículos nas dunas acima das falésias, responsáveis em grande
parte pelo processo de compactação do solo na região e influenciando o
escoamento superficial. Ademais, a própria exploração dos moradores sem
precedentes de recursos constituintes das falésias para a confecção de
artesanato era recorrente.
Em Canoa Quebrada, por sua vez, a ocupação na base da falésia em 2004 foi de
0,57 hectares, constituída, em sua grande maioria, por barracas de praia. No
topo, a área ocupada chegava a 43,59 hectares. Entretanto, diferentemente,
do que aconteceu em Morro Branco, as falésias de Canoa Quebrada não foram
incluídas em uma unidade de conservação de proteção integral. Em vez disso,
foi adotado o sistema de Área de Proteção Ambiental que “É uma unidade de
conservação que pretende regular a exploração e ocupação da região. Sua
extensão vai de Porto Canoa à foz do Rio Jaguaribe” (SEMACE 2017).
Diante desse cenário, pôde-se observar um grande aumento na ocupação da
parte superior das falésias, incentivado indiretamente pelo município de
Aracati, principalmente no início dos anos 2000, onde houve um grande
incentivo a políticas públicas em Canoa Quebrada, a exemplo do
estabelecimento de fiação elétrica, calçamentos e centros de apoio ao
turista.
Essas atividades proporcionaram um maior fluxo de turistas para a região,
resultando em uma taxa de ocupação de 91,72 hectares no topo das falésias, o
que representa um aumento de 110,4% em relação a 2004. Na base das falésias,
por sua vez, houve uma diminuição em 0,06 hectares e isso se deve a ordem
judicial que obriga a retirada de todas as barracas localizadas na base da
falésia devido aos riscos associados as construções na pós-praia e na base
da falésia.
Morro Branco e Canoa Quebrada participaram, portanto, de processos de
ocupações diferentes ao longo das últimas décadas. Isso se deu pelas duas
formas de proteção das falésias, pois a APA em Canoa Quebrada, apesar de
leis que regulamentam sua ocupação, não é eficaz para a preservação dos
ambientes dunares e de falésias, diferente de Morro Branco, onde a unidade
de conservação de proteção integral foi fundamental para a preservação de
uma paisagem importantíssima tanto do âmbito econômico quanto cultural.
Mapa da ocupação urbana na praia de Morro Branco em 2004.
Mapa da ocupação urbana na praia de Morro Branco em 2017.
Mapa da ocupação urbana na praia de Canoa Quebrada em 2004
Mapa da ocupação urbana na praia de Canoa Quebrada em 2017
Considerações Finais
Como foi observado em Morro Branco, houve um pequeno aumento de 4,3% na taxa de ocupação no topo das falésias, enquanto que em Canoa Quebrada esse percentual chegou a mais de 110%, justificando assim, a necessidade da criação de uma unidade conservação de proteção integral em Canoa Quebrada, com o intuito de evitar práticas que degradam o ecossistema, assim como era realizado em Morro Branco antes dos anos 2000 até 2004. Para isso acontecer, há a necessidade de adoção de práticas ambientalistas mais rígidas, entretanto, com um viés, também, econômico, uma vez que o turismo em Canoa Quebrada é a principal renda dos habitantes da região. Em Morro Branco, por sua vez, é necessário a instalação de passarelas em cima das dunas, assim como foi feito em Canoa Quebrada, para evitar o processo contínuo de compactação do solo e intensificação de voçorocas.
Agradecimentos
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); Laboratório de Oceanografia Geológica (LOG) - Labomar/UFC; Laboratório de Geologia e Geomorfologia Costeira e Oceânica (LGCO-UECE)
Referências
CORIOLANO, L. N. M. T. O ecoturismo e os hóspedes da natureza. In:
BARRETO, Margarida; TAMANINI, Elizabete. Redescobrindo a ecologia do
turismo. Caxias do Sul: Educs, 2005.
MORAIS, J. O; FREIRE, G. S.; PINHEIRO, L. S.; SOUZA, M. J. N.; CARVALHO, A. M.; PESSOA, P. R. S. (2006). In: Erosão e Progradação do Litoral Brasileiro. (Org.) MUEHE, D.; Ministério do Meio Ambiente (MMA).1ed. Rio de Janeiro, v.1, 132-134p.
MORAIS, J.O.; SOUZA, M.J.N.; COUTINHO, P.N. Contribuição ao Estudo Geomorfológico-Sedimentológico do Litoral de Beberibe (Ceará - Brasil). 1975. Arquivos de Ciências do Mar, 15 (2): 71 - 78. 1975.
SEMACE, Superintendência Estadual do Meio Ambiente. Área de Proteção Ambiental de Canoa Quebrada. Disponível em: <http://www.semace.ce.gov.br/2010/12/area-de-protecao-ambiental-de-canoa-quebrada/>. Acesso em: 27 de junho de 2017.
SEMACE, Superitendência Estadual de Meio Ambiente. 2017. Disponivel em: (http://www.semace.ce.gov.br/2010/12/monumento-natural-das-falesias-de-beberibe/. Acesso em: 29 de novembro de 2017.
SUGUIO, K. (2003). Tópicos De Geociências Para O Desenvolvimento Sustentável: As Regiões Litorâneas. Revista do Instituto de Geociências. USP. São Paulo. Geologia USP: Série Didática, v. 2, n. 1,. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/guspsd/article/view/45427/49039 >. Acesso: 03 de junho de 2016