Autores
Silva, R.R. (UFC) ; Lima, K.S.F. (UFC) ; Câmara, I.F. (UFC) ; Pinheiro, L.S. (UFC)
Resumo
Os níveis de vulnerabilidade física das falésias foram analisados em cinco setores da praia de Canoa Quebrada, no litoral leste do Ceará, com a finalidade de observar os processos erosivos naturais e antrópicos decorrentes da ocupação na região, por meio da metodologia de Mallmann & Araújo (2010). Foi utilizado como fatores de vulnerabilidade das falésias as condições morfológicas, os atributos naturais, a influência marinha, os processos costeiros e a influência antrópica. Os resultados obtidos indicam que as áreas de maiores vulnerabilidades coincidem com as áreas de maior urbanização, com destaque para o Setor 4 que apresentou percentual de 42% indicando uma vulnerabilidade muito alta. Sendo assim, é recomendado a aplicação de maior fiscalização para impedir as ocupações inadequadas, além de mais estudos relacionados ao tema para que haja um melhor manejo costeiro, preservando assim as falésias em decorrência de um desenvolvimento urbano sustentável.
Palavras chaves
Risco; Ocupação Urbana; Erosão Costeira
Introdução
As falésias são encostas escarpadas presentes em três quartos de litoral do mundo, formadas durante o Pleistoceno e Holoceno, principalmente nos últimos 6000 anos (BIRD, 2008). Sua composição está associada a rochas vulcânicas, calcárias, cristalinas (consolidado) ou depósitos sedimentares (semiconsolidado) (ROBINSON, 1977; SUNAMURA, 1992; SUGUIO, 2003). As falésias no Brasil estão associadas principalmente às regiões Nordeste e Sudeste, e sua ocorrência na costa nordestina está relacionada ao Grupo Barreiras, com idade geológica predominantemente Tércio-Quaternária, apresentando também afloramentos do Pré-Cambriano e do Cretáceo em alguns dos seus trechos (SUGUIO, 2003; MORAIS et al. 2006; ASSAD, 2010). Sua geomorfologia é caracterizada por relevos de “tabuleiro”, que se caracteriza por um topo plano e suavemente inclinado para o Oceano Atlântico e mais ou menos dissecado por vales fluviais de vertentes relativamente íngremes (Suguio, 2003; MORAES FILHO, 2011). São esculpidas quando a erosão marinha é mais intensa que a deposição, marcando o limite litorâneo da erosão em uma costa (GARRISON, 1942). Além da erosão marinha, estão presentes, a erosão subaérea, causada pela impermeabilização do solo somado a ação do clima, aumentando a velocidade das águas pluviais que deságuam no mar, erodindo o topo e as bordas das falésias sedimentares, criando sulcos, ravinas e alargando voçorocas. Como exposto anteriormente, o ambiente litorâneo é uma área muito dinâmica que sofre modificações por variáveis naturais e antrópicas. Além disso, é uma região que possui atrações cênicas cada vez mais procuradas por turistas, acelerando o crescimento urbano de praias antes consideradas vilarejos de pescadores. No litoral do Ceará, esse crescimento urbano teve um maior desenvolvimento na década de 70 com a realização de investimentos em infraestrutura viária, de serviços e comercial, promovendo uma maior concentração da população no litoral, aumentando a degradação ambiental em decorrência do desenvolvimento urbano. A praia de Canoa Quebrada, é um exemplo disso, localizada no município de Aracati, distante 130 km aproximadamente da capital no litoral leste do Estado do Ceará, nas décadas de 1960 e 1970 tornou-se um polo bastante atrativo para o movimento hippie da época (LEAL, 2003). Com o tempo a região foi se tornando mais turística e as ocupações inadequadas cresceram junto com a demanda que foi surgindo. Para conter os problemas os governos municipal e estadual implantaram uma Área de Preservação Ambiental (APA) que estende de Canoa Quebrada até a foz do rio Jaguaribe, cerca de 6.340 hectares (SEMACE, 2017). Além disso, em conjunto com a APA de Canoa Quebrada foi criado um plano de requalificação do povoado para mitigar as deficiências na infraestrutura e minimizar os impactos ambientais como a ocupação inadequada de barracas em espaço público de praia sem infraestrutura adequada, ocasionando poluição ambiental e visual, obstrução e destruição de falésias, aumentando a vulnerabilidade das mesmas (LEAL, 2003). A vulnerabilidade pode ser considerada como “o estado de fragilidade natural de determinada costa a eventos erosivos em curta ou longa escala temporal” (Lins-de-Barros, 2005). Considerando esse conceito de vulnerabilidade, as ocupações irregulares em cima e nas encostas das falésias, agravam o risco de vulnerabilidade, pois contribuem para a intensificação da erosão. O grau de vulnerabilidade de um ambiente litorâneo é abordado por Moura (2012), a partir do deslocamento da linha de costa, seu estado de equilíbrio e suas características. Com isso, este estudo expõe os níveis de vulnerabilidade das falésias em decorrência da erosão na praia de Canoa Quebrada frente aos processos do sistema praial e a ocupação antrópica na região. Diante disso, é notável que os processos tanto naturais como antrópicos modificam o ambiente costeiro influenciando no modelamento das falésias.
Material e métodos
A metodologia utilizada pretende entender melhor a vulnerabilidade física causada pela erosão que acontece nas falésias de Canoa Quebrada. Para isso, foi obtido dados sedimentológicos, morfológicos e oceanográficos coletados em campo no ano de 2016, e levados para processamento em laboratório. Além disso, foram feitas pesquisas bibliográficas para obter informações preexistentes que completassem os dados necessários. Os índices de vulnerabilidade foram obtidos por meio da metodologia proposta por Mallmann & Araújo (2010), segundo a qual as variáveis (quantitativas ou qualitativas) codificadas em pesos de 1 a 3 de acordo com o grau de vulnerabilidade que influenciam na erosão costeira, sendo organizadas em planilhas eletrônicas no software Excel®Microsof, onde é calculado os índices parciais de vulnerabilidade (IPV) e os índices globais de vulnerabilidade (IGV). No presente estudo, foram analisados cinco setores da linha de costa de Canoa Quebrada, escolhidos devido a sua característica e os diferentes níveis de ocupação. Os IPVs foram calculados por meio da Equação (1), a qual a raiz quadrada do produto das variáveis codificadas dividido pelo número de variáveis corresponde ao IPV. IPV = √(V1*V2*V3*...Vn/n) (1) Onde: IPV= índice parcial de vulnerabilidade V = variável n = número de variáveis Depois é integrado os IPVs no IGV por meio do seu somatório, como descrito na Equação (2). Em seguida, para poder expressar a vulnerabilidade em percentual, foram divididos os valores do IGV por um denominador comum, correspondente ao somatório dos valores máximos possíveis de cada IPV. IGV = Σ IPVs (2) Com o resultado dos índices parciais, foi calculado os quartis relacionando o nível de vulnerabilidade para cada um dos índices parciais: · O intervalo entre o valor mínimo e o primeiro quartil (25%) corresponde a baixo grau de vulnerabilidade; · O intervalo entre o primeiro quartil e o segundo quartil (50%) corresponde a moderado grau de vulnerabilidade; · O intervalo entre o segundo quartil e o terceiro quartil (75%) corresponde a alto grau de vulnerabilidade; · O intervalo entre o terceiro quartil e o valor máximo (100%) corresponde a muito alto grau de vulnerabilidade. A variáveis consideradas de acordo com Mallmann & Araújo (2010) com seus pesos e variáveis correspondentes.
Resultado e discussão
Os resultados da vulnerabilidade em Canoa Quebrada, foram maiores nos
setores 4 (42,27%), 2 (39,59%) e 3 (37,31%); e valores menores nos setores 1
(26,08%) e 5 (30,27%). Diante dos resultados apresentados, pode-se
depreender um índice de vulnerabilidade muito alto para o setor 4; alto para
o setor 2; moderado para o setor 3 e baixo para os setores 1 e 5.
O setor 1 é caracterizada por uma orla exposta, possui uma pós-praia com
largura média, maior que a dos demais setores, e uma inclinação moderada. O
diâmetro médio do grão é de areia média. Um atributo natural observado nessa
área foi a presença de dunas e cordões arenosos. Possui praia recreativa na
maré alta.
Além disso, foi o único setor que não possui indicadores de erosão e de
acumulação. A urbanização do beach front é considerada alta e é o único
setor em que o local onde a primeira faixa de construção está assentada na
praia, enquanto nos demais setores se localiza atrás da pós-praia.
O setor 2 é caracterizado por uma orla exposta, uma largura da pós-praia
estreita e uma inclinação suave, o diâmetro médio do grão é de areia grossa.
É o único setor analisado que dispõe de estruturas de proteção costeira do
tipo gabiões. A urbanização do beach front é considerada moderada e é neste
setor que está presente uma passarela no topo da falésia para minimizar os
impactos de pisoteamento.
O setor 3 é caracterizado por uma orla exposta, uma pós-praia com largura
estreita e inclinação suave, o diâmetro médio do grão é de areia grossa. A
urbanização do beach front é considerada baixa.
O setor 4 é caracterizado por uma orla exposta, uma pós-praia com largura
estreita e inclinação suave, o diâmetro médio do grão é de areia média. A
urbanização do beach front é alta, bem próxima a quebra do relevo.
O setor 5 é caracterizado por uma orla semi-abrigada, uma pós-praia com
largura estreita e inclinação moderada, o diâmetro médio do grão é de areia
grossa. Apresenta dunas e cordões arenosos e também afloramento rochoso do
tipo beach rock. Possui praia recreativa na maré alta. A urbanização do
beach front é considerada baixa.
Em todos os setores observou-se a presença de recifes areníticos paralelos à
costa, ausência de manguezal, uma distância moderada da foz do rio
Jaguaribe, meso-marés, arrebentação mergulhante, largura média da zona de
surf, ondas com altura maior que 1m, casas como tipo de construção.
As taxas de deslocamento da linha de costa, causada pelo avanço ou recuo do
mar, foi calculado por Leal (2003) através de comparação de fotografias
aéreas da área, de 1958 e de 2002. Por conseguinte, foi observado que na
enseada, entre Porto de Canoa e a praia de Canoa Quebrada, foi possível
medir o avanço do nível do mar, correspondendo a 1,54 metros por ano,
verificando uma taxa de diminuição da largura da faixa de praia. Em
contrapartida, ocorreu o recuo do nível do mar, aumentando largura da faixa
de praia, entre a metade da distância de Canoa Quebrada e o rio Jaguaribe,
com uma taxa de 2,8 m/ano, aumentando à medida que se aproxima da foz, a
3,5m/ano, 5,8m/ano, até 9,8m/ano.
Então, é visível que existe um deslocamento de sedimento à barlamar de Canoa
Quebrada e à sotamar da foz do rio Jaguaribe. Isso pode ser devido à falta
de aporte de sedimento, já que é observado a ocorrência de urbanização
próxima a faixa de praia, com ocupações irregulares, principalmente em cima
de falésias e dunas, que impermeabiliza o solo, diminuindo o aporte de
sedimento que alimentaria a faixa de praia de Canoa Quebrada.
Determinados fatores naturais e antrópicos condicionaram o índice de
vulnerabilidade dos setores. Sobre os fatores naturais, o tipo de orla
predominante dos setores foi a exposta que culmina em uma maior incidência
de ondas nas praias, causando um maior risco de erosão das falésias.
Além disso, na maioria dos setores, foi observado o predomínio de uma curta
largura da pós-praia que junto com a altura significativa de onda (maior que
1m), aumentam a erosão local das falésias, pois a curta faixa praial não
consegue diminuir a energia das ondas e marés que influenciam na
morfodinâmica das falésias da praia de Canoa Quebrada.
Sobre os fatores antrópicos, foi observado um grande nível de urbanização
nas dunas, falésias e beach fronts na maioria dos setores analisados,
implicando na limitação de estoque de sedimentos disponíveis, acarretando em
um balanço sedimentar negativo, já que não tem uma reposição sedimentar
suficiente, havendo diminuição de sedimento retirados pela deriva litorânea,
diminuindo a faixa praial e aumentando a vulnerabilidade das falésias.
Com isso, é possível concluir que a ação antrópica aumenta ainda mais os
efeitos naturais da vulnerabilidade das falésias na praia de Canoa Quebrada,
pois como é observado nos resultados de vulnerabilidade, os setores com
menor porcentual de vulnerabilidade, setor 1 e 5, são os menos urbanizados,
já que estão mais distantes da urbanização que se concentra nos setores 2, 3
e 4 que são os setores com maior porcentual de vulnerabilidade.
Marino et al (2016) fez um trabalho de vulnerabilidade na praia do Futuro em
Fortaleza/CE, no qual obteve o resultado de 35,30% de vulnerabilidade, um
resultado próximo aos encontrados nos setores 3 e 4 da praia de Canoa
Quebrada, provavelmente devido ao nível de urbanização serem parecidos. De
acordo com Marino et al (2016), a praia do Futuro apresenta uma zona de pós-
praia totalmente ocupada por estruturas fixas (barracas de praia, hotéis e
prédios residenciais), zona de estirâncio curta e inclinada e tendência
progradacional, além disso o bypass costeiro encontra-se quase completamente
erradicado em função da urbanização.
Pelo que foi exposto anteriormente, é observável que as características da
praia do Futuro são similares à da praia de Canoa Quebrada, havendo a
urbanização como principal fator contribuinte da vulnerabilidade da praia.
No trabalho realizado por Narra et al (2017), na zona costeira de Aveiro, em
Portugal, utilizou-se a metodologia de Coelho (2005) que incorpora um total
de 9 parâmetros que influenciam a vulnerabilidade à erosão costeira, além
dos parâmetros utilizados neste trabalho eles consideraram também a
topografia, geologia, geomorfologia e cobertura terrestre. O resultado
apresentou uma vulnerabilidade alta ao longo da maioria do litoral, apenas
com alguns trechos de vulnerabilidade muito alta. Isso é justificável,
devido a topografia e geologia terem sido classificadas principalmente como
muito altas. Ademais, a altura significativa de onda foi classificada como
máxima, contribuindo para o alto nível de vulnerabilidade.
É notável que esse mesmo fator que influenciou a zona costeira de Aveiro a
ter um alto índice de vulnerabilidade também está presente na praia de Canoa
Quebrada, já que esta possui em seu litoral ondas consideradas altas, com
mais de 1m de altura.
Mapa dos índices de vulnerabilidade na praia de Canoa Quebrada.
Mapa de localização dos setores de monitoramento na praia de Canoa Quebrada.
Considerações Finais
A vulnerabilidade na praia de Canoa Quebrada apresentou resultados expressivos em um dos setores, no qual obteve percentual de vulnerabilidade de 42,27% (setor 4), seguido pelo setor 2 (39,59%) e 3 (37,31%); e valores menores nos setores 1 (26,08%) e 5 (30,27%). Resultado diretamente relacionado com a ocupação irregular no topo e na base da falésia. Com isso, o índice de vulnerabilidade ficou em muito alto para o setor 4; alto para o setor 2; moderado para o setor 3 e baixo para os setores 1 e 5. Diante do que foi analisado, é sabido que a ação antrópica, por meio da urbanização desordenada, intensifica os processos naturais de vulnerabilidade das falésias. Sendo assim, é necessário haver uma maior fiscalização pelos órgãos ambientais nas áreas costeiras, de forma a impedir que mais ocupações irregulares sejam instaladas. Além disso, é importante haver mais estudos relacionados ao tema para que o manejo costeiro seja mais adequado. Dessa forma, é possível haver um desenvolvimento mais sustentável com uma ocupação urbana que minimize os processos de vulnerabilidade das falésias.
Agradecimentos
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); Laboratório de Oceanografia Geológica (LOG) - UFC/LABOMAR; Laboratório de Geologia e Geomorfologia Costeira e Oceânica (LGCO) - UECE.
Referências
ASSAD, L. Falésias. As Belas e Perigosas Construções da Natureza. Ciência e Cultura. Vol.62. Nº2. São Paulo, 2010
BIRD, E. Coastal Geomorphology. Na Introduction. Second Edition. p. 67 – 106. Australia: Wiley, 2008
MORAIS FILHO, J.R.C. (2011). Formações superficiais cenozoicas. Projeto Porto Seguro- Santa Cruz Cabrália. CPRM – Geologia, Brasília, v.3, p.19 – 36. 2011.
MORAIS, J. O; FREIRE, G. S.; PINHEIRO, L. S.; SOUZA, M. J. N.; CARVALHO, A. M.; PESSOA, P. R. S. (2006). In: Erosão e Progradação do Litoral Brasileiro. (Org.) MUEHE, D.; Ministério do Meio Ambiente (MMA).1ed. Rio de Janeiro, v.1, 132-134p.
NARRA, P.; COELHO,C.; SANCHO, F.; PALALANE, J. (2017). CERA: An open-source tool for coastal erosion risk assessment. Ocean & Coastal Management, vol. 142, p. 1-14. 2017.
LEAL, J.R.L.V. Zoneamento Geoambiental da Área de Proteção Ambiental de Canoa Quebrada - Aracati, Ceará. 2003. Dissertação (mestrado em Geografia) Departamento de Geologia, Universidade Federal do Ceará, 2003.
ROBINSON, L.A. (1977). Marine Erosive Processes at the Cliff Foot. Marine Geology, 23 257—271.
SEMACE, Superintendência Estadual do Meio Ambiente. Área de Proteção Ambiental de Canoa Quebrada. Disponível em: <http://www.semace.ce.gov.br/2010/12/area-de-protecao-ambiental-de-canoa-quebrada/>. Acesso em: 21 de novembro de 2017
SUGUIO, K. (2003). Tópicos De Geociências Para O Desenvolvimento Sustentável: As Regiões Litorâneas. Revista do Instituto de Geociências. USP. São Paulo. Geologia USP: Série Didática, v. 2, n. 1,. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/guspsd/article/view/45427/49039 >. Acesso: 03 de junho de 2016
SUNAMURA, T., 1992. Geomorphology Of Rocky Coasts, Wiley, England, 302p. 1992.